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terça-feira, 3 de abril de 2018

História da Psicopatia




A evolução dos conceitos relacionados com a Personalidade Psicopática decorreu durante mais de um século, sendo que actualmente prevalece a ideia de que a psicopatia tem uma origem bio-psico-social. Esses conceitos (Psicopata, Personalidade Psicopática e, mais recentemente,  Sociopata) têm vindo a interessar a psiquiatria, a justiça, a antropologia, a sociologia e a filosofia desde a antiguidade. Evidentemente que essa preocupação contínua e perene se verifica porque sempre existiram personalidades anormais como parte da população geral, sendo os psicopatas, indivíduos que se separam do grosso da população em termos de comportamento, conduta moral e ética.
Eis alguns exemplos de autores e respectivas teorias que contribuíram preponderantemente para a construção do conceito de Psicopatia ao longo da História.

Cardamo

Uma das primeiras descrições registadas pela medicina sobre algum comportamento que pudesse ser relacionado com Personalidade Psicopática foi a de Girolano Cardamo (1501-1596), professor de medicina da Universidade de Pavia.
O filho de Cardamo foi decapitado por ter envenenado sua mulher (mãe do réu) com raízes venenosas. Neste relato, Cardamo fala em "improbidade", quadro que não alcançava a insanidade total porque as pessoas que disso padeciam mantinham a aptidão para dirigir sua vontade.
Pablo Zacchia (1584-1654), considerado por alguns como fundador da Psiquiatria Médico Legal, descreve, em "Questões Médico Legais", as mais notáveis concepções que logo dariam significação às "psicopatias" e aos "transtornos de personalidade".

Pinel

Em 1801, Philippe Pinel publica um Tratado médico filosófico sobre a alienação mental onde fala de pessoas que têm todas as características da mania, mas que carecem do delírio. Pinel chamava de mania aos estados de furor persistentes e comportamento florido, distinto do conceito actual de mania.

 Prichard

File:James Cowles Prichard.jpgJames Cowles Prichard (1786-1848), tal como Pinel, lutava contra a ideia do filósofo Locke, que afirmava não poder existir mania sem delírio, ou seja, mania sem prejuízo do intelecto. Portanto, nessa época, os juízes não declaravam insanos nenhuma pessoa que não tivesse um comprometimento intelectual manifesto (normalmente através do delírio). Pinel e Pricharde tratavam de impor o conceito, segundo o qual, existiam insanidades sem comprometimento intelectual, mas possivelmente com prejuízo afectivo e volitivo (da vontade). Tal posição acabava por sugerir que essas três funções mentais, o intelecto, afectividade, e a vontade, poderiam adoecer independentemente.
Foi em 1835 que Prichard publica sua obra “Treatise on insanity and other disorders affecting the mind", que falava da Insanidade Moral. A partir dessa obra, o historiador G. Berrios (1993) discute o conceito da Insanidade Moral como o equivalente ao nosso actual conceito de psicopatia.

Morel

Morel, em 1857, parte da religião para elaborar a sua teoria da degeneração. O ser humano tinha sido criado segundo um tipo primitivo perfeito e, todo desvio desse tipo perfeito, seria uma degeneração. A essência do tipo primitivo e, portanto, da natureza humana, é a contínua supremacia ou dominação do moral sobre o físico. Para Morel, o corpo não é mais que "o instrumento da inteligência".
A doença mental inverteria esta hierarquia e converteria o humano “em besta”. Uma doença mental não é mais que a expressão sintomática das relações anormais que se estabelecem entre a inteligência e seu instrumento doente, o corpo.
A degeneração de um indivíduo se transmite e se agrava ao longo das gerações, até chegar à decadência completa (Bercherie, 1986). Alguns autores posteriores, como é o caso de Valentím Magnam, suprimiram o elemento religioso das ideias de Morel e acentuaram os aspectos neurobiológicos. Estes conceitos afirmavam a ideologia da hereditariedade e da predisposição em varias teorias sobre as doenças mentais.

Koch e Gross

Em 1888, Koch (Schneider, 1980) fala de Inferioridades Psicopáticas, mas refere-se à inferioridades no sentido social e não moral, como se referiam anteriormente. Para Koch, as inferioridades psicopáticas eram congénitas e permanentes e divididas em três formas:

- disposição psicopática
- tara psíquica congénita
- inferioridade psicopática

Dentro da primeira forma, Disposição Psicopática, encontram-se os tipos psicológicos asténicos, de Schneider. A Tara inclui a "as almas impressionáveis, os sentimentais lacrimosos, os sonhadores e fantásticos, os escrupulosos morais, os delicados e susceptíveis, os caprichosos, os exaltados, os excêntricos, os justiceiros, os reformadores do estado e do mundo, os orgulhosos, os indiscretos, os vaidosos e os presumidos, os inquietos, os malvados, os coleccionadores e os inventores, os génios fracassados e não fracassados". Todos estes estados são causados por inferioridades congénitas da constituição cerebral, mas não são consideradas doenças.
Otto Gross, por sua vez, dizia que o retardo dos neurónios para se estabilizarem depois da descarga eléctrica, determinava diferenças no carácter. Diz no seu livro "Inferioridades Psicopáticas", que a recuperação neuronal rápida determinava indivíduos tranquilos, e que os de estabilização neuronal mais lenta, ou seja, com maior duração da estimulação, seriam os excitáveis, portadores dessa inferioridade.

Kraepelin

Kraepelin, quando faz a classificação das doenças mentais em 1904, usa o término Personalidade Psicopática para referir-se, precisamente, a este tipo de pessoas que não são neuróticos nem psicóticos, também não estão incluídas no esquema de mania-depressão, mas que se mantêm em choque contundente com os parâmetros sociais vigentes. Incluem-se aqui os criminosos congénitos, a homossexualidade, os estados obsessivos, a loucura impulsiva e os inconstantes.


Para Kraepelin, as personalidades psicopáticas são formas frustras de psicose, classificadas segundo um critério fundamentalmente genético e considera que os seus defeitos se limitam essencialmente à vida afectiva e à vontade (Bruno, 1996).

Kurt Schneider

Em 1923, Schneider elabora uma conceitualização e classificação do que é, para ele, a Personalidade Psicopática. Schneider (1980) descarta no conjunto classificatório da personalidade atributos tais como, a inteligência, os instintos e sentimentos corporais e valoriza como elementos distintivos o conjunto dos sentimentos e valores, das tendências e vontades.
Para Kurt Schneider as Personalidades Psicopáticas formam um subtipo daquilo que classificava como Personalidades Anormais, de acordo com o critério estatístico e da particularidade de sofrerem devido à sua anormalidade e/ou fazerem outros sofrer.
Entretanto, a classificação de Personalidade Psicopática não pode ser reconhecida ou aceita pelo próprio paciente e, às vezes, nem mesmo por algum grupo social pois, a característica de fazer sofrer os outros ou a sociedade é demasiadamente relativo e subjectivo: um revolucionário, por exemplo, é um psicopata para alguns e um herói para outros.
Em consequência dessa relatividade de diagnóstico (devido à relatividade dos valores), não é lícito ou válido realizar um diagnóstico do mesmo modo que fazemos com as outras doenças. Resumindo, pode-se destacar neles certas características e propriedades que os caracterizam de maneira nada comparável aos sintomas de outras doenças. O Psicopata é, simplesmente, uma pessoa assim.
O psicopata não tem uma psicopatia, no sentido de quem tem uma tuberculose, ou algo transitório, mas ele é um psicopata. Psicopata é uma maneira de ser no mundo, é uma maneira de ser estável.
Como em tantas outras tendências, também há um certo determinismo na concepção de Schneider. Para ele os psicopatas são assim em toda situação vital e sob todo tipo de circunstâncias. O psicopata é um indivíduo que não leva em conta as circunstâncias sociais, é uma personalidade estranha, separada do seu meio. A psicopatia não é, portanto, exógena, sendo sua essência constitucional e inata, no sentido de ser pré-existente e emancipada das vivências.
Mas a conduta do psicopata nem sempre é toda psicopática, existindo momentos, fases e circunstâncias de condutas adaptadas, as quais permitem que ele passe desapercebido em muitas áreas do desempenho social. Essa dissimulação garante sua sobrevivência social.
Kurt Schneider, psiquiatra alemão, englobou no conceito de Personalidade Psicopática todos os desvios da normalidade não suficientes para serem considerados doenças mentais francas, incluindo nesses tipos, também aquele que hoje entendemos como sociopata. Dizia que a Personalidade Psicopática (que não tinha o mesmo conceito do sociopata de hoje) como aquelas personalidades anormais que sofrem por sua anormalidade e/ou fazem sofrer a sociedade. Ele distinguia os seguintes tipos de Personalidade Psicopática:

1) Hipertímicos
2) Depressivos
3) Inseguros
4) Fanáticos
5) Carentes de Atenção
6) Emocionalmente Lábeis
7) Explosivos
8) Desalmados
9) Abúlicos
10) Asténicos

Evidentemente, o que entendemos hoje por psicopata ou sociopata seriam, na classificação de Schnneider, os Desalmados. Muito mais tarde Mira y López definiu a Personalidade Psicopática como "...aquela personalidade mal estruturada, predisposta à desarmonia intrapsíquica, que tem menos capacidade que a maioria dos membros de sua idade, sexo e cultura para adaptar-se às exigências da vida social". E considerava 11 tipos dessas personalidades anormais muito semelhantes aos tipos de Schnneider. Eram eles:

1) Asténica
2) Compulsiva
3) Explosiva 
4) Instável
5) Histérica
6) Ciclóide
7) Sensitivo-paranóide
8) Esquizóide
9) Perversa
10) Hipocondríaca
11) Homossexual

Cleckley

Em 1941 Cleckley escreveu um livro chamado "The Mask of Sanity"("A máscara da Sanidade"), sobre o psicopata, tornando-se a base da ciência moderna. “Beauty and ugliness, except in a very superficial sense, goodness, evil, love, horror, and humor have no actual meaning, no power to move him” afirma Cleckley nesse livro, diz ainda ,por exemplo, que o psicopata fala de forma a entreter o outro e que é extremamente charmoso, não obstante "trás disastre em cada mão".  Em 1964 descreveu as características mais frequentes do que hoje chamamos psicopatas. Em 1961, Karpmam disse "dentro dos psicopatas há dois grandes grupos; os depredadores e os parasitas" (fazendo uma analogia biológica). Os depredadores são aqueles que tomam as coisas pela força e os parasitas tomam-nas através da astúcia e do engodo.
Cleckley, estabeleceu, em "The Mask of Sanity", alguns critérios para o diagnóstico do psicopata, sendo que em 1976, Hare, Hart e Harpur, completaram esses critérios. Somando-se as duas listas podemos relacionar as seguintes características:

1. Problemas de conduta na infância.
2. Inexistência de alucinações e delírio.
3. Ausência de manifestações neuróticas.
4. Impulsividade e ausência de autocontrole.
5. Irresponsabilidade
6. Encanto superficial, notável inteligência e loquacidade.
7. Egocentrismo patológico, auto-valorização e arrogância.
8. Incapacidade de amar.
9. Grande pobreza de reacções afectivas básicas.
10. Vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada.
11. Falta de sentimentos de culpa e de vergonha.
12. Indigno de confiança, falta de empatia nas relações pessoais.
13. Manipulação do outro com recursos enganosos.
14. Mentiras e insinceridade.
15. Perda específica da intuição.
16. Incapacidade para seguir qualquer plano de vida.
17. Conduta anti-social sem aparente arrependimento.
18. Ameaças de suicídio raramente cumpridas.
19. Falta de capacidade para aprender com a experiência vivida.

Henry Ey

Henry Ey, no seu "Tratado de Psiquiatria", as Personalidades Psicopáticas dentro do capítulo das doenças mentais crónicas, as quais considera como um desequilíbrio psíquico resultante das anomalias caracteriológicas das pessoas. Cita as características básicas das Personalidades Psicopáticas como sendo a anti-sociabilidade e impulsividade (Bruno, 1996). A ideia dos Transtornos de Personalidade tal como sugerido pelo DSM começou em 1966 com Robins.
O que se destaca em relação ao conceito de Personalidade Psicopática são as controvérsias entre os vários autores e nas várias épocas, no entanto, de alguma forma, há uma forte tendência em se apontar para dois conceitos básicos:
A primeira posição reflecte uma tendência mais constitucionalista (intrínseca), entendendo que o psicopata se origina de uma constituição especial, geneticamente determinado e, em consequência dessa organicidade, pouco se pode fazer.
A segunda tendência é a social ou extrínseca, acreditando que a sociedade faz o psicopata, a sociedade faz os seus próprios criminosos por não lhes dar os meios educativos e/ou económicos necessários.
Resumindo, outros autores,  nas décadas sucessivas de 60 e 70, foram também definindo os traços característicos da psicopatia com termos tais como; perturbações afectivas, perturbações do instinto, deficiência superegoica, tendência a viver só o presente, baixa tolerância a frustrações. Alguns classificam esse transtorno como anomalias do carácter e da personalidade, ressaltando sempre a impulsividade e a propensão para condutas anti-sociais (Glover, Henri Ey, Kolb, Liberman).
A maioria dos autores dessa época procurava substituir o conceito de "constituição psicopática" por "personalidades psicopáticas" já que a sua etiologia não era claramente definida. Mas, apesar da etiologia não ser claramente entendida, o quadro clínico da personalidade psicopática foi sendo cada vez mais cristalinamente descrito.
Classicamente, hoje em dia e resumindo a evolução do conceito, a Personalidade Psicopática tem sido caracterizada principalmente por ausência de sentimentos afectuosos, amoralidade, impulsividade, falta de adaptação social e incorrigibilidade.

https://sites.google.com/site/mundodospsicopatas12d/entrevistas-2/historia



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