segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Imperador Francês Napoleão Bonaparte.


Um dos mais famosos generais dos tempos contemporâneos e um extraordinário estadista nascido em Ajácio, na Córsega, ilha do Mediterrâneo sob administração da França, desde o ano do seu nascimento, que deixou marcas duradouras nas instituições da França e de grande parte da Europa ocidental. Filho de família pobre, mas dona de um título de nobreza da República de Gênova, estudou na academia militar de Brienne e na de Paris, saindo como oficial de artilharia (1785). Aderiu à Revolução francesa (1789), uniu-se aos jacobinos, serviu como tenente da recém-criada guarda nacional e transformou-se num dos principais estrategistas do novo sistema de guerra de massa. Fez uma carreira meteórica e se destacou pela originalidade nas campanhas militares.

Capitão de artilharia na retomada de Toulon aos ingleses e foi promovido general-de-brigada (1793), o mais jovem general do Exército francês. Após a queda de Robespierre foi detido sob acusação de ser jacobino, mas depois foi encarregado de dirigir a repressão ao levante monarquista de Paris (1795). Casou-se com Josefina (1796), viúva do general guilhotinado (1794) Beauharnais, e tornou-se o comandante-em-chefe do Exército nas campanhas da Itália, contra os austríacos (1795-1797), e do Egito, contra os ingleses (1796-1799). Quando da ocupação do Egito (1798) a expedição científica que o acompanhou incluía o astrônomo Laplace, o químico Bertholet, o físico Monge e o arqueólogo Denon. Em pesquisas arqueológicas foi descoberta a pedra de Rosetta, fragmento de estela, espécie de monolito de basalto negro, que apresenta um decreto de Ptolomeu V, em caracteres hieroglíficos, demóticos e gregos (196 a. C.), que Champollion usaria para decifrar os hieróglifos egípcios (1822) e está exposta no British Museum, em Londres. Liderou um golpe de Estado (1799), instalou o Consulado e fez-se eleger cônsul-geral, apoiado em um plebiscito popular.

Promulgou uma Constituição de aparência democrática. Organizou o governo, a administração, a polícia, a magistratura e as finanças. Tomou medidas despóticas e antiliberais, como o restabelecimento da escravidão nas colônias, e outras de grande importância econômica, como a criação do Banco de França (1800). Concluiu com o papa Pio VII a concordata (1801), que restabelecia a igreja na França, embora submetida ao estado. Criou a Legião de Honra e o novo código civil, depois chamado Code Napoléon, elaborado por uma comissão de juristas com participação ativa do primeiro-cônsul. Essa medida de grande alcance tornou-se o maior feito jurídico dos tempos modernos, consubstanciou os princípios defendidos pela revolução francesa e influenciou profundamente a legislação de todos os países no século XIX.

O restabelecimento da ordem e da paz, bem como atentados frustrados de monarquistas, fizeram crescer a sua popularidade, que habilmente a utilizou para se fazer proclamar cônsul vitalício por plebiscito (1802). Coroou-se rei da Itália (1805) divorciou-se da imperatriz Josefina (1809) e casou-se com Maria Luísa, filha do imperador austríaco. Em guerra permanente contra as potências vizinhas enfrentou a coalizão de todas as potências européias e foi derrotado em Leipzig (1813). Depois de uma desastrada campanha na Rússia, foi derrotado pelos exércitos aliados adversários dos franceses e obrigado a abdicar (1814).

Exilou-se na ilha de Elba, na costa oeste da Itália. No ano seguinte organizou um exército e tentou restaurar a monarquia, mas foi derrotado na Batalha de Waterloo, na Bélgica (1815). Esse período ficou conhecido como o Governo dos Cem Dias. Preso pelos ingleses, foi deportado para a ilha de Santa Helena, no meio do Atlântico, onde morreu em 5 de maio de uma doença misteriosa, demonstrada posteriormente através de análises de mechas de seu cabelo, ter sido provocada por envenenamento progressivo e misterioso por arsênico, provavelmente em doses colocadas no seu vinho pelo seu servidor, o Conde de Montholon.

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Waterloo: a última batalha de Napoleão.

Foi um tudo-ou-nada para o imperador da França. Dramática, ela terminou de uma vez por todas com a ambição de Bonaparte de restaurar seu império
por Fabiano Onça

Os últimos dias de março de 1815 foram azedos para os diplomatas reunidos em Viena. Ali, representantes de Rússia, Prússia, Áustria, Suécia, Inglaterra e várias nações e reinos menores tentavam, havia meses, redesenhar o mapa político da Europa, reinstaurando as monarquias e os territórios que existiam antes do furacão napoleônico. Porém a ilusão de que o general corso estava liquidado acabou quando souberam que ele não só havia retornado do exílio em Elba (uma ilhota no Mediterrâneo), como no dia 20 de março fora recebido em glória em Paris. Os aliados mal puderam acreditar. Napoleão, dez meses antes, em 11 de abril de 1814, fora derrotado por uma coalizão de mais de 500 mil soldados de várias nações européias, que se sublevaram contra o domínio francês após a desastrosa campanha napoleônica na Rússia, em 1812. Vitoriosos, os aliados colocaram Luís XVIII no trono da França e enviaram Bonaparte ao exílio. Agora, quando estavam prestes a dividir o bolo, teriam de brigar novamente com seu pior pesadelo. E em etapas longas, até a definição, na batalha conhecida como Waterloo.

A escalada de Napoleão começou rápida. Em 15 de julho, com 124 mil homens, invadiu a Bélgica. "Seu único trunfo era bater separadamente os exércitos inimigos antes que se reunissem", diz o professor Alexander Mikaberidze, especialista em história napoleônica da Universidade de Mississipi, nos EUA. "As tropas que estavam na área eram formadas por prussianos e outras compostas por ingleses, belgas, holandeses e alemães, instalados na Bélgica. Napoleão tentaria batê-los para forçar algum armistício com as outras nações, que estavam com seus exércitos mais distantes da França." O desafio não era fácil. O exército anglo-batavo-alemão contava com 93 mil homens, liderados pelo duque de Wellington. O prussiano tinha 117 mil homens, comandados por uma velha raposa, o general Blücher. Mesmo em inferioridade numérica, Napoleão teria de atacar. Dentro de um mês, um exército austríaco de 210 mil homens, outro russo, de 150 mil, e um terceiro grupo austro-italiano, de 75 mil, invadiriam a França pelo norte e pelo sul.

VITÓRIA APERTADA

Quando invadiu a Bélgica, as tropas anglo-batavo-alemãs ainda não haviam se juntado ao exército prussiano. Napoleão decidiu bater primeiramente os prussianos, que estavam a sua direita, em Ligny. E mandou o marechal Ney, com 24 mil homens, para Quatre-Bras a fim de barrar qualquer tentativa de os ingleses ajudarem os aliados. No dia 16 de junho de 1815, Bonaparte encarou o velho Blücher. Sabendo que eram os franceses que tinham de correr atrás do osso, o prussiano entrincheirou seus homens em fazendas próximas a Ligny e esperou. A batalha durou todo o dia. No fim da tarde, a Guarda Imperial francesa arrebentou o centro prussiano, decidindo a batalha. Blücher evitou uma desgraça maior, liderando o contra-ataque com a cavalaria. Os prussianos puderam recuar em ordem, na escuridão.

Ao término do embate, os prussianos amargavam 22 mil baixas, contra 11 mil dos franceses. "Blücher evitou a derrota. Napoleão, porém, conseguiu o que queria: afastar os prussianos para bater os ingleses em seguida", afirma o professor Mikaberidze. Para não deixar que os prussianos pudessem se juntar aos ingleses na batalha seguinte, Napoleão destacou uma tropa de 30 mil homens, entregou-a ao general Grouchy e ordenou que perseguisse os prussianos.

