Aristóteles.
A mais antiga e célebre concepção das
formas de governo e, inexoravelmente, a concebida por Aristóteles. Em seu livro
"Política" expõe a base e o critério que adotou: "Pois que as
palavras constituição e o governo é a autoridade suprema nos Estados, e que
necessariamente essa autoridade deve estar na mão de um só, de vários, ou a
multidão usa da autoridade tendo em vista o interesse geral, a constituição é
pura e sã; e que s e o governo tem em vista o interesse particular de um só, de
vários ou da multidão a constituição é impura e corrompida."
Aristóteles adota, pois, uma
classificação dupla. A primeira divide as formas de governo em puras e impuras,
conforme a autoridade exercida. A base desta classificação é pois moral ou
política.
A segunda classificação é sob um critério numérico; de acordo com o governo, se ele está nas mãos de um só, de vários homens ou de todo povo.
A segunda classificação é sob um critério numérico; de acordo com o governo, se ele está nas mãos de um só, de vários homens ou de todo povo.
Ao
combinar-se o critério moral e numérico Aristóteles obteve:
Formas Puras
MONARQUIA: governo de um só
ARISTOCRACIA: governo de vários
DEMOCRACIA: governo do povo
ARISTOCRACIA: governo de vários
DEMOCRACIA: governo do povo
Formas Impuras
OLIGARQUIA: corrupção da aristocracia
DEMAGOGIA: corrupção da democracia
TIRANIA: corrupção da monarquia
DEMAGOGIA: corrupção da democracia
TIRANIA: corrupção da monarquia
Os escritores políticos romanos
acolheram com reservas a classificação de Aristóteles. Alguns como Cícero acrescentaram
às formas de Aristóteles uma quarta: a forma mista de governo.
O governo mista aparece para a redução
dos poderes da monarquia, aristocracia e democracia mediante determinadas
instituições políticas, tais como um Senado aristocrático ou uma Câmara
democrática.
Como forma de exemplificação têm-se a
Inglaterra, na qual, o quadro político combina três elementos institucionais: a
Coroa monárquica, a Câmara aristocrática e Câmara democrática ou popular; tendo
assim, um governo misto exercido pelo "Rei e seu Parlamento".
1 Uma Discussão Célebre
“(...) na discussão referida por
Heródoto, na sua História (Livro III, pag. 80-82), entre três persas- Otanes,
Megabises e Dario - sobre a melhor forma de governo a adotar no seu país depois
da morte de Cambises.”
“(...) A passagem é verdadeiramente
exemplar porque, como veremos, cada uma das três personagens defende uma das
três formas de governo que poderíamos denominar de “clássicas” - não só porque
foram transmitidas pelos autores clássicos mas também porque se tornaram
categorias da reflexão política de todos os tempos (razão porque são clássicas
mas igualmente modernas). Essas três formas são: o governo de muitos, de poucos
e de um só, ou seja, “democracia”, “aristocracia” e “monarquia”.”
“Otanes propôs entregar o poder (...):
‘minha opinião é que nenhum de nós deve ser feito monarca’ (...). De que forma
poderia não ser irregular o governo monárquico se o monarca pode fazer o que
quiser(...).”
"O governo do povo, porém, merece
o mais belo dos nomes, ‘isotomia’; não faz nada do que caracteriza o
comportamento do monarca. Os cargos públicos são distribuídos pela sorte; os
magistrados precisam prestar contas do exercício do poder; todas as decisões
estão sujeitas a voto popular."
“Megabises, contudo, aconselhou a
confiança no governo oligárquico: subscrevo o que disse Otanes em defesa
da abolição da monarquia; quanto à atribuição do poder ao povo, contudo,
seu conselho não é o mais sábio. A massa inepta é obtusa e prepotente;
nisto nada se lhe compara. De nenhuma forma se deve tolerar que, para escapar
da prepotência de um tirano, se caia sob a da plebe desatinada. Tudo o que faz,
o tirano faz conscientemente; mas o povo não tem sequer a possibilidade de
saber o que faz.”
