Por CURTIS W. MAREAN
Não existe um registro detalhado das condições ambientais na África durante o estágio glacial 6, mas com base nas fases glaciais mais recentes e mais conhecidas os climatologistas supõem que foram quase certamente frias e áridas, e seus desertos eram provavelmente muito mais extensos que os atuais. Grande parte da massa terrestre teria sido inabitável. Enquanto o planeta estava sob esse regime de gelo, o número de pessoas caiu perigosamente: de mais de 10 mil indivíduos reprodutores para apenas algumas centenas. Estimativas de exatamente quando ocorreu esse gargalo populacional e sobre o reduzido tamanho dessa população variam entre os estudos genéticos, mas todos indicam que os seres humanos vivos hoje são descendentes de uma pequena população que habitou uma região da África durante essa fase de resfriamento global.
Comecei minha carreira como arqueólogo trabalhando na África oriental, estudando a origem dos seres humanos modernos. Mas meu interesse começou a mudar quando soube do gargalo populacional que os geneticistas começaram a mencionar no início da década de 90. Hoje os seres humanos exibem baixa diversidade genética em relação a muitas outras espécies, com população mais reduzida e áreas geográficas menos variadas, fenômeno que seria mais bem explicado pela ocorrência de um acidente populacional no início da existência do H. sapiens. Eu me perguntava: onde os nossos antepassados teriam conseguido sobreviver durante a catástrofe climática? Apenas poucas regiões poderiam ter tido os recursos naturais para apoiar os caçadores-coletores. Os paleoantropólogos discutem, de forma acalorada, sobre qual dessas áreas teria sido ideal. A costa sul da África, rica em mariscos e plantas comestíveis durante o ano todo, pareceu-me ter sido um refúgio especialmente bom em tempos difíceis. Assim, em 1991 decidi ir para lá e buscar os sítios com vestígios datados do estágio glacial 6.
Minha pesquisa dentro dessa área costeira não foi ao acaso. Eu tinha de encontrar um abrigo perto o suficiente da antiga costa com fácil acesso aos mariscos e alto o suficiente para que os depósitos arqueológicos não tivessem sido levados pelo mar 123 mil anos atrás, quando o clima aqueceu, e os níveis do mar se elevaram. Em 1999, meu colega sul-africano Peter Nilssen e eu decidimos investigar algumas cavernas que ele havia localizado em um local denominado Pinnacle Point, promontório que se projeta para o oceano Índico, perto da cidade Mossel Bay. Descendo a face íngreme do penhasco, deparamos com uma caverna que parecia particularmente promissora – conhecida simplesmente como PP13B. A erosão dos depósitos sedimentares situados perto da entrada da caverna expôs camadas claras de restos arqueológicos, incluindo lareiras e ferramentas de pedra. Melhor ainda, uma duna de areia e uma camada de estalagmite encobriam esses vestígios de atividade humana, sugerindo serem bem antigos. Ao que tudo indica, tiramos a sorte grande. No ano seguinte, depois de um criador de avestruz local ter nos construído uma escada de madeira de 180 degraus para permitir acesso mais seguro ao sítio, começamos a escavar.
Desde então, o trabalho da minha equipe na área PP13B e em outros locais das proximidades recuperou um registro notável de ações empreendidas pelos povos que habitaram essa região entre aproximadamente 164 mil e 35 mil anos atrás; portanto, durante o gargalo e após a população começar a se recuperar. Os depósitos nessas cavernas, combinados com análises do ambiente antigo de lá, permitiram chegar a uma explicação plausível de como os moradores préhistóricos de Pinnacle Point conseguiram sobreviver durante uma crise climática sombria. Os restos também desmistificam a ideia estável de que a modernidade cognitiva evoluiu muito depois da anatômica: evidências de sofisticação de comportamento são abundantes até mesmo nos níveis arqueológicos mais antigos na PP13B. Sem dúvida, esse intelecto avançado contribuiu significativamente para a sobrevivência da espécie, permitindo que os nossos ancestrais tirassem proveito dos recursos disponíveis na costa.
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