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domingo, 9 de junho de 2013

Birobidjan, a Capital da primeira nação moderna do povo judeu: Oblast Autônomo Judaico.


Brasão da Cidade de Birobidjan, Capital da Região Autônoma Judaica na Federação Russa. As sete  listras na vertical representam os Sete Braços do Menorah (Candelabro) Sagrado, símbolo original dos judeus. As ondas representam os dois  rios que passam pela cidade. Imagem: http://birobidzhan.rfn.ru/

Birobidjan em yiddish: ביראָבידזשאן. É a capital do Oblast (É uma subdivisão Federal administrativa) Autônomo Judaico da Rússia. (Yevreyskaya avtonomnaya oblast). A cidade é cortada pelos rios Bira e pelo Bidjan, na fronteira com a China, e é atravessado pela ferrovia Transiberiana,o que garante o contato entre Birobidjan e Moscou. Suas coordenadas são: 48°48′N 132°57′E. Segundo o censo de 2002, a cidade possui 77,250 habitantes. No livro O Exército de um Homem Só de Moacyr Scliar, os personagens principais migraram de Birobidjan para Porto Alegre, o livro conta a história do Império Russo e da União Soviética, sendo que os personagens principais são judeus e um deles é um comunista que sonha com um mundo livre, querendo fundar uma nova sociedade nas vizinhanças de Porto Alegre, com o nome de Nova Birobidjan.

A região foi criada em 1934 como 'Distrito Nacional Judaico', como resultado da política nacionalista de Josef Stalin, que designou à população judaica da Rússia seu próprio território, para que pudessem preservar seu patrimônio cultural iídiche dentro de uma estrutura socialista. Apesar do nome, apenas 1,2% da população de 190 400 habitantes é formada por judeus; 90% é formada por russos e o restante por ucranianos e chineses. Sua capital é Birobidjan.

Em 28 de Março de 1928, o “Presidium” do Comitê Executivo Geral da URSS baixou um decreto definindo como “Komzet” um território livre próximo ao rio Amur no extremo leste para assentamento de trabalhadores judeus. O decreto em verdade dava a entender :

"a possibilidade de estabelecimento de um território administrativo para os judeus nessa região”.


Mapa da Região Autônoma Judaica na Federação Russa. Imagem:http://birobidzhan.rfn.ru/

Em 20 de Agosto de 1930 o Comitê Executivo Geral da então RSFSR aceitou o decreto para “Formação da região nacional de Birobidjan numa estrutura de Território do Extremo Oriente”, considerado pelo Comitê de Planejamento do Estado como uma unidade economicamente separada. Em 1932 os primeiros números (orçamentos) para desenvolvimento de Birobidjan foram considerados e autorizados.


Brasão da Região Autônoma Judaica. Imagem: http://www.eao.ru/eng/

O brasão de armas da Região Autônoma Judaica é um escudo heráldica francês, de cor água-marinha russa (verde escuro). As partes superior e inferior do escudo estão marcados com riscas horizontais estreitas em branco-azul-branco. Todas as cores são iguais em largura, e são de 1/50 da altura do escudo. As listras azuis simbolizam os rios Bira e Bidzhan. O centro do escudo é estampado com um Ussurian tigre dourado com listras pretas em sua coloração natural. A figura do tigre é girada para a direita em direção ao espectador que simboliza uma história incomum e uma forma original de desenvolvimento da Região.

Em 7 de Maio de 1934 o “Presidium” do Comitê Executivo Geral aceitou o decreto para transformação na Região Autônoma dos Judeus dentro da Federação Russa e em 1938 o território de Khabarovsk, como Região Autônoma Judaica foi incluída na estrutura da URSS.

Joseph Stalin em sua política de prover aos diversos grupos nacionais da União Soviética territórios separados para desenvolver suas Autonomias Culturais, porém dentro da ideologia Socialista. Isso respondia a dois problemas enfrentados pela União Soviética na sua busca de unificação nacionalista:

O judaísmo, com sua oposição a política estatal de ateísmo.

O sionismo, com a criação em 1948 do moderno Estado de Israel.


