Mostrando postagens com marcador ILUMINISMO. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ILUMINISMO. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Fausto: a busca pelo absoluto

Drama filosófico que, ao mostrar a procura como fonte pulsante da vida, transfigura-se em odisséia do homem moderno.


 Eloá Heise

            A tragédia Fausto é, sem dúvida alguma, um dos textos que empresta a Goethe repercussão universal. Nela, pode-se dizer, o poeta expressa a experiência de toda sua existência. O próprio autor afirma em Poesia e verdade, que essa obra representa o “suma sumaruim” de sua vida. Não se pode esquecer que Goethe trabalhou durante 60 anos com esse tema : de 1772 (com seus trabalhos sobre o Urfaust – Fausto zero como ficou conhecido pela tradução encenada no Brasil) até 1832, ou seja, pouco antes de sua morte, ano em que postumamente é publicado o Fausto II. Em seu longo processo de elaboração, esse texto congrega as várias transformações pelas quais passou o poeta em sua longa vida: os vários períodos literários da época – Ilustração, Sturm und Drang, Classicismo, Romantismo -; as diversas atividades do poeta junto ao estado, no meio teatral, seus interesses científicos – botânica, mineralogia, estudo das cores -; seus estudos filosóficos – teologia, teosofia, escritos mágico-místicos -, além dos conhecimentos da mitologia antiga.

            Fausto, além de ser a obra simbólica da vida de Goethe, adquire também significado universal por materializar o mito do homem moderno, o homem que busca dar significado a sua vida, que precisa tocar o eterno e compreender o misterioso. Sob este aspecto, o mito faústico transforma-se em um “mito vivo”, um relato que confere modelo para a conduta humana.

O mito faústico e as marcas intertextuais

            A relação de Fausto como o conceito de mito, entretanto, também deve ser entendida em uma outra acepção, no sentido de fábula, de ficção, uma vez que a obra de Goethe baseia-se na lenda medieval sobre a figura histórica do doutor Fausto.

            Para entender o verdadeiro significado da figura do doutor Fausto, torna-se importante ressaltar que não se trata apenas de um charlatão que se tornou rico e famoso por ter feito um pacto com o diabo, como se propaga comumente. Cabe lembrar que o mito criado em relação a essa figura histórica – Georg (Johann)  Faust, (1480-1540) tem sua origem em uma época de crise, a transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, época caracterizada por profundas mudanças, na qual conceitos até então inquestionáveis começam a ser colocados em xeque. Nesses novos tempos de inquietação, ligados a pesquisas no campo das ciências naturais e outras ciências, pode-se entender que aquele que manifesta sua descrença em relação a verdades, tidas como absolutas, é considerado um homem não temente a Deus, um pactuário do demo. Isso explica a recorrência do motivo do pacto com o diabo à época. Nesse contexto, basta lembrar de figuras contemporâneas ao doutor Fausto: Paracelsius, Nostradamus, Bacon ou Galileu que, perante os olhos da Inquisição, também teriam feito uma aliança com o demônio. Esse é o pano de fundo que serve de cenário para o aparecimento do personagem histórico, doutor Fausto, em tempos que espelham esse processo de busca por maioridade.

            Consta que esse douto levou uma vida errante, passando por várias localidades da Alemanha, o que fez que se tornasse conhecido por toda parte. Estudou magia, medicina, astrologia, alquimia, atividades que lhe permitiram trabalhar com horóscopo e fazer profecias. Unindo a capacidade de curar com a de prever o futuro, ficou famoso e conseguiu amealhar uma boa fortuna. Todas essas aptidões, por sua vez, renderam-lhe a fama de ter vendido sua alma ao diabo. Esse destino pessoal, que personifica os anseios da época ao materializar a busca daquele que quer ultrapassar os próprios limites através da especulação, dará origem à primeira versão escrita sobre as histórias de Fausto, publicada logo após a morte do Fausto histórico, em 1587, sob o título de Historia von D. Johann Fausten.

            Essa história, de autor anônimo e de cunho popular, narra, ao lado de relatos sobre o Fausto, que eram voz corrente, outras discussões de cunho teológico, astrológico, histórico, científico, provindas das mais diferentes fontes contemporâneas. Essa estrutura, sem unidade estética, acaba por refletir esse tempo de transformação, com a justaposição de crenças diabólicas medievais ao lado do novo espírito das ciências. No livro popular, com suas partes especulativas e enciclopédicas, o pacto entre Fausto e o diabo compreende um período de 24 anos. Nesse contexto, a sede insaciável do protagonista por saber é vista, antes de tudo, como um grande pecado, pois uma tal postura afastaria o homem de Deus e o aproximaria da dúvida. Esse homem incorreria no pecado da hybris, a presunção, por pretender equiparar-se a Deus. Essa história, tão ao gosto da época, conquistou enorme repercussão, atingindo 5 edições. Sabe-se que Goethe, ainda quando criança, entrou em contato com a edição de 1725, sob a forma de teatro de marionetes, apresentada em praças de mercado.

