Texto:
Sergio Senna
Quando ministro aulas sobre
a mentira, muitas pessoas me perguntam sobre os psicopatas e suas artimanhas
para enganar.
Nesse artigo, apresentarei
algumas características da psicopatia e introduzirei aspectos sobre a mentira
que ocorrem nesse contexto. Em outra postagem veremos a mentira com mais
detalhes.
Veremos, ainda, alguns
aspectos sobre a psicopatia que podem nos interessar no que diz respeito à
mentira e à análise do comportamento não verbal.
Não estranhe os nomes utilizados na
psicologia. Alguns deles têm mais de 150 anos e, àquela época, era muito comum
tratar aspectos técnicos com palavras do senso comum. Então, certos conceitos
psicológicos, ainda hoje, possuem significados complexos para as mesmas
palavras que você conhece e usa na linguagem cotidiana. Trocando em miúdos – alguns
nomes são horrorosos.
Se você tem interesse nesses
assuntos, procure verificar o significado psicológico dos termos, pois eles,
não necessariamente, coincidem com aqueles que as pessoas usam na Língua
Portuguesa do dia a dia.
Percebo, ainda, que a
preocupação excessiva das pessoas com a psicopatia e com a mentira está
relacionada à repercussão das barbaridades cometidas por serial killers.
Entretanto, estudos mostram que, na população em geral, as taxas dos
transtornos de personalidade podem variar de 0,5% a 3% (APA, 2000; Assadi et
al., 2006; Dembo et al., 2007; Elonheimo et al., 2007), lembrando que nem todos
os assim chamados sociopatas matam pessoas ou trazem grandes prejuízos para os
que os cercam.
Como
se define a psicopatia?
Psicopatia ou sociopatia é a
forma popular para denominar o Transtorno de Personalidade Dissocial.
É um transtorno de
personalidade descrito no DSM-IV-TR, caracterizado pelo comportamento impulsivo
do indivíduo afetado, desprezo por normas sociais, e indiferença aos direitos e
sentimentos dos outros.
Na Classificação
Internacional de Doenças, recebe a denominação de Transtorno de Personalidade
Dissocial (Código: F60.2).
É um transtorno de
personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de
empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e
as normas sociais estabelecidas.
Existe uma baixa tolerância
à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da
violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer
racionalizações plausíveis (usando ou não a mentira) para explicar um comportamento que leva o
sujeito a entrar em conflito com a sociedade.
Nos casos extremos, o
Transtorno de Personalidade Dissocial é caracterizado principalmente pela
ausência de empatia com outros seres vivos, resultando em descaso com o bem
estar do outro e sérios prejuízos aos que convivem com eles.
São comuns os relatos de
sociopatas que dão conta de uma infância difícil ou de testemunhas que
observaram comportamentos excessivamente agressivos e mentira patológica na
adolescência. É igualmente comum que essas pessoas não tenham recebido o
adequado cuidado familiar, geralmente repetindo os comportamentos violentos e
abusivos a que foram submetidos. Com a passagem do tempo, o transtorno tende a
se cronificar e pode causar grandes prejuízos à vida do próprio indivíduo e
especialmente de quem convive com ele (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).
Como
se chega à conclusão de que alguém é um psicopata?
Pela descrição das
características do Transtorno de Personalidade Dissocial, é possível notar a
dificuldade de identificar tal transtorno, pois existem muitas situações que
são “socialmente” aceitas e que se assemelham ao padrão de comportamento em que
há quebra de normas sociais ou algum nível de violência. Além disso, existem
outros critérios a considerar como a idade, comorbidades, entre outros que
fogem ao propósito informativo desse artigo.
O instrumento auxiliar mais
utilizado como guia para um diagnóstico foi desenvolvido por Robert Hare
(2003). Vem sendo utilizado no Brasil e foi classificado como teste psicológico
(mas, caracteriza-se como uma escala), em 2005, pelo Conselho Federal de
Psicologia. Seus critérios diagnósticos abrangem aspectos afetivos,
interpessoais e comportamentais em relação ao estilo de vida e às ações
antissociais. Cada item é avaliado em uma nota de zero (ausente ou leve), um
(moderada) ou dois (grave). Essa
avaliação é realizada por um especialista (não é um questionário respondido
pelo próprio sujeito) e se baseia em entrevistas e no histórico disponível
sobre a pessoa. A soma total determina o grau de psicopatia de uma pessoa.
Veja alguns dos critérios da
escala Hare (PCL-R): Narcisismo agressivo, sedutor ou charme superficial;
Grandioso senso de auto-estima; Mentira patológica; Esperteza e Manipulação;
Falta de remorso ou culpa; Superficialidade emocional; Insensibilidade / Falta
de empatia; Falha em aceitar a responsabilidade por ações próprias; Agressão a
animais; Impulsividade; Irresponsabilidade.
Existem
“níveis” de psicopatia?
Muitos especialistas
sustentam que existem graus de psicopatia. Sob esse ponto de vista, mesmo quando
alguém não haja cometido algum crime bárbaro, elementos que caracterizam esse
transtorno podem estar presentes. É nesses casos que a identificação da mentira
mais nos interessa.
Veja
algumas obras que tratam desse tema:
Snakes in Suits - Robert Hare;
Psychopaths of everyday life – Martin Kantor;
Bad boys, bad men – Donald Black;
Mask of Sanity - Hervey
Cleckly
Diversas vezes, em meus 30
anos no mundo do trabalho, me deparei com pessoas assim. Eu percebia que esses
indivíduos sentiam um prazer disfarçado no sofrimento alheio. Às vezes, eu não
entendia o porquê de estar ocorrendo determinada situação que me oprimia sem
nenhuma necessidade. Mentira, manipulação de informações e redução
desnecessária de prazos: observava isso com certa frequência.
Então percebi que a razão
para esses “ataques” era me colocar em sofrimento, o que servia de contexto de
alegria para essas aberrações humanas que viviam para verem os seus semelhantes
sofrerem.
Normalmente, as
perversidades e a mentira eram “encobertas” por regras, cumprimento de ordens e
de determinações superiores, motivo pelo qual não era possível reagir
objetivamente.
Aprendi então que a melhor
forma de lidar com esses indivíduos doentes era não demonstrar sofrimento.
Inicialmente, as maldades aumentavam (o que era esperado). Entretanto, depois
de algum tempo eles “largavam do pé” e procuravam outra vítima mais responsiva
que satisfizesse mais facilmente os seus desejos em observar o sofrimento.
Em
que o Transtorno de Personalidade Dissocial interessa à análise da mentira e do
comportamento não verbal?
Um dos principais aspectos
que pode interessar a quem estuda a análise do comportamento não verbal é que o
sociopata não apresenta o padrão de ansiedade e depressão, que costuma estar
presente nos demais indivíduos quando do cometimento de atitudes violentas e da
utilização da mentira para enganar ou esconder seus atos socialmente
reprováveis.
É importante ressaltar que
os indivíduos que desenvolvem esse transtorno não apresentam um déficit em termos
de processamento das informações sociais, conseguindo entender e manipular os
estados mentais de outras pessoas (e seus comportamentos), ainda que se mostrem
indiferentes às emoções que percebem nos outros.
Eles aprendem e desenvolvem
técnicas sofisticadas para realizar manipulações voltadas à obtenção de
vantagens exclusivamente pessoais e não raras vezes perversas.