quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A história escondida: a participação dos soldados das colônias africanas nas grandes guerras

Por Herbert Ekwe-Ekwe; Professor britânico, especialista em Estados, genocídios e guerras na África e colaborador do Observatório das Nacionalidades. Tradutor: Sued Lima.

               Em texto primoroso de 2008, a bióloga e ativista ambiental queniana Wangari Maathai, primeira africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, em 2004, reflete sobre o pouco conhecido papel dos africanos nas guerras mundiais:  

“Na minha família havia um membro ausente, cuja existência desconheci até atingir a idade adulta. Durante a Primeira Guerra, africanos das colônias foram recrutados para lutar e, no Quênia, os pais com filhos em idade para combater deviam apresentá-los às autoridades. Meus avós tinham um filho, Thumbi, de 20 anos, e não queriam que ele fosse para a guerra. Em desespero, minha avó o aconselhou a esconder-se na densa vegetação que margeia o rio Tucha. Mas Thumbi foi capturado pelos britânicos e tornou-se um dos mais de cem mil homens da etnia Kikuyus que morreram em combate, de fome ou de doença. Minha avó chorou a perda do filho pelo resto de sua vida”.

            Somente nessa guerra, a África perdeu cerca de um milhão de soldados em frentes de batalha a leste e oeste do continente e na própria Europa, lutando tanto pela Inglaterra, França, Itália, Bélgica e seus aliados, como pelos seus oponentes Alemanha e Impérios Austro-Húngaro e Otomano. As duas guerras mundiais foram confrontos nos quais os africanos se viram compulsados a atuar sem que os interesses de qualquer dos lados lhes dissessem respeito. Os dois principais protagonistas, Grã-Bretanha e Alemanha, eram os grandes usurpadores do território africano desde 1885, responsáveis por saques de recursos naturais e massacres de grandes parcelas dos povos autóctones, o que produzia uma cruel contradição: soldados naturais dos territórios ocupados combatiam ao mesmo tempo a favor e contra opressores de sua própria gente. 


             Nas comemorações do corrente ano que tiveram lugar em toda a Europa, lembrando efemérides de ambos os conflitos mundiais, um tema recorrente tem sido o de definir o papel dos africanos em tais confrontos, o que é desconhecido por muitos. A dificuldade que o cerca é a de explicar a forma perversa a que foram submetidos esses povos, mantidos longe dos acordos e tratados firmados após o cessar fogo. 

            O Tratado de Versalhes, de 1919, liberou todos os europeus subjugados, enquanto os africanos das regiões ocupadas por alemães na Namíbia, Tanzânia, Camarões, Togo, Ruanda e Burundi não tiveram sua liberdade restaurada; apenas assistiram a alternância de potências ocupantes, que passaram a ser a Grã-Bretanha, França e Bélgica. 

            A independência de países africanos no pós-Segunda Guerra foi claramente rejeitada pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em discurso proferido em novembro de 1942, em Londres: “Eu não me tornei primeiro-ministro do rei para presidir a liquidação do Império Britânico”. Na mesma linha, Charles de Gaulle, líder das Forças Francesas Livres exiladas na Inglaterra, desde que a Alemanha invadiu a França, em 1940, se opôs enfaticamente à independência de países africanos. 


             Em artigo publicado recentemente no tabloide britânico Mail on Sunday, George Carey, ex-arcebispo de Canterbury, lembra: “Este ano, somos lembrados pelas comemorações de duas guerras mundiais que nossas tradições democráticas são preciosas. Nossos pais e avós lutaram contra o totalitarismo pela sobrevivência desses valores”. A avaliação de Carey não incorpora o sacrifício africano, engrossando o caráter assimétrico da interpretação histórica, verdadeira camisa de força totalitária aplicada ao continente por todos os Estados que dominaram territórios na África. 

            Poucos anos após o término da Segunda Guerra, a Grã-Bretânia iria desfechar duas campanhas devastadoras em nações africanas que se colocavam na vanguarda da luta contra a ocupação: o povo gikuyu, do Quênia, na década de 1950, com a morte de dezenas de milhares de pessoas, e na Nigéria, com o genocídio do povo igbo, entre 1966 a 1970, produzindo o massacre de cerca de 3,1 milhões de pessoas. 

              Em seu depoimento sobre o tio Thumbi, Wangari Maathai escreve: “O governo britânico levou meu tio para a guerra dele, não o trouxe de volta e não se preocupou sequer em dizer aos meus avós o que havia acontecido com ele”. Eu complementaria dirigindo-me aos governos de todos os países europeus envolvidos em ambas as guerras: 

“Nossos irmãos foram recrutados para lutar por vocês e nunca voltaram. Ninguém se dignou a nos dizer o que havia acontecido com eles”.