PESQUISE AQUI!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A busca pela identidade de William Shakespeare


Intrigas, paixões, discórdias e polarizações. O que parece descrição de uma peça de William Shakespeare é, ironicamente, parte dos tons shakespearianos do debate sobre a identidade do autor de sua obra. Duvidar que o filho de um fabricante de luvas de Stratford-Upon-Avon é o mesmo gênio por trás de clássicos como Hamlet e Romeu e Julieta não é novidade. Mas os últimos anos trouxeram uma intensificação de argumentos. Em 2011, Hollywood embarcou de vez na onda cética com Anônimo. Pelo argumento do filme, Shakespeare era apenas o testa de ferro do verdadeiro escritor talentoso, Edward de Vere, o 17o Barão de Oxford. Em abril deste ano, o contra-ataque veio na forma de Shakespeare Sem Sombra de Dúvida, uma coleção de ensaios reunindo alguns dos mais renomados estudiosos da obra do bardo na forma de um detalhado desmanche dos argumentos dos que duvidam da versão oficial dos fatos.

Assim como Montéquios e Capuletos, a questão da autoria também se divide em clãs tão passionais como os dos amantes da tragédia. Stratfordianos são os que defendem o status quo. Os oxfordianos advogam a causa de De Vere. O cenário se complica porque existem subdivisões entre os céticos, desde os que acenam com candidatos mais polêmicos a autor das peças e sonetos, como o poeta Francis Bacon, a acadêmicos que apenas levantam dúvidas sobre a história oficial - como é o caso de Bill Leahy, coordenador de um programa de pós-graduação em estudos autorais de Shakespeare da Universidade de Brunel, em Londres. "Existem razões suficientes para questionarmos se William Shakespeare de Stratford-Upon-Avon foi capaz de produzir esse imenso volume de peças e sonetos. Isso por si só é uma razão para estimularmos o debate e o estudo, cumprir nosso dever como acadêmicos", afirma o expert em literatura do Período Elizabetano (o reinado de Elizabeth I, entre 1558 e 1603).

O problema é que colegas de Leahy não costumam receber com seriedade argumentos questionando a linha oficial. Stanley Wells, presidente do Shakespeare Birthplace Trust, a ONG que cuida do legado do poeta em Stratford-Upon-Avon, classifica o ceticismo como mera teoria conspiratória. Wells guardou mágoa especialmente do grupo de acadêmicos, atores e intelectuais que assinaram um manifesto online com apoio às teorias anti-stratfordianas. "Esse questionamento absurdo deixou de ser obra de amadores para se infiltrar em círculos mais sérios e isso é preocupante", afirma Wells, autor de vários livros sobre a obra de Shakespeare.

Mas há razão para dúvidas? O problema é a falta de documentos sobre William Shakespeare. O pouco que se sabe sobre o homem que nasceu em Stratford é que viveu entre 1564 e 1616 e ganhou dinheiro trabalhando como ator, sócio do Globe Theatre em Londres e até como comerciante de grãos. Nenhum de seus manuscritos sobreviveu. O mais importante documento ligado a ele é o Primeiro Folio, uma antologia impressa de 36 peças publicadas em 1623 com a assinatura de Shakespeare e o mais antigo retrato do homem de Stratford.

Poucos registros

Para alguém tão prolífico com a pena, a ausência de uma profusão de documentos ajuda a alimentar o ceticismo. Ainda mais porque um dos poucos registros deixados por William Shakespeare são seis assinaturas em que seu sobrenome, por sinal, é soletrado de maneiras diferentes, o que faz com que muitos anti-strat-fordianos usem as discrepâncias como evidência de que o filho do fabricante de luvas não teria cacife para produzir tamanho material. "Há estudos mostrando que o autor das peças e sonetos teria um vocabulário composto de 17 mil a 29 mil palavras. Me parece um pouco improvável que alguém com origens mais humildes no Período Elizabetano tivesse capacidade intelectual de produzir tamanha obra", afirma o jornalista Mark Anderson, autor de Shakespeare by Another Name ("Shakespeare com outro nome", em tradução livre), livro de 2006 que defende a causa de De Vere.

Oxfordianos têm boas suas razões para defender o barão. O argumento principal é que só alguém como De Vere, com enorme trânsito na corte, poderia exibir o conhecimento sobre bastidores da nobreza que tanto permeia as peças de Shakespeare envolvendo reis e aristocratas. Mais interessante é o fato de que o barão viveu na mesma Itália que é palco de alguns dos mais populares textos shakespearianos, como a Verona de Romeu e Julieta e a cidade de O Mercador de Veneza, funcionando como uma espécie de embaixador de Elizabeth I.

"Parece-me um nível de conhecimento fora de comum para alguém que, de acordo com o que há de registros oficiais, jamais saiu da Inglaterra, enquanto existe extensa evidência da passagem de De Vere pela Itália. Ele esteve nas dez cidades que Shakespeare cita em sua obra", diz Anderson. O barão também foi um notório mecenas das artes, dono de duas companhias teatrais, além de escrever poemas. Mas De Vere morreu em 1604 e as peças continuaram aparecendo. Uma delas foi A Tempestade, que de acordo com estudiosos se baseou em um famoso naufrágio de 1609, envolvendo uma missão de povoamento enviada aos territórios hoje conhecidos como Estados Unidos.

Céticos também apontam para a mediocridade do testamento de Shakespeare. Escrito em linguagem nada poética, o documento sequer menciona livros, poemas ou as 18 peças que ainda não tinham sido publicadas na época de sua morte. Seu funeral tampouco foi registrado com grandes demonstrações públicas de emoção, e a primeira homenagem escrita só veio justamente na capa do Primeiro Folio.

"É essa falta de conexões do homem com a obra que tem de ser abordada. Todos os autores importantes contemporâneos de Shakespeare deixaram o que se pode chamar de trilha de papel. Cristopher Marlowe é um exemplo, embora sua produção tenha sido bem menor que a do bardo. Também incomoda que um homem tão letrado como Shakespeare não tenha escrito um grande volume de cartas, ainda mais quando foi morar em Londres e deixou a família em Stratford", diz Bill Leahy. No entanto, o próprio Leahy concorda com uma questão crucial. Diferentemente dos tempos modernos, o papel no século 16 não era um produto barato, apesar de a invenção da imprensa por Gutemberg ter derrubado em mais de 300 vezes os custos de produção de um livro. Documentos e afins eram "reciclados", o que também ajuda a explicar, por exemplo, a ausência de materiais como o histórico escolar de Shakespeare.

Isso porque para alguns acadêmicos também há um conflito de classes na discussão. Paul Edmondson, um dos diretores do Birthplace Trust e que coeditou Shakespeare Sem Sombra de Dúvida, critica o que vê como preconceito na causa oxfordiana. "O que mais me incomoda em tudo isso é termos que combater o argumento de que alguém da classe trabalhadora não poderia ter produzido literatura de alto nível. Isso não é apenas historicamente incorreto, mas preconceituso", diz Edmondson.

Coautoria

Uma das experts recrutadas para o livro foi Carol Chillington, pesquisadora da Universidade de Warwick especializada na história do sistema educacional do Reino Unido. É dela que vem uma preciosa análise do currículo das escolas secundárias do Período Elizabetano. De acordo com seus estudos, alunos desses estabelecimentos não só tinham uma grade de disciplinas que incluía o latim, mas também uma lista de leitura de obras clássicas que hoje equivaleria a de uma ementa universitária.