Bandeira da Região Autônoma Judaica. Imagem: http://www.eao.ru/eng/

A bandeira da Região Autônoma Judaica é um painel retangular branco. No eixo horizontal está localizado a uma faixa de cor simbolizando um arco-íris. A tira é composta por sete faixas horizontais estreitas (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul céu, azul e violeta). Cada largura é igual a 1/40 da largura do pavilhão. As tiras são divididas por faixas horizontais brancas estreitas, a largura de cada uma é igual a 1/120 avos da largura do pavilhão. 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O nascimento da escola dos Annales


Promover multidisciplinar (economia, demografia, sociologia, geografia, antropologia), a renovação do foco (tudo é história) e da diversificação das fontes (material escrito, oral), a nova história está dando atenção prioritária aos grupos - e não os indivíduos - de estruturas sócio-econômicas e fenômenos mais geral que evoluíram lentamente - ao invés de eventos. Imagem: Capa do livro a Escola dos Annales de Peter Bunker.

Essa corrente do pensamento historiográfico surgiu com a inauguração da revista [1]: “Analles de História Econômica e Social”, fundada em 1929 pelos historiadores Marc Bloch (1886-1944) e Lucién Febvre (1878-1956) (ambos professores da Universidade de Estrasburgo). A intenção era promover estudos relativos às estruturas econômicas e sociais, favorecendo possíveis contatos interdisciplinares [2] no seio das Ciências Sociais. A importância maior da revista, sem dúvida, foi a ampliação do ofício do historiador em direção a um novo paradigma [3], notadamente:

[...] Uma renovação dos métodos e do próprio objeto da ciência histórica, mediante à atenção dada às estruturas e aos fenômenos coletivos, assim como a abertura para outras ciências sociais, eram desejadas e esperadas nos anos 30 e deviam necessariamente impor-se à comunidade científica [...] a atenção prioritária concedida aos grupos – e não mais aos indivíduos (herança do positivismo) -, às estruturas socioeconômicas e, de modo geral, aos fenômenos de evolução lenta – e não mais aos acontecimentos [...] (BURGUIÉRE, 1993, p. 50-52).

            Os fundadores da Revista dos Annales não poupavam críticas à Escola positivista da História, pois estes: exaltavam a ação “vazia” dos líderes políticos; valorizavam os estudos biográficos de reis, príncipes, chefes de Estado; apoiavam suas análises no “acontecimento” ou fato político, descartando as ações dos grupos sociais e as transformações de caráter econômico; tinham a intenção “oca” de recuperar dados referentes à genealogia das Nações, etc. Para os historiadores dos Annales, a Escola Positivista visitara somente a superfície factual do passado histórico: “O nascimento dos Annales é portanto um assunto de geração intelectual e científica tanto quanto de poder. Trata-se de defender uma liberdade nova e de dar fim ao “velho ídolo da história política factual”. (BLOCH apud TÉTART, 2000, p. 109).

O olhar dado ao passado, na perspectiva de Bloch (medievalista) e Febvre (Modernista) estabelecia novos objetos para a ciência histórica: análises demográficas sobre deslocamentos de povos, “destacando as formas de ocupação social em grandes espaços, em torno de mares e oceanos [4]” (BITTENCOURT, 2004, p. 145) com o auxílio da Geografia; estudos sobre as mentalidades coletivas juntamente com as novidades da Psicologia; comparações socioeconômicas de caráter regional, estadual e/ou nacional; Interpretações possíveis a respeito das tradições, costumes, vestuário, crenças de camponeses, escravos, indígenas, povos primitivos, situando-os dentro de uma perspectiva antropológica [5], etc. Os horizontes de ação do historiador ampliavam-se e possibilitavam recuperar o passado por intermédio de questões colocadas pelo tempo presente, assim como a ampliação da noção de fonte que é fundamental na Escola dos Annales:

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. [...] Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos se estes não existirem. Com tudo o que a engenhosidade do historiador pode lhe permitir usar para fabricar seu mel. [...] Paisagens, telhas. Formas de campos e ervas daninhas. Eclipses lunares e cabrestos [...] (FEBVRE apud TÉTART, 2000, p. 112). 
As décadas de 1920 e 1930 representavam realmente um cenário conjuntural de profundas transformações. Nas relações políticas: um mundo destruído e abalado pela guerra entre as Nações (1914-1918); Na economia: o colapso do Capitalismo após o Crash da bolsa de valores de Nova York e o “fantasma” do Socialismo, como alternativa possível à crise, simbolizado pelos planos quinqüenais de Stálin; Nas relações sociais a predominância do “medo, insegurança, descrença no futuro”, destacadamente a partir da ascensão dos partidos totalitários (fascismo, franquismo e nazismo) com a proposta de “reconstruir” o que fora perdido. Notoriamente, um período rico relativo aos caminhos teóricos atribuído às ciências sociais. As questões que incomodavam o presente foram incorporadas como objetos de análises históricas:

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Limitações da historiografia marxista Parte III: o Positivismo.


