Guerras,
conflitos internos, destruição de ecossistemas, administração ineficaz,
agricultura improdutiva e mudanças ambientais. A maior civilização
pré-colombiana desapareceu de forma misteriosa.
Longa
decadência
Por
mil anos, a cidade de Tikal irradiou cultura e poder econômico-militar na
região do Petén, na Guatemala. Sua pujança ficou talhada em templos de 70 m de
altura, acrópoles, palácios e pirâmides. Mas a partir do século 8 Tikal foi
abandonada. O mesmo aconteceu com outras cidades-estado. A causa divide os
pesquisadores. "Hoje, a historiografia considera que não houve uma causa
única. E está revendo a ideia de um colapso", diz o historiador Eduardo Natalino
dos Santos, da USP. "Não existiu uma queda brusca, e sim um processo de
abandono lento e gradual entre os séculos 8 e 12." Natalino lembra que a
queda se restringiu a uma região: as terras baixas da Península de Yucatán (sul
do México, Belize e Guatemala), na região do Petén. "Houve uma realocação
da população nas regiões do norte de Yucatán e nas terras altas de
Chiapas", diz o historiador. "Os maias continuaram a existir. Eles
prosseguiram com cidades menos monumentais e menos populosas. Inclusive habitam
hoje o México e a América Central."
Em
muitos casos, o "colapso" foi mero rearranjo político. Centros de
poder emergiam e declinavam - para então ressurgir e conquistar os vizinhos.
Tikal foi derrotada pelas cidades de Caracol e Calakmul em 562, mas se reergueu
e subjugou as rivais em 695. Copán, na atual Honduras, foi arruinada por
Quirigua em 738, mas voltou a florescer meio século depois. Chichén Itzá, no
norte da península, cresceu depois de 850 e floresceu ao redor do ano 1000, até
ser destruída em 1250.
O
geógrafo americano Jared Diamond reconhece que fatos como esses tornam a
história maia bastante complexa. Ainda assim, ele sustenta que houve um, ou
melhor, vários colapsos. "Entre 90% e 99% da população maia desapareceu
depois do ano 800, sobretudo nas terras do sul", escreveu em Colapso. Ele
afirma que a população de Petén Central no auge do Período Clássico era de 3 a
14 milhões de pessoas, mas só restavam cerca de 30 mil no século 16, quando os
espanhóis chegaram. E não há evidências de que toda essa gente tenha migrado
para o norte. Mais: cidades-estado desapareceram e o Conta Longa deixou de ser
usado. "É por isso que falamos de um colapso que precisa ser
explicado", diz Diamond.
Agricultura
insustentável
Decadência,
colapso, declínio... Seja qual for o nome, o certo é que o destino maia foi
selado por uma conjunção de fatores. O primeiro: a péssima gestão ambiental.
"Os maias danificaram o ambiente, especialmente com o desmatamento e a
erosão do solo", diz Diamond.
Para
entender isso, basta um pouco de geografia. O território maia tinha duas
estações principais: a chuvosa, entre maio e outubro, e a seca, de janeiro a
abril. O sul recebia mais chuva, mas sofria pior escassez de água. Isso porque
o relevo de Yucatán se eleva em direção ao sul, tornando o lençol freático cada
vez mais distante. No norte, mais baixo, os maias alcançavam a camada de água
por meio de depressões naturais, os cenotes. Mas no sul o relevo era alto
demais para que os cenotes atingissem o lençol freático. Pior: a maior parte da
Península de Yucatán é formada pelo karst, uma formação rochosa porosa como
esponja, que faz com que a água escoe pelas fendas.
"Para
solucionar a falta de água, os maias selaram os vazamentos do karst. Também
escavaram e engessaram o fundo das depressões a fim de criar reservatórios que
estocavam a água da chuva para usar na estação seca", diz o geógrafo.
"Os diques da cidade de Tikal continham água suficiente para satisfazer a
necessidade de cerca de 10 mil pessoas por 18 meses."
Os
moradores enfrentavam problemas quando a estiagem durava muito. E partiam para
a barbeiragem. Foi o caso de Copán. No século 7, 27 mil pessoas se espremiam
num vale de 16 km2 - 1 687 habitantes por km2 (como comparação, Bangladesh, o
país mais denso do mundo, tem mil habitantes por km2). Para driblar a
superpopulação, 40% das pessoas saíram do vale de Copán para ocupar as colinas.
Derrubaram árvores e provocaram erosão nas encostas. O solo ácido das colinas
desceu até o vale, prejudicando sua fertilidade. E como o solo das colinas era
pobre, os desmatadores retornaram ao vale em busca de melhores terras.
Os
maias tentaram aumentar a produção agrícola, usando sistemas de irrigação,
campos drenados e terraceamento (rampas niveladas para prevenir erosão). Mas
áreas como Copán e Tikal mostram pouca evidência dessas ações. "Devem ter
usado meios arqueologicamente invisíveis para aumentar a produção de comida,
como irrigação por inundação - em casos extremos, ignorando o descanso do
solo", diz Diamond.
