Orlando Fedeli
"Agora, quem não tem uma
espada, venda o manto e compre uma" (S.Lucas XXII, 36).
"Maldito aquele que não
ensangüentar a sua espada" (Jer. XLVIII, 10).
"Por que os inimigos de
Deus não são mais os inimigos dos cristãos?" (Guilherme de Tiro
pregando a 3ª cruzada – apud Joseph François Michaud, História. das
Cruzadas, Ed.das Américas, São Paulo, 19 ??, 7 volumes, Vol. IIl,
- pg.12).
Introdução
Era um fim de batalha. Foi em Hattin
(Tiberíades), em 4 de Julho de 1187. Nessa batalha Saladino desbaratou, por
castigo, os exércitos cristãos da Palestina liderados pos chefes depravados.
Por toda parte os corpos de cruzados cobertos de sangue atestavam sua
fidelidade e, desgraçadamente, sua derrota. Os maometanos haviam triunfado na
batalha de Tiberíades. Os principais chefes cristãos e até mesmo o rei de
Jerusalém caíram prisioneiros de Saladino.
Só um homem continuava a lutar. Coberto
do ferro e sangue, montado num cavalo branco espumante e exausto, cercado de
infiéis, o último cavaleiro resistia. Sua espada descrevia terríveis molinetes
e a seu redor estavam mortos os inimigos que haviam ousado aproximar-se dele.
Os maometanos o contemplavam, de longe, e no furor de seus olhos brilhava
também, apesar de tudo, uma centelha de admiração.
Que homem era esse que não capitulava?
Que tipo de homem era esse que não cedia, nem recuava? Quem gerara um filho de
tal porte? Quem forjara essa aIma-couraça e esse coração indomável?
Feridos e exangues cavalo e cavaleiro
caem por terra. Imediatamente, ele se reergue e se lança sobre os inimigos.
Tudo acaba.
Tudo não.
Só não termina a admiração. A morte do
herói até a fizera crescer. E os turcos e os curdos, os semi-bárbaros, os
maometanos, os inimigos, se aproximam e molham seus albornozes no sangue do
cruzado morto, e repartem suas vestes e armas para conservar algo de lembrança
do mais valente dos homens. (Cfr. Joseph François Michaud, História das
Cruzadas, Ed.das Américas- vol.II pp.397/393).
Quem era este homem de coração de
ferro? Que Mãe concebera um tal herói?
Ele era um filho da Igreja Católica.
Ele era um cavaleiro.
Era o Marechal do Templo Jacques de
Mailly.
Antes da batalha, ele discordara do
plano imprudentemente louco que o orgulhoso Grão Mestre do Templo - o péssimo
Gerard de Ridefort – havia imposto aos cruzados. O Grão Mestre insultou Jacques
Mailly, acusando-o publicamente de covardia: “Você gosta demais de sua
cabeça loira, pois que tão bem a quer manter”
Ao que o Marechal do Templo retrucou:
“Eu me farei matar como um nobre, e será você quem vai fugir”.
Jacques Mailly partiu ao ataque à
frente de 150 cavaleiros templários contra todo o exército maometano, “com
um tal ardor que,escreveu Ibn Al-Athir, que as cabeleiras mais
negras teriam embranquecido de pavor” (René Grousset, Histoire
des Croisades, Plon, Paris, 1934, 3 volumes, III Volume, p. 784).
Gérard de Ridefort escapou vivo da
derrota de Tiberíades. Foi feito prisioneiro com o Rei Guy de Lusignan e com
centenas de cavaleiros das Ordens Militares. Saladino fez massacrar todos os
cavaleiros Templários e Hospitalários aprisionados em Hattin. Mas, Gérard de
Ridefort teve a vida poupada...
Isto aconteceu nas Cruzadas, num tempo
em que havia fé, tempo em que se seguia o conselho de Cristo: "agora,
quem não tem uma espada, venda o manto e compre uma".
Isto aconteceu na Idade Média, “doce
primavera da Fé”, -- primavera na qual podiam acontecer dias de tempestade
negra -- quando havia heróis e traidores. Luz e trevas. Inquisição e hereges.
Mas em que a Luz dominava as trevas.
Isto aconteceu no tempo em que "havia
escudos brancos, quando havia cruzados francos".
Aconteceu nos séculos da fé e da
glória.
Aconteceu na Idade Média.
Origem
da Cavalaria
A Cavalaria... Um turbilhão de homens,
estandartes esvoaçantes ao vento da glória, precipitando-se sobre os infiéis,
numa cavalgada de fé e de heroísmo. Que era a Cavalaria? Que era o cavaleiro?
A Cavalaria “era a forma cristã da
condição militar” e “o cavaleiro era o soldado cristão” na
sua plenitude, segundo explica Léon Gautier. (Cfr. Léon Gautier, La
Chevalerie, edição resumida da edição original--Arthaud, Paris 1959, p.
27).
Mais do que uma instituição, a
Cavalaria foi um ideal de vida militar. Foi por meio dela que a Igreja
transformou os bárbaros em santos. Quando se compara um soldado bárbaro,
valente, mas ainda cruel, forte, mas grosseiro, com os santos produzidos pela
Cavalaria compreende-se o valor dela. São Luis, rei de Franca, São Fernando, rei
de Castela, o condestável de Portugal, Nun’Álvares Pereira, e Santa Joana D'
Arc, foram alguns dos santos gerados pela Cavalaria. Gerados pela Igreja, por
meio da Cavalaria.
Por isso, ela era admirada até pelos
infiéis e – por incrível que pareça – até um comunista como o Padre Joseph
Comblin, defensor da Teologia da Libertação, apesar de cair em certa confusão
entre nobreza e cavalaria, diz dela o seguinte:
"Apesar de todos os defeitos que são bem conhecidos, a Cavalaria
medieval deu a Igreja uma coleção de Santos e Santas, como nenhuma, classe
social jamais deu, justamente porque eram a verdadeira elite social, a
santidade se multiplicou neles pelo heroísmo de profissão, pela consagração de
energias magníficas. Bastaria evocar os santos e as santas, reis e rainhas.
Desde o século XIII nunca mais houve tantos santos entre os chefes dos Estados,
chamados católicos. Houve muito mais hipocrisia, não houve mais santos. Seria
preciso citar os santos de Cluny e Citeaux, os santos Papas e bispos que a
nobreza deu a Igreja. Ora, o heroísmo da nobreza posto a serviço da
santidade de Cristo marcou profundamente o catolicismo europeu e subsiste ainda
como apelo ao heroísmo: p.ex: a vocação missionária de tantos jovens europeus
(missionários no sentido de missões estrangeiras) deriva diretamente do
espírito de Cavalaria" (Pe. Joseph Comblin, Os sinais dos
tempos e a Evangelização - Ed. Duas Cidades - 1968, São Paulo - pg.82)
A Cavalaria foi a transposição do
feudalismo para as relações entre Deus e os homens.
O Feudalismo consistia essencialmente
numa relação pessoal entre suserano e vassalo pela qual um pertencia ao outro.
Eles eram como pai e filho adotivos. O vassalo devia a seu barão honra, serviço
e obediência. O suserano devia ao vassalo honra, justiça e proteção. Um era do
outro.
