Protágoras de Abdera
O relativismo é uma doutrina
que prega que algo é relativo, contrário de uma ideia absoluta, categórica. O
relativismo, dessa forma, leva em consideração diversos tipos de análise, mesmo
sendo análises aparentemente contraditórias. As diversas culturas humanas geram
diferentes padrões segundo os quais as avaliações são geradas.
Relativismo
e historicismo
Em sentido amplo, o
qualificativo, originário do alemão Historismus,
é dado a correntes do pensamento, segundo as quais é a história que faz o homem e não o homem que
faz a história. Baseia-se no modelo romântico inaugurado por Herder e Schelling, para os quais o universo deixou de ser um sistema e passou a ser entendido como
história, numa passagem do cosmológico para o antropocêntrico. De certa
maneira, é o exato contrário do conservadorismo, gerando uma fuga para a
frente, através do evolucionismo e do progressismo.
O historicismo ensina que “tudo é histórico” ou provisório e variável; o que ontem era
importante, hoje deixa de ser tal. Ora a verdade é conhecida e vivida na
história, sujeita a contínuas mudanças; ela é “filha do seu tempo”. Tudo
o que é verdadeiro e bom é tal unicamente para o seu tempo, e não de modo
universal, para todos os tempos e todos os homens. Nenhuma cultura tem o
direito de se julgar melhor do que as outras; todos os modos de pensar e viver
têm o mesmo direito.
Max Weber, em suas
obras sobre epistemologia, abre espaço para o relativismo nas ciências da
cultura quando diz que a ciência é verdade para todos que querem a verdade, ou
seja, por mais diferentes que sejam as análises geradas por pontos de vista
culturais diferentes, elas sempre serão cientificamente verdadeiras, enquanto
não refutadas.
Assim podemos concluir que o
Relativismo é um termo filosófico que se baseia na relatividade do conhecimento
e repudia qualquer verdade ou valor absoluto. Todo ponto de vista é válido.
Na filosofia moderna o
relativismo por vezes assume a denominação de "relativismo cético",
relação feita com sua crença na impossibilidade do pensador ou qualquer ser
humano chegar a uma verdade objetiva, muito menos absoluta.
Nietzsche na sua obra "A
Gaia Ciência", no tópico intitulado "Nosso novo infinito", assim
afirma: "o mundo para nós tornou-se novamente infinito no sentido de que
não podemos negar a possibilidade de se prestar a uma infinidade de
interpretações"; frase que Michel Foucault objeta: "Se a
interpretação nunca se pode completar, é porque simplesmente não há nada a
interpretar...pois, no fundo, tudo já é interpretação".
No diálogo platônico "Teeteto", atribui-se
a Protágoras uma concepção relativista do conhecimento, por haver
afirmado que "o
homem é a medida de todas as coisas". Nesse caso, cada um de
nós é, por assim dizer, o juiz daquilo que é e daquilo que não é. Sócrates
levanta então uma série de objeções contra essa forma radical de relativismo
subjetivista, tentando mostrar a incoerência interna da suposição de que o que
parece verdadeiro a alguém é verdadeiro para ele ou ela. Se são verdadeiras
todas as opiniões mantidas por qualquer pessoa, então também é preciso
reconhecer a verdade da opinião do oponente de Protágoras que considera que o
relativismo é falso. Ou seja, se o relativismo é verdadeiro, então ele é falso
(desde que alguém o considere falso). Haveria, por assim dizer, uma
auto-refutação (ou uma autodestruição) do relativismo cognitivo.
Em nossos dias, o relativismo
cognitivo tem assumido várias formas distintas. Nas versões mais radicais,
entende-se que quaisquer opiniões são igualmente justificáveis, dadas suas
respectivas regras de evidência, e que não há questão objetiva sobre qual
conjunto de regras deve ser preferido ("igualitarismo cognitivo" ou
tese da "equipolência das razões"). Em suma, é possível dar boas razões tanto
para se admitir quanto para se recusar qualquer opinião. E, portanto, o
procedimento de dar boas razões nunca permite decidir entre opiniões rivais,
nunca nos obriga a substituir uma crença por outra. Nesse caso,
uma crítica do relativismo cognitivo pode ser feita de acordo com a seguinte
linha argumentativa (seguida, por exemplo, por Paul Boghossian em "What
the Sokal Hoax Ought to Teach Us"): se toda regra de evidência é tão boa
quanto qualquer outra, então para que uma opinião qualquer seja tomada como
justificada basta formular um conjunto apropriado de regras em relação ao qual
ela está justificada. Em particular, a opinião de que nem toda regra de
evidência é tão boa quanto qualquer outra deve poder ser igualmente
justificada. (E o relativista assim não consegue mostrar, mas deveria mostrar,
que a sua posição é melhor que a de seu oponente.) Uma alternativa seria dizer
que algumas regras de evidência são melhores do que outras; mas então deveria
haver fatos independentes de perspectiva sobre o que as torna melhores do que
outras, e nesse caso estaríamos assumindo a falsidade do relativismo cognitivo.
