O personagem bíblico Jó era considerado pelos pelagianos um herói. Imagem: Arquivo pessoal CHH.
Chegamos à quarta parte de
nosso estudo sobre o pelagianismo e sua influência na formação dos principais
dogmas Católicos contra heréticos, pois sendo os mesmo uma ameaça que muito
trabalho deu aos bispos católicos no século IV e V. No trabalho que se segue veremos a
veemência pelagiana de alcançar a perfeição plena e harmônica entre alma e corpo de tal forma
que segundo suas crenças poderiam manter-se livres de qualquer desobediência às
leis sagradas por seu próprio esforço e dessa maneira deixando o
clero católico consternado, pois desse modo os pelagianos excluíam Cristo de
sua sociedade. Uma blasfêmia que não seria tolerada pela Igreja Cristã.
Pelágio escolhera bem os seus destinatários e, todos eles, tinham
uma notável força de vontade ao romperem por completo com “o mundo”,
frente ao opressivo sentimento de família que imperava na sociedade
aristocrática do baixo Império Romano. A extraordinária obstinação desses
jovens nobres afigurava-se um presságio seguro do futuro progresso na
perfeição. Havendo usado sua força de vontade com um efeito tão poderoso, eles
poderiam facilmente tornar-se seguidores fervorosos de Pelágio. E teriam dado a
esse movimento de reforma a bênção da classe mais influente de leigos cristãos
do mundo romano. Isso porque o pelagianismo podia afigurar-se um movimento com um projeto
definido.
A Igreja Católica viu-se
diante de pessoas que se acreditavam capazes de exortações urgentes, de exercer
uma influência imediata no comportamento da sociedade.
Para os pelagianos, o homem
não tinha desculpas para seus pecados nem para os males que o cercavam. Se a natureza
humana era essencialmente livre e bem criada, e não perseguida por uma
misteriosa fraqueza íntima, a razão da miséria geral dos homens
devia ser externa, de algum modo, a seu verdadeiro eu; devia estar, em parte,
na força restritiva dos hábitos sociais de um passado pagão, Tais hábitos podiam
ser reformados. Assim, poucos autores do baixo-império foram tão francos em
suas críticas à sociedade romana. Os trechos mais suaves das frias exortações
dos pelagianos são os que descrevem o horror das execuções públicas, instando o
cristão a:
“sentir a dor alheia como se fosse sua e a se comover até as
lágrimas com as tristezas de outros homens.”
Jó era o herói dos pelagianos: ali estava um homem
subitamente despojado dos artifícios da sociedade, e capaz de mostrar ao mundo
o esqueleto nu de uma individualidade heroica. Não foi por consciência que
essas ideias circularam entre homens que desejavam despojar-se de sua vasta
riqueza.
Como muitos reformadores os pelagianos
depositaram no indivíduo o peso assustador da liberdade completa: ele era
responsável por todos os seus atos; portanto, todo pecado só podia
ser um ato deliberado de desprezo a Deus.
Depois de 410, entretanto, a
África tornou-se uma das únicas províncias em que se podia contar com o status
quo. Talvez tenha sido mais do que coincidência o fato de as ideias pelagianas
parecerem ter tido o máximo de repercussão justamente nas províncias em que os
antigos estilos de vida foram afetados pelas invasões dos bárbaros: na
Grã-Bretanha, no Sul da Itália.
As diferenças fundamentais
entre Pelagianos e Católicos pode ramificar-se das questões mais abstratas da
liberdade e da responsabilidade para o papel efetivo do indivíduo na sociedade
do baixo império. Mas, podemos
distinguir fundamentalmente em duas concepções radicalmente diferentes da
relação entre o homem e Deus. A Igreja
Católica via nos bebês a extensão do desamparo encontrado neles e esta os
impressionava. Já os pelagianos, desdenhavam os bebês. “Não há
admoestação mais premente do que está: devemos ser chamados filhos de Deus”.