Assim como os vassalos de um barão
serviam seu senhor, seguiam sua bandeira e defendiam seu feudo, assim os
cavaleiros serviam a Deus. Os cavaleiros eram os vassalos de Deus e os soldados
da fé. Deus — “le beau Sire Dieu”, o bom senhor feudal, -- era o
seu barão.Os cavaleiros seguiam a sua bandeira e queriam reconquistar o seu
feudo – a Terra – invadida pelos infiéis e hereges.
Para eles, Nossa Senhora era a Dama, a
Senhora, a Rainha que eles deviam servir, como os vassalos serviam a sua
castelã, senhora de um feudo terreno. Esta relação feudal de Deus e de Nossa
Senhora com os cavaleiros era tão viva, e o modo pelo qual eles se referiam a
Deus era tão real, que, às vezes, provocava confusão.
Quando Santa Joana d' Arc
apresentou-se, em Vaucouleurs, ao capitão Robert de Beaudricourt, pedindo-lhe
soldados para ir salvar a França, deixou-o confuso ao dizer-lhe:
— "A
França não pertence nem ao Sire da Inglaterra nem ao Sire da França, mas a Meu
Sire".
O capitão,
espantado, pois já havia dois Reis disputando o trono da França, e agora ela
lhe anunciava a pretensão de um terceiro, perguntou:
— “E quem é teu Sire?’
E ela, singelamente lhe respondeu:
— "Messire est Dieu".
(Meu Rei é Deus).
Santa Teresa, que nasceu em "Ávila
de los Reyes", na "Ávila de los Caballeros",
referia-se a Nosso Senhor, chamando-o de Sua Majestade, pois Ele era seu Rei
vivo.
Era assim que os cavaleiros viam a
Deus. Não como entidade abstrata, mas como ser muito real, que vivia a seu
lado, que participava de seus combates.
Qual foi a origem da Cavalaria?
A Cavalaria teve origem na
cristianização dos costumes bárbaros. Em todos os povos, mesmo pagãos, se
encontra, entre os soldados, a noção de prática de guerra e das virtudes
guerreiras de modo elevado. Entre os japoneses, esse ideal formou o código de
honra dos samurais. Essa tendência natural do homem de praticar as virtudes
bélicas de modo ideal e perfeito foi cristianizado pela Igreja na Cavalaria. Os
bárbaros amavam a guerra a tal ponto que ingenuamente imaginavam que no seu céu
haveria contínuas batalhas. A Igreja procurou ordenar o ardor bélico dos
bárbaros e regular o seu amor e espírito de luta, dando-lhes um motivo – a luta
por Deus -- e seu fim: a conquista da Terra Santa.
Na Europa, a Cavalaria nasceu dos
costumes germânicos cristianizados pela Igreja. Ela não surgiu por um decreto,
nem foi fundada por um homem determinado. Desabrochou naturalmente dos costumes
germânicos, sobrenaturalmente purificados pelo cristianismo.
Os bárbaros que invadiram a Europa
tinham uma alma heróica. A Igreja procurou regrar sua coragem transformando-a
em fortaleza cristã. Já que queriam combater e que amavam a luta, a Igreja lhes
deu uma finalidade santa: lutar por Deus.
Os tempos pacifistas, relativistas e
ecumênicos em que vivemos, em que "há guerras e rumores de guerra",
tempos próprios para os falsos profetas chamarem “Pax! Pax!”, quando não há
paz, não admitem a liceidade da guerra, que consideram um ato bárbaro e injusto
em si, sem possibilidade de ser santificado. Tempos, os nossos, em que se
vendem as espadas, para se comprarem mantos. Tempos pacifistas que obrigam a
uma explicação: a guerra é lícita?
Não é a guerra uma coisa essencialmente
contrária, ao espírito cristão? Não se deve buscar a paz?
A Igreja sempre ensinou que a guerra é
um mal, mas um mal, às vezes, necessário, para evitar um mal maior. Ela é como
uma operação cirúrgica, que é sempre um mal menor e necessário para evitar o
mal maior da morte.
A guerra é uma operação cirúrgica no
mundo, para exterminar o câncer da injustiça. Ela visa restabelecer a justiça,
porque, sem esta, não há paz verdadeira. "Opus justitiae pax”. A
paz é o efeito da justiça. Uma paz que consista apenas na inexistência de
lutas armadas é comparável à paz do canceroso que não sabe de seu mal, e que,
por isso, não se opera, pensando que está bem, enquanto a morte silenciosamente
corrói suas entranhas.
A guerra é, pois, lícita quando visa
restabelecer a justiça.
A paz é a tranqüilidade na ordem,
ensinou Santo Agostinho. Quando a desordem e a injustiça perturbam a paz, é
preciso restaurar a justiça pela espada. Assim como o médico restaura a saúde
com o bisturi. A guerra deve visar a restauração da ordem, da justiça e, por
elas, a restauração da paz. Por isso dizia. Santa Joana D 'Arc: "Só se
obterá a paz, na ponta da lança".
Por outro lado, Santo Agostinho mostra
que o mal da guerra não é nem a morte, nem a destruição, mas o ódio. Se a
guerra for feita por amor à justiça, ela será um ato virtuoso. Por isso, Cristo
não condenou o uso da espada, antes pelo contrário, ordenou que São Pedro a
guardasse, para usá-la, quando fosse justo e conveniente.
A guerra é inevitável, porque sempre
haverá maus.
"Não
podendo acabar com a guerra, a Igreja cristianizou o soldado", diz
Léon Gautier (op. cit. p. 31).
"O
soldado cristão não é homicida, na guerra, e sim um malicida", diz
Santo Agostinho, pensamento que será repetido por São Bernardo ao
escrever o seu Elogio da Nova Cavalaria, justificando a existência do
monge guerreiro Templário. Nesse trabalho, “São Bernardo denuncia e
lamenta a cavalaria do mundo,e, brincando com as palavras (militia, malitia)
denuncia essa “malícia do mundo” (non dicomilitiae sed malitiae)
a Milícia Cristã contra a Malícia do mundo ( Alain Demurger, Les
Templiers, Éditions du Seuil, Paris, 2005, p. 61).
Nestes tempos de ecumenismo
relativista, uma condenação de princípio é proclamada -- sem análise e sem base
-- contra a guerra, e em particular contra a cruzada, pois estulta e
ateisticamente se julga que a guerra mais injusta é aquela que visa defender a
honra e os direitos de Deus. E isto pede uma resposta à questão posta: A
Cruzada, isto é, a guerra religiosa, é permitida ou desejada por Deus? A
Cruzada é lícita, ou é condenável? Como a Igreja pregou Cruzadas?
E estas perguntas revelam a tibieza e o
bruxulear de uma fé enfermiça já moribunda.
A Cruzada é legítima?
Se é lícito fazer guerra para combater
uma invasão, ou uma agressão injusta à pátria, quanto mais justo é lutar para
defender a fé atacada pelos inimigos de Deus. Se é justa a legítima defesa de
uma cidade atacada por saqueadores, muito mais justa é a defesa da Cidade de
Deus atacada pela Cidade do Homem, assaltada por heresias e erros insinuantes
ou agressivos. De todas as guerras, portanto, a guerra religiosa, a Cruzada, é
a mais legítima e santa, porque visa combater a maior injustiça: a que é feita
contra Deus e sua Igreja. Visa enfrentar o ataque materialmente armado
contra a Verdade. Verdade sem a qual não há nem vida, nem liberdade verdadeira.
