Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1854 — 1916). Imagem: http://www.museuhistoriconacional.com.br/
A necessidade de herói para a
República eram os símbolos de poder e a encarnação das ideias republicanas,
pois seriam instrumentos eficazes para atingir a população e desse modo
legitimar o poder político. Não há regime que não possua seu panteão cívico. Em
alguns surgiu espontaneamente em outros foi necessário esforço na promoção do
herói. O herói tem de ter a cara de sua nação, responder as necessidades e
aspirações de seu povo, ele deve responder ao modelo coletivamente valorizado.
No Brasil houve esforço em
promover as figuras do 15 de novembro, Deodoro era o mais cotado a papel de
herói republicano. O velho militar doente, mal conseguindo cavalgar sua
montaria posse a frente de suas tropas. Ai havia indícios de heroicidade. Mas,
seu incerto republicanismo pesou contra ele. Havia também Benjamin Constant, um
republicano irrepreensível, mas seu problema era a ausência do espírito
heroico, pois não fora militar e nem líder popular. Outro candidato era
Floriano Peixoto que adquiriu maior dimensão a partir da Revolta da Armada no
Rio de Janeiro e da Revolução Federalista no Sul. Sua resistência deu
inspiração ao jacobinismo republicano do Rio de Janeiro, que viu tintas
populares na República. Floriano poderia ser um herói republicano para os
jacobinos, mas não para a República que estava sendo construída.
A pequena densidade histórica
do 15 de novembro (uma passeata militar) não fornecia terreno adequado para a
germinação de mitos, pois foi quase nula a participação popular. Os únicos
heróis que o povo conhecia até então eram os que lutaram na Guerra do Paraguai,
como: Caxias, Osório e Tamandaré.
Diante das dificuldades
encontradas pelo regime em promover os protagonistas de 15 de novembro, foi que
se revelou Tiradentes capaz de atender ás exigências da mitificação. Tiradentes
não era um desconhecido dos republicanos que vinham desde 1870 tentando
resgatar sua memória.
Mas quais foram às razões da adoção de Tiradentes e que conteúdo teria
sua figura como herói?
A pessoa histórica de
Tiradentes houve e continua a haver intensa batalha historiográfica. Até hoje
se discute qual seu real papel na Inconfidência Mineira, sua personalidade,
convicções, aparência física em relação a construção da mitologia. Sabemos
pouco sobre as memórias de Tiradentes em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. A
notícia da condenação à morte de onze réus, dada em 19 de abril de 1792, abalou
a cidade do Rio de Janeiro. Mas em seguida todos foram perdoados com exceção de Tiradentes.
Segundo José Antônio Marinho, a província de Minas Gerais tem a glória de haver
dado os primeiros mártires à independência e liberdade do Brasil.
Mesmo viva na memória popular,
a Inconfidência era tema delicado para a elite culta do Segundo Reinado. Não
foi por acaso que as primeiras referências à rebelião vieram de um historiador
estrangeiro, Robert Southey que critica os excessos e a barbárie das leis da
época. A segunda referência aos Inconfidentes foi feita no livro de Charles
Ribeyrolles, Brasil pitoresco. Ribeyrolles era um republicano radical e em seus
textos Tiradentes aparece com as cores próprias de um herói cívico. É o mártir
que soube morrer sem traço de temor, pois “se sacrifica por uma ideia”.