As versões de Marlowe e Lessing

Por volta de 1592, o livro popular alemão é traduzido para o inglês, originando-se daí o livro popular inglês sobre o tema Fausto. Esse livro, por sua vez, serve de material para Christopher Marlowe, o mais importante dramaturgo ao lado de Shakespeare, escrever sua peça Tragical history of doctor Faustus, editada em 1604. As encenações do texto de Marlowe, por seu turno, irão repercutir novamente na Alemanha ao serem apresentadas por teatros mambembes, em língua estrangeira, mas de forma pantomímica. Consta que Goethe conheceu as encenações da peça de Marlowe de 1768 e 1770.

            Já a partir do drama de Marlowe, começa a delinear-se uma ambivalência moral em relação a este homem impulsionado por sua sede de saber. Tem origem no dramaturgo inglês a idéia do monólogo inicial, no qual Fausto mostra toda sua infelicidade por não alcançar a plenitude do conhecimento. Enquanto no livro popular alemão há uma clara condenação da presunção do protagonista, a versão inglesa da lenda deixa transparecer uma postura dúbia. Existe a condenação, sim, mas, paralelamente, percebe-se uma admiração pela figura desse douto que, qual um Prometeu, desafia a divindade. Contudo, também na versão inglesa, o ímpeto desmesurado de Fausto conduzirá ao estabelecimento de um pacto com o diabo, selado sob a condição de viver 24 anos de prazer sem limites, decorrendo, como conseqüência, a sua condenação.

            A lenda sobre o Fausto ganha novo fôlego a partir de idéias próprias do período da Ilustração. Entre 1755 e 1775, Lessing, o grande escritor do Iluminismo alemão, desenvolve projetos de escrever uma peça sobre o Fausto. O texto não chega a se efetivar, restando apenas a montagem de fragmentos e idéias gerais  reconstituídas pela memória de amigos, dados creditados à coincidência de informações.

            Se Kant, em sua definição de Iluminismo, mostra que o lema dessa corrente filosófica é: Sapere aude - tenha a coragem de servir-te da tua própria inteligência -, então Fausto, por ousar, por ter a coragem de buscar pelo sentido da vida, não poderia ser alguém condenado à danação dos infernos. Nesse contexto iluminista, Fausto, na sua procura pela verdade através da razão, empreende uma tarefa que dignifica o homem; em outras palavras: aquele que decide fazer uso de sua qualidade intrínseca, a razão, não será condenado, mas transforma-se no preferido de Deus, o destinado à salvação.

            Goethe conhecia os planos de Lessing e as reconstituições de seu drama que podem ser detectadas, em sua essência, nas obras teatrais póstumas (Theatralischer nachlass, de 1786). Vem de Lessing a idéia de salvação que encontramos no Fausto de Goethe.

            Goethe contou, pois, com diferentes pré-textos na elaboração de suas variadas versões da tragédia: de 1772-1775, elabora o Fausto zero; em 1790, produz Fausto, um fragmento; em 1808, é publicado o Fausto I e, em 1832, o Fausto II. No rastreamento do percurso do mito faústico e das fontes que serviram de inspiração para a realização de sua obra-prima, pode-se mencionar suas impressões da infância, ao assistir nas praças dos mercados as encenações do livro popular propriamente dito, a versão inglesa, com as apresentações do Fausto de Marlowe. A esses legados de cunho literário deve-se acrescentar um fato de origem real, o processo e a execução da infanticida Margaretha Brand, ocorrido em 1771-72, tragédia que impressionou profundamente Goethe e que será ficcionalizada em sua obra através do destino de Gretchen, a mulher que se apaixona por Fausto e, ao ser abandonada por ele, em um ato de loucura, assassina o próprio filho. Dentro desse rol de marcas intertextuais cabe dar ênfase especial à idéia de salvação, esboçada inicialmente por Lessing e assumida por Goethe, que servirá de inspiração para a virada redentora no destino de seu protagonista.

A estrutura da peça

            Dentre as diversas versões mencionadas, vamos nos ater à composição do Fausto I e do Fausto II, que podem sem interpretadas como uma unidade, com uma construção própria.
            A peça inicia-se com três cenas introdutórias, três prólogos que desenvolvem, respectivamente, uma perspectiva autobiográfica, uma perspectiva poetológica e uma perspectiva metafísica.