“A liberdade necessita de uma convicção”. A liberdade precisa sempre da
verdade (Cfr. Bento XVI, Spe salvi, n0 .24). Só combate, quem
tem certezas. E só tem verdadeira certeza, quem tem Fé. É da certeza da Fé que
nasce a Cruzada.
Em consonância com esta doutrina, a
Igreja pregou a Cruzada – a Guerra Santa – visando libertar a Palestina das
mãos dos muçulmanos.
São Bernardo, um dos grandes doutores
da Igreja, ele mesmo pregou a Segunda Cruzada. Eis suas palavras em Vezélay,
quando arrebatou a nobreza francesa para lutar no Oriente:
"A terra estremeceu (Sal.17,8) porque o Senhor do céu principiou a
perder a terra que é muito sua. Muito sua, insisto, porquanto nela, durante
mais de trinta anos, a palavra invisível do Pai se tornou visível, instruiu o
povo, e como um homem conversou entre os homens (Bar. 3,38). Muito sua, por a
ter glorificado com os seus milagres, consagrado com o seu sangue,
adornado com as primeiras flores de sua gloriosa ressurreição. E agora, devido
aos nossos pecados, os inimigos da Cruz ergueram o seu estandarte blasfemo, e
destruíram com fogo e ferro a Terra Santa, Terra de Promissão! Em breve, a
menos que encontrem forte oposição, irromperão na cidade do Deus dos vivos,
para destruir os preciosos monumentos de nossa redenção e devastar os lugares
sagrados, outrora avermelhados pelo sangue do Cordeiro Imaculado. Ai de nós!
Ardem no profano desejo de invadir o próprio santuário da religião cristã, e
violar o sepulcro, onde Cristo, que é a nossa vida (Col.3,4), por nós, dormiu o
sono da morte
Que fareis, "bravos cavaleiros? Que fareis, soldados cristãos? Deverei
crer que lançareis aos cães o que é sagrado, e as pérolas aos porcos? (Mat.
7,6)
Oh quantas multidões de pecadores, confessando as suas penas com
arrependimento, se reconciliam com Deus naquela Terra Santa, desde que as
espadas dos guerreiros cristãos repeliram de lá os loucos pagãos! Viu-o o
pecador e se indignou; rangeu os dentes e consumiu-se (Sal. CXI,10).
Agitou os instrumentos de sua impiedade; e, se alguma vez lograr apoderar-se
do Santo dos Santos, (que Deus nunca o permita), não tolereis que permaneça
vestígio de sua passagem junto dos monumentos e lugares associados com a paixão
de Jesus Cristo.
Que dizeis, irmãos? Se fosse anunciado que o inimigo invadiu as vossas cidades,
violou os vossos lares, ultrajou vossas famílias e profanou vossas igrejas,
qual de vós não pegaria em armas? Fareis menos pela honra de Jesus Cristo?
Todos esses males, e outros ainda piores atingiram a sua família, da qual sois
membros. O lar do Salvador foi perturbado pela espada dos sarracenos; os
bárbaros destruíram a casa de Deus e dividiram entre si a sua herança. Hesitareis
em debelar semelhante mal em vingar tal perversidade? Suportareis que os
infiéis contemplem em paz a extensa ruína que oneraram entre o povo cristão?
Recordai que o seu triunfo será motivo de desgosto inconsolável para gerações
futuras, e de desgraça perpétua para nós que o consentimos. E mais do que isso:
o Deus dos Vivos encarregou-me de proclamar que se vingará de todos os que se
recusem defendê-lo de seus inimigos. Às armas, pois! Que uma indignação sagrada
vos anime ao combate, e que o grito do profeta vibre por toda a
cristandade: "Maldito seja aquele que não ensangüentar a sua espada"
(Jerem. XL VIII, 10). (J.F. Michaud, História das Cruzadas, ed.
cit., vol.II – pp..235/236 e A. Lubby, S. Bernardo)
Apesar de tudo, porém, a guerra é um
mal, e a Igreja, sabiamente, procurou restringi-la. Ela limitou o número dos
combatentes, ao fazer com que só os nobres fossem obrigados a lutar. Limitou o
tempo de guerra, por meio da Trégua de Deus, proibindo combater nos quarenta
dias da quaresma, nos quarenta dias do Advento, nos dias santos, como desde a
Quinta feira até o fim do Domingo, em homenagem à Paixão de Cristo.
“A “trégua de Deus” – como se chamava, esse armistício periódico — pouco a
pouco, foi estendido, ao mesmo tempo que às grandes festas, aos três dias da
semana (desde a noite de Quarta feira) que precediam o domingo e pareciam
prepará-lo. Tanto que,no fim das contas, a guerra dispunha de menos tempo que a
paz” (Marc Bloch, La Société Féodale, Albin
Michel, Paris, 1968, p. 571).
Como a Igreja proibiu também o emprego
de certas armas, julgadas então por demais mortíferas:
“Desde 1139, a Igreja proíbe o uso por demais mortífero do arco e da
arbaleta em todos os combates entre cristãos” (Léon Gautier, La
Chevalerie, ed. cit., p. 39).
Em campo
raso o nobre não podia usar o arco, que não exigia coragem maior pois se
atacava o inimigo longe dele. Era lícito usá-lo apenas em cercos de castelos.
Proibiu ainda fazer guerra aos fracos, aos que não podiam normalmente usar
armas (clérigos, mulheres, doentes, camponeses):
“Enfim, a Igreja tinha como seu dever particular proteger, com seus membros,
todos os fracos, essas Miserabiles personnae” das quais o
direito canônico lhe confiava a tutela” (Marc Bloch,La Société
Féodale, Albin Michel, Paris, 1968, p. 569).
Não contente com isso, a Igreja atacou
o próprio cerne do mal da guerra que é o ódio. Para isso, Ela criou a
Cavalaria, e deu ao soldado o ideal de, até combatendo, obedecer as leis de
Deus, e o dever de amar os inimigos. Era a caridade cristã que mandava também
respeitar o inimigo valoroso e leal.
Os cavaleiros eram os “miles
Christi”, os soldados de Cristo.
A Cavalaria era então o exército de
Deus, e seus membros - os cavaleiros – tinham entre si uma solidariedade muito
grande, que superava as rivalidades feudais e nacionais.
Nela, a única hierarquia existente era
a do valor. As desigualdades sociais e políticas eram transcendidas pelo
espírito de bravura e de proeza. O rei Francisco I, já no tempo da decadência
da Cavalaria, quis fazer-se armar cavaleiro por Bayard, o famoso "chevalier
sans peur et sans reproche", que, na escala feudal, era de pequena
nobreza, no final da batalha de Marignano (Cfr. Marc Bloch, La Société
Féodale, ed. Cit., p. 340).
Qualquer pessoa podia tornar-se
cavaleiro, embora fosse mais comum que os nobres, por serem militares, se
tornassem membros da Ordem.
Nem todo nobre, nem todo soldado, era
cavaleiro.
Para isto era preciso:
I) Ter o ideal de praticar todas as
leis de Cavalaria e de lutar por Deus.