No dia seguinte, 17 de junho, Wellington se aproveitou da chuva forte que caiu sobre a região para levar o exército a uma posição mais segura, o monte Saint Jean. Os franceses chegaram lá ao fim do dia. O temporal continuava. Mas Napoleão não dispunha de tempo. Mesmo sob tempestade, ele foi pessoalmente verificar as condições do campo durante a noite. "Naquele momento, Bonaparte tinha a chance com que tanto sonhara. Os prussianos estavam em retirada, sendo acossados por Grouchy. A ele só restava ter um bom desempenho contra os ingleses no dia seguinte e demonstrar à Europa que a França ainda estava viva", comenta o professor Wayne Hanley, especialista em história moderna da Universidade de West Chester, na Pensilvânia, EUA.

Pela manhã, o tempo melhorara. Wellington contava com 23 mil ingleses e 44 mil soldados aliados, vindos da Bélgica, da Holanda e de pequenos estados alemães, num total de 67 mil homens, apoiados por 160 canhões. Os franceses contavam com 74 mil homens e 250 canhões. Wellington posicionou suas tropas ao longo da elevação de Saint Jean. Sua ala direita se concentrava em torno da fazenda de Hougomount. No centro, logo abaixo da colina, outra fazenda, La Haye Sainte, estava ocupada por unidades do exército dos Países Baixos. À esquerda, tropas aliadas se posicionavam em torno de uma terceira fazenda, a Papelotte. "Wellington assumiu uma postura extremamente defensiva. Em parte porque seu exército não era dos melhores e porque, para ele, quanto mais tempo demorasse a batalha, maiores eram as chances de o reforço prussiano chegar", relata Hanley.

CANHÕES NA FAZENDA

Napoleão queria começar o ataque cedo. Mas a chuva do dia anterior havia transformado o campo de batalha num lamaçal. Ele teve de esperar até as 11 horas da manhã, quando o solo ficou mais seco, para iniciar o ataque contra Wellington. A idéia era chamar a atenção para esse setor e fazer o inglês desperdiçar tropas ali e então atacar no centro. O ataque a Hougomount, com fogo de canhões, durou meia hora. O lugar era protegido por duas companhias inglesas, que não somavam mais de 3,5 mil homens. Elas receberam o peso de mais de 10 mil franceses, mas não cederam. Aos poucos, o que era para ser um blefe tragou durante todo o dia preciosos recursos franceses. Pior, Wellington não caíra na armadilha e mantinha as melhores tropas no centro, perto de La Haye Sainte. Napoleão então decidiu que era a hora de atacar o centro da linha inglesa. Por volta de 12h30, o marechal Ney, seu braço-direito, posicionou 74 canhões contra a estratégica fazenda de La Haye Sante. "Napoleão era militar da artilharia, e essa experiência ganhou uma grande importância no exército. Virou a arma mais temível", explica o professor Mikaberidze.

Napoleão agora faria o que sempre comandava com eficiência: explodir o centro adversário. Pressentindo o perigo, Wellington ordenou às as tropas posicionadas no alto do monte Saint Jean que se jogassem ao chão para diminuir os danos, mas nem todos tiveram a chance. As tropas belgo-holandesas do general Bilandt, que permaneceram na encosta desprotegida do monte, foram simplesmente massacradas. Mal os canhões se calaram, foi a vez de os tambores da infantaria francesa iniciarem seu rufar. Às 13 horas, marchando em colunas, os 17 mil homens do corpo comandado pelo general D·Erlon atacaram. O objetivo: conquistar a fazenda de La Haye Sainte, o ponto vital do centro inglês. Ao mesmo tempo, outro contingente se aproximava, pressionando a ala esquerda dos britânicos. Napoleão agora declarava as suas verdadeiras intenções e partia para o ataque frontal. Acossadas pela infantaria francesa, as tropas inglesas perderam Papellote e deixaram vulnerável a ala esquerda. Ao mesmo tempo, as tropas alemãs da Legião do Rei, as responsáveis pela guarda de La Haye Sainte, no centro, ameaçavam sucumbir.

Foi o momento de Wellington pensar rápido. Na ala esquerda, o comandante inglês ordenou que o príncipe alemão Bernhardt de Saxe-Weimar retomasse Papelotte, o que foi feito com sucesso. Para conter o ataque da infantaria napoleônica no centro, ele acionou a 5ª Brigada, veterana da guerra na Espanha. Fuziladas a curta distância, as tropas de Napoleão retrocederam, não sem antes deixar morto no campo, com uma bala na cabeça, o chefe da brigada inimiga, o general Picton. Ao ver os franceses recuando, Wellington viu a chance de liquidar a batalha. Acionou sua cavalaria para um contra-ataque no centro. As brigadas Household, Union e Vivian provocaram desordem entre os franceses. Mas por pouco tempo. Perto da linha de canhões inimiga, a cavalaria inglesa foi surpreendida por um contragolpe mortal. A cavalaria pesada francesa, com seus Courassiers (couraceiros), apoiados pelos Lanciers (cavalaria leve), atacou os ingleses. O general Ponsonby, chefe da brigada Union, morreu junto com sua unidade, aniquilada. Napoleão dava o troco e continha os ingleses.

Eram 15 horas e a batalha permanecia num impasse. Na ala direita de Wellington, a luta prosseguia sem um resultado decisivo em Hougomount. No centro e na esquerda, os ingleses e os aliados batavos e alemães haviam a muito custo mantido La Haye Sainte e Papilotte. Foi nessa hora, entretanto, que Bonaparte recebeu uma notícia que o alarmou. Cerca de 40 mil homens se aproximavam do lado direito do exército francês, nas imediações de Papilotte. De início, chegou a pensar que fosse o general Grouchy - que havia sido encarregado de afastar os prussianos - chegando. Logo suas esperanças se desfizeram. Grouchy falhara. Aquele corpo de exército era simplesmente a vanguarda do exército prussiano, que chegava para socorrer o aliado inglês. Napoleão teve que improvisar. Sua ala direita, comandada pelo general Lobau, se realinhou de modo defensivo para segurar a chegada dos prussianos e dar ao imperador algumas horas para agir.

FIM TRÁGICO

Enquanto isso, ele ordenou ao marechal Ney que, de uma vez por todas, tomas-se La Haye Sainte e rompesse o centro inglês, assegurando a vitória. Ney, com dois batalhões de infantaria, atacou a fazenda. Nesse momento, cometeu um erro fatal de julgamento. "Em meio à fumaça dos canhões e à loucura da batalha, Ney supôs que o exército inglês estava recuando. Ele então ordenou que sua cavalaria partisse para cima do inimigo. Napoleão achou o movimento precipitado, mas, uma vez que Ney era quem estava encabeçando o ataque, enviou mais cavaleiros para sustentar a carga", comenta o professor Hanley.

A tremenda carga dos Courassiers terminou de forma trágica. A infantaria inglesa não estava recuando, como Ney imaginava. Eles se agruparam em quadrados e passaram a fuzilar os cavaleiros franceses, que não conseguiam romper as formações defensivas. Nas duas horas seguintes, Ney lideraria ao menos 12 cargas de cavalaria contra o centro inglês, com mais de 5 mil cavaleiros. Às 17 horas, La Haye Sainte finalmente caiu em mãos francesas, mas os ingleses ainda mantinham seu centro coeso no alto do monte Saint Jean. Às 17h30, a cavalaria francesa lançou o assalto final e foi novamente batida. Os ingleses não estavam em melhor estado e suas linhas estavam a ponto de romper. Ney, dessa vez corretamente, identificou a oportunidade de vencer e implorou a Napoleão por mais tropas. "De onde você espera que eu tire mais tropas? Quer que eu invente algumas agora?", respondeu Napoleão, irritado.

"Nesse momento, Bonaparte viu a vitória escapar. Mais um esforço e Wellington teria sido derrotado. A essa altura, os prussianos estavam esmigalhando a direita de seu exército e ele teve que priorizar esse setor para ganhar mais fôlego. Na verdade, talvez ele esperasse ver surgir, a qualquer momento, as tropas de Grouchy. Com 30 mil homens a mais, ele poderia ter vencido a batalha", pondera o professor Mikaberidze. A luta com os prussianos ia de mal a pior. Dez batalhões da Jovem Guarda, após um combate feroz contra o dobro de inimigos, haviam perdido 80% de seus homens e começavam a recuar.

