Cena do Documentário Soldado de Deus.
O Levante
de 11 de Maio de 1938, que injustamente passou à História como “Intentona
Integralista” ou “’Putsch’ Integralista”, foi à única reação armada contra a
ditadura imposta ao País por Getúlio Dornelles Vargas a 10 de novembro de 1937,
até a deposição deste pelos militares, em outubro de 1945, e resultou, na
verdade, de uma ampla conspiração interpartidária contra o regime de exceção
estadonovista. Tal conspiração, tendo como líder o General Castro Júnior,
reuniu diversas lideranças civis e militares, tanto liberais quanto
integralistas, bem como alguns militares que, embora não fossem liberais ou
integralistas, também estavam descontentes com os rumos que vinha tomando a
ditadura varguista.
Antecedentes históricos
Plínio Salgado. Chefe Nacional!
Em 1930, quando triunfou a chamada “Revolução de Outubro”, com a deposição do
Presidente Washington Luís pela Junta Militar formada por seus próprios
generais, que entregaram o poder a Getúlio Vargas, líder máximo dos
revolucionários, este, revogando a Constituição de 1891, deu início a um
governo discricionário.
A 11 de novembro de 1930, Getúlio Vargas, na qualidade de Chefe do Governo
Provisório, decretou a dissolução do Congresso Nacional, das assembléias
estaduais e das câmaras municipais. No dia seguinte, os coronéis João Alberto e
Mendonça Lima e o General Miguel Costa criaram a Legião Revolucionária de São
Paulo. Nesta época surgiam, em todo o País, outras associações igualmente
preocupadas em dar um novo rumo ao Brasil, realizando as reformas de que ele
tanto carecia. Dentre estas associações, também chamadas de “Legiões de
Outubro”, podemos citar o Clube 3 de Outubro, a Legião 5 de Julho e a Legião
Liberal Mineira, mais conhecida como Legião Mineira, que, organizada por
Francisco Campos, Gustavo Capanema e Amaro Lanari, desfilou defronte ao Palácio
da Liberdade, onde o Interventor de Minas Gerais, Olegário Maciel, se
apresentou, de uma sacada, usando a camisa parda dos legionários por baixo do
paletó.
A 03 de março de 1931 foi divulgado, pelo periódico “O Jornal”, do Rio de
Janeiro, o Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, escrito por Plínio
Salgado e publicado também em “O Estado de São Paulo” em suas edições dos dias
05 e 06 de março daquele ano.
O Manifesto de Plínio Salgado, pretendendo traçar à Nação Brasileira uma
diretriz clara e definida em face dos problemas fundamentais de nossa Pátria e
podendo, em virtude de seu conteúdo, ser considerado já um Manifesto
Integralista, foi elogiado por Oliveira Vianna, Tristão de Athayde (Alceu
Amoroso Lima), Octavio de Faria e Azevedo Amaral, dentre outros intelectuais de
igual ou menor estatura.
Ainda em 1931, surge, em São Paulo, o jornal “A Razão”, que, tendo Alfredo
Egydio de Souza Aranha como proprietário e Plínio Salgado como presidente, em
pouco tempo se tornou, graças, sobretudo, a este, “o mais perfeito e elevado de
quantos hajam sido fundados no Brasil”, na expressão de Virgínio Santa Rosa.
Foi em “A Razão” - matutino que teve entre seus colaboradores intelectuais da
estirpe de San Tiago Dantas, Paulo Setúbal, João Carlos Fairbanks, Mário
Graciotti, Nuto e Leopoldo Sant’Anna, Silveira Peixoto e Alpínolo Lopes Casali
– que Plínio Salgado – por meio do artigo de abertura diário, intitulado “Nota
Política”, transcrito no jornal “Era Nova”, da Bahia, e em jornais do Ceará e
lido com entusiasmo de Norte a Sul do Brasil e mesmo no exterior – revelou o
brilhante sociólogo que vivia embuçado no igualmente brilhante romancista,
sendo saudado por Tristão de Athayde como a principal revelação do ano.
A 24 de fevereiro de 1932, quando milhares de pessoas participavam, na Praça da
Sé, no Centro de São Paulo, do comício promovido pela Liga Paulista Pró-Constituinte
para celebrar o quadragésimo aniversário da Constituição de 1891, um grupo de
intelectuais se reunia, sob a liderança de Plínio Salgado, para organizar a
Sociedade de Estudos Políticos (SEP), cuja assembléia de fundação seria
realizada a 12 de março daquele ano, no Salão de Armas do Clube Português, à
Avenida São João.