Outro trunfo dos stratfordianos é uma análise feita pelo linguista David Kathman, especialista em dialetos arcaicos do inglês. Seu veredito é que os textos estão repletos de regionalismos relacionados a Warwickshire, onde fica Stratford-Upon-Avon. "Também temos análises de padrão métrico dos versos escritos por De Vere e por Shakespeare que revelam a impossibilidade de uma mesma pessoa ter escrito ambos", afirma Edmondson.

A polêmica ajudou a revelar detalhes interessantes não apenas sobre William Shakespeare, mas também sobre seus métodos de trabalho. Há um ano, duas acadêmicas da Universidade de Oxford, Laurie Maguire e Emma Smith, publicaram um estudo em que provaram que Shakespeare não escreveu sozinho a peça Tudo Está Bem Quando Termina Bem - a dupla até nomeou o escritor e dramaturgo Thomas Middleton como coautor. Smith garante que não foi um "a-rá" para os céticos, mas uma mostra de como entender a questão da autoria.

"O estudo ajuda a mostrar um quadro em que autores escreviam de modo muito mais colaborativo no Período Elizabetano do que se pode imaginar hoje. Trabalhavam de uma forma bem diferente do que imaginamos e romantizamos", afirma Smith. Mais do que celebridades, escritores do século 16 tinham um perfil mais operário, em que a quantidade ditava o ritmo. Companhias teatrais recorriam a diversos autores para chegar ao texto final de peças. E eles não tinham pudor em pegar emprestado trabalhos alheios. "A noção atual de plágio não se aplica a eras passadas. A apropriação era muito mais tolerada."

Os dois clãs concordam em um ponto: o debate não tem data para acabar. "A não ser que alguém encontre algum documento perdido, não se poderá dizer ao certo, mas nem por isso podemos deixar de questionar pontos duvidosos da versão oficial dos fatos, mesmo que firam interesses financeiros", afirma Bill Leahy. Graças a Shakespeare, Stratford-Upon-Avon recebe 5 milhões de visitantes por ano. Emma Smith, que não participou do projeto stratfordiano comandado por Edmondson, acredita que o questionamento tende muito mais à excentricidade do que a ameaça vista pelo Shakespeare Trust. "A reação exacerbada só serviu de munição para quem fomenta teorias conspiratórias. O meio acadêmico deveria aceitar que uma figura tão poderosa quanto William Shakespeare não teria como deixar de ser alvo de ideias de fantasia."

Quem são os candidatos ao posto de maior poeta e dramaturgo inglês

Cristopher Marlowe

Alice no país das maravilhas: Muito além da toca de coelho. Livro revela detalhes sobre a Inglaterra do século XIX.



Ilustração de Jessie Willcox Smith (1923)

Quando publicou seu romance Alice’s Adventures in Wonderland, em 1865, o reverendo e escritor Charles Lutwidge optou por usar o pseudônimo de Lewis Carroll. Deve ter se arrependido do anonimato, porque, rapidamente, o livro tornou-se um estrondoso sucesso. Foi lido pela rainha Vitória (1819-1901) e inspirou o jovem escritor Oscar Wilde (1854-1900). Tudo havia começado três anos antes, durante um inocente passeio de barco pelo rio Tâmisa, em Londres, com o reverendo Robinson Duckworth e três crianças - uma delas Alice Liddell, de 10 anos. Mas a obra não se resumia a um conto infantil. Em Alice no País das Maravilhas, o autor revelou hábitos e conceitos de sua época. Seu trabalho era tão baseado em fatos reais que muitos de seus personagens foram inspirados em pessoas que Carroll conheceu enquanto lecionou matemática na Universidade de Oxford.


A obra logo chegaria ao cinema. Foi lançada pela primeira vez como um curta-metragem em 1903 e teve inúmeras versões, como a animação lançada pelos estúdios Walt Disney em 1951. Dirigida por Tim Burton, a mais recente adaptação deve chegar às telas brasileiras em abril. O roteiro mostra Alice dez anos depois, retornando a Wonderland. O próprio Charles Lutwidge fez algo parecido em Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, de 1871 (ele morreria em 1898). Quem ler o livro ou for ao cinema vai comprovar: seu legado permanece.

O lado real do país surreal

A obra é cheia de referências ao mundo de Lewis Carroll

Violência

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A origem da internet: A história da rede de computadores criada na Guerra Fria que deu início à Terceira Revolução Industrial.



Equipe da empresa BBN Technologies que desenvolveu o servidor IMP, o que viabilizou o funcionamento da Arpanetpor.

A internet revolucionou o funcionamento tradicional das sociedades modernas como o fizeram, há seu tempo, a imprensa, a máquina a vapor, a eletricidade ou a telegrafia sem fio (rádio). Hoje parece normal fazer cursos on-line, preencher formulários administrativos a distância ou expressar opiniões em fóruns de discussão. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 67,9 milhões de brasileiros estavam conectados à internet ou seja, o número de domicílios com acesso à internet no Brasil cresceu 71% entre 2005 e 2009. No entanto, poucos conhecem sua história e as razões de sua criação.

De acordo com o dicionário Houaiss, internet é “rede de computadores dispersos por todo o planeta que trocam dados e mensagens utilizando um protocolo comum”. Ela nasceu no final dos anos 1960, em plena Guerra Fria, graças à iniciativa do Departamento de Defesa americano, que queria dispor de um conjunto de comunicação militar entre seus diferentes centros. Uma rede que fosse capaz de resistir a uma destruição parcial, provocada, por exemplo, por um ataque nuclear.

Para isso, o pesquisador Paul Baran concebeu um conjunto que teria como base um sistema descentralizado. Esse cientista é considerado um dos principais pioneiros da internet. Ele pensou em uma rede tecida como uma teia de aranha (web, em inglês), na qual os dados se movessem buscando a melhor trajetória possível, podendo “esperar” caso as vias estivessem obstruídas. Essa nova tecnologia, sobre a qual também se debruçaram outros grupos de pesquisadores americanos, foi batizada de packet switching, “troca de pacotes”.

Em 1969, a rede ARPAnet já estava operacional. Ela foi o fruto de pesquisas realizadas pela Advanced Research Project Agency (ARPA), um órgão ligado ao Departamento de Defesa americano. A ARPA foi criada pelo presidente Eisenhower em 1957, depois do lançamento do primeiro satélite Sputnik pelos soviéticos, para realizar projetos que garantissem aos Estados Unidos a superioridade científica e técnica sobre seus rivais do leste.

A ARPAnet a princípio conectaria as universidades de Stanford, Los Angeles, Santa Barbara e de Utah. Paralelamente, em 1971, o engenheiro americano Ray Tomlinson criou o correio eletrônico. No ano seguinte, Lawrence G. Roberts desenvolveu um aplicativo que permitia a utilização ordenada dos e-mails. As mensagens eletrônicas se tornaram o instrumento mais utilizado da rede. A ARPAnet seguiu sua expansão durante os anos 1970 – a parte de comunicação militar da rede foi isolada e passou a se chamar MILnet.


O engenheiro da computação Leonard Kleinrock posa junto ao Arpanet Outras redes, conectando institutos de pesquisas, foram criadas nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França.

