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terça-feira, 12 de novembro de 2013

Resenha: História Militar do Mundo Antigo - Guerras e representações


Este livro dos organizadores Margarida Maria de Carvalho; Pedro Paulo Funari; Claudio Umpierre Carlan; Érica Cristhyane Morais da Silva, é o resultado do estudo da guerra na qual possui larga tradição e continua mais atual do que nunca. Nos últimos anos, as abordagens sobre a guerra multiplicaram-se. Como diz Heráclito, A guerra é o pai de todas as coisas. O tema da guerra e da vida militar permanece central para a reflexão sobre a vida em sociedade. Desse modo, a História Militar do Mundo Antigo é constituída de três volumes, fundamentando-se em debates atuais considerados como objetos a partir de novas perspectivas. A obra aqui analisada é o volume 2.

Não é objetivo do livro realizar uma apologia a guerra, mas ampliar a noção de documento ao analisar a cultura material de uma sociedade, através do ponto de vista militar.

No mundo antigo nem todos os cidadãos eram poetas, mas todos eram soldados. Antes de mais nada, o cidadão Greco- romano era um soldado, pronto para entrar em combate, quando sua cidade precisasse. Desde a mais remota infância, tinha todo o treinamento militar disponível. Era preparado para a arte da guerra, sabia usar a lança, a espada e o escudo. Usava também a inteligência como estratégia. Cada arma tinha sua função específica e simbólica.

O estudo da História Militar está na origem da própria disciplina histórica, tanto como gênero literário antigo, como no período moderno. Durante toda a Antiguidade, História e Guerra estiveram sempre ligadas, tanto na literatura em língua grega como latina. A História política não podia prescindir de uma atenção particular aos conflitos militares. Nas últimas décadas, o interesse pela História militar encontrou novos temas, ênfases e interesses, da vida sexual às identidades sociais, do colonialismo às relações de gênero, simbolismo às subjetividades.

História Militar do Mundo Antigo possui 270 páginas que congrega, a partir de eixos temáticos, o que há de mais consolidado e inovador na ciência brasileira e uma mostra da interação internacional, com capítulos de grandes referências dos estudos da História Militar do Mundo Antigo.

No campo da escrita da história ocorreram mudanças no decorrer das últimas décadas do século XX, com a ampliação do conceito de documento histórico e a adoção da perspectiva multidisciplinar, que é cada vez mais necessária pela própria natureza diversa da documentação.

A importância da música para a vida militar pode ser atestada tanto na pedagogia para a formação do cidadão-soldado, quanto na rotina militar, nos exercícios ou propriamente na guerra. Mesmo que o Mundo grego tenha construído uma significação peculiar do uso da música no universo da guerra, este costume deixou alguns vestígios nas sociedades posteriores, deixando como legado cultural para o mundo moderno a instituição das bandas militares e dos gêneros musicais marciais.

Para compreender a guerra não basta pensarmos nos condicionantes sociais, políticos e militares. É preciso ir além e perceber a presença do fator religioso e de outros aspectos do imaginário, como a influência da música sobre a vida no mundo da polis, contribuindo para o disciplinamento físico e espiritual dos cidadãos.

A teoria militar tem despertado o interesse de cientistas sociais em diferentes áreas de atuação, o fato ratifica que o tema sobre a guerra ainda permanece atual. O confronto da guerra, entendida como evento trágico, tem sido tema de interesse, ao longo do tempo, de cientistas políticos, filósofos e historiadores ao qual concluem que a guerra configura-se como um fenômeno que faz parte da história da humanidade.

Segundo Norberto Bobbio, podemos dizer que existe um estado de guerra quando dois ou mais grupos políticos encontram-se entre si em uma relação de conflito cuja solução esta confiada ao uso da força. Por mais que a guerra, em todas as suas formas, suscite horror e indignação, não podemos riscá-las das relações dos homens porque ela faz parte da história da humanidade. (BOBBIO, 2000:513/ 2005:511).

A nossa civilidade, nos leva a afirmar que talvez não seríamos aquilo que somos sem todas as guerras que contribuíram para a nossa formação. O binômio guerra-paz permanece como parte do imaginário social de toda a humanidade.

