Hélio Jaguaribe, que teve sempre a coragem e a lucidez de tocar a pele viva de todas as zonas da realidade brasileira, dizia, em seu trabalho “Idéias para a Filosofia no Brasil”, que “depois do integralismo seguiu-se o silêncio dos que são incapazes de emprestar um sentido geral e historicamente atualizado a suas aspirações de poder”.
Esse silêncio tenta estender sua cortina de chumbo e de cultivada estupidez não só sobre a obra política, mas também sobre a obra literária de Plínio Salgado. A tal ponto que neste ano em que se comemora o centenário de seu nascimento apenas algumas homenagens esparsas cuidaram de evocar seu nome e sua presença na história deste país.
Que se saiba, até aqui, o centenário de um homem que assinalou como um marco de pedra e como um signo de contradição a aventura do pensamento brasileiro foi celebrado apenas _o que não é pouco_ por um artigo de Miguel Reale, uma sessão na Academia Paulista de Letras e um comovido festival de encontros culturais em sua doce cidade natal de São Bento do Sapucaí (SP), que, parece, vai durar o ano inteiro.
Afinal, quem tem medo de Plínio Salgado? Jornalista militante era redator do “Correio Paulistano", de onde partiu para a literatura e para a política. Os desmemoriados se esquecem de que Plínio foi um dos protagonistas da Semana de Arte Moderna, cujos participantes, segundo lembra, “apontaram novos caminhos, libertações integrais, nacionalismo espontâneo”.
Ocupado com a política e as letras, era secretário da Coligação Paulista, presidida por Altino Arantes e, ao mesmo tempo, devorava a literatura mais avançada da Europa, lendo Marinetti e Soffici, Govoni, Apollinaire, Cocteau, Max Jacob e Cendrars, que alternava com a literatura revolucionária de Marx e Trotski, de Lênin e Sorel, de Plekhanov e Feuerbach. Foi deputado estadual, com estrondosa votação, acompanhando Júlio Prestes. Em 1926, publica o primeiro romance, “O Estrangeiro".
O romance trouxe um “frisson nouveau” às letras do país. Mário de Andrade o saudou como a obra mais importante de sua geração. Cassiano Ricardo disse do autor: “É um Alencar corrigido por um Machado”. Para Tristão de Athayde, era “o romance mais dramático de nosso tempo”.
Foi o primeiro livro de uma tetralogia, em que a genealogia das inquietações de São Paulo e do Brasil passou, com "O Esperado", "O Cavaleiro de Itararé" e "A Voz do Oeste", pelo proletariado do Brás, pelos últimos barões do café, pelo contraponto dos imigrantes italianos, pelos anarquistas românticos e os marxistas geométricos, como lembrou seu sucessor na Academia Paulista. Os heróis de Plínio, um apaixonado pela poesia de Eliot e de Auden, transitam do tempo dos bandeirantes ao dos bacharéis do antigo PRP e ao tempo futuro que fermentava nas esperanças de uma geração de fronteiras.
Plínio Salgado foi o profeta da geração de fronteiras a que pertencemos todos os que vieram do mundo criado entre a Primeira Guerra Mundial, entre o fascismo e o comunismo, até o crepúsculo wagneriano da Segunda Guerra. Neste país de "Phds de cacaracá"", ensurdecido pela "merdopéia" das ideologias e das covardias políticas, ainda não se fez o estudo que algumas universidades da Europa e dos EUA estão empreendendo sobre a obra de Salgado.
Como no refrão da elegia de Lorca, as pessoas, acuadas pelo patrulhamento stalinista, não querem ver a verdadeira face do velho que está fazendo cem anos. Foram buscar suas vertentes no fascismo ou no nazismo. Num samba do crioulo doido, confundem seu pensamento político com o anti-semitismo.
Vale a pena lembrar que a primeira denúncia brasileira contra o anti-semitismo e a perseguição aos judeus pelo menos a primeira denúncia de peso foi clamada por Plínio Salgado, quando advertiu que no movimento por ele fundado em 1932, o integralismo, ninguém ousaria uma palavra contra a raça a que pertencia a mãe de Jesus Cristo.
De resto, havia um grande número de judeus nas fileiras do integralismo, e eu mesmo me lembro com emoção e com saudade de um querido companheiro daqueles tempos, o brilhante e bravo judeu Aben-Atar Neto. E tantos outros. Mas isso é outra história.
É e não é. Porque no mesmo berimbau se tocou a cavatina das inspirações fascistas do Sr. Plínio Salgado. Na verdade, desde 1935, em pleno esplendor do fascismo e do nazismo, ele repeliu um sistema político em que a massa engendra um "führer", ou um "führer" engendra a massa, porque no primeiro caso, o que se engendra é um sapo, e no segundo, um monstro (sic).
Além de seus romances, deixou obras fundamentais, como "A Quarta Humanidade", "Psicologia da Revolução" e a monumental "Vida de Jesus". Em toda a sua obra, o que ele tenta pronunciar é a palavra brasileira. Não há como não lembrar aquele episódio patético de seu romance, em que Juvêncio, personagem que se confunde com o autor, estrangula e joga numa cachoeira um papagaio que só cantava a "Giovinezza" e não falava nossa língua.
Nem no nazismo nem no fascismo. O entendimento do Brasil, da reengenharia do país e de sua sociedade, ele o fundava em Euclides da Cunha, a quem Cassiano e Menotti del Picchia o comparavam, em Oliveira Viana, em Pandiá Calógeras, em Alberto Torres. Buscava na doutrina social da Igreja e na obra de Farias Brito a inspiração social e espiritual de seu pensamento.
Seria curioso fazer um inventário dos líderes políticos e dos intelectuais brasileiros que acompanharam Salgado. Dei-me um dia ao trabalho, junto com o mestre Luís da Câmara Cascudo e com o então senador José Guiomard: contamos três presidentes da República (pós-64) e 123 deputados e senadores. Escritores, professores, diplomatas, empresários e oficiais das Forças Armadas não dá para contar.
O presidente FHC e o ministro da Educação deviam instituir 1995 como o "ano Plínio Salgado". Ou será que também eles e o ministro da Cultura nunca terão lido o velho de São Bento de Sapucaí e os autores que ele ensinava Euclides, Oliveira Viana, Torres, Manuel Bonfim? Só quem não os leu é que pode ter medo de Plínio Salgado.
Você quer saber mais?
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