Faltava estabelecer uma linguagem comum a todas. Isso foi feito com o protocolo TCP/IP, inventado por Robert Kahnet e Vint Cerf em 1974. A ARPAnet adotou essa padronização em 1976. E assim começou a aventura da web com seu primeiro milhar de computadores conectados. O afluxo de usuários engendrou um fenômeno de sobrecarga. Em 1986, uma nova rede foi lançada pela National Science Foundation. A ARPAnet se juntou a ela quatro anos mais tarde.

Uma etapa decisiva foi superada em 1990 com a criação, por um pesquisador do Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear em Genebra (Cern), Tim Berners-Lee, do protocolo HTTP (Hyper Text Transfer Protocol) e da linguagem HTML (Hyper Text Markup Language), que permitem navegar de um site a outro, ou de uma página a outra. A World Wide Web (www) lançou seu voo, e a internet se abriu ao público, empresas particulares e privadas. Uma multidão de sites apareceu.

Com uma infraestrutura de comunicação teoricamente desprovida de autoridade central, a internet, todavia, seria gerida de um contrato com o governo americano, que havia financiado sua criação, e diversos órgãos que assegurariam seu crescimento. Foi o caso da Internet Assigned Numbers Authority (IANA), responsável pela gestão dos nomes dos domínios, o DNS (Domain Name System). Graças a ele, os endereços IP, constituídos de uma série de códigos (o endereço numérico atribuído a cada computador conectado à rede) são traduzidos em letras que compõem nomes identificáveis e memorizáveis.

Apesar de gerido pela IANA, o DNS sempre esteve sob controle do Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Em 1998, sua gestão foi confiada a uma organização californiana de direito privado, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann). Em 2009, os contratos que ligavam a Icann ao Departamento de Comércio americano expiraram, e a empresa passou a ter mais autonomia. Sua missão é assegurar, dos Estados Unidos, a coordenação técnica do sistema de denominação. Deve promover também a concorrência e garantir a representação global das comunidades na internet. Os interessados em política mundial da rede podem participar de seus trabalhos, por meio de fóruns acessíveis em seu site na web.

Esse controle técnico e administrativo da internet nos Estados Unidos causa, porém, tensões internacionais. Desde 2003, a Organização das Nações Unidas (ONU) reclama uma gestão “multilateral, transparente e democrática, com a plena participação dos Estados, do setor privado, da sociedade civil e das organizações internacionais”. Em 2006, em decorrência de tal demanda, foi instituída uma estrutura de cooperação internacional, o Internet Governance Forum (IGF). Mas essa instância tem apenas papel consultivo. Ela deve, também, velar pela liberdade de difusão das inovações tecnológicas e ideias. Uma questão essencial, pois a internet se baseia no princípio de neutralidade, que exclui qualquer discriminação da fonte, destinatário ou conteúdo transmitido na rede.


Há três anos, a China criou uma "sub-rede", diretamente controlada pelo governo: ações como essa contrariam a ideia de uma internet livre para todos Já existem mais de 2 bilhões de internautas no mundo, ou seja, um terço da população planetária.

Os progressos da informática, associados aos do audiovisual e das telecomunicações, permitiram a criação de novos serviços. Depois do desenvolvimento de redes de banda larga com fio (ADSL e fibra óptica) e sem fio (wifi, Bluethooth e 3G), e da internet móvel (WAP), desenvolveram-se outras tecnologias e produtos da chamada “web 2.0”. Essa segunda geração se caracteriza por suas aplicações interativas (blogs, wikis, sites de compartilhamento de fotos e vídeos ou redes sociais), que renovaram a relação entre os usuários e os serviços de internet, criando o princípio de uma cultura compartilhada em rede.

A fantástica ciência do Antigo Egito: Conheça a história das maravilhas que o Antigo Egito deixou para o mundo e saiba por que o povo do Nilo era tão criativo.


A herança deixada pelos faraós à humanidade vai muito além de pirâmides e sarcófagos dourados. Eles também nos legaram invenções sofisticadas e costumes curiosos que atravessaram os séculos e continuam vivos. Conheça todas as contribuições do povo do Nilo e descubra por que eles foram tão criativos, avançados e misteriosos.

Na sala, pai e filho estão entretidos com jogos de tabuleiro e bebem cerveja em um final de tarde de domingo. A perna engessada de um deles não permitiu que fossem a uma cervejaria. No quintal, as crianças se divertem brincando de amarelinha e entre os cães de estimação que correm derredor. Em um dos quartos, duas adolescentes experimentam novos cosméticos e cremes hidratantes, enquanto conversam sobre métodos contraceptivos e o teste de gravidez que a mais velha fará no dia seguinte. No quarto principal, uma mulher divide seus pensamentos entre a contabilidade de sua padaria e o divórcio prestes a se concretizar. Para amenizar a dor de cabeça, ela toma um remédio à base de ácido acetilsalicílico, o princípio ativo da aspirina.
Se alguém perguntasse onde e quando essa cena aconteceu, a resposta poderia muito bem ser o Brasil ou os Estados Unidos há muito pouco tempo. Mas, por mais incrível que possa parecer, se alguém respondesse que a situação deu-se no Egito no tempo dos faraós, estaria absolutamente certo. A chance de momentos como esses terem ocorrido durante o reinado de Tutancâmon ou Ramsés é praticamente tão grande quando no Ocidente do século 20.
Escondidos sob a mística de pirâmides e maldições de múmias, os avanços científicos e culturais dos povos do Antigo Egito costumam surpreender mesmo a quem se considera iniciado no assunto. Diversas descobertas atribuídas a europeus pós-Renascimento fizeram parte do cotidiano daqueles que viveram às margens do Nilo muitos séculos antes de Cristo. O histórico dessa lacuna científica é complexo, rende livros e mais livros. Mas o fato é que muitas coisas que se acredita serem méritos de um passado recente na verdade são muito, mas muito mais antigas que as nossas tataravós.

Da aspirina ao teste de gravidez

Uma das revelações mais impressionantes ao estudar a herança do Antigo Egito é seu desenvolvimento em medicina e farmacologia. Em O Legado do Antigo Egito, o egiptólogo Warren R. Dawson, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, cita papiros médicos datados de até mais de 40 séculos atrás retratando procedimentos médicos e remédios usados até hoje por profissionais da área de saúde. Substâncias como óleo de rícino, ácido acetilsalicílico, própolis para cicatrização e anestésicos já eram conhecidas. Os documentos descrevem cirurgias delicadas, o engessamento de membros com ossos quebrados e todo o sistema circulatório do corpo humano.

Antonio Brancaglion, historiador do Museu Nacional do Rio de Janeiro e membro da Associação Internacional dos Egiptólogos, conta que o desenvolvimento da medicina foi motivado, principalmente, pela quebra de um mito em relação à violação do corpo humano. “Outras povos da época, como sumérios e assírios, acreditavam que, se o corpo fosse aberto, a alma escaparia. É claro que isso sempre foi um impedimento para experimentos médicos”, diz Antonio. Entre os egípcios, no entanto, deu-se justamente o oposto.

