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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O Ludismo: a Rebelião contra as máquinas


O medo do homem à máquina 

            O assalto às lavouras experimentais de transgênicos que se processam no Brasil de hoje e os protestos dos ambientalistas à engenharia genética em outras partes da mundo, particularmente na Europa, nos faz lembrar dos luditas, um movimento popular que surgiu na Grã-Bretanha entre 1811-1818, dedicado à destruição das máquinas e protestos contra a tecnologia.

Ludd ataca

"Sua obra de destruição não se atém a método nenhum/ O fogo e a água serve-lhe para destruir/ pois os elementos ajudam no seu designo.../ ele destruirá tudo de dia ou à noite/ e nada poderá escapar da sua sentença."

General Ludd's Triumph, 1812

            Certa vez, no ano de 1812, há quase dois séculos atrás, Mr. Smith, um dono de uma tecelagem no distrito de Huddersfild, no leste da Inglaterra, recebeu uma estranha carta assinada por um tal de "general Ludd". Continha pesadas ameaças. A sua fábrica em breve seria invadida e as máquinas destruídas caso ele não se desfizesse delas. Um incêndio devoraria o edifício e até a sua casa, se ele tentasse reagir. O nome Ludd era conhecido nos meios fabris desde que um maluco chamado Ned Ludd, uns trinta anos antes, em 1779, invadira uma oficina para desengonçar as máquinas a marteladas. A missiva não era brincadeira.
           
A chegada das máquinas
           
            Uns meses antes, nos finais de 1811, uma onda de assaltos aos estabelecimentos mecânicos espalhara-se pela região de Nottingamshire, uma antiga área ligada à criação de ovelhas e que desde o século 17 vira crescer por lá, espalhadas, pequenas empresas de fiação e tecelagem. A revolução industrial, com a rápida disseminação da máquina a vapor, como era de esperar, provocou ali uma radical mutação socio-econômica. Por todo lado novos teares e máquinas tricotadeiras embaladas pela nova tecnologia da energia à vapor, substituíram os antigos procedimentos das rocas de fiar. As reações não demoraram.

A Carta do General Ludd

"Possuímos informações de que você é um dos proprietários que têm um desses detestáveis teares mecânicos e meus homens me encarregaram de escrever-lhe, fazendo um advertência para que você se desfaça deles... atente para que se eles não forem despachados até o final da próxima semana enviarei um dos meus lugar-tenentes com uns 300 homens para destruí-los, e, além disso, tome nota de que se você nos causar problemas, aumentaremos o seu infortúnio queimando o seu edifício, reduzindo-o a cinzas; se você tiver o atrevimento de disparar contra os meus homens, eles têm ordem de assassiná-lo e de queimar a sua casa. Assim você terá a bondade de informar aos seus vizinhos de que esperem o mesmo destino se os seus tricotadores não sejam rapidamente desativados.."

Ass.: General Ludd, março de 1812


Outras Destruições
    
             Atacar e destruir máquinas é uma atividade bem mais antiga do que se supõe. Bem antes do desencadeamento do Movimento Ludita registraram-se, no princípio do século XVIII, ações depedradoras na periferia de Londres contra uma serra movida a água, como também contra uma tosquiadeira automática, inventada por um tal de Everet em 1758. O próprio Marx assinala (no cap. XIII, 5, d'O Capital) as rebeliões ocorridas em certas partes da Europa provocadas pela introdução de moinho de fazer fitas e galões. O que levava aquele gente humilde, geralmente cordata, a cometer tais atos desesperados? Medo e insegurança. Assustavam-se com a possibilidade das máquinas estreitarem ou suprimirem com o trabalho deles, além do receito sobrenatural ao novo tão comum entre as gentes.