A tendência atual seguida pelas críticas aos modelos normativos é que de um lado, a história militar, especialmente aquela produzida pela historiografia de tradição inglesa, enfatiza a indispensabilidade das fontes (por vezes esquecida) em resposta às questões surgida no âmbito do que se convencionou chamar de pós-moderno. Por outro, torna-se cada vez mais comum e preocupante, embora ainda não de modo tão difuso na história militar, o aparecimento do historiador interessado mais com as condições de narração histórica do que propriamente com o produto ao qual a história se dedica.

Nos dias que correm, a mídia vende a imagem de que uma guerra- qualquer guerra é vencida pelo lado que dispuser de maior inteligência, nos faz crer, ou tenta fazê-lo, que a aquisição de inteligência vence guerras ou, ao menos, batalhas.

Através de estudos sobre o uso da inteligência militar por dois dos maiores generais do mundo antigo (César e Alexandre) - é possível compreender que mesmo nos tempos mais recentes, um dos lados em conflito dispunha de inteligência à vontade e isso não lhe assegurou a vitória.

Consideramos, contudo, que o fenômeno da guerra constitui um campo de investigação por direito próprio, ou seja, que a guerra é um objeto de estudo passível de ser explorado.

Guerras cada vez mais longínquas e fronts muitas vezes simultâneos levaram os romanos a pôr em ação forças superiores às quatro legiões tradicionais e anuais do exército consular, prorrogando tanto o tempo de serviço se seus legionários quanto os comandos de seus generais, a fim de assegurar a unidade estratégica de uma mesma guerra.

Que a religião e a guerra estavam em íntima relação em Roma é algo de que temos várias comprovações nas práticas sociais e políticas romanas. As interpretações mais recentes do papel e da natureza dos rituais apoiam a tese de que ocupavam um papel central na cultura e no funcionamento da sociedade (SCHEID, 1993).

Podemos entender que o colégio sacerdotal arcaico, os fetiale, situava-se na interseção entre o direito, a religião e a guerra mesmo após o principado, pois a atividade religiosa da elite romana manteve-se conectada com os rituais tradicionais ao longo de séculos. Conseqüentemente, o estudo dos rituais romanos é tema de grande interesse para o historiador da antiguidade. Os rituais devem ser vistos sempre em relação com as ideias e a crenças sobre o passado da urbs, formando um ele entre o passado e o futuro. Dessa forma, os rituais não somente representavam e definiam a identidade romana; em certo sentido, a constituíam.

Em uma conhecida passagem do Digesto (I, 5, 4), lemos que os escravos (servil) são assim chamados porque os generais costumavam conservar (servare) os cativos para venda, e não matá-los. Esse esclarecimento etimológico encontrou uma duradoura recepção na história intelectual da escravidão, desde, pelo menos, Santo Agostinho (Cidade de Deus, XIX, 15).

Embora uma guerra não torne necessariamente o cativo em escravo a venda posterior realiza essa transformação -, é comum, nas histórias sociais de Roma, uma equação imediata entre guerra e escravidão, transmitindo a impressão de que a guerra era a principal fonte de escravos.

A associação entre guerra e escravidão, e sua correspondente noção do escravo como cativo, encontra seus antecedentes nas fontes gregas e latinas, que apresentam a atividade bélica como uma das origens da escravidão.

A documentação romana permitia deduzir a ideia de que a escravidão era acima de tudo, uma instituição de ordem essencialmente internacional, no sentindo de que as duas noções de escravo e de estrangeiro se confundiam: o escravo nada mais é do que um estrangeiro sem direitos (Lévy-Bruhl, 1960).

A escravidão colocou-se como uma necessidade para suprir uma mão-de-obra que antes era provida internamente por um campesinato dependente. Embora se careça de estudos mais específicos para o caso de Roma, há elementos que indicam que a presença de escravos nos exércitos romanos se fazia notar.

A escravidão, cuja ubiqüidade nas sociedades antigas ainda estimula debates e controvérsias. Ainda mais quando os escravos ousam invadir um domínio ideologicamente circunscrito a cidadãos: a guerra.