Tudo
isso minou a eficiência da agricultura. Pelo menos 70% da sociedade era formada
por camponeses. Cada um deles produzia duas vezes a necessidade de comida de
sua família, um excedente muito pequeno. A estação de chuvas, muito úmida,
estimulava a proliferação de fungos, impedindo a estocagem de milho por mais de
um ano. Em suma: gente demais, comida de menos... mas o pior ainda estava por
vir.
Guerras
permanentes
Os
maias nunca formaram um império, como aconteceu com os incas e os astecas. Cada
cidade tinha autonomia e buscava cooptar ou submeter as vizinhas para formar
confederações - que também competiam entre si. Os reis se orgulhavam de
torturar os inimigos. Graças à decifração da escrita maia, sabemos que os
monarcas mandavam arrancar os dedos e os dentes dos prisioneiros. Ou amarravam
seus braços e pernas para jogá-los escada abaixo feito bolas humanas. Os
conflitos não ocorriam só entre as cidades, mas dentro delas.
Como
acontecia com os demais povos da Mesoamérica, a sociedade maia era extremamente
hierarquizada. O rei funcionava como sumo sacerdote, alegando ter poderes
sobrenaturais. Era responsável por trazer chuva à população, que em troca o
apoiava. Bastava uma seca forte para romper o acordo. Isso talvez explique por
que o palácio real de Copán foi incendiado por volta de 850, durante uma forte
seca. Os reis também cobravam altos tributos para financiar suas batalhas, o
que motivava guerras civis, rebeliões e a debandada de parte da população rumo
a outra cidade.
Outro
problema: era difícil formar um império porque os maias não possuíam animais de
tração. O transporte era feito nas costas dos humanos. Assim, se um sujeito
saía com um saco de milho para suprir um exército, iria comer parte da carga.
Sobrava pouco para as tropas. Com a barriga vazia, os soldados não suportavam
longas campanhas. "Isso ajuda a explicar por que a sociedade maia
permaneceu dividida entre reinos pequenos, com guerras entre si, sem se
unificar", diz o geógrafo.
Mudança
climática
Guerras,
conflitos internos, destruição dos ecossistemas, administração ineficaz,
agricultura improdutiva... sob esse prisma, os maias foram culpados pelo
próprio fim. Mas alguns autores sugerem uma explicação diferente. "O
colapso resultou de circunstâncias naturais externas, que os maias não
controlaram nem causaram. Eles foram as vítimas, não os perpetradores",
afirma o arqueólogo americano Richardson Gill no livro The Great Maya Droughts
("As Grandes Secas Maias", inédito no Brasil). "O Período
Clássico terminou devido a uma série de secas entre os séculos 9 e 10, gerando
não só escassez de comida, mas principalmente de água."
As
secas não eram novidade. Durante o Período Clássico, porém, teriam ficado mais
intensas. A maior evidência vem de um estudo feito pelos pesquisadores David
Hodell, Jason Curtis e Mark Brenner, da Universidade da Flórida. Ao analisar
sedimentos de lagos das terras baixas, constataram que uma grave seca atingiu o
local entre 800 e 1000 - a estiagem mais séria dos últimos 7 mil anos.
"Parte da população declinou de fome e sede durante as secas, ou
matando-se na disputa por recursos naturais cada vez mais escassos", diz
Diamond. "Outra parte do declínio populacional se reflete na maior taxa de
mortalidade infantil e numa taxa de nascimento baixa ao longo de décadas."
Múltiplos
fatores se alinharam para produzir o ocaso da civilização. Mas os maias seguem
vivos. "Existem 6 milhões de pessoas capazes de falar uma das 30 línguas
maias", diz Carlos Pallán, do Instituto de Antropologia e História do
México. Uma delas é Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz em 1992, por
denunciar a opressão aos indígenas da Guatemala. Menchú é a maior prova de que
o fim dos maias está longe. E (ao menos é nossa aposta ao editar esta revista) o
fim do mundo também.
A
falta que a roda faz
Como
uma civilização capaz de calcular as órbitas dos planetas não utilizava a roda
nem ferramentas de metais? Perguntas assim são frequentes sobre os maias. E
fazem parte de uma noção bem comum que temos sobre a história dos povos
antigos: a de que um grupo só é avançado se utiliza certo pacote de coisas,
como arquitetura monumental, escrita, roda e metalurgia. "Essa ideia hoje
é bastante questionável. Não há um caminho único para as populações humanas
seguirem", diz o historiador Eduardo Natalino dos Santos, da USP.
"Cada uma desenvolve coisas que foram necessárias naquele momento
histórico. Portanto, não é recomendável analisar uma população por aquilo que
ela não tem. Porque, na verdade, ela não tem aquilo que a gente quer
listar."
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