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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Primeiro discurso contra Catilina de Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), cônsul de Roma, recitado no Templo de Júpiter em 8 de Novembro de 63 a.C., local para onde tinha sido convocado o Senado de Roma.


Marcus Tullius Cicero. Imagem: Arquivo pessoal CHH.

A etimologia da palavra CATILINÁRIA tem a sua origem de uma acusação violenta, como a que Cícero fez a Catilina.

Oh tempos, oh costumes! Uma das mais famosas frases de todos os tempos, foi pronunciada há mais de 2000 anos por Cícero, ao discursar perante o Senado de Roma começando a destruir um tentativa de golpe de estado contra a República. Cícero tinha confirmado os seus dotes oratórios quando sete anos antes, em 70 a.C., tinha conseguido que o corrupto governador da Sicília Caio Verres fosse impugnado (demitido do seu cargo) mas agora enquanto cônsul de Roma o caso era mais grave.
A conspiração contra o Senado dirigida por Lúcio Sérgio Catilina, candidato vencido ao cargo de cônsul nas eleições de Julho de 64 a.C. assim como nas de 63, lugar-tenente de Sila durante a ditadura deste, antigo governador da província de África, amigo de Júlio César e de Crasso, os dois dirigentes do Partido Popular em Roma, tinha começado em Setembro de 63 a.C., após a realização das eleições e já tinha provocado reações de Cícero e do Senado, mas o chefe da conspiração tinha conseguido até aí não ser incriminado. 

Na noite de 6 para 7 de Novembro Catilina reuniu novamente os dirigentes da conspiração para tomarem as últimas decisões antes da nova tentativa de golpe, mas Cícero foi informado da reunião e das decisões aí tomadas e decidiu convocar o Senado para o Templo de Júpiter Estátor para o dia seguinte. Quando o chefe da conjura apareceu na reunião, Cícero ficou tão indignado que se dirigiu diretamente a Catilina, acusando-o violenta e diretamente, no primeiro de quatro célebres discursos - as Catilinárias -, que acabaram por convencer o incrédulo Senado da existência da conspiração e das culpas de Catilina. Mas neste primeiro discurso Cícero sabia que por lei não poderia condenar, nem mesmo mandar desterrar, Catilina e por isso tentou que este saísse voluntariamente da cidade, o que de facto conseguiu. Em meados de Novembro Catilina entrou em revolta aberta e acabou por ser condenado à morte pelo Senado em princípios de Dezembro, após um discurso de Cícero - a quarta Catilinária - mas tendo recusado entregar-se foi morto em Janeiro de 62 a.C. no campo de batalha de Pistóia, o que lhe valeu um elogio de Floro: «Bela morte, assim tivesse tombado pela Pátria.»

Este discurso, o mais famoso de Cícero, foi usado como exercício escolar no ensino da retórica durante séculos, como é exemplo em Portugal a tradução do padre António Joaquim que teve três edições e que tem uma componente pedagógica muito importante.
JÁ NÃO PODES VIVER MAIS TEMPO CONOSCO
I


Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?

Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes factos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar, um a um, para a chacina. E nós, homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura. à morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul; contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.

Pois não é verdade que uma personagem tão notável. como era Públio Cipião, pontífice máximo. mandou, como simples particular, matar Tibério Graco, que levemente perturbara a constituição do Estado? E Catilina. que anseia por devastar a ferro e fogo a face da terra, haveremos nós, os cônsules, de o suportar toda a vida? E já não falo naqueles casos de outras eras, como o facto de Gaio Servílio Aala ter abatido, por suas próprias mãos, Espúrio Mélio e, que alimentava ideias revolucionárias. Havia, havia outrora nesta República, uma tal disciplina moral que os homens de coragem puniam com mais severos castigos um cidadão perigoso do que o mais implacável dos inimigos. Temos um decreto do Senados contra ti, Catilina, um decreto rigoroso e grave; não é a decisão clara nem a autoridade da Ordem aqui presente que falta à República; nós, digo-o publicamente, nós, os cônsules, é que faltamos.

II

Decidiu um dia o Senado que o cônsul Lúcio Opímio velasse para que a República não sofresse dano algum. Pois nem uma noite passou. Gaio Graco, apesar da sua tão nobre ascendência, de pai, de avô e de seus maiores, foi morto por causa de certas suspeitas de revolta; juntamente com os filhos foi executado Marco Fúlvio, um consular. Com um mesmo decreto do Senado, foi a República confiada aos cônsules Gaio Mário e Lúcio Valério. Acaso adiaram eles mais um dia sequer a pena de morte, por crime de lesa-república, a Lúcio Saturnino, um tribuno da plebe, e a Gaio Servílio, um pretor?
Nós, porém, há já vinte dias que consentimos no enfraquecimento do vigor de decisão destes homens. Temos um destes decretos do Senado, mas está fechado nos arquivos como espada metida em bainha; e, segundo esse decreto senatorial, tu, Catilina, deverias ter sido imediatamente condenado à morte. E eis que continuas vivo, e vivo, não para abdicares da tua audácia, mas para nela te manteres com inteira firmeza. É meu desejo, venerandos senadores, ser clemente; é meu desejo, no meio de tamanhos perigos da República, não parecer indolente; mas já eu próprio de   inacção e moleza me acuso.
Há acampamentos em Itália contra o povo romano. estabelecidos nos desfiladeiros da Etrúria, aumenta em cada dia o número dos inimigos; e, no entanto, o general desses acampamentos e o comandante desses inimigos, eis que o vemos no interior das nossas muralhas e dentro do próprio Senado, urdindo a cada instante algum atentado contra a República. Se. neste momento eu te mandar prender, Catilina, se eu decretar a tua morte, o que sobretudo terei de temer, tenho a certeza, é que todos os bons cidadãos me censurem por ter actuado tarde, e não que haja alguém a dizer que usei de crueldade excessiva.
A mim, porém, aquilo que já há muito deveria ter sido feito, fortes razões me levam a não o fazer ainda. Hás-de ser morto, sim, mas só no momento em que já não for possível encontrar-se ninguém tão perverso, tão depravado, tão igual a ti, que não reconheça a inteira justiça desse acto.
Enquanto houver alguém que ouse defender-te, continuarás a viver, e a viver como agora vives, cercado pelas minhas muitas e fiéis guardas, para não poderes sublevar-te contra o Estado. È até os olhos e os ouvidos de muita gente, sem disso te aperceberes, te hão-de espiar e trazer vigiado como até hoje o têm feito.
III

Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite com suas trevas pode manter ocultos os teus criminosos conluios, nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração, se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público? É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia, e importa que os recordes comigo nesta hora.
Não te lembras de eu dizer no Senado, no dia 12 antes das Calendas de Novembro, que, em dia determinado, dia esse que havia de ser o sexto antes das Calendas de Novembro , haveria de pegar em armas Gaio Mânlio, um lacaio e instrumento da tua audácia? Enganei-me, porventura, ó Catilina, não só quanto a um acontecimento tão importante, tão horroroso e tão incrível, como também. o que é muito mais para admirar, quanto ao próprio dia? Fui eu ainda que disse no Senado teres tu fixado para o dia 5 antes das Calendas de Novembro a chacina da aristocracia. justamente na altura em que muitas das altas personalidades do Estado fugiram de Roma, não tanto por motivo de segurança pessoal, como para reprimirem as tuas maquinações. Serás capaz de negar que nesse mesmo dia, estando tu cercado pelas minhas guardas e pela minha vigilância, te não pudeste insurgir contra a República, quando tu, perante o afastamento dos restantes, dizias no entanto que a morte de quem tinha ficado, que éramos só nós, bastava para te contentar?
Pois quê? Quando tu, nas próprias Calendas de Novembro, estavas plenamente seguro de que tomarias Preneste num ataque nocturno, não deste conta, porventura, de que tinha sido por ordens minhas que aquela colónia fora guarnecida pelos meus destacamentos, sentinelas e rondas nocturnas? Nada fazes, nada intentas, nada imaginas que eu não só não oiça, mas veja e disso tenha pleno conhecimento.
IV

Recorda comigo, por fim, aquela noite famigerada de anteontem e logo verás que eu velo com mais ardor pela segurança do Estado que tu pela sua ruína. Afirmo que tu, na noite anterior a esta, vieste aos Cuteleiros (não vou falar por meias palavras), a casa de Marco Leca, e que no mesmo local se reuniu grande parte dos cúmplices da mesma criminosa loucura. Ousas, porventura, nega-lo? Porque te calas? Se o negas, eu to provarei, pois que vejo aqui presentes no Senado alguns dos que lá estiveram juntamente contigo.
Oh deuses imortais! Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso? Em que cidade vivemos nós? Estão aqui, aqui dentro do nosso número, venerandos senadores, neste Conselho. mais sagrado e mais respeitável da face da terra, aqueles que meditam a morte de todos nós, aqueles que trazem no pensamento a destruição desta cidade e até a do mundo inteiro. É a estes que eu, como cônsul, tenho na minha frente e lhes peço conselho acerca dos interesses do Estado, a eles, que deveriam ser passados a fio de espada e que eu nem com a palavra atinjo ainda.
Estiveste, pois, Catilina, em casa de Leca nessa noite; procedeste à partilha das regiões da Itália; determinaste para onde gostarias que cada um partisse; escolheste quem deixarias em Roma, quem levarias contigo; designaste os bairros da cidade destinados a incêndio; afirmaste que, por ti, já estavas disposto a partir; disseste que ainda te demorarias, contudo, um pouco, porque eu continuava vivo. Encontraste dois cavaleiros romanos, para te aliviarem" desta preocupação e se comprometerem a assassinar-me no meu próprio leito nessa mesma noite, pouco antes da alvorada.
Tudo isto eu vim a saber mal tinha ainda sido dissolvida a vossa reunião; guarneci e reforcei a minha casa com mais guardas; e àqueles que tu me enviaras pela manhã para me saudarem, tranquei-lhes a porta quando eles chegaram, a esses mesmos cuja intenção de me visitarem àquela hora eu já havia previamente comunicado a muitas e das mais altas personalidades.

V

Sendo assim, prossegue, Catilina, o caminho encetado; sai da cidade de uma vez para sempre; as portas estão abertas; põe-te a caminho. Há muito que te reclamam como general supremo esses teus acampamentos manlianos. Leva também contigo todos os teus; se não todos, pelo menos o maior número possível. Limpa a cidade. Libertar-me-ás de um grande receio quando entre ti e mim um muro se levantar. Já não podes conviver por mais tempo connosco; não o suporto, não o tolero, não o consinto.
Grande deverá ser o nosso reconhecimento para com os deuses imortais, particularmente para com o próprio Júpiter Estátor aqui presente, o mais antigo protector desta cidade, por tantas vezes termos escapado a esta peste tão abominável, tão horrorosa e tão hostil à República. Nunca mais a suprema segurança do Estado deve ser posta em perigo por causa de um homem apenas. De tantas vezes que tu, Catilina, me armaste ciladas quando eu era cônsul designado, não foi com a guarda pública, mas com os meus próprios meios, que eu procurei defender-me. Quando, por ocasião dos últimos comícios consulares, tu pretendeste matar-me no Campo de Marte, a mim que era cônsul e aos teus competidores, reprimi os teus criminosos intentos com a ajuda e recursos dos amigos, sem proclamar oficialmente o estado de sítio; numa palavra, todas as vezes que me atacaste, foi por mim mesmo que te resisti, muito embora eu visse que a minha morte ficaria ligada a uma grande desgraça do Estado.
Mas agora é a toda a República que tu diriges abertamente o teu ataque; são os templos dos deuses imortais, são as casas da cidade, é a vida de todos os cidadãos, é a Itália inteira, é tudo isto que tu arrastas para a ruína e a devastação. E, uma vez que não ouso ainda pôr em prática o que se imporia em primeiro lugar e que é próprio destes poderes" e da tradição dos nossos maiores, tomarei uma posição mais moderada quanto ao rigor, porém mais útil no que toca à salvação comum. É que, se eu te matar, continuará na República o restante bando dos teus conjurados; mas, se tu saíres, como já há muito te estou convidando, a cidade ficará vazia dos teus sectários, dessa profunda sentina que empesta o Estado.
Então, Catilina, que se passa? Hesitas em fazer por minha ordem o que tu já te dispunhas a realizar por tua livre vontade? É a um inimigo público que o cônsul manda sair da cidade. Perguntas-me se para o exílio? Não to ordeno, mas, se pedes o meu parecer, aconselho-to.

VI

Que há, ó Catilina, que ainda te possa causar prazer nesta cidade, em que não há ninguém, fora desta conjuração de homens depravados, que te não tema, ninguém que te não deteste? Que nódoa de escândalos familiares não foi gravada a fogo na tua. vida? Que ignomínia de vida particular não anda ligada à tua reputação? Que sensualidade esteve longe de teus olhos? Que acção infamante deixaram de perpetrar as tuas mãos algum dia? Que torpeza esteve ausente de todo o teu corpo? Que jovem haverá a quem não tenhas ilaqueado nas seduções da tua imoralidade, guiado o ferro na rebeldia ou o archote. na libertinagem?
Pois quê? Há pouco, quando, com a morte da tua primeira mulher, esvaziaste a tua casa com vista a um novo casamento, não acumulaste ainda sobre este delito um outro atentado inacreditável, que eu não refiro e acho melhor deixar passar em silêncio, para que não conste que nesta cidade se verificou a barbaridade de um crime tamanho, ou que este ficou sem castigo? Nem menciono a perda dos teus haveres, que tu verás todos confiscados nos próximos Idos; refiro-me a factos que dizem respeito não à infâmia pessoal dos teus vícios, não à tua penúria doméstica e à tua má fama, mas, sim, aos superiores interesses do Estado e à vida e segurança de todos nós.
Podes tu, Catilina, sentir prazer na luz deste dia ou no ar deste céu que respiras, ao saberes que ninguém dos presentes desconhece que, na véspera das Calendas de Janeiro", durante o consulado de Lépido e Tulo, te apresentaste armado no local dos comícios do povo; que tinhas um grupo de homens preparado para dar a morte aos cônsules e aos principais da cidade e que não foi nenhuma reconsideração da tua parte nem o teu medo, mas, sim, a deusa Fortuna do povo romano que impediu o crime da tua loucura? E já nem conto pois que não são nem desconhecidos nem poucos os delitos cometidos depois quantas vezes, sendo eu cônsul designado, quantas vezes mesmo durante o meu consulado, me tentaste matar! Quantos golpes, vibrados de tal maneira, que parecia impossível escapar-lhes, eu não evitei com um pequeno desvio ou, como costuma dizer-se, só com o corpo! Nada adiantas, nada consegues, e, contudo, não desistes de tentar e de querer.
Quantas vezes já esse punhal de assassino te foi arrancada das mãos! Quantas vezes, por um mero acaso, ele te escapou e caiu aos pés, esse punhal que, sinceramente, não sei em que iniciações mistéricas e a que deus o terás tu consagrado, para julgares necessário cravá-lo no corpo do cônsul.