Napoleão decidiu então utilizar sua última e preciosa reserva: a Velha Guarda, a elite de seus veteranos. Ele enviou dois batalhões contra os prussianos - e mais uma vez eles fizeram valer sua fama. "Quando a Velha Guarda entrava em campo, os inimigos tremiam. Até então, ela nunca havia sido derrotada em batalha", relembra o professor Hanley. "Os dois batalhões varreram, sozinhos, 14 batalhões prussianos, estabilizaram a ala direita e deram ao imperador a chance de lutar novamente contra Wellington no centro", comenta. Napoleão então jogou a última cartada. Às 19 horas, enviou contra o centro inglês os últimos quatro batalhões da Velha Guarda. "Wellington, nesse meio tempo, embora quase tenha dado o toque de retirada, foi beneficiado pela intensa pressão dos prussianos, que diminuíram seu front e lhes livraram algumas unidades", aponta Hanley. Em desespero, o general inglês reuniu tudo o que tinha e esperou o ataque final entrincheirado no alto do Saint Jean. Enquanto subia o monte, a Velha Guarda foi assaltada pelas unidades inglesas, alemãs e holandesas. Uma a uma, foram repelidas, enquanto os veteranos de Napoleão continuavam seu avanço.

"A 5ª Brigada inglesa, do general Hallket, tentou pará-los, mas logo seus homens fugiram assustados diante do avanço francês. Apesar de sofrer baixas horríveis e lutar na proporção de 1 para 3, simplesmente ninguém conseguia parar a Velha Guarda", afirma Hanley. Wellington, por ironia, foi salvo não por suas próprias tropas, mas por um general belga que durante anos lutou ao lado de Napoleão - quando a Bélgica era um domínio francês. O general Chassé, à testa de seis batalhões holandeses e belgas, se lançou numa carga feroz de baioneta contra os franceses. O ataque foi demais, até mesmo para a Velha Guarda. Sem apoio e em menor número, pela primeira vez os veteranos de Napoleão recuaram.

Logo, os gritos de "la Garde recule!" (a Guarda recua) ecoaram pelo campo. O centro inglês havia resistido a despeito de todos os esforços. Pelo lado direito, os 40 mil prussianos finalmente esmagavam os 20 mil franceses que lhes haviam obstruído durante horas. Em um último ato de coragem, três batalhões da Velha Guarda permaneceram lutando para dar ao imperador a chance de fugir. Lutariam até o fim. Cercados por prussianos, receberam ordem de rendição. O general Cambonne, o líder, teria então afirmado: "A Guarda morre, mas não se rende". Em outro ponto, o marechal Ney, apelidado por Napoleão como "o bravo dos bravos", ao ver tudo perdido, reuniu um grupo de soldados fiéis e liderou uma última carga de cavalaria, gritando: "Assim morre um marechal da França!" Capturado, foi fuzilado depois pelo governo monarquista francês por alta traição.

Napoleão, agarrado por auxiliares, foi retirado à força do campo de batalha. Seria posteriormente posto sob custódia inglesa e enviado à distante ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde morreria em 1821. A batalha custara a ingleses, belgas, holandeses e alemães 15 mil baixas. Os prussianos deixaram no campo 7 mil homens. Os franceses amargaram 25 mil mortos e feridos, além de 8 mil prisioneiros.

Foi só às 21 horas que Wellington finalmente se encontrou com Blücher para o aperto de mãos. A ameaça napoleônica fora vencida de vez. Blücher queria chamar a batalha de Belle Aliance - nome da fazenda que fora o quartel - general de Napoleão durante a batalha. Wellington, porém, teve outra idéia. É que ele tinha suas manias. Uma delas era batizar combates com o nome do lugar onde ele dormira na noite anterior. Uma vila a alguns quilômetros dali, conhecida por Waterloo, deu então o nome à histórica batalha.

Grouchy, o traidor de Napoleão?

Quase dois séculos depois, ainda permanece a dúvida sobre o marechal Grouchy Ter ou não passado Napoleão para trás. "Grouchy é visto como o culpado pela derrota de Bonaparte por não ter evitado que os prussianos se unissem aos ingleses e por não ter acorrido à Waterloo, com seus 30 mil homens, quando ouviu a canhonaria da batalha", aponta o professor William Flayhart, professor de história moderna da Delaware State University, nos EUA. "Os bonapartistas mais exaltados viram aí sinal de traição. Na época, especulava-se que Grouchy fora subornado. Ele virou bode expiatório." Emmanuel Grouchy passaria o resto da vida tentando provar a inocência. Seu passado ao lado da causa napoleônica era o maior argumento. Ele se juntara ao exército em 1781. As habilidades como comandante foram notadas nas batalhas de Eylau (1807), Friedland (1807) e Borondino, contra os russos - uma atuação muito elogiada. "Talvez tenha faltado a Grouchy presença de espírito. Mesmo quando seu subordinado, o general Gerárd, lhe implorou para que dirigisse as tropas a Waterloo, Grouchy preferiu seguir as ordens à risca, ou seja, dar caça aos prussianos", completa o professor Flayhart. Grouchy combateu os prussianos em Wavre, em 18 de junho, dia em que Napoleão foi derrotado em Waterloo. Blücher deixara sua retaguarda como isca - e o marechal francês interpretou que esse fosse o grosso do exército inimigo. Grouchy venceu o embate para no dia seguinte receber a notícia da chegada de mais soldados inimigos. Ele ainda recuou para Paris com seus homens. Escorraçado por seus pares e pela opinião pública, só foi reaver seu bastão de marechal em 1830. "As cargas desordenadas de Ney e o medíocre dispositivo de batalha de Napoleão pesaram muito mais na derrota do que a ausência de Grouchy, que ficou com a maior culpa", diz Alfred Fierro, ex-diretor da Biblioteca Histórica de Paris.

Os maiores erros

IMPRUDÊNCIA

"Napoleão deveria ter preservado seu exército, como escreveu seu general Kellerman: ·Não poderíamos vencer os britânicos naquele dia. Com calma, evitaríamos o pior·." Steven Englund, historiador americano.

ATAQUE INFRUTÍFERO A HOUGOMOUNT

"Napoleão foi pretensioso em seu ataque à ala direita de Wellington. Só desperdiçou recursos que seriam vitais em outras áreas. No fim, Bonaparte provou que seus homens estavam fatigados. As manobras foram inócuas diante de inimigos." Wayne Hanley, da Universidade de West Chester, nos EUA.

AUXILIARES FRACOS

"Seu melhor general, Davout, estava em Paris, para a segurança da capital. Outra opção infeliz foi Soult, inadequado para a função logística. Pior foi ter dado ao inexperiente Grouchy o comando da ala esquerda, o que se provou fatal." Alexander Mikaberidze, da Universidade de Mississipi (EUA).

ATAQUES DESESPERADOS

"Ney era provavelmente o mais corajoso e leal de todos os oficiais a serviço de Bonaparte. Foi o último francês a sair da Rússia, em 1812, e Napoleão o chamava de ·o bravo dos bravos·. Mas seu ataque em Waterloo, com a cavalaria, foi puro desespero, um verdadeiro suicídio. Napoleão deveria ter abortado essa ação impensada de seu general." Alfred Fierro, ex-diretor da Biblioteca Histórica de Paris.

A morte de Napoleão

Depois de dois meses de viagem, em 17 de outubro de 1815, o ex-imperador da França chegou à longínqua ilha de Santa Helena, uma possessão inglesa encravada no Atlântico Sul, distante 1,9 mil km da África e 2,9 mil km do Brasil. A seu lado, apenas alguns poucos servos e amigos. Mas o pior ainda estava por vir. Em 14 de abril de 1816, chegou o novo governador da ilha, sir Hudson Lowe. Esse não tinha nenhuma qualidade excepcional, exceto seu fanático amor ao dever. Durante os anos de seu mandato, ele submeteu Bonaparte a toda sorte de mesquinharias. Em 1819, Napoleão caiu doente, mas ainda escreveria, em 1820: "Eu ainda estou suficientemente forte. O desejo de viver me sufoca". Na prática, porém, não foi bem assim. Ele morreria às 17h51, em 5 de maio de 1821, depois de sofrer fortes dores no estômago por meses. Ironicamente, mesmo após sua morte ele ainda levantaria controvérsias. Para muitos, o ex-imperador dos franceses fora lentamente envenenado com arsênico pelos ingleses. Pesquisas recentes descartam a hipótese, conforme registra Steven Englund em seu livro Napoleão - Uma Biografia Política. Porém a última glória os ingleses não puderam lhe roubar. Em 1840, seu corpo foi retirado da ilha e levado de volta à França. Durante dias, Paris parou para saudar a volta de seu imperador, em um desfile fúnebre grandioso.