“(...) quanto a nós, entregaríamos o poder a um grupo
de homens escolhidos dentre os melhores - e estaríamos entre eles. É natural
que as melhores decisões sejam tomadas pelos que são melhores.”
“Em terceiro lugar,
Dario manifestou sua opinião (...). Entre as três formas de governo, todas elas
consideradas no seu estado perfeito, isto é, entre a melhor democracia, a
melhor oligarquia e a melhor monarquia, afirmo que a monarquia é superior a
todas. Nada poderia parecer melhor do que um só homem - o melhor de todos; com
seu discernimento, governaria o povo de modo irrepreensível; como ninguém mais,
saberia manter seus objetivos políticos a salvo dos adversários.”
“Numa
oligarquia, é fácil que nasçam graves conflitos pessoais entre os que praticam
a virtude pelo bem público (...) Por outro lado, quando é o povo que governa, é
impossível não haver corrupção na esfera dos negócios públicos, a qual não
provoca inimizades, mas sim sólidas alianças entre os malfeitores(...), até que
alguém assume a defesa do povo e põe fim às suas tramas, tomando-lhes o lugar
na admiração popular;(...) torna-se monarca.”
O capítulo apresenta uma discussão
clássica sobre três teorias políticas distintas, a democracia, a oligarquia e a
monarquia. A primeira parte do texto, muito bem escrito, leva o leitor a
concordar com Otanes e o governo do povo, os bons argumentos denigrem a
monarquia e elevam a democracia. Entretanto, logo após, Megabises encontra
fortes motivos que levam o leitor a concordar que a oligarquia realmente é a
melhor opção de governo, dizendo que no governo do povo, não existe consciência
deste no que faz. Além disso, ataca a monarquia com argumentos sobre a
prepotência de um tirano no poder. Então Dario entra em cena e manifesta suas
palavras que deixam o leitor confuso sobre qual a verdadeira melhor opção. Os
argumentos voltam a ser convincentes, mas agora na defesa da monarquia. Dario
diz que nada poderia ser mais benéfico do que o melhor dos homens no comando.
Ainda afirma que os conflitos de poder na oligarquia levam à monarquia e que no
governo dos povos há a aliança de malfeitores.
Percebe-se ao final da leitura, que a
intenção do autor foi realmente de deixar o leitor pensativo e ponderar os prós
e contras de cada um dos três tipos de governo. É uma leitura agradável e pouco
extensa, ideal para uma reflexão sobre formas organização política de um
estado.
2 Platão
“Em várias das suas
obras Platão (428-347 a.C.) fala das diversas modalidades de constituição.(...)
O diálogo de A República é, como todos sabem, uma descrição da república
ideal, que tem por objetivo a realização da justiça entendida como atribuição a
cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as próprias aptidões. Consiste
na composição harmônica e ordenada de três categorias de homens – os
governantes-filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos
produtivos. Trata-se de um estado que nunca existiu em nenhum lugar.(...)”
“Todos os estados que realmente
existem, os estados reais, são corrompidos – embora de modo desigual. (...)”
Diferentemente do capítulo anterior,
onde eram expostos os lados positivos e negativos dos assuntos, Platão sucede
seqüenciais formas más, a constituição boa não entra na sucessão, apesar de ela
existir por si, como modelo. As quatro consituições corrompidas que Platão
examina são a timocracia, oligarquia, democracia e tirania. A novidade então
para o leitor é a exposição de uma forma de governo que até agora não havia
aparecido no livro, a timocracia, que vem de honra. Seria uma forma introduzida
por Platão para designar a transição entre a consituição ideal e as três formas
ruins tradicionais. O exemplo dado pelo livro de governo timocrático é Esparta,
onde guerreiros eram honrados mais do que sábios.
Como já foi dito, para as
representações tradicionais, há apenas um movimento descendente: a timocracia é
a degeneração da aristocracia, pressuposta forma perfeita e assim se segue a
degeneração. A pior forma seria a tirania, com a qual o processo degenerativo
chega ao ponto máximo.