Em contraposição, há
espécies de relativismo que são bastante triviais, como, por exemplo, a tese da diversidade (também chamada de
"relativismo cultural"): consiste em registrar que diferentes
pessoas mantêm crenças diferentes; que as opiniões variam de comunidade para
comunidade, de uma época para outra. Nesse caso, não se afirma que tais crenças
ou opiniões sejam verdadeiras ou justificadas, e portanto não se tem ainda um
relativismo cognitivo (epistemológico). Tal diversidade de crenças é plenamente
compatível com uma visão absolutista ou objetivista do conhecimento.
Dentro deste conceito
antropófago, o relativismo cultural é um ponto de vista extremo oposto ao
etnocentrismo, que leva em consideração apenas um ponto de vista em detrimento
aos demais. Porém, os críticos dessa visão apontam que o relativismo torna
impossível um avanço científico nas ciências da cultura na medida em que coloca
todos os tipos de análise, absurdas ou não, em igualdade de veracidade.
Todavia, não são essas
formas de relativismo (extremamente fortes ou fracas) que encontramos nas
filosofias de Kuhn, Rorty e até mesmo Feyerabend (em alguns de seus últimos
escritos). O que eles sugerem, a partir de evidências históricas, é que as
preferências por certos padrões de investigação, por certos objetivos
cognitivos variam com o tempo e dependem do contexto considerado. E mais do que
isso: sua validade e autoridade dependem da prática estabelecida no interior de
uma comunidade. Eles questionam as tentativas de codificar a racionalidade
científica mediante um certo conjunto de regras metodológicas que guiam a
atividade científica; mas não apenas isso, questionam também a tese de que a
racionalidade científica permaneça em grande parte estável e invariante com o
passar do tempo, apesar das novas descobertas e das mudanças sociais e
culturais. Eles
criticam o que Shakespeare chamou "essencialismo": a suposição de que
as marcas características da racionalidade científica não estão elas próprias
sujeitas a mudanças e revisões. Eles
reconhecem que as normas do que conta como "boa ciência" também se
transformam ao longo da história e não devem ser consideradas como uma
estrutura rígida que não sofre mudanças substanciais.
No caso específico das
ciências naturais, eles reconhecem, fazendo justiça à história da ciência, que
as mudanças e as divergências envolvem não apenas as teorias (não apenas
afirmações fatuais), mas também os critérios e os valores característicos da
prática científica. Por exemplo, é possível, em certas ocasiões, justificar uma
teoria T1 com respeito aos princípios e valores de um sistema evidencial E1
(por exemplo, que permite hipóteses sobre inobserváveis) e ainda justificar uma
teoria alternativa T2 (incompatível com T1) com respeito aos princípios e
valores de outro sistema evidencial E2 (por exemplo, do empirismo indutivista),
mesmo na ausência de uma fundamentação independente que sem petição de
princípio "favoreça inequivocamente" E1 ou E2 (ou seja, um caso de
incomensurabilidade) A justificação de uma crença é sempre relativa a um
sistema evidencial e, havendo uma disputa entre E1 e E2, poderia não haver
acordo racional quanto à aceitação de T1 ou T2, mesmo que tivéssemos à
disposição todas as evidências possíveis.
Por outro lado, quando se dá
preferência a um sistema evidencial a partir de um meta-sistema dominante, tal
escolha racional não pressupõe que esse meta-sistema represente uma visão
objetiva ou correta (em todo tempo e lugar) que permita justificar de modo
absoluto. Quando ocorre de abandonarmos a ciência normal anterior, de
transcendermos nossa própria tradição de pesquisa, não somos levados a um "ponto arquimediano", fora
do espaço e do tempo, que defina absolutamente o que deva ser racional, visto
que a própria racionalidade científica pode transformar-se no processo
evolutivo da ciência. Como diz Feyerabend (1993), os padrões de um debate
científico só parecem ser "objetivos" porque se omite a referência à
tradição considerada, ao grupo de adeptos que os utilizam.