II) Ser recebido na Ordem da Cavalaria
Isto se fazia por uma cerimônia que
passou por várias formas, no decorrer dos séculos.
Admissão à Cavalaria
A cerimônia para admissão de um
candidato à Cavalaria tinha variantes que foram se aperfeiçoando, para melhor “armar-se”,
ou “fazer-se” um cavaleiro.
A Cavalaria era urna instituição
aberta, isto é, homens de qualquer classe social podiam ser armados cavaleiros.
Só eram excluídos os doentes, os estropiados, os desonrados. Normalmente,
porém, como já salientamos, os cavaleiros eram de origem nobre, porque a função
da nobreza era combater, e a Cavalaria consistia em combater por Deus e pelo
bem.
O jovem era armado cavaleiro ao atingir
uma idade e um desenvolvimento que o tornassem apto ao combate. A cerimônia se
realizava antes ou depois das batalhas, ou nas grandes festas religiosas.
Festas preferidas para armar cavaleiros eram a de Pentecostes ou a festa da
Páscoa, especialmente a primeira, em que se festeja o nascimento da Igreja pela
qual o cavaleiro devia lutar.
Inicialmente, foi costume armar
cavaleiro, no próprio campo de batalha, aquele que se destacava por uma grande
proeza. Então, em meio aos mortos e feridos, entre o sangue, o ferro e o fogo,
aos cânticos de guerra, ao som de trombetas e tambores, bandeiras ao vento, um
cavaleiro entregava a um herói vitorioso a espada que fazia dele um cavaleiro.
Era a consagração, na glória da vitória.
Mais raramente armavam-se cavaleiros
antes das batalhas como o Rei D.João I de Portugal o fez em Aljubarrota para 60
nobres, mandando-os depois combater, na primeira linha dizendo-lhes:
"Belos senhores, eu vos envio no primeiro escalão da batalha. Fazei
tanto que aí obtenhais honra, porque do contrário vossas esporas de ouro teriam
sido mal colocadas".
Porém, era após a suprema vitória que
os guerreiros preferiam ser armados cavaleiros. Assim, quando sob as muralhas
de Antioquia Godofredo de Bouillon, entusiasmado pela valentia e pelas proezas
de Gontier d' Are quis armá-lo cavaleiro, incontinente, o jovem herói recusou
dizendo - "Não, não, nada de armar-se, nada de novos cavaleiros, antes
que tenhamos conquistado o Santo Sepulcro” E comenta Léon Gautier: "Essa
palavra não está longe de ser sublime" (Léon. Gautier, La
Chevalerie, p. 253 da edição original, da qual não copiamos a data da
edição, quando fizemos a primeira redação deste texto há mais de quarenta anos
atrás. OF).
Quando não era nos campos de batalha,
nos primeiros tempos, o cavaleiro era armado na escadaria de entrada do
castelo. Alguns foram armados no leito de morte.
Todo cavaleiro podia armar outro
cavaleiro, assim como todo católico, em caso de necessidade, pode batizar um
pagão, ou como um bispo pode sagrar outro bispo.
Normalmente o padrinho era o próprio
pai, um parente próximo, ou o senhor feudal. Por vezes, o candidato tinha
vários padrinhos, e mais tarde, quando a cavalaria decaiu, até madrinhas.
Historicamente houve três formas ou
"ritos" para armar um cavaleiro:
I) a forma militar
II) a forma religiosa
III) a forma litúrgica.
O ritual militar se relacionava diretamente com os costumes germanos de entregar
armas a um novo soldado da tribo. O essencial desse rito militar consistia na
entrega das armas ao novo cavaleiro, especialmente a espada, além de se dar ao
candidato um forte golpe com a mão: o “adoubement”.
“O “doubement” (do francês arcaico dubban =
bater, golpear) até então simples rito militar,do qual o gesto essencial era um
golpe dado pelo iniciador com a mão ou com a espada, tornava-se assim uma
liturgia calcada sobre a da “porrection” (do latim porrigere=
estender, entregar) instrumentos no curso da ordenação sacerdotal” (Jean
Chélini, Histoire Religieuse de L´Occident Medieval, Hachette,
Paris 1991, p. 374).
“Entre os germanos, a cerimônia era à imagem de uma civilização
guerreira. Sem negar outros traços — tais como o corte dos cabelos, que por
vezes se encontra mais tarde na Inglaterra, unido ao adoubement essencialmente
cavaleiresco --, elas consistiam essencialmente numa entrega de armas, que
Tácito descreveu e cuja persistência, na época das invasões, foi confirmada por
alguns textos. Entre o ritual germânico e o ritual da Cavalaria, a continuidade
não é duvidosa”(Marc Bloch, La Société Féodale, ed .cit. p.
436).
Na Idade Média cristã, quem pretendia
ser armado Cavaleiro, primeiro se banhava, depois era vestido, e lhe punham as
esporas nos pés, revestiam-no da cota de malha, cobria-se-lhe a cabeça com o
elmo, e cingia-se-lhe a espada à cintura. Depois disto, o padrinho dava ao novo
cavaleiro um grande tapa na nuca, dizendo-lhe algumas palavras, como por
exemplo: “Sê verdadeiramente um cavaleiro e corajoso contra todos os teus
inimigos”. Ou então: "Não esqueças de ser fiel a teu senhor".
Ou mais simplesmente ainda: "Sê valoroso". Estas duas palavras
dizem muito. Elas dizem tudo. (L. Gautier, op cit., pg. 285).
A seguir, o cavaleiro saltava a
cavalo sem usar os estribos, galopava pelo campo, e derrubava um manequim (a
quintana) com um grande golpe de lança. E assim ficava encerrada a cerimônia.
As canções de gesta narram com estilo
saboroso a armação do cavaleiro. Léon Gautier resume uma delas:
“O início de ‘Elias de Saint Gilles’ é, sob esse ponto de vista, uma obra
prima de exposição selvagem e verdadeira. O pai de Elias, Julien de Saint
Gilles, tem a barba toda branca. É um altivo barão que nunca se tornou culpado
de uma traição, que sempre amou o filho de Santa Maria, que honrou os morteiros
e fez construir portas e hospedarias para os pobres viajantes. Mas enfim, ‘há
cem anos é que ele foi armado cavaleiro’, e ele sente a necessidade de
‘repousar e viver bem’. Então, ele faz vir seu filho Elias, ou antes, o faz
comparecer diante de si na sala ‘jerrine’. Para excitar a cólera do jovem, ele
o repreende de não ter praticado ainda nenhuma façanha: ‘na tua idade, diz ele,
eu havia já conquistado castelos, fortes e cidades’, O jovem Elias se irrita
sob o aguilhão dessas palavras, tanto mais que o ancião se pergunta ‘bem alto
se seu filho não seria chamado a viver num claustro e ser ‘monge recluso no
Natal ou na Páscoa’. Isto já é demais, Elias quer partir e deixar para sempre
esse castelo no qual ele é forçado a engolir tais ultrajes: ‘Cala-te, infeliz,
cala-te lhe grita seu pai. Imaginas partir assim, sem escolta e sem armas? Mas
diriam ao te ver passar nas estradas: ‘Vede esse jovem? É o filho de
Julien-à-la-Barbe. Seu pai o expulsou de sua terra’. Não, não, tu não partirás
assim. E eu vou agora mesmo, te fazer cavaleiro’. Voltando-se então para
seus homens diz: ‘que preparem uma quintana e que me tragam minhas armas’. A
cerimônia começa imediatamente. O velho cinge a espada em seu filho; depois,
levantando a mão e deixando-a cair como um martelo sobre a nuca do filho, esse
terrível centenário lhe dá um tal golpe, que Elias é meio derrubado. O novo
cavaleiro sente a cólera subir-lhe a cabeça e falando baixinho cobre seu pai de
ameaças contidas. ‘Ah! diz ele, se fosse um outro! Mas é meu pai e meu dever é
de não me queixar’. Ele se acalma, levanta a cabeça, monta bruscamente a cavalo
e abate com um golpe de mestre todo o aparelho da quintana. ‘Ele será um
valoroso’ exclama então o velho encantado” (L .Gautier, op. cit, pg.