O Movimento Ludita

"E noite trás noite, quando tudo está tranqüilo/ e a lua se esconde por detrás da colina/ Nós marchamos para executar a nossa vontade/ Com acha, lança ou fuzil/ Oh meus valentes cortadores/ Os que com um só forte golpe/ rompem com as máquinas cortadeiras/O grande Enoch dirigirá a nossa vanguarda/ Quem se atreverá a detê-lo?/ Adiante sempre todos homens valentes/ Com acha, lança e fuzil/ Oh meus valentes cortadores..."


- Canção ludita –
As modernas tecelagens, alvo dos luditas
           
            Os Luditas, porém, foram mais além dos quebra-quebras. Se bem que no seu princípio houve incursões antimáquinas espontâneas, tal como se deu em março de 1811, em Arnold, um lugarejo de Nottingham, onde um bando devastou 60 teares sob o aplauso de um multidão de desempregados, em Yorkshire, Leicestershire e em Derbyshire, regiões vizinhas, não se tratava mais de explosões irracionais, esparsas e desordenadas. Nos momentos seguintes, nunca tendo um líder só, foram pequenos grupos organizados e disciplinados, atuando segundo um plano, quem entraram em atividade. Estima-se que o seu número oscilou de três a oito mil integrantes, dependendo do distrito.

Os Esquadrões Luditas
            
            Liderados pelos assim apontados "homens de maus desígnios", usando máscaras ou escurecendo o rosto, os esquadrões luditas, armados com martelos, achas, lanças e pistolas, aproveitando-se para deslocarem-se à noite, vagavam de um distrito ao outro demolindo tudo o que encontravam, apavorando os donos das fábricas. O comandante da operação chamava-se de "General Ludd", com poder de vida e morte sobre os companheiros Em Nottingham revelou-se um tipo enorme, Enoch Taylor, um ferreiro que levava ao ombro uma poderosa maça de ferro batizada com o seu nome mesmo: Enoch. Bastava uma martelada daquelas para que a porta do estabelecimento viesse abaixo, enquanto que mais uma outra aplicada num engenho qualquer reduzia-o a um monte de ferro inútil.

Um Quadro Insurrecional
            
           
            O pano de fundo em que o ludismo emergiu formou-se pelas dificuldades sofridas pelas exportações britânicas, decorrentes do bloqueio continental imposto em 1806 por Napoleão Bonaparte, e, em seguida, pelos problemas enfrentados com a obtenção do algodão para a as tecelagens, visto que em 1812 os ingleses estavam em guerra contra os Estados Unidos (o seu principal fornecedor). Naquele mesmo ano, no dia 11 de maio, algo raro na história política inglesa ocorreu: o assassinato do seu primeiro ministro Perceval, em plena Câmara dos Comuns, vítima de um malucão. O clima, pois, era de generalizada revolta em larga parte da Inglaterra, sendo que E.P. Thompson - um dos maiores historiadores da classe operária britânica - acredita que o movimento extrapolou seu objetivos originais, como assegurou um testemunho da época, ambicionando "derrubar o sistema de governo pondo em revolução o país inteiro". Esta foi a razão do Parlamento ter aprovado em Londres em 1812, apesar da eloqüente oposição de Lord Byron, a Frame Braking Act, que estabeleceu a pena de morte para quem destruísse as máquinas.
  
O Massacre de Peterloo

            Uns sete anos depois dos amotinamentos luditas, por volta de 1818-9, as coisas voltaram a se acalmar. A insurgência sofreria um rude golpe com a mobilização do exército e dos corpos auxiliares e com os enforcamentos coletivos que as autoridades submeteram os insurretos, como deu-se em York onde um dos líderes, George Mellor, subiu ao patíbulo com 13 companheiros. Repressão que atingiu sua culminância nos Massacres de Perterloo (uma paródia jocosa de Waterloo, porque deu-se no comando-geral do generalíssimo Duque de Wellington, o vencedor de Napoleão), quando 15 manifestantes foram mortos pelas tropas nas redondezas de Manchester. No dia 16 de agosto de 1819, no parque de Saint-Peter, uma multidão de umas 50 mil pessoas, reunidas num protesto, foi exposta a uma brutal carga de cavalaria que chocou a Grã-Bretanha inteira.
  