VII

E agora, que vida é esta que levas? Desejo neste momento falar-te de modo que se veja que não sou movido pelo rancor, que eu te deveria ter, mas por uma compaixão que tu em nada mereces. Entraste há pouco neste Senado. Quem, dentre esta tão vasta assembleia, dentre todos os teus amigos e parentes, te saudou? Se isto, desde que há memória dos homens, a ninguém aconteceu, ainda esperas que te insultem com palavras, quando te encontras esmagado pela pesadíssima condenação do silêncio? E que dizes ao facto de, à tua chegada, esse lugar ter ficado ao abandono, e ao facto de todos os consulares, que tantas vezes figuraram nos teus planos de assassínio, mal te havias sentado a seu lado, terem deixado deserta e vazia essa zona da bancada? Com que coragem, afinal, julgas tu que hás-de suportar tal afronta?
Se os meus escravos me temessem da maneira que todos os teus concidadãos te receiam, eu, por Hércules!, sentir-me-ia compelido a deixar a minha casa; e tu, a esta cidade, não pensas que é teu dever abandoná-la? E se eu me visse, ainda que injustamente, tão gravemente suspeito e detestado pelos meus concidadãos, preferiria ficar privado da sua vista a ser alvo do olhar hostil de toda a gente; e tu, apesar de reconheceres, pela consciência que tens dos teus crimes, que é justo e de há muito merecido o ódio que todos nutrem por ti, estás a hesitar em fugir da vista e da presença de todos aqueles a quem tu atinges na alma e no coração? Se teus pais te temessem e odiassem e tu não os pudesses apaziguar de modo nenhum, retirar-te-ias, penso eu, do seu olhar para outra qualquer parte. Pois agora é a Pátria, mãe comum de todos nós, que te odeia e teme, e sabe que desde há muito não pensas noutra coisa que não seja o seu parricídio; e tu, nem respeitarás a sua autoridade, nem acatarás as suas decisões, nem te assustarás com o seu poder?
Eis que ela a ti se dirige, ó Catilina, e, no seu silêncio, como que fala:
«Há vários anos já que nenhum crime se viu cometido senão por ti; nenhum escândalo, sem ti; só tu cometeste, sem castigo e com toda a liberdade, o assassínio de muitos cidadãos, a opressão e saque dos nossos aliados; só tu te atreveste não só a desprezar, mas até a subverter e a infringir as leis e os tribunais. Esses crimes de outrora, posto que não devessem ter sido suportados, eu os suportei como pude; mas agora, estar eu toda em sobressalto somente por causa de ti, ser Catilina objecto de medo ao mínimo ruído que surja, não se poder descobrir conjura alguma tramada contra mim em que não esteja implicada a tua intenção criminosa, não, isso é que não devo suportar. Por isso, vai-te daqui e afasta de mim este receio; se ele tem fundamento, para eu não andar oprimida; se é ilusório, para eu, enfim, deixar de uma vez esta vida de medo.»

VIII

Se tais palavras, como disse, a Pátria te pudesse dirigir, não deveria ela conseguir o seu intento, muito embora não pudesse fazer uso da força?
E que dizer do facto de tu próprio te haveres entregado sob guarda provisória e teres dito, a fim de evitares suspeitas, que desejavas ficar em casa de Mânio Lépido? Como este não te recebeu, até a mim tiveste cara de te dirigir e de me pedir que te guardasse em minha casa. E, como também de mim levaste a resposta de que eu não podia de modo nenhum sentir-me seguro contigo dentro das mesmas paredes, porquanto já eu corria grande perigo pelo facto de estarmos metidos dentro das mesmas muralhas, foste a casa do pretor Quinto Metelo. E, repudiado por ele, imigraste para casa do teu comparsa Marco Metelo, esse grande homem de quem pensaste, claro está, que havia de ser o mais cuidadoso em te guardar, o mais esperto para te vigiar e o mais enérgico para te defender. Mas em que medida parece justo estar afastado da prisão e das cadeias quem se julgou, por si mesmo, digno de detenção?
Uma vez que assim é, Catilina, se não és capaz de esperar pela morte de coração resignado. ainda hesitas em partir daqui para outras terras e em entregar ao exílio e à solidão essa vida, subtraindo-a a muitos castigos justos e merecidos?
«Propõe-no ao Senado», dizes tu. É isto, com efeito, o que reclamas, e dizes que, se esta Ordem de senadores vier a decidir que é sua vontade a tua partida para o exílio, estás na disposição de obedecer. Não, não vou propor uma coisa que é contra os meus princípios, mas, sim, farei com que vejas o que estes pensam acerca de ti. Sai de Roma, Catilina; liberta o Estado destas apreensões; parte para o exílio, se é esta a palavra de ordem que esperas. Então? Não vês? Não dás conta do silêncio dos presentes? Se estão calados, é porque consentem. Porque esperas pela autoridade das palavras, quando percebes muito bem pelo seu silêncio o que têm na vontade?
Ora, se eu tivesse dito estas mesmas palavras a um jovem tão cheio de qualidades como Públio Séstio aqui presente, se as tivesse dirigido a Marco Marcelo, varão da mais alta virtude, já o Senado, apesar de eu ser cônsul, teria, com plena justiça, lançado contra mim, neste mesmo templo, a sua força e o seu poder. A teu respeito, porém, Catilina, a sua imobilidade é uma aprovação; o seu consentimento, um decreto; o seu silêncio, um clamor. E não apenas estes aqui presentes, cuja autoridade tens, pelos vistos, em grande estima, mas a vida em vil apreço; também aqueles cavaleiros romanos, homens da maior honestidade e excelência, e os restantes cidadãos tão valorosos que de pé circundam este Senado, e de quem tiveste ensejo, há momentos, de ver não só a afluência, mas até de reconhecer claramente as disposições e ouvir distintamente os clamores. É com dificuldade que desde há muito detenho suas mãos e suas armas aparelhadas contra ti; mas, se abandonares estes sítios que há largo tempo pretendes devastar, é com facilidade que os poderei levar a escoltarem-te até às portas da cidade.