O lema Ordem e Progresso na bandeira do Brasil é inspirado pelo lema de Auguste Comte do positivismo: L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but ("Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta"). Foi colocado, pois várias das pessoas envolvidas na proclamação da República no Brasil eram seguidores das ideias de Comte. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

O positivismo é uma linha teórica da sociologia, criada pelo francês Auguste Comte (1798-1857), que começou a atribuir fatores humanos nas explicações dos diversos assuntos, contrariando o primado da razão, da teologia e da metafísica. Segundo Henry Myers (1966), o "Positivismo é a visão de que o inquérito científico sério não deveria procurar causas últimas que derivem de alguma fonte externa, mas, sim, confinar-se ao estudo de relações existentes entre fatos que são diretamente acessíveis pela observação".

Em outras palavras, os positivistas abandonaram a busca pela explicação de fenômenos externos, como a criação do homem, por exemplo, para buscar explicar coisas mais práticas e presentes na vida do homem, como no caso das leis, das relações sociais e da ética.

Para Comte, o método positivista consiste na observação dos fenômenos, subordinando a imaginação à observação. O fundador da linha de pensamento sintetizou seu ideal em sete palavras: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. Comte preocupou-se em tentar elaborar um sistema de valores adaptado com a realidade que o mundo vivia na época da Revolução Industrial, valorizando o ser humano, a paz e a concórdia universal.

O positivismo teve fortes influências no Brasil, tendo como sua representação máxima, o emprego da frase positivista “Ordem e Progresso”, extraída da fórmula máxima do Positivismo: "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim", em plena bandeira brasileira. A frase tenta passar a imagem de que cada coisa em seu devido lugar conduziria para a perfeita orientação ética da vida social.


Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857). Fundador da Sociologia e do Positivismo. Imagem: http://www.bolender.com/Sociological%20Theory/Comte,%20Auguste/Another%20Picture%20of%20Auguste%20Comte.jpg

Embora o positivismo tenha tido grande aceitação na Europa e também em outros países, como o Brasil, e talvez seja, a base do pensamento da sociologia, as ideias de Comte foram duramente criticadas pela tradição sociológica e filosófica marxista, com destaque para a Escola de Frankfurt.
Positivismo é um conceito que possui distintos significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX quanto outras do século XX.
Desde o seu início, com Augusto Comte (1798-1857)  na primeira metade do século XIX, até o presente século XXI, o sentido da palavra mudou radicalmente, incorporando diferentes sentidos, muitos deles opostos ou contraditórios entre si. Nesse sentido, há correntes de outras disciplinas que se consideram "positivistas" sem guardar nenhuma relação com a obra de Comte. Exemplos paradigmáticos disso são o Positivismo Jurídico, do austríacoHans Kelsen, e o Positivismo Lógico (ou Círculo de Viena), de Rudolph Carnap, Otto Neurath e seus associados.
Para Comte, o Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Médiae do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco aRevolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humanaradical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte.
O método do positivismo
O método geral do positivismo de Auguste Comte consiste na observação dos fenômenos, opondo-se ao racionalismo e ao idealismo, por meio da promoção do primado da experiência sensível, única capaz de produzir a partir dos dados concretos (positivos) a verdadeira ciência(na concepção positivista), sem qualquer atributo teológico ou metafísico, subordinando a imaginação à observação, tomando como base apenas o mundo físico ou material. O Positivismo nega à ciência qualquer possibilidade de investigar a causa dos fenômenos naturais e sociais, considerando este tipo de pesquisa inútil e inacessível, voltando-se para a descoberta e o estudo das leis (relações constantes entre os fenômenos observáveis).

sábado, 1 de junho de 2013

Limitações da historiografia marxista Parte II: A Escola de Annales.