Marxismo e Ludismo       
            
            A literatura marxista a respeito do ludismo (E.P.Taylor, E.Hobsbawn, e o próprio Marx) procurou retirar a pecha de analfabetos ignorantes que o restante da população inglesa havia lançado sobre os inimigos das máquinas (tornando desde então o termo ludita algo pejorativo). Entenderam-no, o movimento, como um proto-sindicalismo, uma reação desculpável e natural contra algo que provocava o desemprego e o rebaixamento salarial. Além, claro, de ser uma contestação ao capitalismo, ainda que no quadro da grande transformação operada na transição do trabalho manual para o trabalho automatizado. Mesmo assim, não conseguiram evitar as óbvias associações do ludismo com o obscurantismo medieval, tão comuns a certos setores das classes populares. Marx, socorrendo-se de um tal de Andrew Ure (The Philosophy of the Manufactures, 1835), um teórico, defendeu a tese de que graças às ameaças dos trabalhadores é que os capitalistas, para reduzirem as pressões e as rebeldias, aceleravam as implementações tecnológicas, concluindo que a máquina era estruturalmente uma "potência hostil ao trabalhador" (O Capital, vol. I, cap. XIII, 5).

Estranheza ao Mundo da Técnica

            Ocorre que, como é sabido, toda a inovação tecnológica realmente profunda excita inevitáveis efeitos fóbicos de toda a ordem. Ainda que tendente à razão, o homem é um animal conservador, rotineiro e assustadiço. Na história, até bem pouco tempo, eram minorias insignificantes que viviam em cidades, e um número reduzidíssimo de pessoas é ligado diretamente às coisas da técnica e da mecânica. Grande parte da humanidade, como ainda hoje no Terceiro Mundo, vive perto ou à beira dos matos, sofrendo-lhe a inevitável influência psicológica.

Opiniões Controversas
            
            Lord Byron, o poeta, viu no ludismo a transgressão das normas. Algo assim como uma espécie de reforma religiosa - um luteranismo aplicado às fábricas. William Blake, outro poeta, entendeu-os como os instrumentos de uma revolta sagrada contra os dark Satanic Mills, os tenebrosos moinhos satânicos (o clima geral dentro das fábricas daquela época), nos quais as mulheres e crianças inglesas eram obrigadas a trabalhar em condições deprimentes. A romancista Charlote Brontë, no seu livro Shirley, de 1849, entretanto, não devotou-lhes simpatia. Além de assegurar a um master (um patrão), de nome Cartwright (nome de um inventor) o papel de herói resistente, frente a uma assalto de uma turba armada, disse que os chefes luditas "não vinham das classes operosas", vendo-os como gente "fracassada, decaída, um bando de endividados e desocupados, muitos deles entregues à bebida". Mas o pavor às máquinas não partiu só de gente iletrada.
  
A máquina como desumanização
           
            O filósofo Martin Heidegger, o mais significativo pensador alemão deste século, oriundo da Floresta Negra, irmanou-se a eles na sua tecnofobia, denunciando a mecanização como vil, interesseira, inclinada ao lucro e, pior, desumanizante. Aliou-se aos nazistas em 1933 na expectativa de que Hitler cumprisse o programa Blut und Boden, o do sangue e solo, um reacionário projeto de ruralização de desmecanização da Alemanha (nos quadros de Baumgartner, Wisser e Janesh, Junghanns, pintores nazistas, o campo aparece sem uma máquina sequer, toda a lavoura é orgânica). O pensador via a tecnologia como pertinente ao mundo moderno, levando-o à devastação da natureza, à massificação sufocadora da criatividade, à estandardização do comportamento e da cultura, à banalização da existência, provocando-lhe por fim uma doença quase que incurável.