“Cada um desses homens, que representa
um tipo de classe dirigente, e portanto uma forma de governo, é retratado de
modo muito eficaz mediante a descrição da sua paixão dominante: para o
timocrático, a ambição, o desejo de honrarias; para o oligárquico, a fome de
riquezas; para o democrático, o desejo de imoderado de liberdade (que se
transforma em licença); para o tirânico, a violência.(...)”
O autor nesse momento transcreve
trechos da obra de Platão que exemplificam os quatro tipos diferentes de
homens. O timocrático, oligárquico, democrático e tirânico. São diálogos que
objetivamente atacam os sistemas de governo no seu mal evidente.
“(...) a corrupção de um princípio
consiste no seu “excesso”.A honra do homem timocrático se corrompe quando se
transforma em ambição imoderada e ânsia de poder.A riqueza do homem
oligárquico, quando se transforma em avidez, avareza, ostentação despudorada de
bens, que leva à inveja e à revolta dos pobres. A liberdade do homem
democrático, quando este passa a ser licencioso, acreditando que tudo é
permitido, que todas as regras podem ser transgredidas impunemente.O poder
tirano, quando se transforma em puro arbítrio, e violência pela própria
violência.”
O
autor também transcreve um trecho da obra O Político, um pequeno diálogo
onde um filósofo comenta suas idéias sobre as três formas de governo que na
verdade apresentam-se em cinco.
“No que diz respeito á tipologia de A
república, ela é menos original. Sua única diferença, em comparação
com a tipologia que se tornará clássica, a das seis formas de governo-
três boas e três más- é que em O Político a democracia tem um só nome, o
que não quer dizer que, diferentemente das outras formas de governo, apresente
um único modelo.(...)”
“(...) Platão coloca também o problema
do confronto entre as várias formas de governo, para avaliar se são
relativamente mais ou menos boas (ou más); e sustenta a tese de que, se é
verdade que a democracia é a pior das formas boas, é no entanto a melhor das
más.(...)”
“Outra coisa a observar, (...) é o
critério ou critérios com base nos quais Platão distingue as formas boas das
más.(...) veremos que esses critérios são, em substância, dois: violência e
consenso,legalidade e ilegalidade.As formas boas são aquelas em que o governo
não se baseia na violência, e sim no consentimento ou na vontade dos cidadãos;
onde ele atua de acordo com leis estabelecidas, e não arbitrariamente.”
Ao
fim do capítulo, o leitor percebe que para um melhor entendimento da visão crítica
de Platão sobre as formas de governo seria interessante a leitura do livro onde
ele expôs as suas teorias na íntegra. Entretanto, o resumo explicativo de
Bobbio é de grande ajuda para o esclarecimento rápido das idéias platônicas
sobre o assunto.
3 Aristóteles
“A teoria clássica das formas de
governo é aquela exposta por Aristóteles (384 – 322a.c.) na Política.”
Esta obra está dividida em oito livros, dedicados à descrição e classificação
das formas de governo, origem do Estado, crítica às teorias políticas
precedentes, mudanças das constituições, estudo das várias formas de democracia
e oligarquia e as melhores formas de governo.
“Um tema a respeito do qual Aristóteles não
cessa de chamar a atenção do leitor é o de que há muitas constituições
diferentes(...)” Nobbio então cita um trecho do sétimo livro de Política em
que Aristóteles discorre sobre a teoria das seis formas de governo. Então ele
continua, “Com base no primeiro critério, as constituições podem ser
distinguidas conforme o poder resida numa só pessoa (monarquia), em poucoas
pessoas (aristocracia) e em muitas (“politia”). Com base no segundo, as
constituições podem ser boas ou más, com a conseqüência que às três primeiras
formas boas se acrescentam e se contrapõem às três formas más (a tirania, a
oligarquia e a democracia)” O estranho para o leitor é que Aristóteles utiliza
o termo politia para designar o governo de muitos, mas anteriormente cita que
politia significa constituição. Entende-se então que politia é um termo genérico.