A SEP foi uma organização que reuniu dezenas de homens de pensamento e de ação
e que a partir do estudo de nossa realidade e de nossos problemas, bem como dos
ensinamentos de pensadores nacionais e estrangeiros, estabeleceu um novo
caminho para o Brasil, caminho que, caso seguido, salvá-lo-ia da balbúrdia que
nele imperava desde o crepúsculo do Império, o reconduzindo à sua vocação
histórica, às bases morais de sua formação, e o transformando numa Nação
verdadeiramente grande, unida, próspera, feliz e soberana.
A 23 de maio daquele conturbado ano de 1932, o jornal “A Razão”, injustamente
acusado de ser contrário à reconstitucionalização do País, foi empastelado e
incendiado durante os distúrbios que culminaram no ataque da sede da Legião
Revolucionária e na morte dos estudantes Mário MARTINS de Almeida, Euclides
Bueno MIRAGAIA, DRÁUSIO Marcondes de Sousa e Antônio Américo de CAMARGO, cujas
iniciais dos nomes pelos quais eram mais conhecidos deram origem à sigla MMDC,
que se tornou o nome do mais importante movimento em prol da
reconstitucionalização do Brasil.
Foi durante aquele mês de maio que Plínio Salgado redigiu o Manifesto que
entraria para a História como “Manifesto de Outubro”, mês de sua divulgação,
que não se deu antes por conta da Revolução Constitucionalista de 09 de julho
de 1932, já iminente, como sabia Cândido Mota Filho, que a respeito disto
alertou Plínio em junho daquele ano, quando fora aprovado pela SEP o anteprojeto
do Manifesto Integralista do consagrado autor de “O estrangeiro” e “O
esperado”.
O Manifesto de Outubro, cuja mensagem se espalhou pelo País, de Norte a Sul,
feito um rastilho de pólvora, se inspira, antes e acima de tudo, nos
ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de
pensadores e escritores brasileiros como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson
de Figueiredo, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Pandiá Calógeras, Oliveira
Lima, Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Rui Barbosa, Eduardo Prado, Conde de
Afonso Celso, Domingos Jaguaribe, José de Alencar e Graça Aranha, nos poemas
patrióticos e nas campanhas cívicas de Olavo Bilac e nas poesias de Gonçalves
Dias, Castro Alves e outros poetas nacionalistas.
Sustentando a concepção integral do Universo e do Homem, a Revolução Interior,
os valores fundamentais da Nacionalidade, a Democracia Integral, ou Democracia
Orgânica, o Municipalismo, a revalorização da Autoridade, pressuposto à
existência da autêntica Liberdade, a Harmonia Social e a Harmonia Étnica e o
Estado Ético-Integral, ao mesmo tempo antitotalitário e anti-individualista e
caracterizado, sobretudo, pelo respeito à intangibilidade do Ente Humano, de
seu Livre-arbítrio e dos Grupos Naturais dele procedentes, o Manifesto de
Outubro já trata, ainda que de maneira sucinta, de todos os princípios básicos
da Doutrina Integralista, depois aprofundados em inúmeros livros, manifestos,
artigos e discursos de Plínio Salgado e de outros doutrinadores integralistas.
Entre outubro de 1932 e novembro de 1937, o Integralismo teve um crescimento
espantoso, conquistando centenas de milhares de adeptos e outras tantas de
simpatizantes nas mais variadas religiões, etnias e classes sociais,
tornando-se a Ação Integralista (AIB) o primeiro “partido de massas” do País e
o primeiro partido de âmbito nacional desde a implantação da República e
reunindo a extraordinária plêiade de intelectuais a que Gerardo Mello Mourão
chamou o “mais fascinante grupo da inteligência do País”.
Os atentados perpetrados pelos comunistas, sicários do imperialismo
russo-soviético de Stálin ou da IV Internacional de Trótski, bem como as
perseguições empreendidas por governadores como Juracy Magalhães, da Bahia, e
Lima Cavalcanti, de Pernambuco, em vez de conter o avanço do Integralismo,
ajudaram este Movimento a crescer, de forma análoga ao que ocorrera com o
Cristianismo sob as perseguições sofridas em Roma, sobretudo ao reinado de
Nero.
Em maio de 1937, os integralistas decidiram, por meio de um plebiscito, qual
seria o seu candidato às eleições presidenciais que ocorreriam em janeiro do
ano seguinte. Plínio Salgado, que obteve 846.354 votos, foi o escolhido.