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Notícias » Mundo » Mundo Tese defende que Napoleão não morreu de câncer


O mistério que envolve a morte de Napoleão será alvo novamente de discussões. A divulgação de uma tese afirma que o imperador francês teria sido vítima do forte tratamento ao qual foi submetido para aliviar as dores estomacais e não de um câncer no estômago.

A versão oficial da morte de Napoleão, baseada numa autópsia, é de que o imperador morreu no dia cinco de maio de 1821, aos 51 anos, devido a um câncer no estômago, exilado na Ilha da Santa Helena. Uma outra versão, conhecida como teoria da conspiração, diz que Napoleão teria sido envenenado pelos britânicos ou pelo seu confidente, o conde Charles de Montholon, que teria sido pago por franceses temerosos do retorno de Napoleão a Paris. A evidência científica da teoria da conspiração se baseia numa análise química feita em 2001 numa mecha de cabelos que teria sido recolhida após a morte de Napoleão. A análise registra traços de arsênio.

Em outubro de 2002, entretanto, a teoria da conspiração sofreu um grande revés. A publicação francesa Science et Vie divulgou que mechas de cabelo de Napoleão teriam registrado grandes níveis de arsênio em 1805, 1814 - antes de ele ir para o exílio - e 1821. A explicação mais plausível para isso é uso de um restaurador para cabelos, um produto que no começo do século 19 continha normalmente grande quantidade de arsênio.

Trata-se de um "infortúnio médico" de entusiastas de Napoleão, segundo o patologista forense Steven Karch, do Departamento de Examinadores Médicos de São Francisco. Segundo Karch, os médicos promoviam todos dias uma lavagem intestinal em Napoleão a fim de aliviar as dores estomacais. "Eles usavam coisas pesadas, injetadas por seringa", diz ele. Essas drogas, combinadas com doses regulares de um produto químico chamado tartarato antimônio potássio, que provoca vômitos, teriam deixado Napoleão com falta de potássio. A escassez de potássio, por sua vez, provoca uma situação letal, na qual o sangue que corre para o cérebro é interrompido por batimentos cardíacos irregulares.

A teoria de Karch é que qualquer arsênio encontrado no corpo de Napoleão, proveniente de fumo ou outras fontes, teria deixado apenas o imperador mais vulnerável.

A gota d'água teria sido uma injeção massiva de um purgante, cloreto de mercúrio, que teria baixado drasticamente os níveis de potássio. Napoleão morreria dois dias depois deste rigoroso tratamento.

No entanto, Phil Corso, um médico aposentado de Connecticut, sustenta que Napoleão morreu mesmo de câncer, apesar de submetido a rigoroso tratamento. A autópsia foi realizada pelo médico pessoal de Napoleão, Francesco Antommarchi, e observada por cinco clínicos britânicos.

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As Colunas do Progresso e as Sentinelas da Ordem – Linguagens Arquitetônicas Durante o Estado Novo (1937-1945)

Palácio Duque de Caxias no Rio de Janeiro.

por Marcelos de Carvalho Caldeira e Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima


Este artigo é parte da Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas, intitulada Entre a Utopia e a Realidade: A Arquitetura Moderna e a Era Vargas (1930-1945). Professor Marcelo de Carvalho Caldeira é Mestrando em Letras e Ciências Humanas da UNIGRANRIO; Diretor e Professor de História do Colégio Pedro II – Unidade Escolar Descentralizada Niterói. Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima é Doutora em Ciências Sociais: Sociologia pelo IUPERJ; Mestre em História Social da Cultura, pela PUC-Rio. Coordenadora e Professora do Programa de Pós Graduação em Letras e Ciências Humanas da UNIGRANRIO.

Nossa intenção neste artigo é discutir a relação entre arquitetura, monumentalidade e autoritarismo durante a Era Vargas (1930-1945), especialmente no período do Estado Novo (1937-1945).

Naqueles anos ocorreu uma intensa disputa entre as correntes do pensamento arquitetônico: de um lado a arquitetura moderna, representando o novo em ascensão; de outro, a arquitetura acadêmica e neocolonial, representando o conservadorismo. Tudo isso em meio a um mercado crescente de obras públicas decorrente de uma intervenção estatal cada maior na economia.

Além disso, mostraremos como a influência positivista no pensamento de Getúlio Vargas influenciou não só suas ações nas esferas econômica e social, mas também nas escolhas dos projetos para os novos prédios públicos erguidos durante o período. O Estado patrocinava as obras, mas definia de forma autoritária o estilo que seria utilizado: a arquitetura moderna apresentava-se mais adequada aos monumentos que representariam o PROGRESSO, enquanto os outros estilos, especialmente o Art-Déco, mostravam-se mais adequados à mensagem da ORDEM.

OS MONUMENTOS DO PROGRESSO

O Ministério da Educação e Saúde

Vitoriosa a revolução de 1930, Getúlio Vargas organizou o novo governo e tomou uma série de medidas que apontavam seus grandes objetivos a longo prazo: tornar o Brasil um país moderno e industrializado, constituindo um capitalismo com forte componente nacionalista.

No entanto, para tal finalidade, o governo entendeu que duas pré-condições eram fundamentais. Em primeiro lugar, na ausência de capital privado forte o suficiente para levar à frente esse projeto, o Estado assumiria o papel de principal indutor do desenvolvimento. Para isso, o Estado deveria ser reinventado de forma que rompesse com os vícios do passado e administração pública passasse a ser norteada pela qualidade e eficiência tanto na sua estrutura como nos seus quadros funcionais.

Em segundo lugar, essa busca pela modernização deveria incluir a classe trabalhadora como agente e beneficiária desse processo. O governo entendeu que operários saudáveis, tecnicamente preparados e, seguros quanto ao futuro, com o amparo da legislação trabalhista, iriam aderir com entusiasmo às mudanças pelas quais o país passaria. Não por acaso, ainda em novembro de 1930, logo no início do governo, foram criados dois emblemáticos ministérios: o do Trabalho e o da Educação e Saúde (MES).

O trabalho e a indústria se complementariam representando o presente, o ponto de partida para o Brasil moderno. Porém, para esse projeto ter continuidade, era necessário cuidar da educação e da saúde das gerações futuras. Portanto, a educação e a saúde projetariam o futuro, a garantia da caminhada do progresso do país. Não por acaso, em seu discurso de posse no MES Francisco Campos afirmava “sanear e educar – eis o primeiro dever da Revolução”.

Inicialmente dirigido por Francisco Campos (1930-1932), o MES sem dúvida viveu sua fase mais ativa durante a gestão de Gustavo Capanema (1934-1945). A vinculação da educação com o progresso e o futuro, bem como a preocupação com o novo homem brasileiro que o Estado pretendia moldar fica explícita quando, em carta ao Presidente Vargas, Capanema afirma que “o Ministério da Educação e Saúde se destina a preparar, a compor, a aperfeiçoar o homem do Brasil. Ele é verdadeiramente o Ministério do Homem”.

Desde o início da Era Vargas, tanto o governo como alguns representantes da elite intelectual do país preocupavam-se com uma suposta inexistência de um sentimento de nacionalidade entre os brasileiros. Especialmente durante o Estado Novo, o governo empenhou-se em forjá-lo, acreditando que essa ação era parte integrante do projeto de desenvolvimento em curso no país. Além disso, o desenvolvimento econômico deveria caminhar ao lado do desenvolvimento intelectual do povo brasileiro. Portanto, o MES naqueles anos adquiria uma atenção e importância estratégica para o governo, atuando como “civilizador” da sociedade.

