A atuação russa foi a mais
decisiva para a derrota da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra. O papel dos
americanos foi sobrevalorizado posteriormente, com a Guerra Fria e o fim do
regime comunista.
Infantaria soviética em
posição de defesa: resistência feroz aos nazistas definiu, mais do que qualquer
outro fator, os rumos do conflito.
Decorridos quase 70 anos do
fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) não resta mais dúvida entre os
historiadores sobre qual das potências participantes do conflito deu a maior e
mais importante contribuição para a derrota da Alemanha nazista: a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Das 783 divisões de diversos tipos
(infantaria, blindada, paraquedista, etc.) que a Alemanha e os países que com
ela se aliaram foram capazes de mobilizar, nada menos de 607 (77,5%) foram
destruídas pelos soviéticos. Os demais países participantes da coalizão que
venceu a guerra (os “Aliados”) foram responsáveis pela destruição das outras
176 divisões (22,5%).
Esses fatos contrastam com a
percepção que a maioria das pessoas, mesmo as bem informadas e que mantêm
interesse permanente pela história, tem daquele conflito. Para um grande número
de membros da audiência dos filmes rodados em Hollywood desde o fim da Segunda
Guerra Mundial, foram os Estados Unidos da América (EUA) que mais contribuíram
para a der-rota do nazismo. Para essas pessoas, o desembarque na Normandia
teria decidido a guerra e promovido o início da libertação da Europa do
nazismo. No limite, teriam sido os norte-americanos a matar o próprio Adolf
Hitler. No início do século XXI pode-se afirmar que a memória da contribuição
ocidental – em especial dos EUA – à vitória na luta contra o nazi-fascismo
ofuscou as lembranças afetas à decisiva participação dos soviéticos.
Uma avaliação objetiva da
contribuição dos aliados ocidentais (EUA, Grã-Bretanha, etc.) para a derrota da
Alemanha na Segunda Guerra Mundial pode ser feita a partir de diferentes
indicadores. No que diz respeito à produção de armas veículos e munições –
fundamental para a vitória numa prolongada guerra entre coalizões de países na
era industrial –, não pode haver dúvida sobre a importância central dos EUA.
Sendo a maior potência industrial do planeta, somente os Estados Unidos
poderiam ter alcançado a capacidade de fabricar um navio por dia e um avião a
cada cinco minutos, como de fato o fizeram durante quase toda a guerra,
abastecendo suas forças e as dos países aliados. A própria URSS recebeu
alimentos, matérias-primas, fábricas inteiras, tanques, barcos e aviões dos
Aliados. As estimativas sobre a participação dessas doações na composição do
total dos efetivos soviéticos variam entre 10 e 15%.
Embora o volume de produção
industrial dos EUA fosse superior ao de qualquer outra nação, os demais países
aliados também deram contribuições expressivas. No crítico ano de 1942, os
Aliados produziram 101.519 aviões, dos quais 47.836 norte-americanos (47,12%),
25.436 soviéticos (25,05%), 23.672 (23,31%) britânicos e 4.575 (4,5%)
fornecidos pelos países da Comunidade Britânica. A Alemanha nazista, em
contrapartida, produziu apenas 15.409 aparelhos naquele ano. Via de regra, dali
por diante, em se tratando das principais armas empregadas naquele conflito
(tanques, canhões autopropulsados, artilharia, etc.), a produção alemã seria
equivalente apenas à metade do que produziam os soviéticos.
O ano 1943 é considerado
como o mais decisivo para o desfecho da guerra, por conta das decisivas
batalhas que foram travadas na frente russa: a rendição final das tropas alemãs
cercadas em Stalingrado (2 de fevereiro) e a Batalha de Kursk, o maior combate
de tanques da história (4 a 22 de julho). A essas batalhas tidas como
definidoras, sob todos aspectos, devem-se acrescentar as importantes operações
militares desenvolvidas pelos russos que culminaram na libertação da maior
parte do território da URSS, o fim do prolongado cerco de Leningrado pelos
nazistas (de 8 de setembro de 1941 a 27 de janeiro de 1944) e a destruição de
tropas alemãs em escala maciça. Foi também em 1943 que americanos, com apoio
dos britânicos, invadiram a Europa ocupada pelos nazistas pela primeira vez,
com o início da campanha da Itália.
Ainda assim era na frente
russa que a Alemanha nazista mantinha a grande maioria dos seus efetivos todo o
tempo. Em 1943, havia pouco mais de 4 milhões de militares alemães e 283 mil
soldados de países aliados da Alemanha combatendo 5,5 milhões de militares soviéticos.
Na mesma época, havia outros 3 milhões de soldados alemães em tropas de
ocupação na Europa, onde havia diferentes graus de resistência armada ao
domínio nazista. A outra frente de combate aberta contra a Alemanha nazista foi
a invasão anglo-americana da Itália. A península italiana apresentava
características geográficas e climáticas que muito dificultavam o avanço aliado.