As eleições presidenciais, a que concorreriam, ainda, Armando de Sales Oliveira
e José Américo de Almeida, não foram, porém, realizadas, uma vez que Getúlio
Vargas, se aproveitando da divulgação do “Plano Cohen” – farsa criada por Góis
Monteiro, que se apoderou de um documento escrito por Olympio Mourão Filho,
simulando como seria uma revolução comunista, e o divulgou como se verdadeiro
fosse - instaurou, a 10 de novembro de 1937, o Estado Novo.
A 03 de dezembro de 1937, Getúlio Vargas - que, ao criar o Estado Novo, fechara
o Congresso e revogara a Constituição de 1934, outorgando nova Carta, de
autoria de Francisco Campos e de caráter acentuadamente autoritário -, decretou
a dissolução de todos os partidos políticos, inclusive a AIB, que, segundo
Plínio, obteve a permissão do ditador para continuar funcionando como entidade
cultural e educacional. Enquanto, porém, Alcibíades Delamare, advogado e
correligionário de Plínio Salgado, promovia o registro da nova entidade e
levava os papéis a Francisco Campos, então Ministro da Justiça, que protelou o
despacho o quanto pode, deixando, por fim, de dá-lo, os interventores dos
Estados e o Chefe de Polícia do então Distrito Federal (Rio de Janeiro),
Filinto Müller, desencadeavam terrível perseguição contra os integralistas,
prendendo líderes e depredando sedes.
Foi por esse tempo que Plínio Salgado entrou em contato com Otávio Mangabeira,
liberal, ex-Chanceler no Governo de Washington Luís, e em torno de quem se
reuniam diversos opositores da ditadura estadonovista.
Armando de Sales Oliveira se encontrava preso,
não podendo tomar parte nas conspirações, mas seus numerosos amigos e aliados
guardavam cuidadosamente o que restara das armas que seriam usadas por Flores
da Cunha, Governador do Rio Grande do Sul até outubro de 1937 e opositor de
Vargas, em sua luta em prol do federalismo, caso este, derrotado, não houvesse
sido obrigado a fugir para o Uruguai a 18 de outubro daquele ano.
Em conseqüência dos encontros com Otávio Mangabeira, Plínio Salgado tomou
contato com o General Castro Júnior e, depois, com os generais Guedes da
Fontoura e Basílio Taborda. Entrementes, outros integralistas se articulavam
com o General Flores da Cunha, em seu exílio no Uruguai, e com o grupo do Sr.
Júlio de Mesquita Filho, na Capital Paulista. De tais conversações resultou,
como observa Plínio Salgado, a mobilização de significativas correntes militares
e políticas, tendo como objetivo comum a restauração da Constituição de 1934 e,
por conseguinte, do regime democrático.
Certo dia, Plínio Salgado foi informado, por Jaime Regalo Pereira, de que se
preparava, no Rio, à sua revelia, um ataque ao Palácio Guanabara.
Redigiu, então, o autor de “Psicologia da Revolução” um Manifesto aos
integralistas, condenando toda e qualquer espécie de atentados, golpes
violentos e assassinatos, que eram totalmente contrários à Doutrina
Integralista, recomendando aos camisas-verdes que esperassem “o grande
movimento nacional, não de caráter integralista, mas de todo o povo brasileiro,
no sentido de volta à Constituição de 34 e das liberdades que tanto
almejávamos”. Foi portador de tal Manifesto Lafayette Soares de Paula e, mais
tarde, Plínio Salgado recebeu a notícia de que todos os seus exemplares haviam
sido queimados no Rio.
Chegaram, então, os últimos dias de abril. Plínio Salgado dera autorização, por
escrito, a Raymundo Barbosa Lima e Belmiro Valverde, para que mantivessem a
articulação dos integralistas na então Capital Federal, não tomando qualquer
iniciativa sem que chegassem ordens superiores.
E, informado de que Belmiro Valverde, que se aliara a Severo Fournier, liberal
e notório antiintegralista, para desferir, com pequeno grupo, um ataque ao
Palácio Guanabara, Plínio enviou ao Rio o Dr. Loureiro Júnior, seu genro e
correligionário, portando uma carta em que visava dissuadir Valverde de seu
insensato plano.