IX

Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te? Tu, como tentarás planear alguma fuga? Tu. como podes pensar nalgum exílio? Oxalá os deuses imortais te inspirassem tal propósito, muito embora eu veja que, se tu, apavorado com as minhas palavras, te decidires a partir para o exílio, uma enorme tempestade de ódios ameaça desabar sobre nós, se não no tempo presente, por causa da fresca lembrança dos teus crimes, pelo menos para o futuro. Vale, porém, a pena, desde que essa desgraça seja particular e se não misture com os perigos do Estado. Mas a ti, o que não se deverá exigir é que te afastes dos teus vícios, que alimentes profundo receio dos castigos da lei, que recues perante as conjunturas críticas da República. Nem tu, Caulina, és de molde que a vergonha te afaste da infâmia; ou o medo, do perigo; ou a razão, da loucura.
Por isso mesmo, parte, como já tantas vezes te disse, e, se pretendes, conforme apregoas, atear o ódio público contra mim, teu inimigo, avança já direito ao exílio; se o fizeres, muito me custará suportar a censura dos homens; se partires para o exílio por ordem do cônsul, muito me custará sentir o fardo dessa impopularidade. Se, porém, preferes servir o meu prestígio e a minha glória, sai juntamente com o indesejável bando dos celerados, refugia-te junto de Mânlio, convoca os cidadãos perversos, separa-te dos homens de bem, move guerra contra a Pátria, exulta com uma sacrílega revolta de bandidos, para que se veja que não foste expulso por mim para o meio de estranhos, mas, sim, convidado a partir para junto dos teus.
De resto, para quê convidar-te a isso, uma vez que tenho conhecimento de que tu enviaste homens à frente para te esperarem armados junto do Fórum de Aurélio, e sei que tu combinaste e fixaste a data com Mânlio, e sei que até enviaste à frente aquela famosa águia de prata", uma águia que, assim o espero, há-de tornar-se ruinosa e fatal para ti e para todos os teus, uma águia à qual esteve levantado em tua casa um criminoso santuário? Como é que tu poderás passar mais tempo sem aquela que costumavas adorar ao partir para a carnificina, tu que tantas vezes fizeste passar essa dextra sacrílega, do seu altar para a chacina de cidadãos?

X

Irás, enfim, de uma vez para sempre, para onde há muito tempo te arrastava essa tua paixão desenfreada. e louca, pois não é pesar o que esta partida te causa, mas um estranho e inacreditável prazer. Foi para semelhante loucura que a natureza te gerou, te preparou a vontade, e o destino te guardou. Tu, não só nunca desejaste o tempo de paz, mas nem sequer uma guerra que não fosse criminosa. Topaste uma corja de bandidos formada de gente perversa, enjeitada não só de toda a sorte, mas até de toda a esperança.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Evento de Carrington ou Tormenta Solar


Explosão de Massa Coronal que gera as Tempestades Solares. Imagem: Telegraph.co.uk
O Evento de Carrington ou Tormenta Solar de 1859 foi uma grande tempestade geomagnética provocada por ondas solares ocorrida em 2 de setembro de 1859. Seu nome provém de Richard Carrington, astrônomo inglês, especialista em manchas solares. Esta tormenta solar foi a mais potente já registrada pela história da humanidade. Causou falhas no serviço de telégrafo em toda a Europa e América do Norte. O evento parece ter sido notado em 28 de agosto de 1859 quando foi possível perceber auroras boreais por quase toda América do Norte. Observou-se imensas cortinas de luz de Maine até a Flórida.
A magnetosfera protege a superfície da Terra das partículas carregadas do vento solar. É comprimida no lado diurno (Sol) devido à força das partículas chegantes, e estendido no lado noturno. Imagem: http://www.space.com/

As erupções solares que provocam tormentas magnéticas podem causar danos nos sistemas dos satélites e de comunicação, bem como nas redes de energia. Alguns consideram até a possibilidade de um grande apagão e que poderiam ocorrer detonações atômicas espontâneas.
Um fenômeno suficientemente forte desestabilizaria, inclusive de forma catastrófica, uma boa parte da tecnologia global.
O mundo moderno, depende em excesso da rede satelites, de telecomunicações, aparelhos eletrônicos de todo tipo, tecnologias muito vulneráveis a variações espaciais.
Tempestade solar pode ser causa do apagão no Nordeste
O pulso eletromagnético detectado nos EUA teve origem após uma explosão solar ocorrida no dia 31 de Janeiro de 1989, quando uma grande quantidade de massa coronal foi ejetada da estrela (Sol). A maior parte dessas partículas seguiu em direção ao espaço, enquanto uma pequena parcela atingiu o campo magnético terrestre e pode ter provocado auroras nas latitudes médias e altas.


Vento Solar provindo das Explosões Solares que Ejetam Massa Coronal no espaço em direção da Terra. Imagem: http://www.space.com/

Exatamente nesse mesmo instante, quase toda a região Nordeste ficou às escuras. Segundo relatos feitos no site Painel Global, diversos carros e luzes também apresentaram funcionamento errático e intermitente, além de muita interferência nas estações de rádio.

Em boletim recebido do SWPC, Centro de Previsão de Tempo Espacial dos EUA, às 02h36 UTC (23h36 no Nordeste e 00h36 em Brasília), magnetômetros instalados em Boulder, no Colorado, registraram um repentino pulso eletromagnético de 8 nanoTeslas (Tesla é a unidade de medição de campos magnéticos). Para fins de comparação, o pulso eletromagnético registrado teve intensidade de 8 nanoTeslas. A maior tempestade solar já registrada ocorreu em setembro de 1859 e teve a intensidade estimada em 110 nanoTeslas. Essa tempestade ficou conhecida como Evento Carrington.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte V. Considerações finais.


O Pecado Original: desobediência a Lei de Deus...."do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal dessa não comereis por que no dia em de-la comeres certamente morrereis". Os Pelagianos não acreditavam que o pecado de Adão e Eva foram passados para seus descendentes pelo contrario cria que os homens eram livres para escolher entre o bem e o mal não sofrendo influência nenhuma da natureza desobediente de nossos primeiros pais. Essa crença se opunha contra todas as premissas da Salvação por meio de Cristo segundo a Graça Divina.
Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Chegamos ao final de nosso estudo sobre o Pelagianismo em suas implicações na vida da Igreja Cristã e dos cristãos do século IV e inicio do século V d.C. Agora analisaremos de forma ampla as questões que firmavam o pelagianismo como uma força religiosa que teve respeitável número de adeptos, mas como tal teve um grande adversário pela sempre por meio da Igreja Católica que firmava as premissas de sua fé na tradição Apostólica.

A convicção básica de Pelágio e seus seguidores consistiam em que a natureza do homem era correta e fundamentalmente imutável. Originalmente criados por Deus, reconhecia-se que os poderes da natureza humana tinham sido cerceados pelo peso dos hábitos passados e pela corrupção da sociedade. Mas essa constrição era puramente superficial. A “remissão dos pecados” no batismo podia significar para o cristão a recuperação imediata da plena liberdade de ação, que fora meramente suspensa pela ignorância e pelas convenções.

O homem pelagiano era, essencialmente, um indivíduo separado: o homem católico estava sempre prestes a ser tragado por vastas e misteriosas solidariedades. Para Pelágio, os homens haviam simplesmente resolvido imitar Adão, o primeiro pecador; para os católicos, eles recebiam sua fraqueza essencial da maneira mais íntima e irreversível que havia: nasciam pela mera realidade da descendência física desse pai comum da raça humana.

