Obra-prima do francês Victor
Hugo desnuda com maestria a miséria material e a pobreza de espírito na
conturbada França pós-revolução.
O romance completo, a
história contada nos mínimos detalhes que vai, volta, viaja longe no tempo e no
espaço e retorna ao cerne, ao ponto -chave da questão, como se nunca tivesse
saído, e que por isso, pela fluidez com que sai do campo de batalha para a
estalagem nos confins da França, e daí para a detalhada descrição geográfica e
histórica de um convento e das ordens que o habitam, consegue segurar o leitor por
dias, semanas e até meses submersos em suas quase 2 mil páginas. Publicado em
1862, em sete cidades da Europa ao mesmo tempo, Os miseráveis, do francês
Victor Hugo, nasceu nas livrarias de Paris, Milão, Bruxelas, Budapeste,
Leipzig, Roterdã e Varsóvia, e se espalhou pelo mundo, graças à força de
personagens como Fantine, Javert e Jean Valjean, que inspirou dezenas de filmes
por todo o planeta, do Japão à Índia, da antiga União Soviética ao Egito, do
México ao Brasil, e isso há mais de um século. Os dois primeiros filmes baseados
no romance de Victor Hugo, On the barricade e Le chemineau, datam de 1907, nos
primórdios do cinema. O mais recente deles, versão do musical que fez sua
estreia em 1980, em Paris, e depois foi sucesso na Broadway, com Anne Hathaway
e grande elenco, é forte candidato, neste mês de fevereiro, a levar um ou outro
Oscar, a estatueta fetiche do cinema americano.
A trama de Os miseráveis se
passa entre dois episódios específicos da história francesa: a Batalha de
Waterloo, em 1815, que representou o fim do sonho imperialista de Napoleão
Bonaparte, e os motins de junho de 1832, em Paris, quando estudantes
republicanos tentaram, em vão, derrubar o regime do rei Luís Filipe I. Na época
de sua publicação, Victor Hugo tinha 60 anos e já desfrutava de grande
prestígio, na França e fora dela. Tinha escrito clássicos como O corcunda de
Notre Dame, mas nada foi maior em sua obra do que a epopeia de seus personagens
pobres, sujos e desvalidos, cuja novidade era exatamente essa abordagem clara,
escandalosa por pura falta de hábito, do ponto de vista das classes mais
baixas, dos representantes de toda a miséria acumulada pelo absolutismo de Luís
XIV, e depois nos reinados de Luís XV e Luís XVI, que desembocaria na Revolução
Francesa e, mais tarde, em Napoleão.
O que Charles Dickens já
começara a fazer na Inglaterra, mostrando a sociedade à margem do Império
Britânico que habitava os submundos de uma Londres caótica, Victor Hugo, que
também vinha retratando a miséria desde Claude Gueux, publicado em 1834, escancara
com Os miseráveis. Cavou fundo nas camadas da conturbada organização social
pós-revolução e revelou não só a miséria material, mas também a pobreza de
espírito, que nem sempre caminham juntas, como nos mostra nesta breve
introdução a um casal de personagens de suma importância na história.
Victor Hugo iniciou a
concepção de Os miseráveis quase 40 anos antes de publicar o romance. Tinha 22
de idade quando, em 1824, começou a colher informações sobre a colônia penal de
Toulon, de onde sai o protagonista Jean Valjean, ainda que, no caso de um livro
desse porte e desse tamanho, os protagonistas sejam também, pelo menos,
Fantine, Cosette e Marius, os outros três personagens que dão nome a quatro dos
cinco volumes da história completa. Em 1837, o escritor visita finalmente a
colônia penal que fornecia os remadores para o trabalho forçado nas galés, para
remarem com os pés atados em correntes. Mas viveria ainda oito anos intensos
antes de começar, no dia 17 de novembro de 1845, a redigir aquele que seria seu
livro mais importante.
Após diversas tentativas
frustradas, Victor Hugo foi eleito para a Academia Francesa em 1841. Em 1843,
perdeu a filha, Léopoldine. Recémcasada com Charles Vacquerie, Léopoldine morreu
aos 19 anos, afogada junto com o marido depois que o barco em que os dois
viajavam virou, em Villequier. Dois anos depois, o escritor tinha acabado de
receber o título de par de França quando foi flagrado num caso extraconjugal com
Léonie Biard. Ela foi enviada a uma prisão e depois a um convento; ele se fechou
em casa e começou a escrever Os miseráveis.
O contrato de edição da
obra, com os editores Renduel e Gosselin, já estava assinado quando eclodiu a
revolução de 1848, que destronou Luís Filipe I e instauou uma república
bonapartista na França, mais tarde transformada em novo império, com Napoleão
III. Eleito durante a república para a Assembleia Legislativa, Victor Hugo
passa a dedicar-se à atividade parlamentar e deixa o romance de lado. Tenta
retomá-lo três anos depois, mas a ebulição política da França da época não
deixa. Em 1851, participa de uma frustrada tentativa de resistência ao golpe
que instaurou o império de Napoleão III e vai para o exílio. O imperador ainda
iria lhe oferecer anistia, mas o escritor não foi muito amistoso na resposta.
“Quando a liberdade voltar, eu voltarei”, disse Victor Hugo. Foi no exílio que
ele terminou de escrever Os miseráveis, mais precisamente em Mont-Saint-Jean,
na Bélgica, nas proximidades do campo da Batalha de Waterloo, descrita, aliás,
com maestria em quase 80 páginas do início do segundo volume do romance.