283/284).
A armação de cavaleiro, a de Galien, em
rito militar, foi narrada por uma lenda. Ela teria ocorrido em Roncesvalles.
Galien era filho de Olivier que morreu na batalha dizendo-lhe "Ama o
imperador Carlos e desconfia de Ganelon". Galien se lança então sobre
os pagãos e faz mil façanhas e proezas e se cobre de sangue e de glória.
"Este herói não era ainda cavaleiro, e se assistiu então a um grande
milagre. O corpo inanimado de Roland estava lá, sob os olhos do imperador, sob
os olhos de Galien. Em meio ao silêncio, o braço direito do amigo de Olivier se
levantou lentamente e estendeu a Carlos sua espada pela ponta. O rei
compreendeu e presenteou Galien com esta incomparável espada; depois, por uma
inspiração sublime: ‘Tu serás cavaleiro’, lhe diz. Mas para um tal cavaleiro
era preciso um ‘adoubement’ que não fosse banal. O filho de Pepino se inclina
para Roland, toma o braço do morto, e faz dar por esta mão fria o tapa (collée)
em Galien. Ora, jamais ‘collée’ fora dada desse modo, e desde então jamais o
foi. Foi a única vez, mesmo em nossa lenda, que um cavaleiro vivo foi assim
feito e criado por um cavaleiro morto" (Resumo de Viaggio di
Cario Magno in Spagna, apud Léon Gautier op. cit - pg. 268/269 e nota 1 da
edição original).
Porém, muito mais bela que a lenda
fantasiosa é a realidade.
“Em 1213, Simon de Montfort tinha cercado de um piedoso brilho, digno de um
herói cruzado, o adoubement de seu filho, que dois Bispos, ao canto do Veni
Creator, armaram cavaleiro para o serviço de Cristo. Ao monge Pierre des
Vaux de Cernay, que assistiu a esse ato, essa cerimônia arrancou um grito
característico: “ ò novo modo da cavalaria! Modo até aqui inaudito! (Marc Bloch, La Société Féodale, Albin Michel,
Paris 1968, p. 340).
Isto aconteceu na festa de São João, em
24 de Junho de 1213, em Castelnaudary, lugar de outra vitória espetacular de
Simão de Montfort sobre os cátaros.
Amaury de Montfort era o primogênito
dos sete filhos que Simão de Montfort teve de sua esposa Alix de Montmorency.
Simão quis que o adoubement fosse litúrgico, o mais solene de todos, no qual um
Bispo benze e cinge a espada no neo cavaleiro durante uma missa pontifical.
A noite precedente, era passada
solitariamente em vigília de orações pelo candidato a receber o adoubement. A
espada era benta pelo Bispo enquanto se cantava o Veni Creator. Simão de
Montfort quis que seu filho Amaury fosse armado, não apenas como simples
cavaleiro, mas expressamente como Cavaleiro de Cristo (Dominique Paladilhe, Simon
de Montfort et le Drame Cathare, Perrin, Paris, 1988, pp.208-209).
E esta cena nos leva ao ritual
religioso da armação de um cavaleiro.
O ritual religioso
Todo o ritual militar, tão cheio de
símbolos e de grandeza, pecava, porém, por omissão de qualquer referência a
Deus.
Uma época tão católica quanto a Idade
Media devia logo fazer penetrar o espírito da religião nesse ritual ate então
um tanto bárbaro. Foi assim que nasceu o ritual religioso.
Ele ainda é laico no sentido de que era
um leigo que armava o novel cavaleiro. Mas já a alma católica impregnava a
cerimônia como um sopro de Deus.
Esse ritual ainda se processava em
língua vulgar, ao contrário do ritual litúrgico, que era todo em latim.
O ritual religioso constava de cinco
partes:
1º - Vigília de armas
2º - Missa
3º - Deposição das armas no altar
4º - Benção das armas e da espada
5º - Sermão e "collée" (golpe
de mão ou de espada)
A vigília de armas consistia em passar
a noite inteira, de pé ou de joelhos, numa capela ou igreja, rezando e
meditando na finalidade da cavalaria, isto é, na defesa de Cristo e de sua
Igreja, pois Deus na História tem as mãos atadas e suplica que o defendamos.
Pela manhã, o cavaleiro, tendo se
confessado, assistia a Missa e comungava. A seguir, as armas que ser-lhe-iam
entregues, eram depositadas sobre o altar para que a pedra de sacrifício do
Deus vivo transmitisse algo da Santidade de Deus à espada que, como a Cruz de
Cristo era “feita de misericórdia e de justiça” (Discurso de um general
brasileiro, ao receber a espada em Brasília, em 1974)
O sacerdote, a seguir, benzia todas as
armas e especialmente a espada. Quem a cingia porém no recebedor era outro
cavaleiro.
O sacerdote dizia então ai guinas
palavras: "Que o Deus verdadeiro te dê
coragem". Ou então "Se te dou essa espada, é sob a condição de
que sejas o paladino do Senhor" (L. Gautier ob cit pg. 290).
O tapa do adoubement era, por vezes,
substituído já por 3 golpes de prancha de espada, no ombro. E a seguir o
cavaleiro saía da Igreja para galopar e dar um golpe de lança, na quintana.
O ritual litúrgico
Há três textos para a "Benção
do novo cavaleiro":
a) o "ordo vulgatus"
b) o Pontifical de Guillaume
de Briand
c) o Pontifical vaticano
Conforme o Pontifical de Guillaume de
Briand, a "sagração" do novo cavaleiro se realizava durante a
Missa celebrada por um bispo. Logo após o gradual, é que se dava a benção da
espada.
"Abençoai esta espada, Senhor, afim de que vosso servo possa ser,
doravante, contra a crueldade dos hereges e dos pagãos, o defensor das igrejas,
das viúvas, dos órfãos e de todos os que servem a Deus".
E o bispo acrescentava:
"Abençoai esta espada, Senhor Santo, Pai todo poderoso, Deus
eterno; abençoai-a em nome do advento de Jesus Cristo e pelo dom do Espírito
Santo consolador. E possa vosso servo, que tem vosso amor por principal
armadura, possa espezinhar todos os teus inimigos visíveis e, senhor absoluto
da vitória, possa permanecer sempre ao abrigo de todo ferimento".
