Daremos
continuidade ao nosso estudo, e que suas mentes ávidas do amanhã estejam atentas
para que os nazistas não voltem com outro nome, pois o mal até ser vencido pelo
amor, sempre retornará com outro nome!
O
que nos perturba sobre Hitler é que de um lado Hitler tinha necessidades
completamente grotescas, de outro, completamente humanas e normais. Podemos
chama-lo de louco, insano, maníaco, psicopata, sociopata, mas não podemos
deixar de reconhecer a sua complexidade mental. A tese é que, se sua mente não
fosse complexa, jamais seduziria a também complexa sociedade alemã. Na mente
dele convivia simultaneamente o vampiro social e o artista, o monstro e o
menino. O carisma e o terror, a afetividade e a destrutividade andavam lado a
lado.
Infância
de Hitler
Quando nasceu, não
havia nele nenhum traço da psique de um monstro, mas de uma simples criança,
cuja existência deveria ser pautada por alegrias e angústias, perdas e ganhos,
aventuras e rotina. Os fatores genéticos podem influenciar a formação da personalidade,
mas não determinam ou condenam um ser humano. Os fatores educacionais, o meio
ambiente e o desenvolvimento do eu como gestor psíquico podem atuar para
regular e moldar as influências genéticas. Então em minha opinião ninguém nasce
psicopata, mas forma-se ainda que haja alguma influência genética para sê-lo. E
se acreditarmos no contrário, poderemos incorrer nas teses nazistas de querer
eliminar cérebros menos aptos para purificar a espécie humana. Um erro cruel!
A mãe de Hitler, Klara, era uma mulher ajustada, sociável
e simpática. Uma camponesa humilde, iletrada. Há uma acusação de que sua mãe
era supertolerante e encorajava nele o sentido de singularidade, de ser único e
destinado a uma história única. É provável que fosse superprotetora do menino
que amamentou gerando timidez, insegurança e contraindo a sua autonomia. Mas,
ainda que tenha dado uma proteção exagerada ao pequeno Hitler, os tempos
mudaram quando ele fez 5 anos. Sua mãe deu a luz a outro filho, Hitler teria
que se ajustar a essa nova realidade,
mas pelo que sabemos de sua personalidade esse ajuste nunca foi operado com
maturidade, ele jamais se adaptou, muitos garotos superprotegidos crescem com a
necessidade neurótica de ser o centro das atenções. O mundo tinha de girar em
torno de suas necessidades.
O pai, Alois, era reservado circunspeto, de humor
contraído. Filho ilegítimo, usava o nome de sua mãe, Schicklgruber, que mais
tarde mudou para Hitler. Era funcionário público, um burocrata que vivia na
rotina.
Lembrem-se que a mente de Hitler era paradoxal, e
provavelmente a mãe o exaltasse e o pai o diminuísse. Amor e ódio circulavam
pelas suas artérias “emocionais”. A exaltação do menino por parte da mãe era
uma forma de projetar nele uma admiração que não via no seu marido, muito mais
velho, pacato, destituído de glamour. Alois não era alcoólatra, mas amava a vida e os vinhos, e talvez os amasse mais
do que a convivência com seus filhos. Embora não fosse dado ao grande humor e à
sociabilidade, tinha uma relação estreita com a natureza, particularmente com
as colmeias.
Mesmo num ambiente isento de grandes estímulos
estressantes podem-se não desenvolver funções complexas da inteligência, como a
generosidade e a sensibilidade. Algumas vezes o pai de Hitler foi descrito como
um tirano, um homem brutal, mas essa descrição é mais para tentar explicar ou
justificar de maneira superficial o caráter insano de seu filho. Não há relatos
de abuso sexual, privações, vexame social ou violência doméstica em grande
escala. Embora Alois não fosse afetivo não há provas de que batesse ou
espancasse o menino Hitler nem que o submetesse ao cárcere da humilhação e do
desprezo. É provável que o pai fosse um homem radical, com rejeição aos judeus
e aos clérigos. Suas últimas palavras antes de falecer de um ataque cardíaco foi
uma expressão raivosa, “esses negros”, expressão que remetia aos clérigos
reacionários.
Psicopata
estrutural e funcional
Hitler e outros de seus asseclas como Himmler e Goebbels
não viveram na relação familiar um corpo de estímulos estressantes que
justificasse se tornar os maiores psicopatas da história, mas se tornaram.
Devemos saber que há uma diferença
enorme entre um psicopata estrutural, forjado pelas intempéries psíquicas e
sociais, e um psicopata funcional, que não sofreu traumas importantes na
infância, mas que ainda assim desenvolveu uma necessidade neurótica de poder e
de evidência social, cuja mente é passível de ser adestrada por ideologias
inumanas e, consequentemente, de cometer atrocidades inimagináveis. É provável que
somente 2% ou 3% da temível polícia SS, que era comandada por Himmler, fosse
formada por psicopatas estruturais, influenciados pela carta genética,
agressividade, abusos sexuais, privações, discriminação, bullying. Felizmente,
a maioria das pessoas traumatizadas se superam. E os demais carrascos da SS o
que foram? Tornaram psicopatas funcionais forjados no útero social estressante
e por ideologias radicais e inumanas construídas pelos nazistas. E psicopatas
estruturais, devido às suas limitações intelectuais, dificilmente dominam as
massas.
Embora Hitler não fosse diretamente alvo de grandes
traumas, é provável que a diferença de idade entre Klara e Alois Hitler, o
ciúme doentio e o controle excessivo do pai sobre a “jovem” mãe tenham afetado
o pequeno Adolf. O menino tinha uma ligação intensa com a mãe, mas era incapaz
de protege-la das investidas do pai. Talvez aqui tenha começado a se desenhar a
característica de “libertador” de Hitler, que mais tarde eclodiria, ainda que
desastradamente, como líder político. Protegido pela mãe, tinha atitude
conformista, não amava o trabalho árduo, não era proativo nem líder de grupo,
ao contrário, era indolente, passivo, mas gostava de se vestir elegantemente.
A
adolescência
Hitler não era um adolescente brilhante, a estética o
fascinava mais que o conteúdo, inclusive a sua imagem social. Não se sentia
atraente, cativante, envolvente. Tinha necessidade de autoafirmação, nascendo
um homem preocupado com sua imagem social. Desânimo marcou sua história, seus
discursos teatrais, seus gestos vibrantes, suas decisões marcantes eram
reflexos de um ser humano destituído de uma motivação existencial saudável, um
homem que procurava sair da sua “insignificância”. O jovem Adolf Hitler
raramente dava continuidade ao que começava. Suas reações diante das investidas
educacionais da mãe eram sempre fracassadas. Seria esse garoto sem brilho que
25 anos mais tarde assumiria o controle da Alemanha. Tornou-se poderoso,
eloquente, agressivo, combativo, determinado, mas raros eram os que enxergavam
que no seu cerne havia uma personalidade
frágil, insegura, saturada de complexos. Era mais ator do que um líder. Não é
sem razão que gostava de encenar. Sua ortografia e pontuação estavam muito
abaixo do que se poderia esperar de um rapaz de 17 anos que havia cursado a
escola secundária. Hitler era tão irresponsável que abandonou os estudos sem
trancar a matrícula, um comportamento que demonstrava seu desprazer de entrar
em camadas mais profundas do conhecimento.
Continuará nas próximas
postagens....
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CURY, Augusto. O colecionador de lágrimas. São Paulo:
Editora Planeta, 2012.