A profética carta escrita pelo autor de “A Quarta Humanidade” – e que foi
queimada na presença do portador, de acordo com a ordem de Plínio, uma vez que
nela eram citados diversos nomes - dizia, em síntese, que Valverde, Barbosa
Lima e os demais não deveriam tomar nenhuma iniciativa de golpes armados, posto
que o Movimento, cujos propósitos eram civis e interpartidários, deveria partir
de uma ação exclusivamente militar e tinha como chefe o General Castro Júnior,
única autoridade no assunto; que eles deveriam se lembrar de que uma tropa que
ficasse em seu quartel e sem iniciativa de ação seria uma tropa que seguramente
iria contra todo e qualquer movimento, uma vez que se enquadraria na disciplina
hierárquica dos comandos; que, caso tomassem eles “qualquer iniciativa de
ataque, desrespeitando a unidade do movimento nacional”, não contariam com
qualquer apoio militar, sendo que seu fracasso, longe de atingir os objetivos
por eles desejados, serviria apenas para tornar mais forte a ditadura; que não
contassem com ilusórias promessas e nem com as fantasias de determinados
militares; e, por derradeiro, que os integralistas tinham compromissos de honra
que não podiam romper sem indignidade para eles.
Ainda segundo as instruções de Plínio, Loureiro Júnior promoveu, no Rio, uma
reunião de altas personalidades do Movimento que se preparava para restaurar a
Constituição de 1934, ficando nesta reunião claramente estabelecido que apenas
o General Castro Júnior poderia transmitir as ordens para o início da
Revolução. E, como não confiava nem um pouco em Belmiro Valverde, Plínio pediu
que lhe prestassem assistência, acalmando seus eventuais ímpetos, San Tiago
Dantas, Henrique Brito Pereira e os então capitães Albuquerque e Bittencourt.
Ao meio dia de 10 de maio de 1938, Plínio Salgado foi procurado em sua
residência, na Capital Bandeirante, pelo Dr. Jaime Regalo Pereira, que o
informou de que recebera por um aparelho de rádio amador um recado de Valverde
que sem dúvida alguma significava que o Levante principiaria à meia noite do
dia seguinte, 11 de Maio.
Às 20 horas daquele dia 10 de maio, chegou o Dr. Brito Pereira à casa de Plínio
Salgado, exclamando que tudo estava perdido, pois Belmiro ia, logo mais, dar
início à “burrada”.
O Levante de 11 de Maio
Bandeira Integralista Hasteada no Rio de Janeiro em 11 de maio de 1938.
O Levante principiou, então, naquela madrugada de 11 de Maio, data escolhida
pelos revolucionários para atacar o Palácio Guanabara e prender Vargas – e não
matar a ele ou a sua família – porque naquele dia o Tenente Júlio Barbosa do
Nascimento, integralista, chefiava a guarda, composta de fuzileiros navais.
Infelizmente o tempo e o espaço me são exíguos, de modo que, por hora, não
tratarei propriamente do ataque ao Palácio Guanabara, em que vários jovens
integralistas deram o seu sangue e suas vidas pela restauração da Liberdade e
da Democracia, da mesma forma que, pelos mesmos motivos, não cuidei do Levante
de 11 de Março daquele ano de 1938, quando foi ocupada a Escola Naval, na Ilha
das Enxadas, por um grupo de oficiais integralistas da Marinha, dentre os quais
se destacou, sobretudo, o heróico Tenente e depois Almirante Jatyr de Carvalho
Serejo.
Por falar em Marinha, quase todos os membros deste glorioso ramo de nossas
Forças Armadas foram integralistas na década de 1930. Foi o Almirante Serejo
quem, com efeito, declarou que 70% dos homens de nossa Marinha de Guerra eram
integralistas, “e outros 10% eram ardorosos simpatizantes” da Doutrina do Sigma
.
Antes de encerrar o presente trabalho, julgo oportuno frisar que participou do
assalto ao Palácio Guanabara o “Almirante Negro” João Cândido, líder da Revolta
da Chibata, a que se deve o fim dos castigos físicos em nossa Marinha de
Guerra, e que na década de 1930 aderiu ao Integralismo, Movimento de cuja
Doutrina jamais se afastou, tornando-se amigo de Plínio Salgado, com quem se
encontrou diversas até a década de 1960, conforme afirmado por Genésio Pereira
Filho e confirmado por Gerardo Mello Mourão.
Seja
este, pois, meu singelo artigo a respeito do alçamento que – embora
precipitado, custando à vida a vários camisas-verdes, que, no Panteão dos
Mártires do Integralismo, se uniram a Nicola Rosica, a Jayme Guimarães, a
Caetano Spinelli e a todos os outros que tombaram em defesa de Deus, da Pátria
e da Família sonhando um Brasil maior, melhor e mais justo – teve o mérito de
haver sido a única reação armada contra a ditadura estadonovista de Getúlio
Vargas até sua deposição, em 1945.
Autor: Victor
Emanuel Vilela Barbuy
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