E em seguida o bispo recitava uma
oração extraída de palavras do Antigo Testamento:
"Bendito seja o Senhor Deus que formou minhas mãos para o combate e
meus dedos para a guerra. Ele é minha misericórdia. Ele é meu refugio. Ele é
meu Redentor”.
E depois:
"Deus santo, Pai onipotente, Deus eterno, que sozinho ordenastes todas
as coisas, e as dispusestes como é conveniente, é para que a justiça tenha aqui
na terra um apoio, é para que o furor dos malditos tenha um freio, é por essas
duas causas somente que, por urna disposição salutar Vós permitistes aos homens
o uso da espada. Ê para a proteção do povo que desejastes a instituição da
Cavalaria.A uma criança, a Davi, outrora, Vós destes a vitória sobre
Golias. Vós tomastes pela mão Judas Macabeu, e lhe destes triunfo sobre todas
as nações bárbaras que não invocaram vosso nome. Pois bem, eis vosso servo, que
curvou recentemente a fronte sob o jugo da condição militar: envia-lhe do alto
do céu as forças e a valentia de que ele precisa para a defesa da justiça
e da Verdade; dai-lhe o aumento da fé, da esperança e da caridade; dai-lhe o
temor e o amor, a humildade e a perseverança, a obediência e a paciência.
Disponde tudo nele ,como é preciso, afim de que com esta espada ele jamais
golpeie injustamente ninguém, e a fim de que ele defenda com ela tudo o que
é justo, tudo o que é reto".
Marc Bloch cita outra oração desse
ritual:
“Sem dúvida, não é por acaso que a época na qual viveu esse santo adoubé [São
Luis, Rei] deu nascimento à nobre oração que, recolhida noPontifical de
Guillaume Durand, oferece-nos como que o comentário litúrgico dos
cavaleiros de pedra, erguidos pelos escultores, no portal de Chartres, ou no
reverso da fachada de Reims:“Senhor Santíssimo, Pai onipotente,... Tu que
permitistes, na terra, o emprego da espada para reprimir a malícia dos maus e
defender a justiça; que, para a proteção do povo quisestes instituir a Ordem da
Cavalaria... dispondo seu coração ao bem, faz com que teu servidor, que aqui
está, jamais use desta espada, ou a de um outro, para prejudicar injustamente ninguém;
mas que ele sempre se sirva da espada para defender a Justiça e o Direito” (Marc
Bloch, La Société Féodale, Albin Michel, Paris 1968, p. 444).
O bispo tomava então a espada que
estava sobre o altar e a entregava ao cavaleiro dizendo-lhe: "Recebe
esta espada, em Nome do Pai, do Pilho e do Espírito Santo" e, pondo a
espada na bainha, cingia com ela o cavaleiro, ajoelhado diante do altar,
dizendo: "Se cingido com a espada, ó poderosíssimo".
O Cavaleiro, então, desembainhava a
espada e, de pé, dava golpes no ar, "enxugava" a espada do sangue dos
inimigos, e guardava-a então em sua bainha.
O Bispo e o Cavaleiro trocavam então o
ósculo da paz, enquanto o Bispo lhe dizia:
“Sê um soldado pacífico, corajoso, fiel e devotado a Deus", e batia
levemente com a mão no rosto do cavaleiro.
Exclamava então o bispo em voz alta,
"Desperta do mau sono e fica vigilante na honra e na fé de Cristo".
Então outros cavaleiros colocavam-lhe
as esporas e se fazia a benção solene da bandeira.
E o pontifical terminava com estas
palavras:
"His dictis, novus miles vadit in pace". (Com estas
palavras, o novo Cavaleiro vá em paz).
E o novo guerreiro partia “in pace” (L.
Gautliier, La Chevalerie, pp. 301 a 303).
O que não queria dizer que não teria
combates. Por isso, o poeta alemão Thomasin, escreveu:
"Não queira ter o mineter de Cavaleiro quem só quiser viver suavemete“ (Apud
Marc Bloch, La Société Féodale, ed. Cit., p. 442).
No “ordo vulgatus romanus”, a
cerimônia começa com a benção da bandeira. O bispo invoca a Deus, "verdadeira
força dos triunfadores" afim de que este gonfalão seja “envolvido
pelo nome de Deus”, e se torne terrível para os inimigos do povo
cristão.
A seguir benzia-se a lança e a espada,
invocando-se São Miguel, chefe da Cavalaria celestial, e os santos guerreiros
do antigo Testamento.
“Recebe este gládio cora a benção de Deus e possas pela virtude do Espírito
Santo repelir, com a ponta desta espada, todos os teus inimigos e todos os
inimigos da Santa Igreja".
Benzia-se o escudo e invocava-se para o
novo cavaleiro a proteção dos santos guerreiros S. Maurício, S. Sebastião e
S.Jorge.
No pontifical vaticano, ao entregar a
espada, o consagrante dizia:
"Toma esta espada. Exerce com ela o vigor de justiça; abate com ela o
poder da injustiça. Defende com ela a Igreja de Deus e seus fiéis.
Dispersa com ela os inimigos de Cristo. O que está por terra, levanta-o. O que
levantastes, conserva-o. O que é injusto aqui na terra, abate-o. O que é
conforme a ordem, fortifica-o. É assim que, glorioso e altivo, unicamente pelo
triunfo das virtudes, justitiae cultor egregius, chegarás ao Reino dos Céus,
onde com Jesus Cristo de que trazes a marca, reinarás eternamente". (L.
Gautier, La Chevalerie, pp. 304 a 306).
Desde o princípio dos “adoubemennts” ainda
semi bárbaros, se tinha a idéia de que o cavaleiro saía das fileiras dos homens
comuns, do vulgo, e entrava num grupo especial. Num “ordus novus” — numa nova
ordem, como se dizia na Idade Média. (Cfr. Marc Bloch, op. cit., p. 438).
Só mais tarde é que surgiram
propriamente as Ordens de Cavalaria, com votos específicos.
Após a conquista de Jerusalém,
fundou-se uma primeira Ordem de Cavalaria de caráter religioso: a dos Cavaleiros
do Santo Sepulcro. Mais tarde, nasceram a Ordem dos Cavaleiros de São João, ou
do Hospital de Jerusalém, que depois se tornou a Ordem dos Cavaleiros de Rodes,
e em seguida dos Cavaleiros de Malta. No século XII, com São Bernardo, a
pedido de Hugues de Payen, nasceu a famosa Ordem do Templo.
Na península ibérica, nasceram as
ordens de São Thiago, de Alcântara, de Calatrava, e a Ordem de Cristo, que fez
os grandes descobrimentos. Na Alemanha, ganhou renome a Ordem dos Cavaleiros de
Santa Maria ou dos Cavaleiros Teutônicos.
Todas estas ordens visaram a defesa
militar da cristandade atacada pelos infiéis e pelos pagãos, além de cuidar dos
pobres e necessitados.
Estas eram Ordens monásticas militares,
pois que seus membros faziam votos de pobreza, obediência e de castidade, e se
sujeitavam a uma regra conventual, própria a cada ordem. Eram então
monges-soldados.
Não é dessas ordens monásticas que
trataremos, mas sim, apenas da Cavalaria, em sentido geral, contando seus
costumes, seu heroísmo e sua grandeza.