Se a tarefa educativa visava, mais do que a transmissão de conhecimentos, a formação de mentalidades, era natural que as atividades do ministério se ramificassem por muitas outras esferas, além da simples reforma do sistema escolar. Era necessário desenvolver a alta cultura do país, sua arte, sua música, suas letras; era necessário ter uma ação sobre os jovens e sobre as mulheres que garantisse o compromisso dos primeiros com os valores da nação que se construía, e o lugar das segundas na preservação de suas instituições básicas; era preciso, finalmente, impedir que a nacionalidade, ainda em fase tão incipiente de construção, fosse ameaçada por agentes abertos ou ocultos de outras culturas, outras ideologias e nações .

Ao entender o MES como instrumento fundamental para a formação do homem e da nacionalidade, da renovação e da vanguarda, Gustavo Capanema durante a sua gestão apoiou uma série de ações pedagógicas através da música, da educação física, cinema, rádio e habitação. Para isso, convidou para colaborar com órgãos do ministério intelectuais importantes que se projetavam naquele período, muitos deles claramente identificados com o modernismo.

Porém, para atingir objetivos tão ambiciosos, o ministério necessitava de uma nova sede, ampla o suficiente para centralizar todos os órgãos que estavam sob sua direção. O ministério, dessa forma, reproduziria a concepção de administração pública implantada durante a Era Vargas, especialmente após a instituição do Estado Novo: a centralização como instrumento da racionalidade, da eficiência e da modernização.

Inicialmente, a escolha do projeto seria feita através de concurso, cujo edital foi publicado em 23 de abril de 1935 no Diário Oficial da União e nos principais jornais da capital.

O concurso foi realizado em duas etapas. A primeira levaria em conta a adequação dos projetos às posturas municipais. As limitações impostas por elas levaram à desclassificação de 33 projetos, restando apenas três para a segunda e última etapa.

Em 1º de outubro de 1935 foi realizada a reunião para a escolha dos premiados no concurso. Ao final, o projeto vitorioso foi o de Archimedes Memória, planejando uma “sede misturando estilo neoclássico e elementos decorativos alusivos a uma fictícia civilização marajoara que teria existido durante a Antiguidade, na região norte do Brasil”.

Archimedes Memória era diretor da ENBA e membro da Câmara dos Quarenta, órgão máximo da Ação Integralista Brasileira. Seu projeto “marajoara” guardava coerência com o nacionalismo radical que constava dos princípios fundamentais daquela agremiação política.

Para Capanema, que desejava um prédio que representasse uma ação voltada para o futuro e a formação do novo homem brasileiro, o projeto vitorioso representava exatamente o contrário.

Ainda durante o concurso, ele já demonstrava sua insatisfação com os rumos que as escolhas caminhavam. Prova disso foi que, na penúltima reunião do júri, quando seriam classificados para a última etapa os anteprojetos que recebessem votação igual ou superior a três votos, foi devido ao voto de Capanema que o projeto de Gérson Pinheiro, único dos concorrentes que possuía - ainda que tímidas -, feições modernas, conseguiu ser classificado. Ao final, esse projeto ficou em terceiro lugar.

Decepcionado com resultado final, em 11 de fevereiro de 1936 Capanema enviou carta ao Presidente Vargas expondo sua opinião acerca da inadequação do projeto vitorioso e propondo a contratação de Lúcio Costa para a realização de um novo projeto.

Para conquistar o aval político, Capanema buscou argumentações técnicas para rejeitar o projeto vencedor, solicitando pareceres ao embaixador Maurício Nabuco, ao engenheiro Saturnino de Brito e ao inspetor de engenharia sanitária do MES, Domingos da Silva Cunha. Todos condenaram o projeto. Este último, em seu despacho, foi categórico:

Penso que o edifício projetado não deverá ser concluído se o governo quer, realmente, além de satisfazer perfeitamente às suas necessidades de administração, possuir uma notável obra de arquitetura, digna de nossa cultura artística.

Tanto Capanema como Domingos Cunha justificam suas opiniões com argumentando as necessidades administrativas, mas também a preocupação com a monumentalidade - “bela obra arquitetônica”; “notável obra de arquitetura”.

Todos os argumentos acabaram por convencer o presidente. Em 25 de março de 1936, Capanema convidou oficialmente Lúcio Costa para elaborar o novo projeto. Em seguida, este procede à formação de uma equipe composta por alguns dos representantes mais importantes da arquitetura moderna naquele tempo: Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos e Oscar Niemeyer.

Ao receber a notícia de que seu projeto não seria executado, Archimedes Memória reagiu de forma veemente através de uma carta enviada diretamente ao Presidente Getúlio Vargas. Destituído de qualquer embasamento técnico, Memória ataca a equipe convidada apelando com argumentos repletos de preconceitos:

O que acabamos de narrar tem, no presente momento, gravidade não pequena, em se sabendo que esse arquiteto é sócio do arquiteto Gregori Warchavchik, judeu russo de atitudes suspeitas ... Não ignora o Sr. ministro da Educação as atividades do arquiteto Lucio Costa, pois pessoalmente já mencionamos a S. Excia. vários nomes dos filiados ostensivos à corrente modernista que tem como centro o Club de Arte Moderna, célula comunista cujos principais objetivos são a agitação no meio artístico e a anulação de valores reais que não comungam no seu credo. Esses elementos deletérios se desenvolvem justamente à sombra do Ministério da Educação, onde têm como patrono e intransigente defensor o Sr. Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do ministro. Expondo aos olhos de V. Excia. esses fatos, esperamos que V. Excia., defendendo o Tesouro Nacional e a honorabilidade de vosso governo do país, alente a arte nacional que ora atravessa uma crise dolorosíssima, próxima do desfalecimento.

Em maio de 1936, Lucio Costa apresentou o primeiro resultado do trabalho ao ministro e sugere o convite ao arquiteto franco-suíço Le Corbusier para prestar consultoria ao grupo. Provavelmente acreditava que sua participação no projeto daria maior legitimidade trabalho. Capanema, então, convidou Lucio Costa para uma audiência com o Presidente da República para encaminharem a sugestão. Ao final da reunião, Vargas concordou com os argumentos e autorizou a contratação de Le Corbusier.

Após ser contactado e examinar o projeto, Corbusier aceitou com entusiasmo o convite, não só pela admiração que o trabalho lhe causou, mas também por encontrar nele uma oportunidade que era cada vez mais limitada na França durante o período entre - guerras, onde o campo da arquitetura era dominado pela tradicional Escola de Belas Artes, refratária à arquitetura moderna.

A consultoria de Le Corbusier, aliada à sólida formação técnica e intelectual do grupo, propiciou aos modernos a vitória em um longo embate iniciado em 1935, ano da realização do concurso de projetos para a nova sede do MES, e concluído em 1945, data da inauguração no prédio. A sede do MES havia se transformado em uma das principais arenas da disputa entre neocoloniais e modernos. Afinal, “tratava-se obra monumental, da sede do ministério encarregado de traçar as diretrizes ‘culturais’ da nação; o aval estético governamental é, portanto, disputado palmo a palmo”.

O debate girava em torno de três elementos: passado, vínculo com o Brasil e futuro. Cada corrente reivindicava para si a primazia sobre eles. Ao contrário dos modernos, os neocoloniais cultuavam a tradição colonial, de onde brotaria o futuro, que para eles é basicamente restaurador (e não inovador), como defendia José Marianno Filho:

A única estrada que nos conduzirá à verdade é a estrada do passado... A volta ao espírito tradicional da arte brasileira não significa uma homenagem fetichista ao passado esquecido, mas a volta ao bom senso... Qualquer monumento colonial representa um esforço muito maior do que as arapucas do cimento armado, diante das quais nos extasiamos.

Os modernos, pelo contrário, alegavam que a leitura neocolonial do passado era superficial, enquanto a arquitetura moderna estabelecia fortes ligações com os princípios estruturais da arquitetura colonial. Uma arquitetura que projetava o futuro, conciliando a tradição com a modernidade.

Apontavam semelhanças estruturais entre as casas “tradicionais” sobre estacas e o pilotis, a estrutura em madeira das casas coloniais era comparada ao esqueleto de concreto armado e relacionavam-se as grandes extensões caiadas da arquitetura “tradicional” à pureza do novo modo de construir. Dessa forma a arquitetura moderna brasileira, embora característica de condições técnicas e sociais novas, se proporia a reinterpretar, através de uma leitura estrutural e de técnicas de seu tempo, a tradição construtiva brasileira.