Para Pelágio o pecado humano era essencialmente superficial: era uma questão de escolha. As escolhas erradas podiam acrescentar uma certa “ferrugem” ao metal puro da natureza humana, mas uma escolha, por definição, era reversível. Para estes o autocontrole era suficiente: bastava defender a cidadela da decisão livre, escolhendo o bem e rejeitando o mal.

Por mais conscientemente cristão que fosse o movimento pelagiano, ele se apoiava solidamente no leito dos antigos ideais éticos do paganismo, sobretudo do estoicismo. Eles achavam que os bebês eram criados por Deus e, portanto, eram bons; que não poderiam ser amaldiçoados por não serem batizados; e “que o homem pode chegar à felicidade por seu livre-arbítrio respaldado pela bondade da natureza humana.” Pretendiam persuadir os homens como tinham feito os filósofos pagãos, de que eles poderiam atingir neste mundo uma “vida completa”, uma beata vita.

Os tratados de Pelágio soam vez por outra, como obras de teoria política racional. Seu Deus é um déspota esclarecido e os cristãos são bem providos de Sua legislação abundante. Pelágio indignava-se com o fato de os homens continuarem a descumprir as ordens de um soberano tão sensato e bem-intencionado:

“Depois de tantos avisos a vos chamar a atenção para a virtude, depois da entrega da Lei, depois dos profetas, do Evangelho e dos apóstolos, simplesmente não sei como Deus poderá vos demonstrar indulgência, se quiserdes cometer um crime.”

Pelágio presumia constantemente que a existência de um bom meio podia influenciar diretamente os homens para melhor. Segundo ele, a vontade dos homens podia ser “impactada” a agir pelo bom exemplo de Cristo e pela terrível sanção do fogo do inferno.

Havia um traço de frieza na mentalidade de todo o movimento pelagiano. Adão fora punido com a pena de morte por desrespeitar uma única proibição; e até ele era menos culpado do que nós, pois, não tivera o grande benefício da execução anterior de um ser humano para detê-lo.  A liberdade podia ser admitida como um fato: simplesmente fazia parte de uma descrição do ser humano feita pelo senso comum. Presumia-se que o homem fosse responsável (caso contrário, como poderiam seus pecados ser chamados pecaminosos?) e ele tinha consciência de exercer escolhas; portanto, insistia Pelágio, era livre para determinar seus atos.

“No começo, Deus instalou o homem e o deixou entregue a seu próprio arbítrio. (...) Colocou diante de ti a água e o fogo, para que estendas a mão para o que quiseres.”

Pelágio e seu discípulo Celéstio, julgavam poder argumentar diretamente a partir das realidades aceitas da escolha e da responsabilidade para completar a autodeterminação humana: “É coisa mais fácil do mundo” escreveu Celéstio, “mudar nossa vontade por um ato de vontade.” Para eles, a diferença entre os homens bons e maus era muito simples: uns escolhiam o bem, e outros o mal.

Para os católicos a liberdade não pode ser reduzida a um sentimento de escolha: trata-se de uma liberdade de agir plenamente. Tal liberdade deve envolver a transcendência do sentimento de opção. É que o sentimento de opção é sintoma da desintegração da vontade: a união final do conhecimento e do sentimento envolveria de tal maneira o homem no objeto de sua escolha, que qualquer outra alternativa seria inconcebível.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte IV: Papa Zózimo e o Imperador Honório dão a sentença final sobre o pelagianismo.


O personagem bíblico Jó era considerado pelos pelagianos um herói. Imagem: Arquivo pessoal CHH.

Chegamos à quarta parte de nosso estudo sobre o pelagianismo e sua influência na formação dos principais dogmas Católicos contra heréticos, pois sendo os mesmo uma ameaça que muito trabalho deu aos bispos católicos no século IV e V. No trabalho que se segue veremos a veemência pelagiana de alcançar a perfeição plena e harmônica entre alma e corpo de tal forma que segundo suas crenças poderiam manter-se livres de qualquer desobediência às leis sagradas por seu próprio esforço e dessa maneira deixando o clero católico consternado, pois desse modo os pelagianos excluíam Cristo de sua sociedade. Uma blasfêmia que não seria tolerada pela Igreja Cristã.

Pelágio escolhera bem os seus destinatários e, todos eles, tinham uma notável força de vontade ao romperem por completo com “o mundo”, frente ao opressivo sentimento de família que imperava na sociedade aristocrática do baixo Império Romano. A extraordinária obstinação desses jovens nobres afigurava-se um presságio seguro do futuro progresso na perfeição. Havendo usado sua força de vontade com um efeito tão poderoso, eles poderiam facilmente tornar-se seguidores fervorosos de Pelágio. E teriam dado a esse movimento de reforma a bênção da classe mais influente de leigos cristãos do mundo romano. Isso porque o pelagianismo podia afigurar-se um movimento com um projeto definido.

A Igreja Católica viu-se diante de pessoas que se acreditavam capazes de exortações urgentes, de exercer uma influência imediata no comportamento da sociedade.

Para os pelagianos, o homem não tinha desculpas para seus pecados nem para os males que o cercavam. Se a natureza humana era essencialmente livre e bem criada, e não perseguida por uma misteriosa fraqueza íntima, a razão da miséria geral dos homens devia ser externa, de algum modo, a seu verdadeiro eu; devia estar, em parte, na força restritiva dos hábitos sociais de um passado pagão, Tais hábitos podiam ser reformados. Assim, poucos autores do baixo-império foram tão francos em suas críticas à sociedade romana. Os trechos mais suaves das frias exortações dos pelagianos são os que descrevem o horror das execuções públicas, instando o cristão a:

“sentir a dor alheia como se fosse sua e a se comover até as lágrimas com as tristezas de outros homens.”

Jó era o herói dos pelagianos: ali estava um homem subitamente despojado dos artifícios da sociedade, e capaz de mostrar ao mundo o esqueleto nu de uma individualidade heroica. Não foi por consciência que essas ideias circularam entre homens que desejavam despojar-se de sua vasta riqueza.

Como muitos reformadores os pelagianos depositaram no indivíduo o peso assustador da liberdade completa: ele era responsável por todos os seus atos; portanto, todo pecado só podia ser um ato deliberado de desprezo a Deus.

Depois de 410, entretanto, a África tornou-se uma das únicas províncias em que se podia contar com o status quo. Talvez tenha sido mais do que coincidência o fato de as ideias pelagianas parecerem ter tido o máximo de repercussão justamente nas províncias em que os antigos estilos de vida foram afetados pelas invasões dos bárbaros: na Grã-Bretanha, no Sul da Itália.

As diferenças fundamentais entre Pelagianos e Católicos pode ramificar-se das questões mais abstratas da liberdade e da responsabilidade para o papel efetivo do indivíduo na sociedade do baixo império.  Mas, podemos distinguir fundamentalmente em duas concepções radicalmente diferentes da relação entre o homem e Deus. A Igreja Católica via nos bebês a extensão do desamparo encontrado neles e esta os impressionava. Já os pelagianos, desdenhavam os bebês. “Não há admoestação mais premente do que está: devemos ser chamados filhos de Deus”.

