A evolução dos conceitos
relacionados com a Personalidade Psicopática decorreu durante mais de um
século, sendo que actualmente prevalece a ideia de que a psicopatia tem uma
origem bio-psico-social. Esses conceitos (Psicopata, Personalidade Psicopática
e, mais recentemente, Sociopata) têm
vindo a interessar a psiquiatria, a justiça, a antropologia, a sociologia e a
filosofia desde a antiguidade. Evidentemente que essa preocupação contínua e
perene se verifica porque sempre existiram personalidades anormais como parte
da população geral, sendo os psicopatas, indivíduos que se separam do grosso da
população em termos de comportamento, conduta moral e ética.
Eis alguns exemplos de
autores e respectivas teorias que contribuíram preponderantemente para a
construção do conceito de Psicopatia ao longo da História.
Cardamo
Uma das primeiras descrições
registadas pela medicina sobre algum comportamento que pudesse ser relacionado
com Personalidade Psicopática foi a de Girolano Cardamo (1501-1596), professor
de medicina da Universidade de Pavia.
O filho de Cardamo foi
decapitado por ter envenenado sua mulher (mãe do réu) com raízes venenosas.
Neste relato, Cardamo fala em "improbidade", quadro que não alcançava
a insanidade total porque as pessoas que disso padeciam mantinham a aptidão
para dirigir sua vontade.
Pablo Zacchia (1584-1654),
considerado por alguns como fundador da Psiquiatria Médico Legal, descreve, em
"Questões Médico Legais", as mais notáveis concepções que logo dariam
significação às "psicopatias" e aos "transtornos de
personalidade".
Pinel
Em 1801, Philippe Pinel
publica um Tratado médico filosófico sobre a alienação mental onde fala de
pessoas que têm todas as características da mania, mas que carecem do delírio.
Pinel chamava de mania aos estados de furor persistentes e comportamento
florido, distinto do conceito actual de mania.
Prichard
File:James Cowles Prichard.jpgJames Cowles Prichard (1786-1848), tal
como Pinel, lutava contra a ideia do filósofo Locke, que afirmava não poder
existir mania sem delírio, ou seja, mania sem prejuízo do intelecto. Portanto,
nessa época, os juízes não declaravam insanos nenhuma pessoa que não tivesse um
comprometimento intelectual manifesto (normalmente através do delírio). Pinel e
Pricharde tratavam de impor o conceito, segundo o qual, existiam insanidades
sem comprometimento intelectual, mas possivelmente com prejuízo afectivo e
volitivo (da vontade). Tal posição acabava por sugerir que essas três funções
mentais, o intelecto, afectividade, e a vontade, poderiam adoecer
independentemente.
Foi em 1835 que Prichard publica sua obra “Treatise on insanity and
other disorders affecting the mind", que falava da Insanidade Moral.
A partir dessa obra, o historiador G. Berrios (1993) discute o conceito da
Insanidade Moral como o equivalente ao nosso actual conceito de psicopatia.
Morel
Morel, em 1857, parte da
religião para elaborar a sua teoria da degeneração. O ser humano tinha sido
criado segundo um tipo primitivo perfeito e, todo desvio desse tipo perfeito,
seria uma degeneração. A essência do tipo primitivo e, portanto, da natureza
humana, é a contínua supremacia ou dominação do moral sobre o físico. Para
Morel, o corpo não é mais que "o instrumento da inteligência".
A doença mental inverteria
esta hierarquia e converteria o humano “em besta”. Uma doença mental não é mais
que a expressão sintomática das relações anormais que se estabelecem entre a
inteligência e seu instrumento doente, o corpo.
A degeneração de um indivíduo
se transmite e se agrava ao longo das gerações, até chegar à decadência
completa (Bercherie, 1986). Alguns autores posteriores, como é o caso de
Valentím Magnam, suprimiram o elemento religioso das ideias de Morel e
acentuaram os aspectos neurobiológicos. Estes conceitos afirmavam a ideologia
da hereditariedade e da predisposição em varias teorias sobre as doenças
mentais.
Koch e Gross
-
disposição psicopática
-
tara psíquica congénita
-
inferioridade psicopática
Dentro da primeira forma,
Disposição Psicopática, encontram-se os tipos psicológicos asténicos, de
Schneider. A Tara inclui a "as almas impressionáveis, os sentimentais
lacrimosos, os sonhadores e fantásticos, os escrupulosos morais, os delicados e
susceptíveis, os caprichosos, os exaltados, os excêntricos, os justiceiros, os
reformadores do estado e do mundo, os orgulhosos, os indiscretos, os vaidosos e
os presumidos, os inquietos, os malvados, os coleccionadores e os inventores,
os génios fracassados e não fracassados". Todos estes estados são causados
por inferioridades congénitas da constituição cerebral, mas não são
consideradas doenças.