Os modernos venceram a disputa do MES, etapa fundamental para sua supremacia no campo arquitetônico, apresentando o argumento de que suas construções eram ao mesmo tempo inovadoras, nacionais e estruturalmente ligadas ao passado.

Após a vitória no campo das idéias, restava aos modernos provarem a funcionalidade do projeto, bem como a adequação de sua monumentalidade à imagem que o ministério deveria transmitir à população.

Em artigo publicado em 1935 na Revista da Diretoria de Engenharia, editada pelo Ministério da Educação e Saúde, Affonso Eduardo Reidy demonstra como as novas técnicas proporcionariam ao mesmo tempo funcionalidade e versatilidade:

Uma das maiores conquistas da técnica construtiva moderna é a estrutura livre, isto é, independente das paredes do edifício. A estrutura livre permite a standartização dos elementos estruturais e flexibilidade quanto à utilização dos espaços, de forma a que em qualquer época possam ser modificadas as divisões internas do edifício sem prejuízo para as boas condições de estabilidade e aspecto da edificação.

Testemunho importante dessa preocupação com a funcionalidade foi o de Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do Ministro, ao registrar seu primeiro dia de trabalho (22/07/1944) no gabinete da sede recém construída.

Dias de adaptação à luz intensa, natural, que substitui as lâmpadas acesas durante o dia; às divisões baixas de madeira, em lugar de paredes; aos móveis padronizados (antes obedeciam às fantasias dos diretores ou ao acaso dos fornecimentos). Novos hábitos são ensaiados...

Portanto, a luz natural, intensa em uma cidade tropical como o Rio de Janeiro, propiciaria a economia de energia. O mobiliário padronizado, sem luxos (fantasias) despersonalizaria a administração pública.

A monumentalidade foi preocupação dominante no projeto da sede do MES. A produção da obra monumental começa na própria ocupação do prédio, criando enorme praça com amplo espaço de circulação no centro do Rio de Janeiro, de forma a abrir espaço para a contemplação da obra. Tal efeito é obtido com a verticalização do prédio em 14 pavimentos e a utilização de amplo pilotis. O bloco do auditório, portaria e sala atravessa por baixo da estrutura vertical, fazendo com que o espaço entre as colunas, embaixo desse grande bloco, funcione como parte aberta do jardim público, utilizando espécimes da flora nacional, criado pelo paisagista Burle Marx. Os dois blocos transmitem uma representação de leveza, idealizados para parecerem desprovidos de peso ao sustentarem-se sobre o pilotis.

Mais uma vez podemos constatar a influência de Corbusier sobre a equipe brasileira, quando observamos a plena aplicação dos Cinco pontos da Nova Arquitetura, propostos pelo arquiteto franco-suíço no início de sua carreira em 1926.

1.Pilotis, liberando o edifício do solo e tornando público o uso deste espaço antes ocupado, permitindo inclusive a circulação de automóveis;

2.Terraço jardim, transformando as coberturas em terraços habitáveis, em contraposição aos telhados inclinados das construções tradicionais;

3.Planta livre, resultado direto da independência entre estruturas e vedações, possibilitando maior diversidade dos espaços internos, bem como mais flexibilidade na sua articulação;

4.Fachada livre, também permitida pela separação entre estrutura e vedação, possibilitando a máxima abertura das paredes externas em vidro, em contraposição às maciças alvenarias que outrora recebiam todos os esforços estruturais dos edifícios;

5.A janela em fita, ou fenêtre en longueur, também conseqüência da independência entre estrutura e vedações, se trata de aberturas longilíneas que cortam toda a extensão do edifício, permitindo iluminação mais uniforme e vistas panorâmicas do exterior.

Os objetivos da equipe dos arquitetos que projetaram o MES, vislumbrando um futuro otimista de progresso aliado à justiça social ficam evidentes na carta enviada por Lucio Costa a Gustavo Capanema, em outubro de 1945, ao ver a obra concluída. Segundo ele, foi efetivamente naquele edifício, onde:

... pela primeira vez, se conseguiu dar corpo, em obra de tamanho vulto, levada a cabo com esmero de acabamento e pureza integral de concepção, às idéias mestras porque, já faz um quarto de século, o gênio criador de Le Corbusier se vem batendo com a paixão, o destemor e a fé de um verdadeiro cruzado (...) Neste oásis circundado de pesados casarões de aspecto uniforme e enfadonho, viceja agora, irreal na sua limpidez cristalina, tão linda e pura flor - flor do espírito, prenúncio certo de que o mundo para o qual caminhamos inelutavelmente, poderá vir a ser, apesar das previsões agourentas do saudosismo reacionário, não somente mais humano e socialmente mais justo, senão, também, mais belo.

A Avenida Presidente Vargas

Quando iniciativas municipais relacionam-se a necessidades denunciadas pela população e a propostas discutidas, há muitas influências, muitos motivos, inclusive motivos acidentais. Mas quando a câmara municipal não representa a vontade popular (como em Paris, entre 1831 e 1871), como não pôr em primeiro plano as idéias de estética, de higiene, de estratégia urbana, de prática social de um indivíduo ou de poucos indivíduos no poder? Desse ponto de vista, a configuração atual de uma grande cidade será como a superposição da obra de certos partidos, de certas personalidades, de certos soberanos; assim, planos diversos se sobrepuseram, se misturaram, se ignoraram...

O projeto de abertura de uma grande avenida ligando a Ponte dos Marinheiros[22] ao Cais dos Mineiros já existia há muito tempo. Segundo LIMA (1992), a primeira idéia foi de Grandjean de Montigny, ainda no século XIX. Porém, apenas com a decretação do Estado Novo em 1937 e a nomeação de Henrique Dodsworth para o cargo de interventor na capital, o projeto finalmente foi executado.

Observando o contexto político e econômico podemos identificar dois fatores que contribuíram para a execução da obra.

Em primeiro lugar, a economia brasileira já se encontrava em plena expansão após se recuperar da crise decorrente da quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Para superá-la, na década de 1930 o Estado realizou uma intervenção crescente na economia, promovendo o desenvolvimento da indústria nacional. Dessa forma, sendo o Estado o grande agente investidor naquele modelo econômico, tornava-se necessária a criação e a expansão de diversos órgãos e repartições públicas, especialmente na capital. Por isso o centro da cidade do necessitavam se adequar à nova conjuntura vivida no país. Paralelamente, também se abriam novas oportunidades de negócios ao capital privado, especialmente no setor de serviços.

Em segundo lugar, com a decretação do Estado Novo, o governo não apenas aprofundaria a intervenção na economia, mas também teria plenos poderes para controlar a sociedade, especialmente os movimentos sociais e os meios de comunicação. Portanto, qualquer manifestação contra os atos do governo poderia ser abafada pela repressão, pela censura e pela propaganda oficial.

Iniciativas desse tipo, articulando desenvolvimento econômico e controle social, já tinham sido implementadas em outros países capitalistas desenvolvidos, e de certa forma, serviram de referências para outras intervenções no espaço urbano em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil.

É o que podemos constatar a partir da análise de Richard Sennettsobre a revolução urbana passada nas metrópoles de Londres e Paris na segunda metade do século XIX.

Segundo ele, a profunda reforma implantada nas duas cidades foi um dos reflexos do triunfo do capitalismo em sua fase monopolista, quando a Inglaterra e a França comandavam a corrida imperialista, impondo seu domínio sobre uma grande parte da África e da Ásia.

As intervenções na estrutura e na organização nas duas cidades fizeram com que o espaço urbano fosse recortado em grandes corredores, onde o deslocamento das pessoas da residência para o trabalho e vice-versa seria feito com rapidez crescente, atendendo não só as necessidades das atividades capitalistas em expansão – rendimento e produtividade -, mas também ao interesse do Estado em desarticular grupos sociais “ameaçadores à ordem”, mantendo-os sob controle e vigilância, lembrando que no mesmo período, o movimento operário mostrava-se melhor articulado para lutar por suas reivindicações, além de estar influenciado por ideologias que defendiam abertamente o fim do capitalismo, como o socialismo marxista e o anarquismo.