Assim sendo, o relativismo
cognitivo não consiste apenas em afirmar que a verdade (ou a justificação) de
toda crença é relativa a princípios e padrões de um sistema de regras de
evidência; trata-se ainda de recusar a suposição de um sistema absoluto, neutro
(independente) e universal em relação ao qual toda crença possa ser julgada.
Nesse sentido, o relativista não atribui "estatuto privilegiado" a
nenhuma visão particular, nem mesmo ao relativismo. O relativista não pode
impedir que o absolutista sustente que o relativismo é falso; mas ainda assim é
permitido ao relativista manter a preferência por sua posição (que a seus olhos
se "salienta" em relação às demais), pois (segundo o relativista) o
absolutista também não tem como evitar que o relativista se mantenha relativista.
As tentativas de mostrar que o relativismo é inconsistente (ou se auto-refuta)
baseiam-se na suposição de que o relativista deva apresentar uma defesa em que
sua posição se mostre, sem petição de princípio, melhor que a de seu oponente e
possa compeli-lo a optar pelo relativismo. Mas o relativista consistentemente
admite que não é só o relativismo que tem boas razões em seu favor; também o
absolutista pode ter suas boas razões para manter-se em tal posição, numa
típica situação de incomensurabilidade. Enfim, não há nada de paradoxal em o
relativismo ser mantido por uns e não por outros, pois ninguém está obrigado a
aceitar todas as opiniões dos outros como sendo verdadeiras. Por exemplo, um
relativista poderia acreditar que a Terra gira em torno de si mesma e que é
falso que está fixa, ao mesmo tempo em que está ciente de que alguém acredita
que ela se mantenha fixa. (Harré e Krausz, 1996, p. 98) O que o relativista
tenciona é, nas palavras de Goodman, converter alguém ao seu ponto de vista,
sem tentar fundamentar absolutamente esse seu ponto de vista. O que ele diz é:
"Veja como as pessoas naquela época tinham uma outra concepção de mundo.
Se você estivesse no lugar delas, não manteria suas crenças atuais". Com
efeito, o relativista não se obriga a demonstrar que a partir de certas
premissas segue-se inexoravelmente a verdade do relativismo.
Putnam
Voltando agora ao tema da
mudança científica (que envolve teorias, métodos, valores etc.), coloca-se a
seguinte questão central em nossa análise: podemos
abandonar o "essencialismo" (isto é, as tentativas de apresentar
cânones a-históricos, absolutos, objetivos e imutáveis de racionalidade
científica) sem nos comprometermos pelo menos com uma forma moderada de
relativismo acerca do valor cognitivo da ciência? Dois importantes filósofos
contemporâneos, Putnam e Laudan, dizem que sim, ou seja, que podemos encontrar
uma alternativa ao essencialismo (positivismo) e ao relativismo. Vejamos como
isso ocorre.
Putnam
utiliza-se de uma proposta de Peirce que consiste em caracterizar a verdade
como o limite ideal de uma investigação conduzida racionalmente. Ou
seja, a verdade é o que se obtém, a longo prazo, com a aplicação sistemática
dos métodos racionais da ciência. Desenvolvida por Putnam em seu realismo
interno, essa teoria da verdade encerra duas ideias centrais:
"(...) a verdade é
independente da justificação aqui e agora, mas não de toda justificação.
Afirmar que um enunciado é verdadeiro é afirmar que ele poderia ser justificado,
e presume-se que a verdade seja estável e "convergente"; se um enunciado assim como sua negação
pudessem ser "justificados", mesmo em condições tão ideais quanto se
possa esperar, não haveria sentido em pensar o enunciado como tendo um
valor-de-verdade" . Portanto, sem pretender formular uma exata
definição de verdade, Putnam explica a noção de verdade como uma idealização da
aceitabilidade racional e, portanto, como um conceito-limite objetivo e
transcultural. Para Putnam (1983), a verdade é um ideal regulador em direção ao
qual nossa investigação racional deve convergir. Para a maioria dos enunciados,
existem condições epistêmicas melhores e piores, embora Putnam saliente que
"não há uma simples regra geral ou método universal para saber que condições
são melhores ou piores para justificar um juízo empírico arbitrário" (p.