            O primeiro prólogo, Dedicatória, não dedica a peça a ninguém, como o título faz supor, mas é uma metarreflexão, em forma de monólogo, no qual o poeta faz uma retrospectiva da história da obra. No Prólogo no teatro, que vem a seguir, há uma discussão sobre a essência e a função da obra teatral; no confronto de opiniões antagônicas, debatem-se temas pouco ortodoxos para uma peça de teatro como: produção, rentabilidade, encenação e recepção do drama. Percebe-se, pois, que esses dois prólogos iniciais não se integram no enredo dramático.

            O Prólogo no céu, no entanto, é parte do desenvolvimento da trama e representa a moldura celestial externa que contém no seu escopo a ação terrena interna. Essa moldura metafísica envolve todo o drama. Inicia-se no começo do Fausto I e encerra seu contorno no fim do Fausto II, sob forma de epílogo. A moldura celeste, formulada segundo conceitos próprios da tradição cristã e assumindo a fórmula de um mistério medieval, apresenta uma imagem do mundo e do homem. Nesse jogo universal a terra é colocada entre o céu e o inferno e o ser humano entre Deus e a diabo.

            Nesse espaço, Fausto, personificando o homem,  transforma-se em objeto de disputa entre o Senhor e Mefistófeles. O Senhor acredita que o homem é intrinsecamente bom; pode errar porque procura, mas, por fim, será conduzido à luz. Já Mefisto o vê como uma criatura mal construída, dividida entre o instinto animal e sua parte racional. A partir dessas posições contrárias, Mefisto pede permissão e aposta que conduzirá Fausto por seus caminhos. Já o Senhor, por acreditar que “o homem erra, enquanto aspira” mas “da trilha certa se acha sempre a par”, aceita a aposta. Paralelamente, o Senhor também sabe que o “humano afã tende a frouxar ligeiro” e, por isso, é necessário que o homem tenha por companheiro o diabo, que atiça e instiga, impedindo que o ser humano caia na suprema condenação, a inércia. Assim, Mefisto desempenha uma dupla função: conduz o homem por caminhos que o levarão à culpa mas, ao mesmo tempo, impede que ele esmoreça e cesse sua atividade, o motor essencial da vida.

            Fausto, portanto, é colocado em jogo como objeto demonstrativo pelo Senhor, e deve provar através de si os valores ou os desvalores da criação. O drama, como um todo, pode ser entendido como a tentativa espiritual de compreensão da totalidade do universo. Discute, de forma poética, o sentido da criação, a função do mal, o destino do homem.

            A ação interna da peça, no âmbito terreno, vai espelhar, na aposta feita entre Fausto e Mefisto, o dilema proposto no âmbito celestial, entre o Senhor e Mefistófeles. Diante do desafio que lhe propõe Fausto, Mefisto assume a tarefa de satisfazer o homem e de conduzi-lo pelas experiências do pequeno mundo (Fausto I) e do grande mundo (Fausto II). Já Fausto, na sua busca sem limites, aposta que o diabo nunca conseguirá seu intento, que ele nunca irá deitar-se em “uma cama de preguiça” e, satisfeito consigo, irá proferir as palavras que  condenariam sua alma: “permaneça (momento), tão belo que és”. Desta maneira, com a ajuda de Mefisto, Fausto percorrerá o mundo na ânsia de vivenciar toda experiência destinada à humanidade.

            A ação terrena, abarca toda a trajetória do protagonista: desde a cena Noite, (Fausto I), com a constatação da crise existencial, até a cena final Grande átrio de palácio (Fausto II), quando Fausto morre. Dentro desse grande contorno, a partir das propostas do pacto e da aposta entre Fausto e Mefisto, o protagonista irá percorrer as diversas estações na sua busca por sentido.

            Cabe mencionar que o pacto, cerne do mito faústico tradicional, tem pouca ênfase na obra de Goethe. O pacto, sugerido por Mefisto, é prontamente aceito por Fausto, pois o protagonista “não teme nem o inferno nem o diabo”. Essencial em Goethe é a aposta, desafio proposto pelo titã Fausto que, por não apresentar um vencedor de antemão, tem um caráter ativo e inconclusivo (diferente do pacto que é um acordo fechado). Coaduna-se, assim, mais com a proposta vital da obra: a ação contínua como mola propulsora da vida.

            No Fausto I podemos detectar três estações: a procura por sentido através da bebida (O porão de Auerbach), do desejo e do amor por Gretchen (cenas Rua até Cárcere) e da sensualidade desenfreada (Noite de Walpúrgis). O Fausto II também comporta mais três estações: o mundo da corte (I ato), a estação da beleza e da arte (II e III atos) e a estação do conquistador e empreendedor (IV e V atos).

Quem ganha a aposta?

sexta-feira, 4 de julho de 2014

A Formação do Mundo Moderno: O Novíssimo Tempo, Luzes e Revoluções.