A religião dos faraós deu uma senhora ajuda às descobertas médicas. “Eles acreditavam que para alcançar vida eterna a alma de seus mortos precisava de um corpo. Por isso, desenvolveram o que chamamos genericamente de mumificação”, afirma. A mumificação, na verdade, é um conjunto de procedimentos químicos e físicos que visava a preservação dos corpos (veja infográfico nas páginas 48 e 49). Esses processos exigiam a retirada cirúrgica de alguns órgãos internos, que eram separados uns dos outros. Em alguns casos, eles eram tratados e recolocados no lugar. Com isso, os egípcios passaram a conhecer o interior do corpo humano de uma forma inédita até então. Localizaram cada órgão e estudaram a relação entre eles. Embora estivessem errados em algumas de suas conclusões – eles acreditavam que o coração comandava nossos pensamentos – eles descobriram várias coisas que podiam ser aplicadas aos vivos.

Um dos melhores exemplos disso é o conhecimento sobre o sistema circulatório. O corpo de Ramsés II (1279 a 1212 a.C.) teve suas veias e artérias retiradas, mumificadas e recolocadas. O hábito de tomar o pulso do paciente como forma de avaliar sua saúde é descrito no papiro Ebers, datado de 1550 a.C. “O batimento cardíaco deve ser medido no pulso ou na garganta”, dizia o antigo documento, certamente um dos primeiros livros de medicina do mundo. Essa é outra inovação egípcia. Eles anotavam tudo nos chamados papiros médicos (alguns desses documentos serão citados no decorrer desta reportagem). Segundo Dawson, o conhecimento médico até então considerado era sagrado e geralmente transmitido por tradições orais. Os registros eram raríssimos. No Egito, a intensa documentação sobre os procedimentos médicos permitiu que esse conhecimento fosse passado com maior exatidão – embora não menos sagrado.

O conhecimento da circulação sanguínea é responsável por um costume que persiste até hoje: o uso da aliança de casamento. Para os egípcios, do coração partiam veias que o ligavam diretamente a cada um dos membros. Na mão esquerda, essa veia terminava no dedo anular. Acreditando que o coração era o centro de tudo e que ele está ligeiramente deslocado para o lado esquerdo do peito, os casais passaram a colocar uma fita no dedo anular esquerdo como forma de prender o coração do amado. Com o passar do tempo, essa fita foi substituída por um aro de metal que, dependendo das posses do casal, poderia ser o ouro. Bonito, não?

A mumificacão mudou muito nos mais de 3 mil anos em que foi praticada. Com ela, evoluiu também o conhecimento que tinham do cérebro. As primeiras descrições do processo indicam que o cérebro era retirado pelo nariz e jogado fora junto com o conteúdo dos intestinos dos mortos. Mas, com o tempo, os egípcios passaram a relacionar o funcionamento do órgão com a coordenação motora. Há descrições completas de procedimentos cirúrgicos intracranianos nos papiros do século 15 a.C. No entanto, só recentemente, em 2001, especialistas da Universidade de Chicago, Estados Unidos, que realizaram tomografias em ossadas encontradas em Saqqara, um dos sítios arqueológicos mais importantes do Egito, conseguiram demonstrar casos em que os crânios abertos cirurgicamente apresentavam indícios de cicatrização, o que leva a crer que o paciente sobreviveu à operação. E melhor: ele não deve nem ter sentido muita dor.

O uso de anestésicos era prática comum dos médicos da época. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) Mário Curtis Giordani cita em seu livro História da Antiguidade Oriental um processo de adormecimento de partes do corpo feito com a utilização de uma mistura de pó de mármore e vinagre. Antonio Brancaglion destaca os anestésicos à base de opiáceos que eram ingeridos. Esses antecessores da morfina só voltaram a fazer parte dos procedimentos cirúrgicos cerca de três séculos atrás, na Europa. Os egípcios dominavam métodos avançados para amputação de membros e cauterização e davam pontos para fechar incisões. Acredita-se que foram os primeiros a utilizar essa técnica. Os médicos eram especializados como nos dias de hoje. Quem cuidava de fraturas não mexia com problemas de pele. A especialização incluiu o aparecimento dos odontólogos. Os dentistas já usavam brocas, drenavam abscessos e faziam próteses de ouro.

E, para quem pensa que a medicina egípcia era coisa para poucos, aí vai uma nova: os trabalhadores braçais – os mesmos que empurraram pedras monumentais para construir as pirâmides – possuíam uma espécie de plano de saúde. Escavações na Cidade dos Trabalhadores – um conjunto de casas encontrado na planície de Gizé, à sombra da grande pirâmide – revelaram múmias com até 4 500 anos que receberam tratamento médico. “Eram pessoas comuns que se curaram e voltaram ao trabalho”, afirma Zahi Hawass, diretor do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito. “Alguns corpos apresentavam marcas de fraturas consolidadas, membros amputados e até cirurgias cerebrais.”

Outro avanço da medicina egípcia foram os métodos contraceptivos. A egiptóloga Margaret Marchiori Bakos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, diz que a maioria deles consistia na aplicação de emplastros espermicidas na vagina. O papiro Ebers relata que “para permitir à mulher cessar de conceber por um, dois ou três anos: partes iguais de acácia, caroba e tâmaras; moer junto com um henu de mel, um emplastro é molhado nele e colocado em sua carne.” Um “henu” equivale a cerca de 450 mililitros. “A acácia continha goma arábica, que com a fermentação e a dissolução em água resulta em ácido lático, ainda hoje utilizado em algumas geléias contraceptivas. O mel, que também aparece no papiro Kahun, pode ter tido alguma eficácia. “Seu efeito tende a diminuir a mobilidade do espermatozóide”, diz Margaret.

Quando havia suspeita de gravidez eram feitos testes com a urina. “A mulher urinava em um recipiente em que havia uma variedade de cevada. Se ela germinasse, a gravidez estava confirmada”, diz Antonio Brancaglion. Para o especialista, independentemente do percentual de acertos, o mais notável é o conhecimento da relação entre a composição da urina e a gravidez.

Circunavegação da África e controle de cheias

A medicina não foi a única ciência em que os egípcios se desenvolveram. Eles foram engenheiros notáveis em química, construção civil, naval e hidráulica. “Nem sempre é possível afirmar que tenham sido precursores nesta ou naquela descoberta”, afirma Antonio, “pois a pesquisa nunca termina. Baseando-se no que se encontrou até hoje, dá para concluir que eles foram os primeiros em diversas tecnologias.”

Na navegação, há fortes indícios de que alguns dos louros atribuídos aos fenícios precisam ser divididos com os egípcios. A vela mais antiga de que se tem notícia, por exemplo, é egípcia e foi encontrada dobrada dentro de uma múmia em Tebas, de cerca de 1000 a.C. Os mais antigos modelos de barcos a vela dos fenícios de Tiro e Cartago datam do século 8 a.C. Os egípcios foram os primeiros a projetar barcos pensando previamente no destino que eles teriam. Modelos militares eram diferentes dos cargueiros, que por sua vez não se pareciam com os utilizados para lazer ou cerimônias religiosas. Eles criaram os melhores barcos militares e a frota mais veloz. A chamada nau de Quéops, com 47 metros de comprimento e datada da Quarta Dinastia (2589 a 2566 a.C.), é a mais antiga embarcação desse porte encontrada até hoje. Num barco ainda maior, durante o governo do Necho II (610 a 595 a.C.), eles já haviam realizado a circunavegação da África.