Uma das consequências da revolução urbana foi a desconexão entre as pessoas e o espaço. Assim, os indivíduos, cada vez mais dispersos e isolados, atentos apenas à rapidez do ir e vir teriam cada vez menos contato entre si, o que dificultaria a ação de grupos organizados ou a sua formação.

No Brasil, pensamento semelhante influenciou a elaboração do projeto de abertura da Avenida Central na gestão do prefeito Pereira Passos e mais ainda da Avenida Presidente Vargas, um dos objetos de nosso estudo.

Em 1938, o projeto foi apresentado com a denominação Avenida Dez de Novembro - aludindo à data do golpe que instituiu o Estado Novo – prevendo a eliminação de quadras inteiras para a sua realização.

A expectativa quanto às oportunidades de negócios pode ser observada quando foi decidido que o gabarito liberado para a construção de prédios era de 22 andares até a Rua da Quitanda. Dali até o mar o gabarito seria de 12 andares, prevendo nesse trecho uma grande praça em torno da Igreja Nossa Senhora da Candelária, o que aponta o interesse do governo em não encontrar oposição por parte da Igreja Católica.

A monumentalidade da obra e seu papel didático junto à população podem ser observados através do discurso enaltecedor a Getúlio Vargas realizado pelo prefeito Henrique Dodsworth durante a cerimônia de inauguração do primeiro trecho da avenida, não por acaso no dia 10 de novembro de 1941:

“Exmo. Sr. Presidente da República: É de tradição que os presidentes atravessem os eixos das avenidas rasgadas em benefício do progresso da cidade. Esta tradição esteve interrompida por mais de duas décadas e hoje V. Exa, retoma-a, percorrendo trecho inicial da avenida que menos um decreto do que a aclamação dos seus compatriotas denominou Av. Presidente Vargas.

Permita que V. Exa, que eu guarde desta cerimônia apenas lembranças de nela ter tido a honra de ser o intérprete do governo de V. Exa nos agradecimentos e louvores devidos aos operários de todas as categorias e ofícios dessa obra, que enaltece o valor da engenharia brasileira e do trabalhador nacional.

Exceção feita da maquinaria, tudo que aqui nos rodeia é brasileiro. Os projetos da nova urbanização da cidade são da autoria dessa maravilhosa floração de engenheiros que trabalham na Prefeitura e que alvorecem para as responsabilidades dos largos públicos, técnicos, escritórios, capital e mão-de-obra brasileiros.

Depois de quatro anos ininterruptos de atividades de restauração administrativa e financeira, a Prefeitura do Distrito Federal deu início a esse empreendimento. Não se trata de um espetáculo de aformosamento da cidade, mas de realização de um programa que procura resolver problemas econômicos de tráfego e do saneamento da cidade.

Convidando V. Exa Sr. Presidente, a percorrer o trecho inicial da avenida, solicito que V. Exa incorpore estas obras que, resolvendo os problemas apontados irão por igual transformar a Cidade Maravilhosa na Cidade das Maravilhas.”

Nota-se no discurso a preocupação do prefeito em destacar o nacionalismo, um dos principais traços da política econômica getulista, e em enaltecer os trabalhadores que participaram da obra, em sintonia com a ideologia trabalhista.

Ao mesmo tempo ele equipara em importância a obra com as reformas executadas durante a administração de Pereira Passos, afirmando que estava retomando uma tradição progressista interrompida por mais de duas décadas.

A construção da avenida representava, portanto, o progresso e o desenvolvimento, propiciando maior eficiência e dinamismo nas atividades econômicas praticadas no Centro da cidade, maior rapidez nos meios de transporte e na circulação das mercadorias.

Ao observarmos os prédios construídos ao longo da avenida, fica evidente a influência da arquitetura moderna. Edificações funcionais, sem grandes preocupações estéticas, onde os extensos pilotis se projetavam sobre as largas calçadas, facilitando o rápido deslocamento dos trabalhadores e dificultando as aglomerações, que na visão das autoridades, era um estímulo à “desordem”. Portanto, a avenida propiciava ao mesmo tempo melhor aproveitamento da força de trabalho, que perderia menos tempo para começar seu ofício, como também criava obstáculos para manifestações.

Cumpre ainda destacar que a avenida também traduzia outro aspecto importante do modelo político-econômico vigente. Da mesma forma que o Estado não tinha limites institucionais para intervir na economia e controlar a sociedade, também não haveria nenhum obstáculo ao progresso que não pudesse ser transposto por ele. Assim, diversos marcos importantes do contexto urbano-arquitetônico carioca foram sumariamente eliminados – o Paço Municipal e as Igrejas de São Pedro dos Clérigos, do Bom Jesus do Calvário, de São Domingos e de N. Sra. da Conceição - ou drasticamente alterados – Campo de Santana e Praça Onze.

Como assinala Evelyn Furquim Werneck Lima:

É típico dos governos autoritários o processo de demolição dos centros históricos, as inchações dos bairros periféricos, geralmente com o prejuízo das camadas sociais de menor poder aquisitivo, que perdem sua moradia e seu habitat natural. Isto ocorreu na Paris de Napoleão III, na Itália, na Alemanha, na Rússia na década de 1930 e acabou também ocorrendo no Rio de Janeiro durante o regime de exceção do Estado Novo.

A intervenção na Praça Onze é especialmente simbólica. Área de intenso comércio e grande diversidade social e cultural[28], com a ocorrência das famosas rodas de samba, especialmente as da casa da tia Ciata. Com o fortalecimento das instituições carnavalescas, a cultura da cidade cresceu também em vibração e prestígio popular.

A grande intervenção urbanística projetada na gestão de Henrique Dodsworth promoveu a demolição de quarteirões inteiros da Praça Onze, alterando substancialmente a paisagem local e empurrando seus moradores para outras localidades, como os morros próximos ao Centro ou os bairros do subúrbio, que cresciam às margens da Estrada de Ferro Central do Brasil. Era o símbolo do progresso (a larga avenida) e do trabalho se sobrepondo ao símbolo da cultura popular espontânea, associada pelas autoridades à desordem ou à malandragem.

O governo federal dessa forma realizava uma das mais profundas intervenções na capital, constituindo uma nova linguagem urbanística - de inspiração modernista –, racional, sem preocupações estéticas especiais, cuja monumentalidade buscava transmitir a imagem de um país que avançava em direção ao progresso.

OS MONUMENTOS DA ORDEM

A Avenida Presidente Vargas, como já assinalamos, foi projetada como um monumento ao progresso, associada ao desenvolvimento econômico e industrial que o Brasil passava naquele período da Era Vargas, especialmente o Estado Novo.

Idealizada como uma grande artéria, atravessaria uma região importante do centro do Rio de Janeiro, estabelecendo um entroncamento com outra grande artéria - a Avenida Rio Branco -, abrindo novas oportunidades de negócios e investimentos.

Quem percorre a avenida até os dias de hoje (local de bancos e escritórios públicos e particulares no trecho entre o Campo de Santana e a Candelária) observa o ritmo apressado das pessoas atravessando rapidamente a avenida. A arquitetura não transmite ou estabelece um diálogo com os transeuntes, que, circulando sob os largos pilotis, não têm como observar sequer a fachada dos prédios. A única preocupação é transpassá-la para chegar rapidamente ao trabalho.

Observamos que não existe nesse trecho nenhum ponto que facilite a aglomeração, vista pelas classes dominantes como um instrumento da desordem.

Porém, se nas edificações erguidas ao longo da avenida fica evidente a preocupação em garantir às pessoas o abrigo para um deslocamento rápido ao trabalho, por outro lado, foram criados na avenida alguns importantes símbolos arquiteturais do poder.

São esses símbolos, situados exatamente em um dos poucos pontos possíveis de aglomeração que foram erguidas edificações que, pela sua monumentalidade, transmitiam a quem passasse a mensagem da ordem, da disciplina e da hierarquia. Foi o caso do Palácio Duque de Caxias e o novo prédio da Central do Brasil.

Ao contrário do que ocorreu no edifício do MES, o estilo escolhido para a construção dessas duas obras foi o Art Déco.