Segundo Aristóteles, constituição “é a estrutura que dá ordem à cidade,
determinando o funcionamento de todos os cargos públicos e, sobretudo, da
atividade soberana”.
A
ordem hierárquica aceita por Aristóteles não difere da de Platão em “O
Político”. A axiologia aristotélica segue como: monarquia, aristocracia,
politia, democracia, oligarquia e tirania, em ordem decrescente. Novamente
vemos a democracia ocupando uma posição intermediária (assim como para Platão),
o que sugere que é a mais moderada.
Aristóteles analisa cada as seis formas de governo. Diz que as formas boas são
aquelas em que os governantes visam o interesse comum, já as más são aquelas
que os governantes visam o interesse próprio.
Nobbio dá uma atenção especial para o chamado despotismo oriental, que é
classificado como um tipo de monarquia, embora tirânico. É legítimo e aceito
pelos bárbaros. E uma vez que é aceita por todos, não pode ser considerada
tirania. Esse acolhimento deve-se ao fato dos orientais bárbaros serem
naturalmente servis.
O
próximo enfoque do autor é a “politia”. Uma mistura de democracia e oligarquia
inclinada para a democracia. O que distingue uma forma de governo de outra
nesse caso não seria a quantidade de pessoas, mas sim a qualidade de vida dos
governantes. Quem exerce o poder também é importante para diferenciar
democracia e politia, na primeira os que governam são os pobres e na última uma
miscigenação entre ricos e pobres.
Essa
junção de duas formas ruins, é o que faz a politia figurar entre formas boas. A
união dos ricos com os pobres possibilita que os segmentos sociais discutam
interesses e cheguem à decisões equilibradas, atingindo a esperada paz social.
Aristóteles preocupa-se com o modo de fusão de dois regimes e designa o assunto
de engenharia política. Para isso, ele expões uma série de três passos
fundamentais necessários para atingir o objetivo de chegar à uma terceira forma
de governo melhor que as outras duas: conciliar procedimentos que seriam
incompatíveis, adotar “meios-termos” entre as disposições extremas dos dois
regimes e recolher-se do melhor sistema legislativo.
“O
princípio que inspira esse regime de ‘fusão’ é o da mediação – ideal de toa a
ética aristotélica, fundamentado, como se sabe, no valor eminentemente positivo
do que está no meio, situado entre dois extremos.”
“Em todas as cidades há três grupos: o
muito ricos, muito pobres e os que o ocupam uma posição intermediária. Como
admitimos que a medida e a mediania são a melhor coisa, em todas as
circunstâncias, está claro que, em matéria de riqueza, o meio-termo é a melhor
das condições, porque ne;a é mais fácil obedecer à razão.” Segundo o princípio
da mediania quem melhor governa é a classe média, pois ela é a que está mais
distante do pergio das revoluções, raramente acontecem conspirações e revoltas
entre os cidadãos.
A
“politia” é o ponto máximo do texto, pois é onde, no livro, dá início a mistura
de teorias de governo, um governo misto, que procura uma aproximação da
perfeição. A idéia de que o bom governo é a mistura de diversas formas de
governo é um dos grandes temas do pensamento político ocidental. O livro
continua com Políbio, cujo enfoque é sobre este governo misto.
4 Políbio
Norberto Bobbio expõe basicamente as três teses que Políbio trabalha:
1. É o uso sistemático da teoria das formas de governo. Existem
fundamentalmente seis formas para se governar. Três boas e três más.
O Reino ou monarquia, onde um rei legítimo é aceito voluntariamente. A
Tirania, degenerada, onde um tirano governa com uso de terror e força. A
aristocracia, onde poucos eleitos os melhores dirigem o povo. A oligarquia,
forma degenerada onde os poucos que governam são os mais ricos. A democracia,
onde o governo é popular com tradição de respeito, obediência e honra. E a
última e degenerada oclocracia, onde o governo é da massa inepta.