Quem acredita que o primeiro navegador a dobrar o cabo das Tormentas, no sul da África, foi o português Bartolomeu Dias, em 1488, precisa rever seus conceitos.
Os armadores egípcios conheciam as propriedades de expansão da madeira, rigidez e durabilidade. Tais conhecimentos eram vitais na construção de embarcações capazes de sustentar blocos de pedras com mais de 80 toneladas. “O grande mistério da engenharia naval do Antigo Egito não é como os barcos agüentavam tanto peso, mas de que forma as pedras eram colocadas neles. Há diversas suposições, que vão da construção de diques secos até afundamento dos barcos para posterior emersão, no caso de cargas menores”, diz Antonio Brancaglion. Até agora não foram encontrados registros sobre como eles colocavam uma rocha de 80 toneladas numa balsa sem que ela adernasse durante a operação. Mas que eles conseguiam, conseguiam.

Um dos feitos mais impressionantes dos engenheiros do Antigo Egito foi a construção de um antecessor do atual Canal de Suez. “Em aproximadamente 2500 a.C. os egípcios construíram uma eficiente passagem ligando o mar Vermelho ao Mediterrâneo, como os europeus vieram a fazer em 1869.”

O Nilo, artéria que era a própria vida do Antigo Egito, desde os primeiros povos que se instalaram na região, cerca de 5500 a.C, foi também uma importante fonte de pesquisa e avanços científicos. Os egípcios sabiam da importância do rio como via de transporte e de sua relação com a preservação e manutenção das terras férteis ao longo do vale. As cheias eram vistas como benéficas pelos egípcios e não como uma vingança dos deuses, como na Mesopotâmia. O livro do professor Mário Giordani mostra o uso de instrumentos para medir a variação das cheias (nilômetros), relata os conhecimentos sobre fertilizantes naturais, como esterco, o trabalho das minhocas e a própria lama do Nilo, que era transportada para áreas a princípio estéreis. Foram os primeiros também a utilizar o arado manual.

Por volta de 2300 a.C. eles já aplicavam técnicas de irrigação artificial, por meio de canais com vazão controlada. Criaram um sistema de bombeamento de água chamado shaduf. Consistia em um processo elevatório que levava a água até locais naturalmente não inundados, para aumentar a área produtiva. O shaduf é usado até hoje, principalmente no bombeamento de pequenas quantidades de água ou situações em que o custo da implantação de sistema automático não é compensador. A roda para bombear água movida a tração animal também vem do Egito, no tempo dos romanos, entre 30 a.C. e 395 d.C.

Greves e telhado de vidro

Na construção civil, os egípcios foram grandes mestres. Construções como as grandes pirâmides, a esfinge e as estátuas no Vale dos Reis estão entre as estruturas mais belas e requintadas da Antiguidade, mas os exemplos do impressionante uso da pedra, da marcenaria e da fabricação do vidro estão por todo o Egito. E, mais uma vez, o modo de vida e a religião estão diretamente ligados ao desenvolvimento de técnicas de construção. “Os egípcios queriam durar para sempre e isso fazia parte de vários aspectos de sua cultura. Seus templos eram construídos com a expectativa de serem eternos. As paredes de pedra serviam, ainda, como suporte para sua história, seu contato com o passado”, diz Antonio Brancaglion.

Os egípcios são considerados precursores do uso de pedras para obras em larga escala. Os primeiros registros datam de quase 5 mil anos atrás. Na Terceira Dinastia, por volta de 2700 a.C., já se cortavam pedras no tamanho e no formato dos tijolos atuais. As construções em rocha e a precisão nos cortes mostram os conhecimentos geológicos avançados dessa civilização. Eles já sabiam que a dureza das rochas variava conforme sua composição mineralógica e que elas tinham pontos frágeis em sua estrutura, por meio dos quais se aplicavam as técnicas de corte. Nas fissuras eram introduzidos instrumentos de madeira, posteriormente molhados. Expandidos, eles forçavam a quebra da rocha no ponto desejado. Os egípcios criaram também os primeiros serrotes de metal. Eram utilizados em rochas menos duras, como o calcário.

Desenvolveram técnicas de polimento com areia e modernas formas de encaixe, tanto da madeira quanto da pedra. “Recortes tipo macho e fêmea vieram daí”, afirma Antonio. “O pó que sobrava do corte e polimento das rochas era misturado a cal, gesso e água, formando uma massa usada para tapar buracos ou corrigir irregularidades nas paredes: um antepassado do cimento.” Ainda na construção civil, os discípulos dos faraós foram os primeiros a estudar profundamente o solo para a colocação de fundações e a construir sistemas de calhas para escoamento da água da chuva.

A estrutura de dutos e calhas também era montada no campo, para evitar deslizamentos de terra e inundação de áreas férteis pela chuva que escorria das encostas. A primeira barragem pluvial de que se tem notícia data do final da Segunda Dinastia (2750 a.C.). Tinha 10 metros de altura e 1,5 quilômetro de extensão. Cedeu numa tempestade quando estava em fase final de construção. A engenharia egípcia também foi a primeira a utilizar réguas, esquadros e prumos. Eles foram os inventores do vidro moldado, processo ainda presente em alguns setores da fabricação de vidro opaco. A técnica do sopro foi desenvolvida posteriormente na Mesopotâmia. A base da tecnologia da fundição do bronze e de outros metais no mundo todo também veio do Antigo Egito.

Os egípcios eram caprichosos joalheiros e marceneiros. A técnica de solda e montagem de jóias é a mesma dos tempos atuais e, na marcenaria, se destacaram pelos detalhes no entalhamento dos móveis e modernidade dos projetos. Já produziam móveis dobráveis e foram os precursores das camas com estrado. “Os egípcios de classes mais altas foram os primeiros a dormir em camas de madeira com estrado”, conta o especialista do Museu Nacional.

Com tanto trabalho por fazer, era natural que as primeiras organizações entre os operadores dessa incrível máquina de construir se formassem por ali. O Antigo Egito foi palco das mais antigas greves de que se tem notícia. O registro mais remoto de uma paralisação desse tipo aconteceu no Novo Império (entre 1570 e 1070 a.C.), durante o reinado de Ramsés III. Os operários da construção de um templo decidiram cruzar os braços por não receber no prazo combinado comida, roupas e maquiagem que usavam para trabalhar. O sacerdote tentou negociar com os grevistas, mas o patrão, ou melhor, o faraó não cumpriu a promessa. Só o fez dois meses depois, quando os operários não apenas cruzaram os braços novamente, mas também ocuparam o templo que estavam construindo.

Se por um lado fizeram greves, por outro criaram técnicas de policiamento utilizadas até hoje, como o uso dos animais na captura de malfeitores. Há registros de policiais fazendo patrulhamento acompanhados por macacos e cenas de babuínos pegando ladrões em mercados.

Azul do céu e das tintas sintéticas

“Nem sempre os egípcios foram inventores desta ou daquela tecnologia. Muita coisa feita por outros povos eles aperfeiçoaram”, diz Antonio Brancaglion. Seu papel no mundo antigo não era o de produtor de matéria-prima, mas o de transformador de tecnologia e exportador. “Poderia ser comparado aos Estados Unidos de hoje, um grande centro de pesquisa e comércio internacional.”

A criação da cerveja, por exemplo, costuma ser atribuída a eles, mas os mesopotâmicos também conheciam o método de fermentação e fabricavam bebida semelhante. “Só que ninguém se aperfeiçoou tanto nos aromas e na variedade de sabores como os egípcios. O que possivelmente tenha sido idéia deles foram as grandes cervejarias, aonde as pessoas iam para beber e conversar já em 1500 a.C. A indústria da panificação também vem dos egípcios, bem como a adição de frutas e temperos aos pães”, afirma o professor.

