Para
os egípcios, o maior mistério de todos era a
“transformação” (o número nove)
do Criador de Não visto para Visto, o Um que se manifesta como muitos. Essa
transformação foi revelada através de sucessivos estágios: Atum (ou Rá) em Heliópolis,
Ptah em Mênfis, Toth em Hermópolis e Amun em Tebas. Segundo o
Papiro de Qenna do Museu de Leyden,
escrito durante a décima oitava dinastia:
“Os
deuses ao todo são três: Amun, Rá e Ptah, que não têm iguais. Aquele cuja
natureza (literalmente, “cujo nome”) é um misterioso, sendo Amun; Rá é a
cabaça, Ptah o corpo. Suas cidades na terra, estabelecidas para sempre são:
Tebas, Heliópolis e Mênfis (estáveis) para sempre. Quando uma mensagem vem do
céu, é ouvida em Heliópolis, repetida em Mênfis para Ptah, e transformada em
carta escrita com letras de Toth (em Hermópolis) para a cidade de Amun
(Tebas)”.
Essa
ideia de mensagem representa o progresso da “transformação” de Céu para Terra. Porque Heliópolis era considerada o “ouvido do coração”, foi lá que a
mensagem do ouvida. Nos textos sagrados, como o Sol era tido como o coração do
sistema solar, então Heliópolis era o coração do Egito, a cidade do Sol. O nome
Heliópolis, como é usado nos textos funerários, significa “a origem absoluta
das coisas”, o que não quer dizer que isso se referia estritamente à cidade
física de mesmo nome. Quando se diz em textos egípcios: “vim de Heliópolis” ou
“vou para Heliópolis”, significa que “eu
procedo do início” ou “estou
retornando para a Fonte”.
Segundo
os ensinamentos em Heliópolis, o Um
que iniciou a “transformação“
é Atum, cujo nome significa “tudo” e “nada” e representa o potencial
de criação imanifesto. Atum é “um” com Nun,
que é o oceano cósmico e indefinível. O primeiro ato de Atum foi se
distinguir de Nun, conforme é descrito na mitologia egípcia. Assim que Atum (o Todo ou Absoluto) tomou
consciência de si, emergiu de Nun como a colina primordial e criou Shu, o princípio de espaço e ar, e Tefnut, o princípio do fogo, que,
segundo os textos da Pirâmide de Saqqara, ele cuspiu para a existência (os
textos da Pirâmide de Saqqara são um conjunto de hieróglifos, datando da quinta
e da sexta dinastias do Antigo Império,
aproximadamente 2350 a 2175 AEC, e
que foram inscritos nas paredes das pirâmides, embora se acredite que tenha
sido composto muito antes, por volta de 3000 AEC).
Em
outra versão, ele se autocriou projetando o seu coração, formando os oitos
princípios primários conhecidos como a Grande
Enéade de Heliópolis. A Grande
Enéade era composta pelos nove grandes deuses osirianos: Atum, Shu,
Tefnut, Geb, Nut, Osíris, Ísis, Seth
e Néftis. O termo também é usado para descrever o grande conselho de
deuses e também como uma designação coletiva para todos os deuses. Osíris,
Ísis, Seth e Néftis representam a
natureza cíclica da vida, morte e renascimento, sendo que nada disso é
dissocidado de Atum, segundo os Textos da Pirâmide.
Atum
representa a “Causa” inescrutável. Pode ser pensado em termos do conceito
ocidental de deus. A partir dele tudo foi criado. Está no topo da Enéade. Dele,
todos os demais princípios do universo emanam. De Atum nasceram Shu
(ar/vento) e Tefnut (água/umidade), os elementos mais importantes para
a vida, representando o estabelecimento da ordem social. Shu apresenta o
principio da Vida e Tefnut, o principio da ordem. De Shu e Tefnut, foram criados Geb e Nut, terra e céu. De Geb nasceu o Sol. Quando Nut e Geb
encontraram Tefnut, ocorreu a escuridão. De Nut e Geb nasceram Osíris, Ísis, Seth e Néftis.
A
aplicarmos os quatro princípios (umidade, dualidade, conciliação e o conceito
de matéria), Osíris representa a
encarnação e reencarnação, vida e morte, que é renovação. Seth é o princípio de oposição, ou
antagonismo.
Esses
acontecimentos da criação têm lugar fora dos limites do tempo terreno, além da esfera temporal. Ocorrem no
céu, não na terra. De acordo com Schwaller, esses mistérios não são para serem
entendidos pelos processos de raciocínio da inteligência mental. É um mistério que não é compreendido pela
mente racional e só pode ser percebido pelo que os simbolistas chamam de
“inteligência do coração”. Trata-se de fato, do mistério primordial
de deus e sua criação, Atum, que se tornou um, dois, e assim por diante até
chegar a oito.
“Eu
sou Um que se transformou em
Dois. Eu sou Dois que se transformou em Quatro. Eu sou Quatro que se transformou em Oito. Depois disso eu sou Um”.
Dois. Eu sou Dois que se transformou em Quatro. Eu sou Quatro que se transformou em Oito. Depois disso eu sou Um”.
Sarcófago de Pentamon, Museu do
Cairo, [artefato] n°1160.
Cairo, [artefato] n°1160.
Essa
manifestação ou proliferação de um em
muitos, que ocorreu em Heliópolis, é
o princípio abstrato da criação. Em Mênfis, Ptah leva mais longe essa abstração e traz para a Terra fogo
do céu. Em Hermópolis o fogo divino começa a interagir com o mundo terreno. Em
Tebas, a reiteração desses três processos é combinada em um, representado pela tríade de Amun.
Segundo
John Anthony West, em Serpent in the Sky,
a Grande Enéade emana do Absoluto, ou “fogo
central”. Os nove neteru
(princípios) são contidos pelo Um (o absoluto), que se torna
tanto um e dez, e é a simbólica semelhança da unidade original. A Grande Enéade é a repetição e um retorno
à fonte, que é vista na mitologia egípcia como Hórus, o divino filho que
vinga o assassinato e desmembramento do seu pai, Osíris.
Os egípcios propugnavam uma
filosofia holística, natural, que descrevia a criação do homem não como um ser
lançado num mundo perigoso e violento, mas como a encarnação do divino num
sentido espiritual. O homem era o Cosmo
e o papel do indivíduo era de perceber isso, para alcançar a eternidade. Pitágoras
compreendeu essa filosofia e descreveu-a de maneira muito coerente em seus
escritos e ensinamentos. Os egípcios falavam disso na forma de mitos que
encerravam uma verdade espiritual.
Leandro
Claudir Pedroso
Referências:
MALKOWSKI,
Edward F. O Egito Antes dos Faraós: e suas misteriosas origens Pré-históricas.
São Paulo: Cultrix, 2010.
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