A teoria marxista da História compreende teses a teoria da História Materialista, (materialismo histórico), que foi uma proposição efetuada por Marx e que institui uma abordagem economicista para a história da Humanidade.
A historiografia marxista não tenha conseguido perceber as massas populares como integrantes ativos na construção da história, embora dominados ou alienados, não empregou um olhar que ia muito além das balizas teóricas e ideológicas pertinentes ao que se tinha como quase dogma entre os inspirados seguidores de Marx.
A Escola dos Annales

A chamada escola dos Annales é um movimento historiográfico que se constitui em torno do periódico acadêmico francês Annales d'histoire économique et sociale, tendo se destacado por incorporar métodos das Ciências Sociais à História; há que referir que o seu nascimento é também um reflexo da conjunta: estava-mos em 1929, ano da Grande Crise econômica que assolou os Estados Unidos, bem como a Europa.



A Historiografia Marxista demonstrou ter seus limites. Por causa do grande enfoque dado nas relações econômicas, os historiadores perceberam que não seria possível explicar todos os aspectos da vida social. Muitas facetas importantes para as relações do cotidiano na humanidade não eram abordadas. Hoje se entende que a História é feita em diversas circunstâncias da vida humana e esta muito em foco as proposições feitas pela quarta geração da Escola dos Annales que enfatiza as implicações da cultura na explicação das sociedades.
No entanto, a ênfase econômica dos estudos realizados pelos historiadores marxistas não abarcou todos os aspectos da vida das sociedades ao longo da história. O fato é que aspectos também importantes da vida cotidiana das sociedades na história não estavam dentro do foco marxista e uma nova história passou a ser escrita. Atualmente, com novos e ousados métodos de estudo, os aspectos ordinários, culturais, e não apenas os singulares também interessaram aos novos historiadores e aos historiadores pós-modernos.
Atualmente há uma tendência produtiva de se partir para o desprezo a qualquer coisa que “pareça” marxista desde o “fim” da esperança do socialismo real.

A chamada escola dos Annales é um movimento historiográfico que se constitui em torno do periódico acadêmico francês Annales d'histoire économique et sociale, tendo se destacado por incorporar métodos das Ciências Sociais à História; há que referir que o seu nascimento é também um reflexo da conjunta: estávamos em 1929, ano da Grande Crise econômica que assolou os Estados Unidos, bem como a Europa: Alemanha e França, em maior escala: os Annales visam ser como um retrato do espectro de '29, uma época de mutações, que iria ser como que a catapulta essencial para um novo tipo de história, a econômica, a social...e empreender um corte na história política, na história individual, mas, sem a arredar de cena, como a vertente mais social vinha sendo vitima (era um pouco ostracizada, colocada num patamar secundário, bem no fundo da história política ou militar...).



Fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929, propunha-se a ir além da visão positivista da história como crônica de acontecimentos (histoire événementielle), substituindo o tempo breve da história dos acontecimentos pelos processos de longa duração, com o objetivo de tornar inteligíveis a civilização e as "mentalidades".

A escola des Annales renovou e ampliou o quadro das pesquisas históricas ao abrir o campo da História para o estudo de atividades humanas até então pouco investigadas, rompendo com a compartimentação das Ciências Sociais (História, Sociologia, Psicologia, Economia, Geografia humana e assim por diante) e privilegiando os métodos pluridisciplinares.1

Em geral, divide-se a trajetória da escola em quatro fases:

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Limitações da historiografia marxista Parte I: o enganado Eric Hobsbawm.

Eric Hobsbawm. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Maior historiador esquerdista de língua inglesa, Eric Hobsbawm, faleceu em 1 de outubro de 2012, aos 95 anos. Marxista irredutível, Hobsbawm chegou a defender o indefensável: numa entrevista que chocou leitores, críticos e colegas:

“Alegou que o assassinato de milhões orquestrados por Stalin na União Soviética teria valido a pena se dele tivesse resultado uma ‘genuína sociedade comunista’”.

Eric Hobsbawn

Hobsbawm foi de fato um historiador talentoso. Nunca fez doutrinação rasteira em suas obras. Mas o talento de historiador, é forçoso dizer, ficará para sempre manchado pela cegueira com que ele se agarrou a uma posição ideológica insustentável.