Otto Gross, por sua vez,
dizia que o retardo dos neurónios para se estabilizarem depois da descarga
eléctrica, determinava diferenças no carácter. Diz no seu livro
"Inferioridades Psicopáticas", que a recuperação neuronal rápida
determinava indivíduos tranquilos, e que os de estabilização neuronal mais
lenta, ou seja, com maior duração da estimulação, seriam os excitáveis,
portadores dessa inferioridade.
Kraepelin
Kraepelin, quando faz a
classificação das doenças mentais em 1904, usa o término Personalidade
Psicopática para referir-se, precisamente, a este tipo de pessoas que não são
neuróticos nem psicóticos, também não estão incluídas no esquema de
mania-depressão, mas que se mantêm em choque contundente com os parâmetros
sociais vigentes. Incluem-se aqui os criminosos congénitos, a homossexualidade,
os estados obsessivos, a loucura impulsiva e os inconstantes.
Para Kraepelin, as
personalidades psicopáticas são formas frustras de psicose, classificadas
segundo um critério fundamentalmente genético e considera que os seus defeitos
se limitam essencialmente à vida afectiva e à vontade (Bruno, 1996).
Kurt Schneider
Em 1923, Schneider elabora
uma conceitualização e classificação do que é, para ele, a Personalidade
Psicopática. Schneider (1980) descarta no conjunto classificatório da
personalidade atributos tais como, a inteligência, os instintos e sentimentos
corporais e valoriza como elementos distintivos o conjunto dos sentimentos e
valores, das tendências e vontades.
Para Kurt Schneider as
Personalidades Psicopáticas formam um subtipo daquilo que classificava como
Personalidades Anormais, de acordo com o critério estatístico e da
particularidade de sofrerem devido à sua anormalidade e/ou fazerem outros
sofrer.
Entretanto, a classificação
de Personalidade Psicopática não pode ser reconhecida ou aceita pelo próprio
paciente e, às vezes, nem mesmo por algum grupo social pois, a característica
de fazer sofrer os outros ou a sociedade é demasiadamente relativo e
subjectivo: um revolucionário, por exemplo, é um psicopata para alguns e um
herói para outros.
Em consequência dessa
relatividade de diagnóstico (devido à relatividade dos valores), não é lícito
ou válido realizar um diagnóstico do mesmo modo que fazemos com as outras
doenças. Resumindo, pode-se destacar neles certas características e
propriedades que os caracterizam de maneira nada comparável aos sintomas de
outras doenças. O Psicopata é, simplesmente, uma pessoa assim.
O psicopata não tem uma
psicopatia, no sentido de quem tem uma tuberculose, ou algo transitório, mas
ele é um psicopata. Psicopata é uma maneira de ser no mundo, é uma maneira de
ser estável.
Como em tantas outras
tendências, também há um certo determinismo na concepção de Schneider. Para ele
os psicopatas são assim em toda situação vital e sob todo tipo de
circunstâncias. O psicopata é um indivíduo que não leva em conta as
circunstâncias sociais, é uma personalidade estranha, separada do seu meio. A
psicopatia não é, portanto, exógena, sendo sua essência constitucional e inata,
no sentido de ser pré-existente e emancipada das vivências.
Mas a conduta do psicopata
nem sempre é toda psicopática, existindo momentos, fases e circunstâncias de
condutas adaptadas, as quais permitem que ele passe desapercebido em muitas
áreas do desempenho social. Essa dissimulação garante sua sobrevivência social.
Kurt Schneider, psiquiatra
alemão, englobou no conceito de Personalidade Psicopática todos os desvios da
normalidade não suficientes para serem considerados doenças mentais francas,
incluindo nesses tipos, também aquele que hoje entendemos como sociopata. Dizia
que a Personalidade Psicopática (que não tinha o mesmo conceito do sociopata de
hoje) como aquelas personalidades anormais que sofrem por sua anormalidade e/ou
fazem sofrer a sociedade. Ele distinguia os seguintes tipos de Personalidade
Psicopática:
1)
Hipertímicos
2)
Depressivos
3)
Inseguros
4)
Fanáticos
5)
Carentes de Atenção
6)
Emocionalmente Lábeis
7)
Explosivos
8)
Desalmados
9)
Abúlicos
10)
Asténicos
Evidentemente, o que
entendemos hoje por psicopata ou sociopata seriam, na classificação de
Schnneider, os Desalmados. Muito mais tarde Mira y López definiu a
Personalidade Psicopática como "...aquela personalidade mal estruturada,
predisposta à desarmonia intrapsíquica, que tem menos capacidade que a maioria
dos membros de sua idade, sexo e cultura para adaptar-se às exigências da vida
social". E considerava 11 tipos dessas personalidades anormais muito
semelhantes aos tipos de Schnneider. Eram eles:
1)
Asténica
2)
Compulsiva
3)
Explosiva
4)
Instável
5)
Histérica
6)
Ciclóide
7)
Sensitivo-paranóide
8)
Esquizóide
9)
Perversa
10)
Hipocondríaca
11)
Homossexual
Cleckley
Em 1941 Cleckley escreveu um
livro chamado "The Mask of Sanity"("A máscara da
Sanidade"), sobre o psicopata, tornando-se a base da ciência moderna.