Ser “filho” era tornar-se uma pessoa inteiramente distinta, não mais dependente do pai, porém capaz de seguir por conta própria as boas ações ordenadas por ele. O pelagiano era emancipatus a deo – uma imagem brilhante, extraída da linguagem do direito romano de família: libertos dos direitos abrangentes e claustrofóbicos do pai de uma grande família sobre seus filhos, esse filhos teriam “atingido”. Como no direito romano, da dependência em relação ao pater familias, e podiam enfim lançar-se ao mundo como indivíduos maduros e livres, capazes de defender com feitos heroicos o bom nome de seus ilustres ancestrais: “Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai celestial.”

Pelágio angustiava-se com a hipótese de que sua mensagem austera fosse proscrita, se declarada herege. Os pelagianos achavam que a Igreja precisava de seus serviços: cabia mais a eles tolerar a negligência moral da Igreja católica, cujo populacho sempre rotularia de “heresia” qualquer opinião desagradável.

Para o homem médio, era difícil decidir se a linguagem usada por Pelágio era “herege”. “Heresia” significava erros quanto à natureza da Trindade, como os que haviam provocado à controvérsia ariana e, nesse aspecto, os pelagianos eram irrepreensíveis .

Os pelagianos sempre ameaçaram apelar para as igrejas orientais, com tradições mais liberais e muito diferentes. Vista de fora, a fundatissima fides parecia expressar meramente o rigor tacanho de uma igreja isolada.

Pelágio chegou a Terra Santa em meados de 415 e um sínodo de quatorze bispos se reuniu em Diópolis ficou claro para eles que as acusações deveriam ser descartadas.
Se a aceitação de Pelágio pareceu perfeitamente normal no Oriente, causou grande rebuliço no Ocidente. A misteriosa rede de adeptos de Pelágio certificou-se então de que seu relato do sínodo de Dióspolis chegasse ao mundo latino com espantosa velocidade. A conspiração destinada a prejudicá-lo fora reduzida a confusão; ele ficara com sua “ficha limpa”, e sua opinião de que os homens podiam existir sem pecado fora aprovada por bispos dos Lugares Santos.

Chegou então a vez da Igreja da África mostrar sua contra-demonstração. E está foi impressionante. Dois concílios foram realizados; um em Cartago e outro em Milevs e havia trezentos bispos católicos prontos para concordarem unanimemente com decretos redigidos por especialistas incontestáveis contra os ensinamentos pelagianos.

Assim no final de 416, Inocêncio bispo de Roma recebeu da África uma pilha realmente inusitada de documentos:

domingo, 27 de janeiro de 2013

Rio Grande do Sul em Luto. Incêndio na boate Kiss é o de maior número de mortos nos últimos 50 anos no Brasil.



A tragédia

O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, começou entre 2h e 3h da madrugada de domingo, quando a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna. 

Sem conseguir sair do estabelcimento, mais de 200 jovens morreram e outros 100 ficaram feridos. Sobreviventes dizem que seguranças pediram comanda para liberar a saída, e portas teriam sido bloqueadas por alguns minutos por funcionários.

A boate


Maior tragédia gaúcha teve pelo menos 233 vítimas confirmadas pela Brigada Militar e outras dezenas internadas em hospitais do Estado.

Localizada na Rua Andradas, no centro da cidade da Região Central, a boate Kiss costumava sediar festas e shows para o público universitário da região. A casa noturna é distribuída em três ambientes - além da área principal, onde ficava o palco, tinha uma pista de dança e uma área vip. De acordo com o comando da Brigada Militar, a danceteria estava com o plano de prevenção de incêndios vencido desde agosto de 2012. 

Plano de prevenção contra incêndios de boate estava vencido.

A danceteria Kiss, palco da tragédia em Santa  Maria, está com o Plano de Prevenção e Controle de Incêndios vencido desde agosto de 2012. A informação é do subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Altair Cunha, que é bombeiro de formação e está em Santa Maria para coordenar trabalhos de rescaldo do incêndio que matou mais de 200 pessoas na madrugada de domingo.

Os proprietários tinham pedido renovação do PPCI, mas ela ainda não foi concedida. É normal que se permita o funcionamento, enquanto espera a fiscalização verificar o novo plano, já que eles tinham um plano anterior aprovado — explica Altair.

O coronel confirma que a entrada e a saída da danceteria eram uma só. Ele diz que, apesar disso, o funcionamento pode ser autorizado quando os proprietários do estabelecimento comprovam que a largura dessas vias de acesso é suficiente para deixar passar um grande número de pessoas, o que seria o caso da Kiss.

Tem de checar agora outras coisas: se as portas foram abertas na hora da confusão, como deveriam. Se os extintores funcionaram e assim por diante — ressalta o subcomandante da BM.

Testemunhos colhidos pela Polícia Civil indicam que as portas de saída não estavam totalmente abertas, na hora em que o incêndio começou a se propagar. Por isso, muita gente teria buscado refúgio nos banheiros, onde acabou morrendo por asfixia ou pisoteada.

Segundo o capitão da Brigada Militar (BM) Edi Paulo Garcia, a boate Kiss teria apenas uma saída. De acordo com Garcia, 90% dos corpos estariam nos dois banheiros da boate — um feminino e outro masculino. Ainda conforme Garcia, aqueles que não morreram pelo fogo, foram vítimas de asfixia (em função da forte fumaça) ou foram pisoteados.

O proprietário


Kiko Spohr, proprietário da boate Kiss.

O dono da boate Kiss, o empresário Kiko Spohr, é Ator, cantor e empresário, e sócio do empresário Mauro Hoffmann. No Facebook, amigos de Kiko sugerem que ele venha a público explicar o que aconteceu. Vemos nessa tragédia como uma grande irresponsabilidade dos órgãos municipais do município de Santa Maria-RS, principalmente da defesa civil do município e do próprio proprietário, pois ele esta lidando com seres humano, são vidas humanas que estão se divertindo, que precisam de total segurança.

A tragédia, que teve repercussão internacional, é considera a maior da história do Rio Grande do Sul e o maior número de mortos nos útimos 50 anos no Brasil. 

Entre os incêndios, o incidente na boate Kiss é o que teve mais vítimas nos últimos 50 anos. Até o momento já foram confirmados 233 mortos e outras dezenas de feridos.

De acordo com levantamento feito por Zero Hora, o incêndio só é superado na história brasileira pela tragédia ocorrida em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1961. Na ocasião, 503 pessoas morreram após um circo com cerca de 3 mil espectadores pegar fogo, conforme o livro-reportagem O Espetáculo Mais Triste da Terra, do jornalista Mauro Ventura.

O coronel Humberto de Azevedo Viana Filho, secretário nacional da Defesa Civil, chegou a Santa Maria na tarde deste domingo. Ele compara a tragédia da boate Kiss com os deslizamentos no Rio de Janeiro, em 2011, que vitimaram mais de 900 pessoas e deixaram mais de 200 desaparecidos até hoje. Para o secretário, o que mais surpreende no caso é o número de mortos em espaço reduzido:

— Este evento só ressalta que devemos estar preparados em todos os municípios. É um momento de solidariedade e muita dor, e temos de ter prudência na avaliação dos dados.