Essa posição lança sombras sobre uma de suas obras mais famosas, A Era dos Extremos, livro de 1994 que, depois da trilogia sobre o século XIX composta pelos livros A Era das Revoluções,A Era do Capital e A Era dos Impérios, lançados entre 1962 e 1987, se dedica a investigar a história do século XX –  quando Hitler matou milhões em seus campos de concentração e os regimes comunistas empreenderam os seus próprios extermínios. Hobsbawm se abstém de condenar os crimes soviéticos, embora o faça, com toda a ênfase, com relação aos nazistas.

Outro eminente historiador de origem britânica, Tony Judt (1948-2010), professor de história da New York University que fez uma longa resenha do livro de memórias de Hobsbawm, Tempos Interessantes, advertia já em 2008 que o colega ficaria marcado por sua posição política.

“Ele pagará um preço: ser lembrado não como ‘o’ historiador, mas como o historiador comunista

 Tony Judt .The New York Times.

Em texto publicado pela revista The New Criterion, o escritor David Pryce-Jones também apontou o prejuízo da ligação de Hobsbawm com o pensamento marxista.

“A devoção ao comunismo destruiu o historiador como um pensador ou um intérprete de fatos.”

David Pryce Jones, The New Criterion

O entusiasmo com a revolução bolchevique, aliás, não foi a única fonte de tropeços morais para Hobsbawm. A conflituosa relação com as raízes judaicas – seu sobrenome deriva de Hobsbaum, modificado por um erro de grafia – o levou a apoiar o nacionalismo palestino e, ao mesmo tempo, a negar igual tratamento a Israel.

Biografia – A história pessoal de Hobsbawm ajuda a entender sua adesão ao marxismo. Nascido no ano da Revolução Russa, 1917, em Alexandria, no Egito, ele se mudou na infância para Viena, terra natal materna, onde perdeu ainda adolescente tanto a mãe quanto o pai, um fracassado negociante inglês que permitiu a ele ter desde cedo o passaporte britânico. Criado por parentes em Berlim na época em que Hitler ascendia ao poder, ele viu no comunismo uma contrapartida ao nazismo.


Eric Hobsbawn. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Da Alemanha, Hobsbawm seguiu para a Inglaterra. Durante a guerra, serviu numa unidade de sapadores quase que inteiramente formada por soldados de origem operária - e daí viria, mais que a simpatia, uma espécie de identificação com aquela que, segundo Marx, era a classe revolucionária. Ele estudou em Cambridge, e se filiou ao Partido Comunista, ao qual se aferraria por anos.

Nem mesmo após a denúncia das atrocidades stalinistas feita por Nikita Khrushchov em 1956, quando diversos intelectuais romperam com o comunismo, ele deixou o partido.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Transiberiana: a mais longa ferrovia do mundo: de 1891 a 1904, milhares de operários enfrentaram frio, fome e epidemias para criar a linha férrea que atravessa a Rússia, projeto faraônico que quase não chegou ao fim.


Clique na imagem para ampliar.

Mapa da Transiberiana de 1897. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Para aqueles que tiveram o privilégio de percorrê-lo, ele é bem mais do que uma experiência. Uma referência, um mito. Impossível esquecê-lo. Basta evocar o rolamento do caminho de ferro na imensidão siberiana – caleidoscópio de paisagens diversas – para despertar a curiosidade. A ferrovia mais longa do mundo – quase 10 mil quilômetros, um quarto da circunferência da Terra na altura do Equador – ainda inflama os espíritos.

Na taiga, entre as colinas e montes pelados, os complexos industriais do rio Ural ao lago Baikal – o mais profundo do planeta, localizado no sul da Sibéria – da Europa à Ásia, os vagões fora de moda repintados nas cores da Rússia pós-comunista oferecem um passeio ferroviário excepcional. No século XXI, essa linha de trem – cuja construção exigiu que florestas inteiras fossem abatidas, rios desviados, milhares de quilômetros de trilhos instalados e centenas de pontes construídas – ainda surpreende pelo gigantismo. Antes da ferrovia, para atravessar a Sibéria, utilizava-se o trakt, uma estrada de cascalho, mantida sob os cuidados de presidiários ou de mujiques, os exilados voluntários, para que os negociantes, militares e adversários banidos – tais como os dezembristas, os primeiros a se revoltar, em 1825, contra o regime czarista – não tivessem os ossos deslocados nas carroças ou trenós, a cada quilômetro.