xvii). Ainda que Putnam reconheça que a "verdade" é tão vaga e
dependente do interesse e do contexto quanto nós, e que não há uma matriz fixa
e a-histórica de padrões de racionalidade, uma tese central do seu realismo
interno é que se trata de uma questão objetiva a de "qual seria o
veredicto se as condições fossem suficientemente boas, um veredicto a que a
opinião deveria ‘convergir’ se fôssemos razoáveis"4 . Em termos
comparativos, "deve haver um sentido objetivo em que alguns juízos sobre o
que é ‘razoável’ são melhores que outros"5 , não importa qual seja o
contexto histórico e cultural.
Mas se não temos a mínima ideia
de o que pode ser corretamente asseverado por nós em situações epistemicamente
ideais e perfeitas, que papel a verdade (no sentido do realismo interno) pode
desempenhar na prática e no avanço da ciência? Tal noção idealizada de verdade
não seria, do ponto de vista do agente, totalmente indiferente a suas crenças atuais
sobre a realidade. Além disso, o que seria para uma investigação ter um final?
De fato, é difícil imaginar um resultado da pesquisa científica que
sobreviveria a todas as objeções que pudessem ser levantadas, pois não temos
como antecipar tudo que possa ocorrer durante uma conversação. Concordamos com
Field que não é necessário haver sistemas "maximamente bons", ou
seja, para cada sistema científico, sempre poderia haver outro melhor.
Contudo, se "considerar
uma certa investigação como ideal é supor que não se deveria questionar seu
resultado" , ou que foram eliminadas as possibilidades de erro, então
podemos estar seguros (da verdade) das conclusões fundamentadas a partir de uma
tal investigação. A afirmação de que uma investigação ideal conduz à verdade
torna-se, entretanto, uma conseqüência trivial da própria caracterização da
investigação ideal (como a que estabelece resultados para além de qualquer
controvérsia) e da verdade (tal que a proposição de que p é verdadeira se e
somente se p), e por isso não detém nenhuma força explicativa. Desse modo,
podemos com Davidson (1990) suspeitar que "se fossem explicitadas as
condições sob as quais alguém está idealmente justificado em asseverar alguma
coisa, ficaria claro que ou essas condições permitem a possibilidade de erro,
ou elas são tão ideais que não fazem uso da tencionada conexão com as
habilidades humanas" .
Por outro lado, ainda que
toda investigação ideal resulte em conclusões verdadeiras, não se segue que
todas as proposições verdadeiras possam ser alcançadas por uma investigação
ideal. Talvez existam hipóteses que mesmo em condições ideais não poderíamos
justificar sua asserção ou negação. Horwich considera, a título de exemplo, as
proposições com conceitos vagos, as teorias subdeterminadas pelos dados e
certas suposições probabilísticas.
Além disso, por que haveria
uma situação ideal única em que as opiniões poderiam ser corretamente julgadas?
Ou, em termos comparativos, por que existiriam objetivamente "melhores e
piores situações epistêmicas com respeito a enunciados particulares", como
supõe Putnam ? Pelo contrário, as evidências históricas indicam que as
preferências científicas por certas teorias, métodos e objetivos cognitivos
variam com o tempo, dependem do contexto da pesquisa científica, sem que se
possa vislumbrar "um término ideal" a que todas essas transformações
convergem.
Laudan
Uma outra importante
alternativa de compreensão da mudança científica é apresentada por Laudan.
Inicialmente, Laudan (1977) também foi um adepto da tese essencialista de que
"existem certas características muito gerais de uma teoria da racionalidade científica que
são transtemporais e transculturais" ,
desde o pensamento dos pré-socráticos até hoje. Todavia, a partir de sua
proposta de um modelo reticulado de racionalidade, Laudan (1984) muda de
posição e considera que a avaliação epistêmica é sempre feita dentro de um
amplo sistema de crenças fatuais, metodológicas e valorativas, que dependem uma
das outras e podem sofrer mudanças ao longo do tempo. Com o tempo, podem
ocorrer revisões e mudanças racionais nos três níveis da rede de compromissos
científicos. Num processo holístico de arranjos parciais no interior dessa
rede, cada uma de suas partes pode ser modificada e aperfeiçoada, de modo
paulatino e local (portanto, sem revoluções científicas), com base em outras
partes que temporariamente são admitidas, desde que certas condições relevantes
sejam satisfeitas. E diferentes caminhos racionais podem ser seguidos no intento
de aumentar a consistência entre os valores explícitos e implícitos na ciência.