Além de estudiosos da Terra, os egípcios gostavam de desvendar os mistérios do céu. O mapeamento celeste foi feito por egípcios e mesopotâmicos. Aos egípcios coube o reconhecimento das estrelas para contar as horas de noite e a montagem do primeiro calendário solar, com 365 dias em 12 meses. Foram eles também que dividiram o dia em 24 horas, 12 para a noite e 12 para o dia. Identificaram planetas como Vênus e Marte e estrelas como Sirius e Órion e localizaram o norte pelo posicionamento das estrelas.

Os egípcios foram químicos valiosos. Pioneiros na indústria de perfumes e excelentes técnicos na área de cosméticos – a maquiagem tinha uma grande importância para a saúde, pois sua composição protegia a pele dos efeitos do sol –, eles foram os primeiros a fabricar uma tinta sintética. “Os artistas usavam tintas com base mineral em vez de vegetal, como faziam outros povos. O branco vinha do cal, o amarelo do ferro, o preto do carvão e assim por diante. Muita gente pensa que o azul vinha do lápis-lazúli moído, o que não é verdade. Essa rocha gera pó branco e não azul. Para chegar ao azul eles misturavam óxidos de cobre e cobalto com bicarbonatos de sódio e cálcio e fundiam a mais de 700 graus Celsius.

Essa fusão resultava em uma pedra azul que era moída e misturada com um aglutinante natural, como clara de ovo ou goma arábica, e virava uma espécie de guache”, diz o estudioso. Os vernizes criados naquela época à base de damar, uma resina vegetal, são utilizados até hoje. Eles conheciam o betume e usavam uma espécie de piche como selante.

Instrumentos como harpa, flauta, trombeta de metal, oboé e dois tipos de alaúdes, o menor com um som parecido ao do violino, também são originários da terra dos faraós, bem como jogos de tabuleiro e brincadeiras infantis como cabra-cega e amarelinha. Com toda essa herança, por mais que as origens de cada um de nós não passe nem perto das etnias do Antigo Egito, essa civilização faz parte dos nossos hábitos e costumes.

Eles queriam ser eternos. Ordenaram todas as suas energias, corações e mentes para isso. Construíram seus templos de pedra, onde gravavam suas memórias nas paredes, mumificavam os mortos para que seus corpos vivessem até a eternidade e, assim, desenvolveram a ciência, a arte e os costumes. Não resta dúvida: eles conseguiram.

As primeiras feministas

A evolução darwinista é “indispensável” para a Biologia?


Larry Moran tem uma postagem divertida sobre a evolução como um dos novos conceitos fundamentais em bioquímica e biologia molecular. Se você tem que proclamar periodicamente ao mundo da indispensabilidade de sua disciplina científica, então sua disciplina científica não é indispensável.

Da American Society for Biochemistry and Molecular Biology, com meu comentário:

A Importância Central da Teoria da Evolução em todas as Ciências Biológicas

“Assim como é para todas as ciências biológicas, a evolução é um conceito fundamental em bioquímica e biologia molecular”.

A evolução é irrelevante para a bioquímica e biologia molecular. A bioquímica e a biologia molecular são, é claro, bem importantes no desenvolvimento de uma compreensão da história evolucionária. O nosso entendimento da história evolucionária é dependente (em grande parte) na bioquímica e biologia molecular. Afirmar a dependência reversa é raciocinar em círculo.

“Um entendimento da história evolucionária partilhada por todos os sistemas vivos em nosso planeta é assim crítica para qualquer estudante dessas disciplinas”.

Vide acima. A bioquímica e a biologia molecular são uma grande parte da evidência da evolução. Portanto, a evolução não pode ser uma grande parte da evidência para a bioquímica e biologia molecular.

“A teoria evolucionária guia os esforços experimentais através da bioquímica e biologia molecular.”

Bobagem. As inferências evolucionárias, se boas ou más estórias, são irrelevantes para pesquisa em bioquímica e biologia molecular. Muito, se não a maior parte da pesquisa em bioquímica e biologia molecular é conduzida em escolas de medicina, que não ensinam biologia evolucionária e não têm departamentos de biologia evolucionária.

“Isso varia da comparação de enzimas relacionadas de espécies diferentes pela identificação de resíduos de sítios ativos fundamentais...”

A bioquímica e a biologia molecular pode ser usada para inferir ancestralidade comum evolucionária (o design comum também é uma inferência razoável). A inferência para a ancestralidade evolucionária baseada na bioquímica e biologia molecular não pode então contribuir para a pesquisa em bioquímica e biologia molecular, porque, conforme destacado acima, isso seria raciocinar em círculo.

“... até ao uso de comparações interespécies na determinação de funções de genes...”

Idem.

“até a procura de genes responsáveis para doenças genéticas usando abordagens filogenéticos para o estudo de mecanismos reguladores que guiam o desenvolvimento.”

As doenças têm causas próximas e evolucionárias. Os bioquímicos e biólogos moleculares estudam causas próximas. Os biólogos evolucionistas inventam estórias evolucionárias baseada na pesquisa de causas próximas. A contribuição é unidirecional.

“Nossas tentativas em compreender as moléculas humanas e processos são imensamente aprimoradas pela nossa compreensão de seus contrapartes em outros organismos.”

A similaridade entre humanos e outros organismos é estabelecida pela bioquímica, biologia molecular, fisiologia, anatomia, etc. Baseadas em similaridades, as inferências evolucionárias são invocadas pelos biólogos evolucionistas. Se os bioquímicos etc. afirmassem que as estórias evolucionárias fossem essenciais ao seu trabalho, eles estariam... raciocinando em círculo. Mas, é claro, eles na verdade não afirmam isso. Eles apenas prestam homenagem à evolução para manter longe os darwinistas.

“Nossos esforços em lidar com um novo patógeno humano – viral, bacteriano, ou eucariótico – são aprimorados incomensuravelmente por prévios estudos de vírus ou organismos relacionados ao patógeno.”

“Relacionados” é determinado pela bioquímica e a biologia molecular. As estórias evolucionárias sobre relacionalidade são derivadas das similaridades bioquímicas e moleculares. Portanto, a evolução é informada pela, mas não informa, bioquímica e biologia molecular.

O comentário saliente sobre esses louvores tolos à evolução foram feitos por um importante biólogo molecular e membro da National Academy of Sciences dos Estados Unidos, Philip Skell:

“[A] forma moderna da teoria de Darwin foi elevada ao seu atual status elevado porque dizem ser a pedra angular da biologia experimental moderna. Mas isso é correto? “Embora a grande maioria dos biólogos, provavelmente, concordaria com a máxima de Theodosius Dobzhansky de que ‘nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução’, a maioria pode conduzir seu trabalho bem felizmente sem referência particular às ideias evolucionárias”, A.S. Wilkins, editor do journal BioEssays, escreveu em 2000. “A evolução pareceria ser a ideia unificadora indispensável e, ao mesmo tempo, uma ideia altamente supérflua”.

Joaquim Falcão 'falou e disse' sobre o cerceamento da liberdade acadêmica: é doutrinação e idolatria!


"Ensino sem ampla liberdade de pesquisar não é ensino. É doutrinação. Pesquisa sem erros e acertos, debate e experimentação não é pesquisa. É idolatria."