Os pioneiros Quando se iniciaram as obras, em 1890, Anton Tchekhov, viajando pelo trakt com destino à Ilha Sacalina, escreveu: “Eis-me em Ecaterimburgo (onde, em 1918, foram executados o czar Nicolau II e sua família), eu tenho o pé direito na Europa e o esquerdo na Ásia”. Se viajasse na década seguinte, poderia ter chegado de trem. Foi o tempo gasto para a instalação de 10 mil quilômetros de trilhos. Engenheiros e operários pagaram caro para construir esse colosso em tão pouco tempo.

Tudo começou em 1867, depois que o Império Russo, em dificuldades financeiras por conta da Guerra da Crimeia (1853-1856), vendeu o Alasca para os EUA. O governo russo percebeu, que a Sibéria, terra selvagem e de exílio onde somente os negociantes de pele faziam fortuna, dispunha de riquezas ainda não exploradas, entre elas as enormes jazidas de ouro. Como transportá-las, se não fosse por ferrovia? Assim, nasceu a ideia da Transiberiana. Desde que o projeto da ferrovia se tornou conhecido, as sugestões se multiplicaram – algumas delirantes, como a de comboios puxados por cavalos, na falta de carvão para alimentar as locomotivas a vapor...

Iniciativa militar As autoridades czaristas compreenderam rapidamente a importância econômica e estratégica de um trem que ligasse Moscou a Vladivostok, a jovem cidade construída em frente ao Japão, rival histórico da Rússia. Após o conflito franco-prussiano de 1870, a diplomacia russa percebeu que, no caso de guerra com os japoneses, a ferrovia seria um meio eficaz para transportar as tropas – o que foi confirmado em 1904. Pode-se dizer que a Transiberiana foi, a princípio, construída por militares e para militares.

Em 1875, a publicação do romance Michel Strogoff , de Júlio Verne, apresenta as terras desconhecidas da Sibéria Oriental ao grande público. O entusiasmo foi tamanho que, de forma inesperada, os chineses, invejosos da publicidade dada a essa região, interromperam as exportações de chá para a Rússia. Fosse boiardo ou mujique, ninguém ficou indiferente a essa medida: um dia inteiro sem chá era tão insuportável que, na Transiberiana do século XXI, continua-se a dar mais atenção à manutenção do samovar – um em cada carro – do que à do eixos...


Para o ministro das Finanças Serguei Witte, ardor e fé eram fundamentais para uma obra tão monumental. Retrato do Ministro das Finanças e membro do Conselho de Estado Sergei Yulyevich Witte, óleo sobre tela, Ilya Repin, 1903. Imagem: Galeria Tretyakov, Moscou.

Embora no final do século XIX, o trem existisse somente nos documentos do Comitê das linhas férreas, a colonização das terras aráveis siberianas se acelerou. As pressões sobre o czar Alexandre III se intensificaram. O barão Korf, governador da Sibéria Oriental, repete que, do lado de Vladivostok, a via férrea seria uma espécie de muralha contra toda e qualquer invasão chinesa ou japonesa. Seu filho, o czareviche Nicolau, reteve a lição. Num documento assinado de próprio punho e datado de 29 de março de 1891, ele sela o destino da Transiberiana – ignorando que, 27 anos mais tarde, ele faria, naquela ferrovia, sua última viagem.

Diante de um casebre de madeira, ele instalou em Vladivostok o primeiro trilho. Para Serguei de Witte, ministro das Finanças, tanto o ardor quanto a fé nessas obras tornaram-se uma necessidade. As responsabilidades eram enormes: definir um traçado, achar materiais, recrutar os operários, que precisariam ser alimentados e alojados e ainda trabalhariam em condições climáticas extremas. Primeira decisão: a construção deveria ocorrer, simultaneamente, em três grandes áreas. Uma dificuldade maior surgiu: a travessia do lago Baikal.

A Sibéria não dispunha de estaleiros navais. Os comboios atravessavam essa extensão de água, verdadeiro mar interior, numa barca construída na Inglaterra e enviada em peças isoladas pelos trechos da linha já finalizados. De vocação militar, no início, a ferrovia devia ser protegida. Daí, a ideia de expandir em 11 centímetros a largura dos trilhos, fixada na Europa e na Ásia a 1,52 metro.