Desde então, nenhuma tragédia se aproxima do número de vítimas do incêndio santa-mariense. A tragédia ocorrida na madrugada deste domingo teve 63 vítimas a mais do que a do edifício Joelma, em São Paulo, em 1974, e cinco vezes mais mortos que o incêndio nas lojas Renner, em Porto Alegre, em 1976.
Entre os incêndios ocorridos em locais fechados, como boates ou cinemas, o caso pode ser incluído no ranking das piores tragédias do mundo. Dois incidentes na China, em 1994, registram um número maior de mortos em situações semelhantes. O incêndio na boate Kiss supera, em número de vítimas fatais, até mesmo o caso da casa de shows Republica Cromañón, em Buenos Aires, em 2008. Naquela ocasião, a causa também foi o uso de fogos de artifício.

O incidente é comparável a catástrofes naturais, que atingem uma área muito mais ampla e um maior número de pessoas. Nas enchentes que atingiram Santa Catarina em 2008, por exemplo, morreram 98 pessoas menos. Dados coletados desde 1900 pelo Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres, da ONU, com sede na Bélgica, apontam que este incêndio ocorrido no Estado também supera o número de mortos por deslizamento no Rio de Janeiro, em 2010.

Em informações preliminares, foi dito que o número de vítimas chegaria a 245 pessoas. O major do Batalhão de Operações Especiais (BOE), Cleberson Braida Bastianello, corrigiu o número de mortes confirmados para 233.

FONTE:



sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte III: o Estado Romano, a Igreja Católica e os Pelagianos!



Pelagianismo. Imagem: Ministério Bereia.

Dando continuidade ao nosso estudo sobre as “Questões acerca do Pelagianismo”, avaliaremos nesta postagem sua compreensão da desobediência no pecado original e a hereditariedade da culpa trazida a todos os humanos, que como tais são descendentes de nossos primeiros pais Adão e Eva. E como consequência a compreensão dos pelagianos dos escritos canônicos ante os Católicos.

Quando analisamos a vida dos cristãos abastados do baixo Império Romano vemos que como tais continuavam a fazer parte de uma classe dominante comprometida com a manutenção das leis do império, mediante a imposição de castigos brutais. Estavam dispostos a lutar com unhas e dentes para proteger suas vastas propriedades e, à mesa de jantar, eram capazes de discutir tanto a mais recente opinião teológica, pela qual se orgulhavam como especialistas, quanto o tipo de punição judicial que houvesse acabado de infligir a algum assassino/estuprador.

Nessa confusão, a mensagem dura e firme de Pelágio surgia como uma libertação. Ele oferecia ao indivíduo a certeza absoluta, pela obediência absoluta. Podemos perceber isso na carta de um homem que se viu subitamente sob a influência de uma dama da nobreza, figura dominante de um grupo de entusiastas pelagianos na Sicília.

“Quando morava em minha terra, eu pensava ser um adorador de Deus. (...) Agora, pela primeira vez, comecei a saber como posso ser um verdadeiro cristão.(...) É fácil dizer que conheço Deus, creio em Deus, temo a Deus e sirvo a Deus. Mas não se conhece Deus quando não se acredita n’Ele; e não se acredita n’Ele a menos que se o ame; e não se ode dizer que se O ama, quando não se O teme quando não se O serve; e não se pode dizer que se serve a Deus quando se desobedece a Ele em qualquer aspecto. (...) Quem crê em Deus obedece a Suas ordens. Isto é amar a Deus: fazer o que Ele ordena.”

Era uma época séria. Os imperadores, ao insistirem no cumprimento de suas leis, usavam a mesma linguagem desesperada que Pelágio empregava ao falar das leis de Deus. Os homens que liam os textos pelagianos haviam acabado de assistir a uma série de acontecimentos que tinham abalado a confiança de toda uma classe: expurgos brutais, a ruína de famílias inteiras, assombrosos assassinatos políticos e, mais tarde, os horrores de uma invasão bárbara. Mas, enquanto alguns eram impelidos para o retraimento por essas catástrofes, os pelagianos pareciam determinados a se voltar para fora, a reformar toda a Igreja Cristã. Este foi o aspecto mais notável de seu movimento: o estreito fluxo de perfeccionismo que empurrara os nobres seguidores de Jerônimo para Belém, levara Paulino de Nola e Agostinho, de Milão, para uma vida de pobreza na África de repente voltou-se para fora nos escritos pelagianos, de modo a abarcar toda a Igreja Cristã:

“Decerto não é verdade que a Lei da conduta cristã não foi formulada para todos aqueles que se chamam cristãos. (...) Porventura credes que as fogueiras do Inferno arderão com menos calor para os homens que têm permissão (como governadores) de dar vazão a seu sadismo, e que só ficarão mais quentes para aqueles cujo dever profissional é serem devotos? (...) Não pode haver dois padrões num único e mesmo povo.“

Em toda a literatura do baixo Império Romano, esse é o protesto mais pungente contra a pressão sutil, experimentada pelos bispos católicos, para que se deixassem a vida cristã para os santos reconhecidos e se continuasse a levar a vida de homens comuns, como pagãos. Pelágio  queria que todos os cristãos fossem monges..

É que os pelagianos ainda pensavam na Igreja cristã como um pequeno grupo num mundo pagão. Estavam preocupados em dar um bom exemplo: o “sacrifício do louvo”, matéria tão íntima para os bispos católicos, significava, para os pelagianos, o louvor da opinião pública pagã, que seria conquistada pela Igreja como instituição composta por homens perfeitos. Foi nisso, é claro, que o movimento pelagiano afetou a Igreja Católica intimamente. Para a Igreja cristã, era como se as novas afirmações dos pelagianos de que poderiam chegar a uma Igreja “sem mácula nem imperfeição” meramente dessem continuidade à asserção dos donatistas de que só eles pertenciam justamente a essa Igreja.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte II: A teologia da alma perfeita!



A alma humana! Para os Católicos tende ao pecado desde o nascimento, e para os pelagianos pura desde o nascimento e pode assim permanecer durante toda a vida do fiel pelagiano! Imagem. Getty Imagens.

Pelágio era um homem que se aborrecia com os escritos dos bispos católicos que ensinavam o nascimento em pecado e a necessidade do batismo para arrependimento e salvação. Entrou em choque com bispos por várias vezes, como Paulino de Nola, numa discussão subsequente a uma leitura das ternas passagens do Livro X, das Confissões de Agostinho de Hipona;

“Ordenai o que quiserdes, doai o que ordenardes.”

 Essa frase parecia toldar, por intermédio de atos pessoais de favoritismo, a majestade incorruptível de Deus como Legislador. O sentimento de que a onda da opinião pública estava-se voltando rapidamente contra ele, em favor de uma tolerância do pecado como “extremamente humano”, arrancou-lhe um panfleto enraivecido e sem meias palavras, Sobre a natureza. Tempos, depois esse mesmo texto foi usado como uma valiosíssima prova em sua argumentação contra Pelágio, pelos bispos católicos.