Ali, os alemães foram capazes de oferecer uma resistência extremamente eficaz ao
avanço inimigo, destinando à defesa da região àquela época apenas 412 mil
soldados.
Tão pequena foi a
contribuição da campanha italiana à derrota nazista que até mesmo os
historiadores anglo-britânicos se recusam a se referir a esse teatro de
operações como sendo a abertura de uma “segunda frente”. Para os fins práticos,
a tão aguardada abertura de uma segunda frente de luta contra o nazismo foi
mesmo o desembarque aliado na Normandia, em 6 de junho de 1944. Mas, mesmo os
Aliados tendo desembarcado forças consideráveis na França ocupada pelos
nazistas, o front principal continuava a ser o russo. Na França, os Aliados
enfrentavam cerca de 58 divisões alemãs de diversos tipos, enquanto que os
russos se confrontavam com 179 divisões alemãs e outras 49 de países aliados
dela.
A tão propalada campanha
aérea de bombardeios anglo-americanos contra o Terceiro Reich deu resultados
muito menores do que os estimados na época. Embora tenham conseguido infligir
considerável sofrimento humano à população alemã (600 mil civis alemães foram
mortos em ataques aéreos dos Aliados, ou seja, dez vezes o número de cidadãos
britânicos mortos em bombardeios aéreos alemães), o regime nazista conseguiu
manter e até ampliar sua produção de material bélico. De fato, o auge da
produção alemã de tanques e aviões, por exemplo, se dá em 1944 – justamente
quando a campanha de bombardeios atingia o seu ápice em intensidade e eficácia.
Onde os bombardeios ditos “estratégicos” que britânicos e americanos praticavam
contra a Alemanha nazista deu algum resultado foi na in-versão de prioridades
da indústria de armamentos alemã. Na fase final da guerra, nada menos de um
terço da produção armamentista do Terceiro Reich era composta de armas e
aeronaves dedicadas à defesa antiaérea (aviões de caça, canhões antiaéreos), em
vez de armas ofensivas (tanques, aviões de bombardeio, etc) que permitissem à
Alemanha retomar a iniciativa contra seus inimigos.
O que liquidou de fato a
capacidade produtiva da indústria alemã foi a ocupação militar soviética. Com o
recrudescimento da ação dos bombardeios aéreos anglo-americanos sobre a Europa
Ocidental ocupada pelos alemães, o regime nazista tratou de transferir a maior
parte das suas fábricas mais importantes – em especial as de tanques e aviões –
para a Europa Oriental, principalmente a Polônia ocupada. Foi somente com a
ocupação dessas áreas pelas forças armadas soviéticas no final de 1944 que a
produção bélica alemã finalmente começou a entrar em colapso.
No decorrer de toda Guerra
Fria (1945-1991) os Aliados ocidentais reunidos na Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan) disputaram com a URSS e seus aliados do Pacto de
Varsóvia a primazia da contribuição na luta contra o nazismo na memória
coletiva. O súbito colapso do bloco socialista no início dos anos 1990 pôs fi m
a essa disputa cultural. A partir daí, a memória da contribuição dos aliados
ocidentais à destruição do nazismo pôde crescer quase que indefinidamente e, na
ausência dos soviéticos, pratica-mente sem contestação. Considero sintomático
do fenômeno as pomposas e extensas comemorações do cinquentenário do
desembarque na Normandia (1994). Na ocasião, foram convidados chefes de estado
de países membros da Otan, mas não se incluiu nenhum representante dos russos,
tampouco da extinta URSS. Esse gesto de desconsideração deve ter soado ainda
mais rude para os sobreviventes (e seus descendentes) das tremendas batalhas
relacionadas à destruição do Grupo de Exércitos Centro (junho de 1944), tão
importantes para aliviar a pressão alemã sobre os recém-desembarcados
anglo-americanos. Nelas, os combatentes soviéticos infligiram 1,6 milhão de
baixas às forças armadas alemãs, metade das quais irrecuperável. Isso
representa quase dez vezes mais do que o total de baixas que os aliados
ocidentais provocaram entre os alemães na campanha da Normandia.
A derrota da Alemanha
nazista foi resultado dos esforços de milhões de pessoas em diferentes países. No
final da guerra, a Alemanha se confrontava com uma guerra em três frentes
(russa, ocidental e italiana), havia sido abandonada por todos países que com
ela se aliaram, vivia sob ataques aéreos pesados e constantes contra os quais
era incapaz de oferecer defesa eficaz e se obrigava a destinar recursos cada vez
maiores a sufocar a resistência à ocupação por toda Europa. Contudo, entre os
países que tomaram parte da coalizão que destruiu o nazismo, deve-se destacar a
decisiva contribuição soviética. Em sua maior parte, a vitória foi mesmo
resultado direto da ação dos civis e militares da antiga URSS.
Autor:
Dennison de Oliveira, historiador, mestre em ciências políticas e doutor em
ciências sociais, é especialista em história militar.
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