Os edifícios projetados pela arquitetura Art Déco utilizavam o concreto armado e possuíam fachadas com rigor geométrico e ritmo linear, com fortes elementos decorativos em granito e mármore. No interior, as esculturas, jóias e móveis também são geometrizados, com ornamentos em bronze, mármore, prata marfim e outros materiais nobres.

Inúmeros projetos neste estilo foram aplicados a partir da década de 1930 no Brasil, como repartições públicas, cinemas, teatros e sedes de emissoras de rádio. Muitos desses edifícios existem até os dias de hoje e fazem parte da paisagem urbana de várias cidades brasileiras.

O Palácio Duque de Caxias

A construção do Palácio Duque de Caxias foi realizada entre 07/09/1937 e 28/08/1941, e sua ocupação definitiva foi concluída em 1944. Portanto, a obra coincidia tanto com o período do Estado Novo como com as obras de abertura da Avenida Presidente Vargas.

O projeto foi de Cristiano Stockler das Neves, arquiteto com escritório em São Paulo e com larga experiência com a construção de prédios em concreto armado, sendo autor do projeto do primeiro arranha-céu da capital paulista, o Edifício Sampaio Moreira, inaugurado em 1924. Designou-se uma comissão composta pelos engenheiros militares Major Raul de Albuquerque e Capitão Rubens Rousado Teixeira para executar a obra. Toda a estrutura de concreto foi calculada pela comissão. Portanto, a construção do edifício ficou todo o tempo supervisionada pelo Exército, que poderia providenciar as modificações ou adaptações que fossem consideradas necessárias.

A construção do edifício foi feita na área afastada vinte metros do antigo quartel, este demolido após a conclusão das obras da nova sede, como podemos observar na figura 26. As alas, respectivamente voltadas para a Praça Cristiano Otonni e para o Palácio Itamaraty, foram, no entanto, conservadas sem alteração.

Em termos de área construída, foi o maior edifício público administrativo de seu tempo, com 86 mil metros quadrados de área e 23 andares, destacando a monumentalidade do projeto. Seu imponente embasamento e pórtico de entrada foram executados em granito vermelho-escuro e preto. Com mármore oriundo do Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais, foram executados os pisos da ala principal.

A obra transmite robustez e estabilidade, impondo a quem passa uma sensação de submissão e obediência diante do monumento. Ela atemoriza quem se aproxima, se apresentando como um espaço hermético, inacessível a quem não faz parte da instituição.

O pavimento térreo, tal como um gigantesco rodapé, revestido em granito vermelho-escuro, aparenta uma barra de proteção, como se fosse uma área de transição entre os pavimentos superiores e os pedestres que circulam abaixo: o poder e o povo. Ao que tudo indica, o projeto também teve a preocupação de transmitir a disciplina do poder militar. A simetria entre o corpo central, destacando as alas laterais, parece associar à imagem de um general comandando suas divisões.

O Novo Prédio da Estrada de Ferro Central do Brasil

O desenvolvimento econômico acelerado na década de 1930 foi acompanhado por uma série de investimentos estatais na infraestrutura do Brasil, incluindo os serviços de transportes.

As ferrovias ainda se constituíam no principal meio de transporte de carga e passageiros do Brasil, embora o transporte rodoviário estivesse se multiplicando. A antiga estação da Estrada de Ferro Central do Brasil mostrava-se insuficiente para atender as necessidades de transporte, além de obsoleta diante de um serviço cuja eletrificação exigia altíssimos investimentos.

O projeto original foi elaborado em 1936 por Roberto Magno de Carvalho, arquiteto formado pela Escola Nacional de Belas Artes em 1921 e funcionário de carreira da Estrada de Ferro Central do Brasil. Porém, no início das obras, verificou-se que ele precisava ser revisto e ampliado. Em primeiro lugar, porque se constatou que ele não se adequava ao terreno proposto. Em segundo lugar, o governo decidiu que o novo prédio deveria abrigar todos os setores da administração da ferrovia, que se achavam dispersos em imóveis alugados em várias partes da cidade. Novamente, aplicava-se a um órgão estatal o modelo centralizador que norteava a administração pública em geral naquele período, visto como instrumento para promover maior racionalidade e eficiência da burocracia.

As modificações no projeto foram feitas pelos arquitetos húngaros Adalberto Szillard e Geza Heller, contratados para substituir Roberto Magno de Carvalho que faleceu em 1937, pouco antes do início efetivo dos trabalhos.

A ditadura do Estado Novo ainda não tinha sido instaurada quando foi lançada a pedra fundamental do prédio, em 28 de março de 1936. Porém, as modificações no projeto original, executado já no período autoritário, demonstram não apenas a preocupação com a funcionalidade, mas também a maior atenção à monumentalidade, adequando-a aos interesses do governo.

A alteração que ganhou mais destaque foi a ampliação da torre, alcançando 135 metros, e do relógio. Historicamente, “a torre, desde as épocas mais remotas sempre representou um signo de poder mítico, em que a verticalidade faz crer que a matéria atinge espíritos superiores, toca o firmamento”.

Inaugurada em 29 de março de 1943, a estação é um dos raros pontos de concentração popular ao longo da Avenida Presidente Vargas. Como as elites tradicionalmente associavam as aglomerações à desordem, era necessário para elas criar mecanismos de controle e disciplina sobre a clase trabalhadora.

Nessa linha, o prédio da Estrada de Ferro Central do Brasil e o Palácio Duque de Caxias, situado à sua frente, formaram um conjunto representando um poder concreto e disciplinador sobre os trabalhadores, que, ao desembarcarem na estação, encontram duas “sentinelas da ordem”, impondo a eles a disciplina e a obediência ao horário de trabalho (relógio) e à subordinação à autoridade (poder militar).

As Colunas do Progresso e as Sentinelas da Ordem – Linguagens Arquitetônicas Durante o Estado Novo (1937-1945)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso artigo mostrou até aqui que Getúlio Vargas, ao chegar ao poder, em 1930, buscou progressivamente implantar um novo modelo de desenvolvimento econômico ao Brasil. Fazia parte dessas mudanças uma ampla reforma na administração pública, capacitando a burocracia para o novo papel que o Estado desempenharia como principal agente indutor do desenvolvimento.

A centralização política e administrativa chegou ao ápice com a decretação do Estado Novo em 1937. Essa articulação entre centralização político-administrativa e intervenção estatal na economia como instrumento que alavancaria o desenvolvimento econômico era uma crença que Getúlio Vargas alimentava desde a juventude, quando sua formação intelectual foi decisivamente influenciada pelo positivismo.

O crescimento do aparelho estatal com a criação ou ampliação de ministérios e órgãos públicos gerou a necessidade de construir edifícios que abrigassem uma burocracia que não parava de crescer. Essas mudanças permitiram que fosse aberto uma espécie de mercado de obras públicas, oferecendo oportunidades aos profissionais da arquitetura, carreira que testemunhou um crescimento notável na década de 1930.

Ao mesmo tempo, toda essa produção arquitetônica teve que obedecer aos interesses do governo que pretendia que os novos prédios fossem, ao mesmo tempo, funcionais e monumentais, transmitindo mensagens de confiança e otimismo, mas também de obediência ao Estado.

Esse programa de obras públicas proporcionou uma disputa entre as principais “escolas” de arquitetura daquele tempo: de um lado, os acadêmicos e os neocoloniais; de outro, os modernos.

Observamos como os modernos aproveitaram melhor as oportunidades, iniciando uma trajetória onde progressivamente foram conquistando a hegemonia no campo da arquitetura. Entre as razões dessa conquista estão a sua melhor fundamentação técnica e intelectual, o apoio que tiveram do Ministro Gustavo Capanema e o controle do SPHAN.

Por outro lado, mesmo com a influência crescente dos modernos, constatamos que a postura do governo Vargas com relação às escolas arquitetônicas, não teve uma orientação monolítica, variando principalmente entre a arquitetura moderna e o Art-Déco, sem excluir outros estilos que, embora em menor grau, também estivessem presentes, como o neoclássico, utilizados nos Ministérios do Trabalho e da Fazenda.


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