Em 412 d.C, o britânico Pelágio tornou a partir, desta vez para a Terra Santa; ficaria conhecido apenas por seus livros: Sobre a Natureza, e, Carta, que evidentemente os impressionou. Trata-se de uma intrigante imagem dupla: em uma ele era o teólogo otimista de Sobre a natureza; para outros, era o asceta ardoroso que escrevera uma admoestação para as famílias.

Mas foi Celéstio quem provocou a crise na África, não Pelágio. Tão logo chegou a Cartago, ele interveio confiantemente nos debates em curso, que pareciam tocar no mistério perene da origem da alma, e passou aos problemas afins da solidariedade da raça humana no pecado de Adão, pois, por exemplo, como poderia a alma “nova em folha” de um indivíduo ser considerada culpada do ato distante de uma outra pessoa? Essas discussões tocaram na necessidade do batismo infantil. E foi aí que os argumentos pelagianos depararam com seu primeiro obstáculo sério.

Os bispos que haviam passado anos defendendo a necessidade absoluta e a singularidade do batismo conferido por eles na Igreja Católica, e que, na biblioteca dos bispos de Cartago, podiam consultar uma carta de São Cipriano que insistia no batismo dos bebês recém-nascidos, não estavam dispostos a tolerar tais especulações.

Celéstio foi denunciado quando se candidatou ao sacerdócio. As seis proposições condenadas que ele se recusou a retirar viriam a constituir, ao lado de Sobre a Natureza, de Pelágio, a base da argumentação católica contra Pelágio. Para a Igreja, esses eram os capitula capitalia, pois tais proposições bastariam para “enforcar” Pelágio, caso se admitisse que o radicalismo de Celéstio, o discípulo, era apenas a extensão lógica das opiniões secretas de seu mestre.

Para os bispos católicos da África o Pelagianismo sempre foi um conjunto de ideias, de disputationes, “argumentos”. Mas, em Roma no entanto, tais ideias haviam desencadeado um “movimento”. Pelágio tinha um corpo de adeptos tenazes e bem situados. Estes se certificavam de que suas cartas circulassem com surpreendente rapidez e de que ele se mostrasse decidido a buscar um lugar para suas ideias dentro da Igreja Católica. Suprimiam-no de entusiastas que compunham “células” pelagianas em locais tão distantes quanto a Sicília, a Grã-Bretanha e Rodes. Hoje podemos apreciar as motivações desses homens e, portanto, podemos avaliar o papel desempenhado pelo pelagianismo numa das crises mais dramáticas da Igreja Cristã no Ocidente.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte I: Pelágio e a perfeita natureza humana.



Pelágio da Bretanha. Imagem: 
Gram Enciclopédia Rialp. Pelágio y Pelagianismo. Tomo XVIII. 


No decurso de dois mil anos o cristianismo passou por diversos acontecimentos que suporão poder abalar a unidade da fé cristã. Desde as grandes perseguições realizadas pelos imperadores pagãos de Roma aos grandes debates teológicos com supostas novas e singulares ideias sobre a interpretação das Escrituras Sagradas. Neste estudo em particular abordarei com vocês o surgimento e desenvolvimento do Pelagianismo e suas implicações no cristianismo do recentemente convertido mundo romano. Convido a todos que embarquemos nesse estudo histórico sobre os diversos ramos cristãos que desejaram assumir a frente da Igreja como um todo durante sua aurora.

Após o ano de 410 d.C, o Império Romano teve suas fundações abadas pela invasão dos Visigodos Arianos comandados pelo Rei Alarico, que destruíram e saquearam Roma. Neste ínterim as famílias nobres de Roma viram-se momentaneamente empurradas para as portas ao Sul do Império. E, como podemos ver, a chegada de milionários excêntricos causou grande agitação ao Norte da África Romana.

Pelágio, um homem que se mudara com seus vizinhos e parentes cristãos, levaria sua controvérsia que viria a lhe garantir uma reputação realmente internacional. Sabemos pouco sobre Pelágio, ele nascerá na província da Grã-Bretanha e havia indo para Roma, aonde pós os pés na Itália pela primeira vez em 383 d.C. Pelágio permaneceu em Roma aonde levava uma vida de um sério leigo batizado por mais de trinta anos.

Vivendo em uma cidade constantemente visitada por monges do leste do Mediterrâneo, Pelágio observava de perto as perturbações que as questões teológicas de todas as partes do mundo influíam na Roma Cristã. Acima de tudo, esse leigo e seus partidários teriam ouvido padres manterem a mente aberta a respeito de questões que um bispo africano teria passado a tratar como encerradas desde muito antes.  Pelágio em Roma, chegou ao apogeu num mundo em que os leigos cristãos cultos exerciam mais influência do que em qualquer época anterior.

Homens e mulheres leigos haviam se tornado apóstolos destacados do novo movimento ascético: eram os destinatários ilustres de cartas de Paulino de Nola, Agostinho e Jerônimo; suas concepções teológicas eram respeitadas, sua proteção era buscada e suas mansões eram postas à disposição de santos e peregrinos vindos do mundo inteiro. Pelágio havia se juntado a esses homens em discussões sobre São Paulo. Tais discussões tinham constituído a base de suas Exposições das Cartas de São Paulo, a fonte mais segura de suas ideias teológicas, e, dirigido-se a tais homens, ele havia aperfeiçoado uma arte idealmente apropriada para transmitir suas ideias – a difícil arte de escrever cartas formais de exortação. Essas cartas eram admiradas nos mesmo círculos que deviam ler Jerônimo e Paulino de Nola. As cartas de Pelágio se destacavam por ser “bem redigidas e diretas”, por sua “facúndia” e sua “acrimônia”.

Com efeito, passamos a conhecer Pelágio muito melhor pela qualidade literária de suas cartas, sobretudo pela acrimônia que deu o tom de todo o movimento pelagiano, do que o conhecêramos antes, pelas proposições teológicas em função das quais ele ganhou fama de herege.

Em suas cartas podemos ver uma declaração deliberada e fartamente divulgada de suas mensagens. Suas mensagens eram simples e apavorantes como o exemplo que se segue: “já que a perfeição é possível para o ser humano, ela é obrigatória.” Pelágio nunca duvidou, nem por um momento, de que a perfeição fosse obrigatória; seu Deus era, acima de tudo, um Deus que ordenava obediência sem questionamento.


Pelágio da Bretanha. Imagem: Gram Enciclopédia Rialp. Pelágio y Pelagianismo. Tomo XVIII. 

Um Deus que fazia os homens executarem suas ordens e condenaria ao fogo do inferno qualquer um que não cumprisse uma só dentre elas. Mas o que Pelágio estava interessado em defender, com fervor especial, era que a natureza humana fora criada para que se atingisse tal perfeição: “Toda vez que tenho de falar em ditar normas para o comportamento e a conduta de uma vida santa, sempre assinalo, antes de mais nada, o poder e o funcionamento da natureza humana, e mostro o que ela é capaz de fazer (...), para não dar impressão de estar desperdiçando meu tempo, chamando as pessoas e enveredarem por um caminho que elas considerem impossível percorrer.”