É possível assim compreender a objetividade e racionalidade das reformas
científicas (na ontologia, na metodologia ou na especificação dos objetivos
epistêmicos) sem assumir que exista algum núcleo fundamental de princípios e
juízos de racionalidade que permaneçam invariantes durante a evolução da
ciência. Desse modo, "o reconhecimento do fato de que os valores e
objetivos da ciência mudam em nada impede nosso uso de uma noção robusta de
progresso científico cognitivo". No caso de uma mudança científica,
espera-se um ganho na credibilidade e coerência de diversos tipos de suposições
(fatuais, metodológicas e epistemológicas), explícitas ou implícitas, do corpo
total da ciência. Todavia, como salientam os críticos, de diferentes modos é
possível obter racionalmente coerência no sistema de proposições, regras e
valores da ciência. Em certos casos, diante de uma inovação incompatível com a
ciência atual, podemos rejeitar a inovação e manter a credibilidade do sistema
de hipóteses científicas anterior, utilizando certos tipos de razões que
autorizam essa escolha. Mas podemos, em outras circunstâncias, aceitar a
inovação científica e alterar algumas suposições do sistema existente, fazendo
uso de padrões metodológicos conflitantes com os precedentes. Ou seja, a
"racionalidade como coerência epistêmica pode subdeterminar as mudanças
científicas que ela sanciona", e assim pode haver boas razões tanto para
se manter quanto para se substituir uma parte do sistema. Com isso, volta-se a
admitir alguma forma de "essencialismo" (em que a racionalidade se
define em termos coerências, num nível metametodológico) e também de
relativismo cognitivo, pois se abrem diferentes caminhos igualmente bons para
se alcançar a coerência epistêmica.
As referidas propostas de
Putnam e Laudan nos mostram as dificuldades dos projetos epistemológicos que
buscaram combater o essencialismo sem cair no relativismo. Parece legítimo
perguntar: Não seria o caso de se reconsiderar a possibilidade de admitir um relativismo "moderado"? Afinal, com ele
podemos conceder "juízos de superioridade relativa" em
certos domínios de investigação (em que um paradigma predomina), ainda que não
exista um critério universal de validade pelo qual podemos mostrar que uma
mudança científica é racional e progressiva. Como o próprio Laudan reconhece,
só podemos dizer que o progresso ocorreu em relação aos padrões que hoje
aceitamos. Não temos de pressupor algum tipo de medida objetiva ou investigação
ideal para compreendermos as mudanças racionais da ciência. Ou seja, a
possibilidade de transcender nossas práticas presentes por outras práticas
futuras (que expressem o melhor de nós) não requer uma noção de "validade
absoluta e universal" ou de "aceitabilidade para uma comunidade
ideal". Como salienta Kuhn (1970), compreendemos o progresso da ciência
(as mudanças racionais da ciência) de modo retrospectivo - avaliando
comparativamente um paradigma com seus predecessores -, não como um processo
dirigido a um fim último e perfeito.
Deve-se notar que em um tal
relativismo epistemológico "moderado" e limitado, a existência de
boas razões para uma mudança científica não exclui a possibilidade de haver
outras boas razões para se defender o sistema global anterior, não exclui
portanto a possibilidade de incomensurabilidade local. O que se considera ser
uma "forte razão" também pode sofrer modificações, dependendo das
circunstâncias e dos compromissos assumidos. Assim sendo, a apresentação de
boas razões nem sempre é decisiva na escolha entre constelações alternativas de
crenças científicas. Em outras palavras, mesmo que a mudança científica seja
racional (com apresentação de boas razões), isso não quer dizer que não seja
racional manter o sistema antigo em vez de optar pelo novo (afinal, eles não
lidam com os mesmos problemas, não adotam os mesmos critérios de adequação das
respostas etc.). Isso se nota quando a transição de um paradigma a outro
acarreta as chamadas "perdas epistêmicas", que constituem boas razões
para se resistir à mudança e manter a tradição. (Por exemplo, a mecânica
newtoniana não explicava, até sua plena aceitação, por que todos os planetas do
sistema solar giram em um mesmo sentido, embora tal fenômeno fosse naturalmente
explicado pela teoria cartesiana dos vórtices.