2. Essas seis formas se sucedem umas às
outras de acordo com determinado ritmo, constituindo assim um ciclo, repetido
no tempo. É a anaciclose. O ciclo acontece da seguinte maneira:
Reino > Tirania > Aristocracia > Oligarquia >
Oclocracia > Reino > Tirania... A passagem de uma forma para outra
parece de modo predeterminado, necessária e inderrogável. Não pode deixar de
sofrer este processo de transformação.
3. A tese principal da teoria polibiana das constituições é sem dúvida a
de governo misto. Políbio acredita na existência de uma sétima forma. É a
preferência do autor e se dá por uma constituição mista, uma síntese das três
formas boas de governo. Exemplificada pela constituição romana e pela de
Esparta. Para ele, todas as constituições simples acabam por serem todas más,
uma vez q tornam-se fracas a ponto de degenerarem e serem, portanto, instáveis,
contrariando o princípio que qualifica uma constituição, o valor supremo da
ordem. A teoria dos ciclos demonstra que as formas de governo simples são
instáveis e por isso são más. A presença simultânea dos três poderes e seu
controle recíproco preserva as constituições mistas da degeneração a que estão
sujeitos os governos simples, porque impede os excessos.
6 Maquiavel
A primeira grande novidade no trabalho
de Maquiavel já aparece nas primeiras páginas da obra O Príncipe, onde ele diz:
“Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou
monarquias”. A república corresponde à democracia ou à aristocracia, a vontade
coletiva presente em uma pessoa jurídica, já a monarquia corresponde ao reino,
a vontade de um soberano, uma pessoa física. Para Maquiavel, a causa de não
haver formas intermediárias é a que a falta de estabilidade sempre leva ao
caminho de uma das duas formas citadas, monarquia ou república.
Maquiavel discorre sobre a classificação dos principados, a primeira distinção
prevista no livro é a da hereditariedade dos príncipes, os quais tiveram o
poder transmitido com base em uma lei constitucional de sucessão; e os
principados novos, os quais conquistaram o poder por quem ainda não era um
“príncipe”. Os novos principados são o assunto mais abordado em sua obra “O
Príncipe”. Ele distingue as quatro maneiras diferentes como o poder pode ser
conquistado. Pela virtu; fortuna; violência ou consentimento dos cidadãos. Os
conquistados pela virtu são mais duradouros do que os conquistados pela
fortuna. Num certo sentido, todos os príncipes novos são ilegítimos, visto que
o poder não lhes foi concebido e sim conquistado. Apesar disso, é visível a
diferença na forma que se conquistou esse poder. Entretanto, para Maquiavel,
este príncipe ilegítimo que conquista o poder por virtu, por exemplo, não tem
conotação negativa e são celebrados pelo mérito atingido.
Maquiavel parece se contradizer ao apoiar a teoria do governo misto. Entretanto
essa contradição pode ser entendida pelas diferenças entre o Maquiavel
historiador e político e o Maquiavel político, conselheiro de príncipes. E ela
pode ser explicada ao vermos que o importante é a estabilidade, e as
constituições intermediárias são instáveis, enquanto o governo misto seria e
equilibrado e, portanto, estável e duradouro.
Maquiavel comenta em uma de suas frases célebres que a diferença entre dois
príncipes consiste na crueldade bem ou mal empregada do príncipe. Se for
utilizada em benefício da estabilidade, então é bem utilizada. Já a má
utilização leva a um fim miserável. Enfim, os fins justificam os meios.
No
livro Discorsi, o qual Maquiavel afirma no começo de O Príncipe já ter
discutido bastante sobre república, percebe-se uma semelhança muito grande com
Políbio. A tipologia clássica das seis formas de governo, a teoria dos ciclos e
a do governo misto. Entretanto, é possível distinguir as diferenças entre os
autores. Maquiavel também vê as formas simples como desvantajosas por causa da
instabilidade. Contudo, coloco como improvável a repetição infinita dos ciclos,
haja vista o enfraquecimento progressivo da sociedade, o que possivelmente
acarretaria em dominação estrangeira.
Maquiavel, assim como Políbio, elogia o governo misto, exaltando a constituição
da república romana. O equilibro dos três poderes, uma mistura estável
resistente ao tempo.