“Beauty and ugliness, except in a very superficial sense, goodness, evil, love,
horror, and humor have no actual meaning, no power to move him” afirma Cleckley
nesse livro, diz ainda ,por exemplo, que o psicopata fala de forma a entreter o
outro e que é extremamente charmoso, não obstante "trás disastre em cada
mão". Em 1964 descreveu as
características mais frequentes do que hoje chamamos psicopatas. Em 1961,
Karpmam disse "dentro dos psicopatas há dois grandes grupos; os
depredadores e os parasitas" (fazendo uma analogia biológica). Os
depredadores são aqueles que tomam as coisas pela força e os parasitas
tomam-nas através da astúcia e do engodo.
Cleckley, estabeleceu, em
"The Mask of Sanity", alguns critérios para o diagnóstico do
psicopata, sendo que em 1976, Hare, Hart e Harpur, completaram esses critérios.
Somando-se as duas listas podemos relacionar as seguintes características:
1.
Problemas de conduta na infância.
2.
Inexistência de alucinações e delírio.
3.
Ausência de manifestações neuróticas.
4.
Impulsividade e ausência de autocontrole.
5.
Irresponsabilidade
6.
Encanto superficial, notável inteligência e loquacidade.
7.
Egocentrismo patológico, auto-valorização e arrogância.
8.
Incapacidade de amar.
9.
Grande pobreza de reacções afectivas básicas.
10.
Vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada.
11.
Falta de sentimentos de culpa e de vergonha.
12.
Indigno de confiança, falta de empatia nas relações pessoais.
13.
Manipulação do outro com recursos enganosos.
14.
Mentiras e insinceridade.
15.
Perda específica da intuição.
16.
Incapacidade para seguir qualquer plano de vida.
17.
Conduta anti-social sem aparente arrependimento.
18.
Ameaças de suicídio raramente cumpridas.
19.
Falta de capacidade para aprender com a experiência vivida.
Henry Ey
Henry Ey, no seu
"Tratado de Psiquiatria", as Personalidades Psicopáticas dentro do
capítulo das doenças mentais crónicas, as quais considera como um desequilíbrio
psíquico resultante das anomalias caracteriológicas das pessoas. Cita as
características básicas das Personalidades Psicopáticas como sendo a
anti-sociabilidade e impulsividade (Bruno, 1996). A ideia dos Transtornos de
Personalidade tal como sugerido pelo DSM começou em 1966 com Robins.
O que se destaca em relação
ao conceito de Personalidade Psicopática são as controvérsias entre os vários
autores e nas várias épocas, no entanto, de alguma forma, há uma forte
tendência em se apontar para dois conceitos básicos:
A primeira posição reflecte
uma tendência mais constitucionalista (intrínseca), entendendo que o psicopata
se origina de uma constituição especial, geneticamente determinado e, em
consequência dessa organicidade, pouco se pode fazer.
A segunda tendência é a
social ou extrínseca, acreditando que a sociedade faz o psicopata, a sociedade
faz os seus próprios criminosos por não lhes dar os meios educativos e/ou
económicos necessários.
Resumindo, outros
autores, nas décadas sucessivas de 60 e
70, foram também definindo os traços característicos da psicopatia com termos
tais como; perturbações afectivas, perturbações do instinto, deficiência
superegoica, tendência a viver só o presente, baixa tolerância a frustrações.
Alguns classificam esse transtorno como anomalias do carácter e da
personalidade, ressaltando sempre a impulsividade e a propensão para condutas
anti-sociais (Glover, Henri Ey, Kolb, Liberman).
A maioria dos autores dessa
época procurava substituir o conceito de "constituição psicopática"
por "personalidades psicopáticas" já que a sua etiologia não era
claramente definida. Mas, apesar da etiologia não ser claramente entendida, o
quadro clínico da personalidade psicopática foi sendo cada vez mais
cristalinamente descrito.
Classicamente, hoje em dia e
resumindo a evolução do conceito, a Personalidade Psicopática tem sido
caracterizada principalmente por ausência de sentimentos afectuosos,
amoralidade, impulsividade, falta de adaptação social e incorrigibilidade.
https://sites.google.com/site/mundodospsicopatas12d/entrevistas-2/historia
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