            JC e-mail 4848, de 04 de novembro de 2013
8. Em favor da liberdade acadêmica


Artigo de Joaquim Falcão* publicado na Folha. Eis aí, ao lado da defesa da liberdade acadêmica, uma boa campanha para nossos artistas: a exigência de uma Justiça responsabilizante


Vetar biografias não autorizadas por herdeiros dos retratados é proibição de múltiplas inconstitucionalidades. Muito além da violação da liberdade de expressão. Fere gravemente a liberdade acadêmica, a liberdade de ensinar e de pesquisar.

A Constituição Federal é clara no seu artigo 206. O ensino será ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Em seu artigo 218, determina que a pesquisa científica e tecnológica é prioritária e é obrigação do Estado incentivá-la.

A posição de alguns artistas de exigir seu consentimento aos livros publicados sobre suas vidas fere gravemente programas e projetos de inúmeros centros, cursos, institutos e faculdades de história.

Atinge professores, pesquisadores e historiadores profissionais. E todos os que usam do método histórico para fazer avançar o conhecimento em suas áreas de atuação não históricas.

Não se pode pesquisar a vida das instituições sem conhecer a vida dos que fizeram essas instituições. Não se pode melhor saber do Supremo sem conhecer seus ministros. Sem pesquisar, explicar e aplaudir a coragem cívica de ministros como Adauto Lúcio Cardoso, Evandro Lins e Silva e Aliomar Baleeiro. Teríamos que pedir permissão aos seus herdeiros? E se negassem? Reduzir-se-ia o Brasil?

Não se pode saber a história da advocacia sem conhecer a vida de Sobral Pinto ou Rui Barbosa. Nem conhecer nosso patrimônio arquitetônico e cultural sem conhecer as vidas de Lúcio Costa, Mário de Andrade ou Aloísio Magalhães.

Pesquisar é formar profissionais, investir em instituições, tecnologias, bibliotecas. Custa recursos, talento e sonhos. Quem irá pesquisar se os herdeiros é que vão decidir o destino do trabalho acadêmico? Não devemos transformar nossa história em capitanias hereditárias.

Ensino sem ampla liberdade de pesquisar não é ensino. É doutrinação. Pesquisa sem erros e acertos, debate e experimentação não é pesquisa. É idolatria.

Não posso ser professor nem pesquisador --o que a Constituição Federal de 1988 me assegura-- se a liberdade de publicar minhas pesquisas, inclusive comercialmente, não me for assegurada.

Defender a privacidade é necessário. Mas quem abre para revistas de celebridades sua casa, seu quarto, sua festa, sua intimidade já fez juridicamente uma opção: abriu mão voluntariamente de um conceito mais amplo de seu direito à privacidade. Assim tem entendido a nossa Justiça.


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

ESPECIAL EGITO: Cativos sim, escravos não!

A imagem épica de milhares de escravos erguendo magníficas pirâmides esconde uma realidade mais complexa. Os níveis de dependência e servidão na sociedade egípcia eram variados e não estão de todo decifrados, mas a escravidão, no sentido greco-latino, não existiu.


Níveis de dependência poderiam ser identificados como um tipo de escravidão, mas não havia a propriedade de um indivíduo sobre o outro. Israel no Egito, óleo sobre tela, Edward Poynter, 1867.


Diante dos grandes monumentos, como as pirâmides, só nos resta imaginar as massas de indivíduos curvados sob fardos muito pesados e sob as ordens de contramestres sádicos. E se trabalhar para o faraó constituísse de fato uma forma de recompensa?

É um dos temas que despertam mais paixão nos egiptólogos, mas também o fundamentalismo – a palavra não é forte demais – tanto daqueles que negam ferozmente o fato quanto daqueles que afirmam o contrário com veemência, como se a vida de uns e de outros dependesse da resposta. Como se também fosse possível resolver de forma simples um problema envolvendo noções tão complexas quanto as que dizem respeito à liberdade humana.

O Egito não conheceu a escravidão no sentido greco-romano, designando um indivíduo privado de sua liberdade, vivendo sob a autoridade absoluta de um mestre, seja devido ao nascimento – sendo ele mesmo filho de escravo –, seja após ter sido capturado (no decorrer de uma guerra), vendido ou condenado. Considerado como um bem material, ele se torna – para sempre – a propriedade explorável e negociável de outra pessoa. Ao longo do Vale do Nilo, essa forma de escravidão não ocorreu antes da época ptolomaica (século IV antes da nossa era), data em que os gregos se tornaram soberanos do país, levando com eles algumas de suas tradições, em particular a escravidão. Na sociedade egípcia, existiam múltiplos níveis de dependência que ligavam os homens entre si. Alguns podiam ser identificados como uma forma de escravidão, mesmo que estives- sem longe de responder aos critérios impostos pela definição jurídica.


Trabalhar para os faraós era uma forma de se apropriar de um pouco das benesses dos “filhos dos deuses”. Pintura na tumba do nobre Rekhmire, c. 1500-1450 a.C.


SEM PALAVRA QUE DESIGNE “ESCRAVO”

O funcionamento da realeza egípcia baseava-se em um elemento essencial – que aproxima muito o estado de espírito dos trabalhadores egípcios ao dos construtores de catedrais na Idade Média: filho dos deuses e seu representante na Terra, o faraó, no ápice da pirâmide social, garantia a vida e assegurava a cada um sua subsistência. Em troca desses benefícios, ele estava no direito de exigir dos súditos seu trabalho, de modo que cada um participava da grande obra coletiva.

Ainda por cima, por mais árduo que fosse o trabalho, contribuir para a edificação dos monumentos destinados ao futuro solar do rei ou à manutenção do equilíbrio cósmico permitia se apropriar de uma parcela das prerrogativas habitualmente reservadas ao personagem real. Enfim, fato sem dúvida revelador do sucesso do sistema faraônico, a coesão social passava pelo pertencimento a um Estado cuja organização quase militar era centrada na acumulação de riquezas, produzidas por uma mão de obra particularmente móvel com status sociais extremamente diversos.

Em um estudo especialmente instrutivo intitulado “Les noms de l’esclave en egyptien” (Os nomes de escravos em egípcio), o egiptólogo Jules Baillet elaborou uma lista dos vocábulos utilizados nos textos faraônicos para expressar a ideia de escravidão. Eis o que ele constatou: na língua egípcia, não existem palavras para designar o escravo no sentido estrito e, embora muitos termos expressem a sujeição, “nenhum corresponde exatamente à ideia de servidão”, tal como definida na Grécia ou em Roma. Daí sua pergunta: “O que é um estado social se nenhuma palavra o designa?”.

Evidentemente, se a palavra não existe, o mesmo ocorre com o status. Entre os muitos termos enumerados por Baillet, dois são mais comumente traduzidos por “escravo” entre os autores favoráveis à tese da existência da escravidão no Egito: hem e bak, duas palavras que parecem totalmente sinônimas na língua egípcia e que se pode, de maneira menos categórica, interpretar por “servo”, e mesmo “dependente”. Em egípcio, o sacerdote é um hem netjer, um “servo de deus”, e, como observa Bernadette Menu, grande especialista nas questões de direito no Egito antigo, um vizir se consideraria o bak do faraó, seu “devoto” de alguma maneira. Segundo Bernadette, a noção de escravidão não responde a uma necessidade egípcia. À luz dos textos jurídicos, parece claramente que o indivíduo hem ou bak era um homem livre, perfeitamente integrado à sociedade, dispondo de um estado civil, titular de direitos e devedor de obrigações idênticas às do resto da população: embora pudesse se casar, ter posses, vender, contratar ou entrar na Justiça, ele não podia escapar do pagamento de impostos e ao regime de corveia (trabalho gratuito).