Frontispício da Encyclopédie (1772), desenhado por Charles-Nicolas Cochin e gravado por Bonaventure-Louis Prévost. Esta obra está carregada de simbolismo: a figura do centro representa a verdade – rodeada por luz intensa (o símbolo central do iluminismo). Duas outras figuras à direita, a razão e a filosofia, estão a retirar o manto sobre a verdade.

Encyclopedie's frontispiece, full version. Engraving by Benoît Louis Prévost.

Iniciada no Renascimento a Época das Luzes, talvez indique de maneira mais concreta o que ocorreu no século XVIII. O Iluminismo nunca foi um movimento homogêneo e sim pluralista. É no século XVIII que a visão do Iluminismo ganha força como opositora às forças reacionárias do Antigo Regime e apresenta uma visão mais racional do mundo e da interação entre os seres humanos. Representa um movimento geral na Europa de crítica ao Antigo Regime, objetivam dar conteúdo as críticas onde a razão e a liberdade estaria do lado do homem. 

Criando uma fé na razão, amparada nas pesquisas do século XVII como as de Isaac Newton, que estabeleceu que em tudo estava presente a natureza. Mas o século XVIII apresentou seus revolucionários, desenvolvendo a autonomia das esferas de conhecimento e, em meio a essa tônica é que encontramos homens como Benjamin Franklin, que através de seu estudo dos raios fez a Igreja ver que se tratava de um fenômeno natural. Também procuraram estabelecer melhores condutas sociais e políticas a partir da descoberta das leis sociais e políticas.


Montesquieu 

Parte dessas experiências já haviam sido testadas sem sucesso no século XVII. O que tornou o século XVIII especial foi a crise geral, decorrente da impossibilidade de deter novas ideias pela Igreja e os Estados Absolutistas, os mesmos viram-se obrigados a envolverem-se com os novos tempos para sobreviver, resultando em uma instabilidade política e religiosa. 

Na cidade de Paris, surgiu o clima necessário para as mudanças com a ida da corte para Versalles. Nesse clima os portadores da crítica são os literatos, criando uma literatura de oposição ao Antigo Regime. Esses primeiros literatos da França criaram uma liberdade que não era a dos libertários, mas a dos libertinos, diante desse clima é que se formaram os intelectuais que realizaram as mudanças e que foram a base da produção das ideias iluministas. Eram homens com um profundo conhecimento das questões universais, críticos das instituições políticas e sociais, acreditavam que a única forma de se limitar a intolerância e a criação de um governo esclarecido.


Filósofos Iluministas reunidos no salão de madame Geoffrin. Óleo sobre tela de Anicet-Charles Lemonnier, 1812. 

Durante o iluminismo surgem as primeiras Enciclopédias que contém todos os novos valores e conhecimentos apresentados na época, sua introdução era um manifesto do Iluminismo. Propagando as luzes surge  no século XVIII o movimento filosófico denominado Ilustração que afirmava o poder ilimitado da razão para governar o mundo. Isso foi tão destacado que chamam a época da Ilustração simplesmente de “racionalismo”. Visavam também construir uma base moral, para a religião e a ética de acordo com a razão inalterável das pessoas. Não é por coincidência que a pedagogia como ciência tem suas origens na Ilustração. 

Os iluministas desejavam converter a religião em algo natural um conceito de cristianismo humanizado. O Iluminismo seguia o objetivo de acabar como medo dos homens e de convertê-los em senhores. Propunham por meio da ciência, a dissolver os mitos e confusões da imaginação. Inaugurando dessa forma o Século das Luzes por meio da visão humana, em que a igualdade foi a nova mestra das trocas e das virtudes humanas e a referência para as críticas ao domínio aristocrático.

John Locke 

A cidade, em oposição ao campo, passou a ser o espaço original das novidades, onde os novos valores se anunciavam e eram divulgados, transformando-se em ideais burgueses. O mercantilismo como um conjunto de práticas e projetos econômicos desenvolvidos nessa Europa moderna  fez com que a terra perdesse valor, era preciso torna-la capaz de gerar mais riqueza e valor sólidos. Novos homens ricos e urbanos dominaram o cenário das cidades, afastando delas os velhos hábitos rurais. 

Objetivando aumentar seus lucros os burgueses avançaram para os campos,  tornando a terra consolidadora de seus bens. Os comerciantes foram, sem dúvida, a expressão mais pontual da inexistência de fronteiras entre o campo e a cidade. Seja pela exploração da circulação de matérias-primas, fossem rebanhos de ovelhas ou artesanato. O resultado mais importante foi à descoberta pela burguesia ascendente de que o Estado do Antigo Regime era um freio aos anseios de liberdade de interesses. Passaram então a buscar instrumentos que lhes permitissem manter seus interesses.

Voltaire