O código da Cavalaria
Desde que alguém se tornasse cavaleiro,
ficava obrigado a respeitar certas leis que o costume consagrara, e que
formavam o código da cavalaria.
Este código jamais foi escrito. Os
historiadores o deduziram do exame da vida dos cavaleiros. Constava ele de 10
mandamentos que todo cavaleiro devia respeitar para ser digno de seu título.
1 º Mandamento: Crerás em tudo quanto
ensina a Igreja.
Para ser cavaleiro, era preciso ser
católico. Os cavaleiros eram os soldados da fé. Nenhum herege ou infiel podia
receber a espada de cavaleiro.
Quando São Luís, rei de França, estava
preso no Egito com todo seu exército, morreu o sultão desse país. O sucessor dele,
Turan Sha, que algumas crônicas árabes chamam de Almoadan, era um homem
degenerado pelos vícios e incapaz de governar ou de lutar. Os mamelucos do
Egito, entretanto, não queriam entregar-lhe o poder e organizaram uma
conspiração para matá-lo.
Em 2 de maio de 1250, após um banquete
que Turan Sha ofereceu aos emires de seu exército, os Bahrides, repentinamente,
invadiram sua tenda desabres nas mãos. O primeiro que feriu o sultão foi o
guerreiro Bibars, o vencedor da batalha de Mansurah, e que depois se tornará
bem famoso. O sultão conseguiu aparar os primeiros golpes, sendo ferido apenas
na mão.
Turan Sha se refugiou então numa torre,
que dominava o Nilo, e nela se trancou. Do alto da torre, ele implorava aos
mamelucos, que tentavam forçar a porta, que o poupassem e que ele lhes daria
tudo o que tinha.
Clamava:
“Não quero mais o império, deixai-me retornar a Hisn Kaîfa, ó Muçulmanos.
Não há entre vos que me defenderá e me salvará?”
Não conseguindo arrombar a porta torre,
os mamelucos, por fim, incendiaram-na. Turan Sha lançou-se do alto da torre e
depois, correndo, se jogou no rio Nilo, na esperança de alcançar uma barca.
Seus inimigos lançaram-lhe uma chuva de flechas. Para se salvar delas, o sultão
mergulhou até o pescoço, e não suportando mais, voltou à margem do rio, e
suplicava que o deixassem partir para seu pequeno feudo de Diyarbekir.
Bibars, em resposta lhe deu um golpe de
sabre que jogou o miserável Turan Sha de novo na água. Um segundo golpe de
sabre lhe arrancou um braço.
O cadáver do sultão foi tirado do Nilo
por meio de um arpão. As crônicas árabes contam que ele foi o sultão que morreu
pelo fogo, pela água e pelo ferro. (Cfr. René Grousset, Histoire des
Croisades et du Royaume Franc de Jerusalem, Plon, Paris 1936, volume
III, p. 487 ; Cfr. Michaud, História das Cruzadas, ed.
cit., vol.V, pp. 83/84).
A seguir os mamelucos, ébrios de
sangue, começaram a matar os cristãos prisioneiros. Os gritos de dor e de ódio
ecoavam por toda parte.
Foi então que o mameluco Oghotai ou Octai,
com o sabre ensangüentando nas mãos, entrou na tenda onde estava preso São
Luis.
Eis como as crônicas descrevem a cena:
“Ele veio até o rei, com sua mão toda ensangüentada, e lhe disse: “Que me darás
por ter morto o teu inimigo?”
E o Rei São Luis nada lhe respondeu”.
Oghotai podia pedir o que quisesse:
terras, títulos, os 400.000 bizantinos de ouro fixado para resgate do rei dos
francos...
“Silêncio tão eloqüente de heroísmo como os apelos guerreiros de pouco
antes, silêncio real no qual a majestade do santo monarca esmaga com sua
tranqüilo desprezo a barbárie das hordas vitoriosas; serenidade diante dos
regicidas, pela qual o rei franco se mostra ainda maior do que no campo de
batalha” (Joinville, Crônicas, 353, apud René Grousset, Histoire
des Croisades et du Royaume Franc de Jerusalem, Plon, Paris 1936,
volume III, p. 489).
Outro historiador conta que Octai
encostou o sabre no peito do rei e ameaçou:
— Faze-me cavaleiro ou estás morto.
— Faze-te cristão e eu te farei
cavaleiro, contestou-lhe São Luis.
Octai, depois de hesitar um instante,
baixou o sabre e se retirou. (J. F. Michaud, História das Cruzadas,
Editora das Américas, São Paulo, ed. cit., Vol. V, pp. 87/88).
Oh! Admirável prestígio da Cavalaria!
Oh! mais admirável intransigência de São Luis!
Tal era a admiração que os infiéis
tinham pelo título de cavaleiro. Tal era a glória da Cavalaria. Tal era a
intransigência de um cavaleiro-rei. Pois não se concedia o título de cavaleiro
a quem não tivesse fé católica. E o que outrora os pagãos e infiéis admiravam
na Igreja, hoje os católicos esqueceram ou repudiaram. E a intransigência
católica era uma das causas da admiração dos infiéis.
"Quando os cavaleiros assistiam Missa e chegava a leitura do Evangelho,
em silêncio eles desembainhavam as espadas e as mantinham nuas e eretas diante
do rosto, enquanto durasse a leitura sagrada. Esta altiva atitude queria dizer:
se for preciso defender o Evangelho, nós estamos aqui. Neste gesto estava todo
o espírito da Cavalaria”. (L. Gautier, La Chevalerie, p.30).
Toda a vida do cavaleiro era impregnada
pela fé. Seus hinos de guerra eram os cantos da Igreja. As tropas de São Luis
partiram de Aigues-Mortes, em barcos engalanados, cantando o Veni
Creator. E as senhas de guerra eram jaculatórias, e as contra-senhas
responsórios litúrgicos. A vitória e a derrota vinham de Deus. Ele é que
assistia os Cavaleiros em suas batalhas.
Em 1102, quando da invasão dos árabes
fatimitas do Egito, comandados por Al Afdal. Depois de passarem por Ascalon, os
maometanos foram em direção de Ramla.
O Rei Balduíno I, já vencera os
fatimitas do Egito na primeira batalha de Ramla, em 7 de Setembro de 1101,
quando com 260 cavaleiros e 900 infantes derrotara espetacularmente a 200.000
maometanos. Antes da batalha, ele se dirigiu a seus poucos soldados,
dizendo-lhes: "Se fordes mortos, tereis a coroa do martírio. Se
fordes vencedores, tereis uma glória imortal. Quanto a querer fugir,
será inútil: a França está muito longe”.
E prostrando-se diante da verdadeira
Santa Cruz, o Rei Balduíno confessou publicamente seus pecados ao Bispo Gérard.
Então atacou como um leão. O Bispo Gérard o seguia, levando a Santa Cruz.
Com a Cruz, o Rei Balduíno I venceu. Em pouco tempo, o imenso exército fatimita
foi completamente desbaratado.
Meses depois, em 17 de Maio de
1102, numa segunda batalha, em Ramla, o Rei Balduíno cometeu um grande erro por
presunção. Confiado excessivamente em sua vitória anterior, tendo apenas 200
Cavaleiros contra só 20.000 maometanos do Vizir Al
Afdal, atacou os infiéis, sem levar consigo a Cruz de Cristo.