Paralelamente, estão conservados vestígios nos arquivos, sobretudo da Época Baixa (por volta do século VI antes da nossa era), de contratos relativos à venda ou à locação de indivíduos dependentes, tema muito controverso entre os egiptólogos: trata-se do que chamamos comumente “escravidão por dívida”, cuja negociação se referia a serviços temporários, avaliados e quantificados previamente pelos interessados.


Camponeses trabalhavam em troca de rações diárias e de um salário mensal, acertados antecipadamente. Pintura na tumba do artesão Sennedjem mostra agricultor trabalhando, c.1200 a.C.


TRABALHO POR DÍVIDAS

Um homem endividado se colocava a serviço de um mestre para saldar sua dívida, até que a soma fosse integralmente reembolsada. Depois, os dois homens podiam se entender, por meio de um contrato escrito, validado juridicamente e aceito pelas duas partes. Foi o caso de um indivíduo chamado Peftouâoukhonsou, cultivador por conta própria, que entrou para o serviço de Nessemteu para pagar despesas médicas. Uma vez paga a dívida, ele decidiu continuar trabalhando, mas dessa vez remunerado, o que foi objeto de um novo contrato, renovado na sequência.

Trabalhos agrícolas e canteiros de construção monopolizavam cotidianamente uma parte da mão de obra egípcia, fosse ela estrangeira ou recrutada entre a população local, no seio das classes trabalhadoras – em primeiro lugar, os camponeses. Em troca de rações diárias e de um salário mensal – as fontes dissociam bem essas duas remunerações complementares –, os contratados deveriam fornecer determinada quantidade de trabalho. Salário e tarefa eram negociados antecipadamente e por tempo determinado. Era o regime do trabalho obrigatório, o da corveia: o indivíduo não escolhia sua tarefa, mas era pago regularmente pelo trabalho efetuado. É o que revela um documento muito interessante, o papiro Reisner I, datado do reino de Sesóstris I (em torno de 1970-1928 antes da nossa era), no início da XIIª dinastia, durante o Médio Império.

Referindo-se aos trabalhos de construção do reino, o papiro apresenta dados cifrados sobre as rações, os recrutados, as equipes e os trabalhos realizados. Para a maioria, os homens – oriundos da mão de obra das terras agrícolas pertencentes ao Estado – eram trabalhadores destinados às tarefas mais árduas: transporte dos blocos e fabricação de tijolos crus. Reagrupados em equipes de dez trabalhadores dirigidos por um capitão, eles recebiam diariamente um quilo de pão – que constituía a moeda de troca – e alguns extras por ordem real. As listas apresentam alguns artesãos especializados, mais bem remunerados, e contramestres que executavam as ordens dadas pelo vizir, responsável pelos trabalhos de construção perante o faraó. O documento revela o caráter muito regulamentado dessa organização e a extrema mobilidade da mão de Obra sujeita à corveia, que não cessava de se deslocar de um canteiro para outro, dependendo da necessidade.

BRAÇOS POR DIA OU POR HORA

A partir do Novo Império, além do Estado, qualquer pessoa podia, pagando uma remuneração, alugar os serviços de um terceiro por dia, ou em frações: meio dia, um quarto de dia, uma hora se necessário. Foi o caso do vaqueiro Messouia, que, sob os reinos de Amenófis III e de Akhenaton (XVIIIª dinastia, de 1550 a 1292 antes da nossa era), alugava mulheres para fabricar tecidos. Os contratos – cujo termo hieroglífico pode ser traduzido por “troca a título oneroso” – engajavam essas trabalhadoras por períodos que variavam entre dois até muitos dias, com tarifa diária de dois shâtis.

No papiro Harris I, Ramsés III (que reinou por volta de 1198 a 1168 antes da era cristã) explica como ele “reduziu a pó” os beduínos da Ásia, pilhando seu acampamento, levando seu gado, bens e prisioneiros, e os oferecendo aos deuses “para serem utilizados como servos de seu domínio”. Bem mais cedo, sob o Antigo Império, a Pedra de Palermo (sobre a qual foram gravados os anais reais) revela listas impressionantes de butins de guerra: sob a IVª dinastia, Snefru (em torno de 2700 a.C.) trouxe da Núbia 200 mil cabeças de gado e 7 mil cativos, imediatamente empregados nas explorações agrícolas. Exemplos desse tipo são muito numerosos nas fontes egípcias, em particular no Novo Império, onde o Egito conquistador submete seus vizinhos à força, no espírito de trazer butim e prisioneiros. Estes últimos eram destinados a engrossar os efetivos do exército e os domínios divinos ou reais para executar trabalhos agrícolas, artesanais e domésticos.


Os prisioneiros de guerra exploravam a terra que possuíam e pagavam impostos. Pintura da tumba do artesão Menna mostra trabalhadores arando o solo, c. 1422-1411 a.C.


ANDAR NO BOM CAMINHO

Desde essa época, a política egípcia visava integrar esses cativos à sociedade, oferecendo-lhes uma educação que recebiam no seio das fortalezas reais. Rompidos com seu meio de origem, os prisioneiros adotavam um nome egípcio e se lançavam no aprendizado do “falar como aqueles que seguem o rei, de modo que abandonem sua língua e andem no bom caminho sem olhar para trás”, antes de serem destinados a um templo ou a um domínio real onde fariam um trabalho remunerado. Tratava-se de uma acumulação de homens condenados a servir nas engrenagens das estruturas econômicas egípcias. Os cativos de origem principesca se uniam geralmente ao círculo real, onde às vezes exerciam altas funções.

Esses homens, chamados, no momento de sua captura, de hâqou ou seqerou-anhkou – palavras que se aplicavam aos cativos, aos prisioneiros –, se tornavam, após uma egipcianização bem-sucedida, hemou ou bakou, o que nos leva a pensar que não recebiam um status de escravo. Embora a onipresença da iconografia real mostrasse o faraó em toda a sua majestade esmagando os inimigos, em uma visão de mundo em que os países estrangeiros eram seus vassalos e os adversários rebeldes, destinados a morrer, o estrangeiro, a partir do momento que estivesse integrado à sociedade egípcia, era tratado exatamente como um egípcio. Isso era particularmente verdadeiro para os cativos que entravam como servos na casa de um particular graças a um presente do rei a um homem merecedor. Muitas vezes acolhidos com família e filhos, esses dependentes rapidamente faziam parte da casa, na qual permaneciam em geral por toda a vida. Encontra-se também essa integração no domínio militar.

Além dos soldados de carreira, os contingentes eram compostos por corpos de mercenários constituídos “pelos melhores entre os cativos que Sua Majestade fez nos campos de batalha”. Um documento que remonta aos primeiros anos do reino de Ramsés II (de 1300 a 1235 antes da nossa era), atribuído a um escriba encarregado de efetuar a repartição dos víveres entre os soldados de uma mesma unidade quando de uma campanha militar na Síria, mostra que os efetivos contavam com 62%de estrangeiros contra apenas 38% de egípcios.