Os construtores foram declarados “heróis da pátria”, uma homenagem modesta para quem sofreu tanto. Após um dia inteiro cavando, atulhando, instalando vigas e trilhos, os trabalhadores eram transportados em carroças pelo trakt, de volta aos casebres de madeira mofada dispostos por seções de 5 km, distância que eles deveriam percorrer em caso de neve, vento ou calor escaldante, e sob o ataque constante de mosquitos. O abastecimento de provisões, água potável – e vodca – era problemático. Fossem engenheiros ou operários, esses homens famintos podiam se transformar em animais selvagens, capazes de estrangular um camarada por uma simples migalha de pão.

Milhares ficaram cegos Algumas estelas ao longo do caminho lembram aos passageiros que ali ocorreram mortes, muitas mortes. O ministro Witte escreveu um relatório destinado ao czar, que se solidarizou, ordenando somente a substituição dos defuntos por novas levas de trabalhadores – ninguém na capital procurou criar um serviço de saúde. Entre as vítimas figuram milhares de operários que ficaram cegos por causa de picadas de insetos.

Após a morte de Alexandre III, em 1894, boiardos e mujiques imploraram para que Nicolau II interrompesse as obras. O Transiberiana talvez nunca tivesse sido concluída não fosse a contribuição do rico industrial belga Georges Nagelmackers. Inventor dos vagões-leito, sob a sigla Pullman, ele sugere a Witte o lançamento de um trem “confortável” e chega a oferecer de presente um vagão-igreja. As obras, não mais sob tutela militar, continuam. Gustav Eiffel, o pai da torre, sempre à procura de um bom negócio, propõe o fornecimento de todo o percurso de vigotas metálicas.

Meretrizes de toda a Europa Quilômetro após quilômetro, o trilho avançava pela floresta boreal. Witte tem, então, uma revelação: o que falta aos homens? Mulheres! Por meio de pequenos anúncios, prostitutas, bem pagas, são trazidas de toda a Europa – e não da perversa Ásia! O czar concorda. Quantos siberianos são descendentes de meretrizes das calçadas de Paris!


Estação de Krasnoyarsk, na Rússia, em agosto de 2006. Imagem: História Viva.

Considerando que os industriais seriam os principais beneficiários do trem, Nagelmackers recorre aos mais afortunados. Sem resultado. Ele sopra, então, a Witte uma ideia, banal hoje em dia, mas original em 1898: uma viagem para a imprensa, de Moscou a Tomsk. Três carros com dois leitos, um vagão-salão com piano, uma cozinha delicada preparada por Auguste Escoffier. Oriundo da Côte d’Azur, esse chefe fez as delícias dos ricos russos, para os quais a Riviera é a antecâmara do paraíso. Todos aprovam a ideia, com exceção do czar: ele não queria que os estrangeiros tomassem conhecimento das terríveis condições de trabalho nas obras. A solução foi dar folga para todos os trabalhadores de 5 a 25 de agosto, durante toda a viagem, que se faz ao longo de 3 500 km. Os relatos dessa “fabulosa Sibéria” transbordavam de entusiasmo – mas nenhuma palavra sobre os deportados. O luxo oferecido justificava uma tal dissimulação?

O czar, entretanto, se voltou contra Witte por causa de gastos não justificados; o ministro das Finanças invocou epidemias, chuvas, rebeliões rapidamente reprimidas dos aldeões incompetentes empregados à força... E manteve seu cargo. Em 1903, a Transiberiana foi concluída. A partir do ano seguinte, ela provou sua utilidade. Quando, na noite de 9 de fevereiro, uma armada japonesa atracou em Port-Arthur, o czar, humilhado, gritou: “Que as tropas sejam enviadas pela ferrovia!”. Sim, mas... Sem dúvida instalados muito rapidamente, os trilhos entre Khabarovsk e Vladivostok apresentam vários defeitos. E o que tinha que acontecer, aconteceu: perto de Tchita, o trem descarrilou numa floresta, uma zona pouco povoada onde faltam provisões e água doce. Alguns militares morrem, outros perdem a razão ou fogem para a estepe – uma vasta escolha de presas para os ursos, tigres e lobos.