Foi um desastre.
(René Grousset, Histoire des
Croisades et du Royaume Franc de Jerusalem, Plon, Paris , 1936, Vol. I,
pp. 225 – 226).
Mas as crônicas antigas não atribuíram
essa derrota à desproporção imensa entre os dois exércitos, mas sim ao fato de
que pela primeira vez, depois de terem recuperado a Cruz do Salvador, os
cruzados, confiando só em seu valor, tinham ido à batalha sem levar consigo a
Cruz.
Deus e o cavaleiro combatiam juntos,
mas Deus é quem dava a vitória. Por isso é que Santa Joana d'Arc respondeu
ao Bispo que lhe perguntava porque queria ela soldados, se dizia que o próprio
Deus ia libertar a França:
—“Les gendarmes batailleront et Dieu
donnera la vicoire" – «Os soldados combaterão, e Deus dará a
Vitória».(Léon Gautier, La Chevalerie, Arthaud, Paris , 1959,
p.46).
Simão de Montfort, o vencedor de uma
batalha inacreditável em Muret, onde com menos de 900 homens venceu 44.000
hereges, matando 15.000 deles em uma hora de combate apenas, e tendo
pouquíssimas baixas, antes dessa batalha, colocando sua espada sobre o
altar-mor da Igreja da Abadia de Boulbonne, rezou a seguinte oração:
“Meu bom Senhor! O doce Jesus! Tu me escolhestes, apesar de minha
indignidade, para teus combates. É de teu altar que, hoje, recebo minhas armas,
a fim de que no momento de dar batalha, eu receba de Ti os instrumentos do
combate” (Dominique Paladilhe, Simon de Montfort et le Drame
Cathare, Perrin, Paris, 1988, p.214).
Tinha Simão de Montfort tal certeza da
vitória sobre os 44.000 cátaros que os Bispos lhe perguntaram de onde tirava
ele essa confiança. E Simão de Montfort, mostrando-lhes uma carta do Rei Pedro
de Aragão a uma meretriz, convidando-a para vir assistir à batalha em Muret,
disse-lhes:
“O que quero dizer é que Deus será minha ajuda, tanto que pouco temo um
homem que vem, por causa de uma mulher, convulsionar o que Deus quer”
O Rei de Aragão ia combater por uma
prostituta. Simão de Montfort ia combater por Deus. Os Bispos tremiam e
clamavam de medo. Ele tinha certeza da vitória impossível (Dominique Paladilhe, Simon
de Montfort et le Drame Cathare, Perrin, Paris, 1988, p.220).
Como outrora, os judeus haviam vencido
os madianitas ao grito de "Espada de Deus e de Gedeão"
(Jz, VII, 20), os cavaleiros sabiam que a vitória era fruto da graça de Deus
com a colaboração do homem. A Igreja vencia com a espada de Deus e da
Cavalaria. Eles tinham fé na ação do Deus dos Exércitos, que eles exaltavam na
Missa ao repetir o coro das milícias celestes: Sanctus, Sanctus,
Sanctus, Dominus Deus Exercituum. E porque tinham fé, eram freqüentes as
aparições de anjos e de santos guerreiros a combater ao lado dos cavaleiros,
nas batalhas das Cruzadas.
Lendas? Deus não faz tais milagres?
Deus não atua na História?
Isso dizem os materialistas, que,
tirando Deus da história, mutilam-na de seu principal agente.
Então o Deus de Gedeão e de Davi, o
Deus que protegeu Judas Macabeu, na batalha, por meio de dois anjos que o
cobriam com seus escudos de ouro, esse Deus perdeu o poder? Por acaso se lhe
encurtou a mão, como indaga São Luis de Montfort?
Os cavaleiros acreditavam que Deus é
sempre o mesmo, o Deus que os protegia continuamente e que estava com eles,
velando providencialmente por seus guerreiros. Esta fé viva da presença e de
proteção de Deus é que levava o Infante D. Henrique de Portugal a responder ao
"Quem vem lá?" de um sentinela:
— "Deus, o apóstolo Santiago e
o Infante D.Henrique”.
Porque um cavaleiro verdadeiro jamais
estava só. Saint Beuve escreveu as seguintes palavras sobre esta fé viva,
concreta e inocente dos cavaleiros medievais:
"O céu estava aberto acima deles, povoado de figuras vivas, de patronos
atentos e manifestos. O mais intrépido guerreiro caminhava nessa mistura
habitual de temor, de confiança, como uma criancinha”. (Saint Beuve, citado
por G. Hubault "Sobre o Ensino de História da França", p..26,
apud Léon Gautier - La Chevalerie, p. 34, nota 2, na edição
original).
Um dia, na cruzada, prisioneiros turcos
transportavam aos ombros, numa padiola, ferido, o duque Roberto da Normandia.
Na estrada, eles se encontraram com normandos aos quais o duque, depois dos
cumprimentos ordenou: "Ide, ide dizer, na Normandia, que nunca se ouviu
dizer uma coisa igual: um príncipe cristão levado aos céus por quatro demônios".
Era esta fé que fazia D. Afonso
Henriques gritar para Cristo crucificado que lhe apareceu nos céus, no
alvorecer, antes de vencer os mouros na batalha de Ourique:
"Não a mim, Senhor, não a mim, que creio que podeis. Mas [aparece] a
eles Senhor, a eles que não crêem".
Quando, na primeira cruzada, os
cristãos conquistaram Jerusalém, enquanto todos corriam para tomar posse dos
ricos palácios, Godofredo de Bouillon, Duque de Lorena, descalçou suas
sandálias para ir buscar o seu tesouro: a Cruz de Jesus Cristo, na Igreja do
Santo Sepulcro. Esta era a riqueza para qual ele corria, de pés descalços, e
glorioso. Ela o trouxera, no caminho da epopéia e da glória, da Lorena à Ásia.
(J. F.Michaud, História das Cruzadas, ed.. cit. , V.II, p..24)
No dia seguinte, quando se tratou de
eleger um rei para Jerusalém, o mesmo Godofredo de Bouillon foi o escolhido.
Mas ele recusou o título e a coroa porque dizia: "não quero ser coroado
de ouro, onde Cristo foi coroado de espinhos”. Ele aceitou apenas o título
de barão e defensor do Santo Sepulcro. Assim era a fé dos cavaleiros, vassalos
de Deus. (Pierre Aubé, Godefroi de Bouillon, Fayard, Paris, 1985,p.
292 ; J.F. Michaud, História das Cruzadas, ed..
cit., V.II, p. 35).
Dizia o ditado antigo: "Nul
chevalier sans prouesse" (Não há cavaleiro sem proeza) e podemos
acrescentar: Nul prouesse sans Dieu (Não há verdadeira proeza, sem Deus).
Como bem notou Léon Gautier, em sua
obra sobre a Cavalaria, “a epopéia exclui o ateísmo”, e que “os
homens verdadeiramente épicos olham para o céu". (L. Gautier, La
Chevalerie, ed. original - p.39).
E porque eles olhavam para o céu, eles
rezavam muito, muito pediam e muito recebiam. Os cavaleiros normalmente
assistiam a Missa todos os dias e comungavam com freqüência.