A reflexão que proponho acerca da História militar de Roma está fundamentada em um amadurecimento das discussões nas últimas décadas e na sua importância para abrirmos possibilidades novas maneiras de se pensar o poder e influência do exército romano nas regiões conquistadas.

Escritos por pessoas das mais diferentes categorias sociais, os grafites são registros impares dos humores dos habitantes de Pompéia, pois explicitam suas paixões e ódios, seus amores e desavenças, suas piadas, suas ironias, seus desejos e sonhos. Tem como base a cultura material, ou seja, as ânforas olearias e seus selos, as lápides funerárias, lamparinas, relevos de mármore, indicando que a Arqueologia é uma ferramenta fundamental para se pensar outras maneiras de se aproximar do exército romano em períodos no qual não estão em campos de batalha.

Refletir sobre as particularidades das relações de gênero, econômicas e sociais abre a possibilidade de focarmos em uma multiplicidade de aspectos do cotidiano e construirmos outras interpretações acerca da presença militar nas fronteiras romanas, pensando a vida dos moradores das áreas mais distantes do centro do Império a partir de seus sentimentos, conflitos e contradições.

De acordo com a tradição romana, para se evitar a cólera dos deuses, um esforço militar para ser bem sucedido devia estar inserido no bellum istum, ou seja, pautado por motivos considerados justos: expulsão do inimigo, vingança por uma injustiça sofrida e entre outros casos. O aspecto religioso fazia parte de todas as instâncias da vida na Roma Antiga e não poderia deixar de estar presente na guerra. Assim a guerra envolvia um ritual muito complexo.

O desenvolvimento da arqueologia, da etnologia e da história das religiões e o aprofundamento do conhecimento da Antiguidade propiciaram a descoberta de mundos estranhos ao universo clássico e uma visão distinta do homem a partir de comparações resultando em explicações diferentes.

A análise da Coluna de Trajano, erigida no ano 113 d.C., retrata as guerras romanas através de fontes arqueológicas. Inevitavelmente, a Coluna também tem sido usada como uma fonte para as informações militares e topográficas assim sobre as especulações sobre os acontecimentos históricos.

Portanto, as transformações são responsáveis por introduzir pouco a pouco, no nosso prosaico cotidiano, as mais remotas culturas do globo, por vencer distâncias aparentemente intransponíveis e assim favorecer o contato com povos e tradições que, de outro modo, poderiam passar despercebidos, ocultos sob o véu do etnocentrismo, que só conhece ou reconhece aquilo que efetivamente o interessam rompem com a totalidade, a completude e, sempre é bom lembrar, a quietude do lugar antropológico, o lugar do em casa, da identidade partilhada entre pares que se autodefinem não apenas como falantes de uma língua, adeptos de uma crença e partícipes de uma mesma filiação ancestral, mas também ocupantes de um mesmo espaço emergente.

Mais do que empregar os preceitos do Mundo antigo, a obra mostra práticas recorrentes do estudo da História militar, congregando eixos temáticos, o que é algo inovador na história e mostrando uma interação internacional, com capítulos de grandes referências dos estudos da História Militar do Mundo Antigo. A oportunidade em conhecer essa obra fez com que gerasse ensino-aprendizagem. Dividido em artigos de opiniões, cada qual aborda seu tema da melhor maneira, todos os assuntos descritos minuciosamente. Uma leitura apta para aqueles interessados em aprender mais. Sendo assim, o objetivo de cada organizador é fazer com que o leitor interaja e se aproxime desse mundo em que fazemos parte, através da compreensão do valor de cada fato, de cada pessoa, de cada artefato, de cada manuscrito, grafites, enfim, somos integrantes da História.

Esse livro é recomendável a qualquer pessoa que queira ver a ligação entre as sociedades antigas e como nós vivemos hoje, especialmente mostrando aspectos inseridos em nosso dia-a-dia. Um professor pode sugar muito desse livro para utilizar em sala de aula; historiador irá se apaixonar com os detalhes abordados nos artigos; arqueólogos deslumbraram-se ao se depararam com imagens, comprovações de cada artefato encontrado e sua importância; pessoas integradas ao mundo militar compreenderam o porquê de cada atividade, de cada regra, costume e tradição.

Texto: Ariane Ferreira Pedroso


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