O mesmo rigor descritivo que
pinça momentos específicos de uma das maiores batalhas da história, sem deixar
de mostrar o plano geral, como a vitória pendeu de um lado a outro na
movimentação dos dois exércitos gigantescos, serve também para expor os mínimos
detalhes da geografia dos becos mais sombrios de Paris, desde a angulação das
ruas, qual faz esquina com qual, às ranhuras de um muro, enfim, todas as nuances
do terreno de outra batalha, essa particular, de um caçador, Javert, com sua
presa, Jean Valjean. Os miseráveis é drama, sim, comédia, um pouco, mas é
também ação e suspense na perseguição implacável de um personagem a outro, no
duelo de inteligências e estratégias pelas ruas de uma Paris que começava a adentrar
na era moderna, com todas as maravilhas e os horrores dessa transformação.
Na disputa anunciada em Os
miseráveis, o conflito de classes que começava a emergir e a ganhar cada vez
mais força com o início do processo de industrialização na Inglaterra e na
França, o autor do romance escolheu um lado e não se preocupou em esconder sua
posição. Estruturou sua maior obra em volta de personagens até então invisíveis
para o resto da sociedade, como o forçado das galés ou a prostituta sem dentes,
esfarrapada e doente. Ao fazer isso, não só mostrou ao mundo o espetáculo da
miséria, sem filtros ou véus, como ajudou a despertar a compaixão pelos mais
pobres, o que não torna absurdo dizer que a história de Jean Valjean, Fantine e
companhia, além de clássico universal da literatura, ajudou a impulsionar uma
até então inexistente política de solidariedade com os miseráveis da vida real.
No vaivém das quase 2 mil
páginas de sua história, Victor Hugo tem domínio completo da narrativa. Mostra
só um pouco de uma cena que bem poderia habitar o mundo do fantástico, quando
Jean Valjean e Cosette estão pertos de encontrar abrigo nos jardins de um
convento. Depois muda de assunto, se perde e se encontra em situações diversas
daquela para, sem aviso, voltar ao mistério anunciado anteriormente e
explicá-lo com a maior naturalidade, alijando qualquer possibilidade de que
fantasmas ou forças do mal venham a habitar o romantismo mais que real de sua
história, e surpreendendo mais uma vez o leitor. Não é à toa que Os miseráveis
continuam a inspirar filmes e mais filmes, da França aos Estados Unidos, da
Inglaterra à Itália, da Coreia do Sul à Turquia.
Texto:
Luís Edmundo Araújo
COPYRIGHT ©
Copyright © construindohistoriahoje.blogspot.com. Você
pode republicar este artigo ou partes dele sem solicitar permissão, contanto
que o conteúdo não seja alterado e seja claramente atribuído a “Construindo
História Hoje”. Qualquer site que publique textos completos
ou grandes partes de artigos de Construindo
História Hoje tem a obrigação adicional de incluir um link
ativo para http:/www.construindohistoriahoje.blogspot.com.br. O link não é exigido para citações. A
republicação de artigos de Construindo História Hoje que são originários de
outras fontes está sujeita às condições dessas fontes e seus atributos de
direitos autorais.
Você quer saber mais?
(COMUNIDADE CHH NO DIHITT)
(COMUNIDADE DE
NOTÍCIAS DIHITT)
(PÁGINA NO TUMBLR)
(REDE SOCIAL ASK)
(REDE SOCIAL VK)
(REDE SOCIAL
STUMBLEUPON)
(REDE
SOCIAL LINKED IN)
(REDE SOCIAL INSTAGRAM)
(ALBUM WEB PICASA)
(REDE
SOCIAL FOURSQUARE)
(ALBUM NO FLICKR)
(CANAL NO YOUTUBE)
(MINI BLOGUE TWITTER)
(REDE SOCIAL BEHANCE)
(REDE SOCIAL PINTEREST)
(REDE SOCIAL MYSPACE)
(BLOGUE WORDPRESS HISTORIADOR NÃO MARXISTA)
(BLOGUE LIVE JOURNAL LEANDRO CLAUDIR)
(BLOGUE BLOGSPOT CONSTRUINDO PENSAMENTOS HOJE)
(BLOGUE WORDPRESS O CONSTRUTOR DA HISTÓRIA)
(BLOGUE BLOGSPOT DESCONSTRUINDO O CAPITALISMO)
(BLOGUE BLOGSPOT DESCONSTRUINDO O COMUNISMO)
(BLOGUE BLOGSPOT DESCONSTRUINDO O NAZISMO)
(BLOGUE WORDPRESS CONSTRUINDO HISTÓRIA HOJE)
(BLOGUE BLOSPOT
CONTATO)
(REDE SOCIAL FACEBOOK CONSTRUINDO
HISTÓRIA HOJE)
(REDE SOCIAL FACEBOOK LEANDRO HISTORIADOR)
(REDE SOCIAL GOOGLE + CONSTRUINDO HISTÓRIA HOJE)
(MARCADOR DICAS DE LEITURA)
(MARCADOR GERAL)
(MARCADOR PESSOAL)
(MARCADOR ARQUEOLOGIA)
(MARCADOR ÁFRICA)
(MARCADOR ANTIGUIDADE)
(MARCADOR PERSONAGENS DA HISTÓRIA)
(MARCADOR HISTÓRIA DO BRASIL)
(MARCADOR FÉ)
(MARCADOR COMUNISMO)
Nenhum comentário:
Postar um comentário