Neoluditismo 
           
            Logo não é de se estranhar a ocorrência de periódicos assaltos em vários cantos do mundo contra laboratórios que fazem experiências biogenéticas, nem às lavouras transgênicas. Da mesma forma que os luditas ingleses atacaram nos começos do século XIX as máquinas, a tecnologia e o capitalismo laissez-faire então nascente, hoje, na transição do milênio, é um neoluditismo globalizado quem encabeça a vanguarda das ações antiliberais e anticientíficas.

Em "A revolução que vem", Ted Kaczynski esboçou o que ele via como os novos "Luddists" novos valores que irão libertá-los do jugo do actual sistema technoindustrial ":

    Rejeição de toda a tecnologia moderna - "Este é logicamente necessário, porque a tecnologia moderna é um todo em que todas as partes estão interligadas, você não pode se livrar das partes ruins, sem dar igualmente até aquelas partes que parecem boas."
  
     Rejeição do materialismo e sua substituição por uma concepção de vida que valoriza a moderação e auto-suficiência enquanto depreciativo a aquisição de bens ou de status.

    Amor e reverência para com a natureza, ou até mesmo a adoração da natureza.

    Exaltação da liberdade.

    Punição dos responsáveis pela atual situação. "Os cientistas, engenheiros, executivos de corporações, políticos, e assim por diante ..."

            Em 1990, Chellis Glendinning publicou suas "Notas em direção a um manifesto neo-ludita" no Utne Leitor , recuperando o termo ludita '. De acordo com Glendinning, neoluditas são "cidadãos do século 20 - ativistas, trabalhadores, vizinhos, críticos sociais e acadêmicos - que questionam a visão de mundo moderna predominante, que prega que a tecnologia desenfreada representa progresso ". Glendinning propõe destruir as seguintes tecnologias : tecnologias eletromagnéticas (isso inclui comunicações, computadores, eletrodomésticos e refrigeração), tecnologias químicas (isso inclui materiais sintéticos e medicina), tecnologias nucleares (isso inclui armas e energia, bem como o tratamento do câncer, esterilização e detecção de fumaça), engenharia genética (isso inclui as culturas, bem como a produção de insulina). Ela argumenta em favor da "busca de novas formas tecnológicas" que são locais em escala e promover a liberdade social e política. Glendinning então propõe os seguintes princípios para Neo-ludismo:

     " neoluditas não são anti-tecnologia: "Glendinning propõe que neoluditas só deve ser contra tipos específicos de tecnologia que são destrutivos para as comunidades ou são materialista e racionalista, mas na verdade argumenta contra quase todas as tecnologias modernas.

  " Todas as tecnologias são políticas: "Glendinning argumenta que neoluditas deve questionar se as tecnologias foram criadas para interesses específicos, para perpetuar seus valores específicos (eficiência de curto prazo, facilidade de produção e comercialização, sem fins lucrativos).

   " A visão pessoal de tecnologia é perigosamente limitado: "Glendinning acha que os aspectos secundários da tecnologia (implicações sociais, económicas e ecológicas) precisam ser examinados antes da adopção da tecnologia em nosso sistema tecnológico, e não o benefício pessoal.

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Você quer saber mais? 

E.P.Thompson - La formacion historica de la clase obrera: Inglaterra: 1780-1832 (Barcelona, Laia,1977, 3 vols.);

E.J.Hobsbawm - Trabajadores: estudios de historia de la clase obrera (Barcelona, Crítica-Grijalbo, 1979);

Karl Marx - El Capital (México, F.C.E., 1973, 3 vols.);

F.Engels - A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (São Paulo, Global, 1986);

Jeffrey Herf - O Modernismo reacionário (São Paulo, Ensaio, 1993);

W.O. Henderson - A Revolução Industrial (Lisboa, verbo,1969)

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