Ser “filho” era tornar-se
uma pessoa inteiramente distinta, não mais dependente do pai, porém capaz de seguir por conta
própria as boas ações ordenadas por ele. O pelagiano era emancipatus
a deo – uma imagem brilhante, extraída da linguagem do direito romano
de família: libertos
dos direitos abrangentes e claustrofóbicos do pai de uma grande família sobre
seus filhos, esse filhos teriam “atingido”. Como no direito romano,
da dependência em relação ao pater familias, e podiam enfim lançar-se ao
mundo como indivíduos maduros e livres, capazes de defender com
feitos heroicos o bom nome de seus ilustres ancestrais: “Sede perfeitos, como perfeito é
vosso Pai celestial.”
Pelágio angustiava-se com a hipótese de que sua mensagem austera
fosse proscrita, se declarada herege. Os pelagianos achavam que a
Igreja precisava de seus serviços: cabia mais a eles tolerar a negligência
moral da Igreja católica, cujo populacho sempre rotularia de “heresia” qualquer
opinião desagradável.
Para o homem médio, era difícil decidir
se a linguagem usada por Pelágio era “herege”. “Heresia”
significava erros quanto à natureza da Trindade, como os que haviam provocado à
controvérsia
ariana e, nesse aspecto, os pelagianos eram irrepreensíveis .
Os pelagianos sempre
ameaçaram apelar para as igrejas orientais, com tradições mais liberais e muito
diferentes. Vista de fora, a fundatissima fides parecia expressar
meramente o rigor tacanho de uma igreja isolada.
Pelágio chegou a Terra Santa em meados de 415 e um sínodo de
quatorze bispos se reuniu em Diópolis ficou claro para eles que as acusações
deveriam ser descartadas.
Se a aceitação de Pelágio pareceu perfeitamente
normal no Oriente, causou grande rebuliço no Ocidente. A misteriosa
rede de adeptos de Pelágio certificou-se então de que seu relato do sínodo de Dióspolis chegasse ao mundo
latino com espantosa velocidade. A conspiração destinada a prejudicá-lo fora
reduzida a confusão; ele ficara com sua “ficha
limpa”, e sua
opinião de que os homens podiam existir sem pecado fora aprovada por bispos dos
Lugares Santos.
Chegou então a vez da Igreja
da África mostrar sua contra-demonstração. E está foi impressionante. Dois concílios
foram realizados; um em Cartago e outro
em Milevs e havia trezentos bispos
católicos prontos para concordarem unanimemente com decretos redigidos por
especialistas incontestáveis contra os ensinamentos
pelagianos.
Assim no final de 416, Inocêncio bispo de Roma
recebeu da África uma pilha realmente inusitada de documentos:
1-Duas condenações rigorosamente justificadas
das ideias pelagianas, provenientes de dois sínodos católicos de Milevis e
Cartago;
2-Uma longa carta pessoal de Aurélio ,
Agostinho e Alípio.
3-Um anexo contendo um exemplar notório de
Pelágio Sobre a Natureza.
4-Uma carta dirigida a Pelágio, com a
implicação de que o leigo orgulhoso não se dignara abrir uma correspondência
que lhe fora enviada pelo bispo de Hipona Agostinho.
Pela primeira vez Pelágio e
seu discípulo Celéstio foram condenados em conjunto, mostrando que as
consequências últimas de suas ideias atingiam as raízes da autoridade
episcopal. Se a natureza humana era tão perfeita que não precisava orar para
pedir ajuda, que aconteceria com a bênção dos bispos? Que aconteceria, acima de
tudo, com a oração especial de Cristo para Pedro, “para que tua fé não vacile”?
Na Itália os pelagianos
haviam feito tantos inimigos quanto antes haviam conquistado adeptos. Sendo que em 30 de
abril de 418, o Papa Zózimo condenou a heresia os ensinamentos
pelagianos em sua famosa condenação Epistula Tractatoria, que veio a
reforça a postura já afirmada pelo Imperador Honório que expulsava os líderes
pelagianos das fronteiras do Império Romano.
Continua...
Leandro Claudir
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