7 Bodin
Jean Bodin (1530 – 1596) escreveu a obra de teoria política mais ampla e
sistemática desde a “Política” de Aristóteles. Há diversas semelhanças entre as
duas obras, incluindo os temas abordados. Entretanto, Bodin apresenta soluções
diversas para os problemas.
Bodin
passou para a história das formas de governo como teórico da soberania. Para
ele, a soberania significa o poder absoluto e perpétuo que é próprio do Estado.
Segundo Bodin, “Quem é soberano não deve estar sujeito, de modo algum, ao
comando de outrem; deve poder promulgar leis para seus súditos, cancelando ou
anulando as palavras inúteis dessas leis, substituindo-as – o que não pode
fazer quem está sujeito às leis ou a pessoas que lhe imponham poder.”
Contudo, poder absoluto não quer dizer poder ilimitado. Essas leis que regem o
soberano são leis naturais e divinas. Outros limites impostos ao soberano são
as leis fundamentais do Estado, as hoje chamadas leis constitucionais. Assim, o
rei fica impossibilitado de se tornar um tirano. De acordo com este pensamento,
percebe-se em Bodin a preocupação com a esfera pública e privada, nesta última,
o soberano só poderá inferir caso tenha um motivo-confisco legítimo ou para
salvação estatal. É, também, o precursor da divisão entre Estado e Governo.
Bodin
acredita na existência de três formas de governo. As clássicas: monarquia,
aristocracia e democracia. Não acredita na forma mista e diz que não se deve
classificar entre formas boas e más porque essa distinção causaria o surgimento
de infinitas formas de governo. Afirma que se reunissem as três formas de
governo clássicas, o resultado não seria um governo misto, e sim um governo da
democracia. O porquê disso é que ou o povo não tem o poder de legislar (neste caso
seria aristocrático), ou este poder está com o povo, formando um Estado
democrático.
Através da sua distinção entre governo e Estado, Bodin afirma que as três
formas clássicas de Estado podem se combinar com as três formas clássicas de Governo.
Monarquia, Aristocracia e Democracia. Cruzando-as, chegamos a 9 diferentes
tipos. “Essa variedade de formas de governo tem induzido alguns a erro,
‘levando-os a postular formas mistas de Estado’, sem perceber que o governo de
um Estado é coisa bem diferente da sua administração e do modo de governá-lo”.
Essa
distinção entre regime e governo, é útil para compreender a realidade complexa
dos Estados sem recorrer à teoria do governo misto, que para Bodin, era pura
ficção. Também permite compreender o fenômeno das formas degeneradas, que
representam não um vício da soberania em si mesma, mas do seu exercício. Cada
um dos regimes pode assumir três formas diferentes: real, despótica e tirânica.
A real corresponde ao respeito do governante às leis da natureza e seus
súditos; a despótica, o governante assenhora os próprios súditos pela guerra
justa e pelo direito das armas; e a tirânica, o governante desrespeita as leis
da natureza e abusa de seus súditos. Para ele, a corrupção não afeta o Estado e
sim o Governo.
Bodin
defende a monarquia despótica justificada pela aquisição de servos em “guerra
justa”, quando um povo é conquistado por outro e tem a escravidão como castigo
ante a morte. Uma crucial diferença com a tirânica é que a despótica é
legítima, já a tirânica não.
8 Hobbes
“Como Bodin, Hobbes não aceita duas das teses que caracterizaram durante
séculos a teoria das formas de governo: a distinção entre as formas boas
e más e o governo misto.”
“Para
Hobbes também, como para Bodin, o poder soberano é absoluto. Se não fosse
absoluto, não seria soberano(...)”
Entretanto, diferentemente do capítulo anterior, Hobbes não vê limites para o
poder do soberano, como as leis naturais e divinas. Ele não nega a existência,
mas afirma que não se trata de leis como as positivas, porque não são aplicadas
com a força de um poder comum. Ou seja, não há nada que o obrigue a obedecer a
essas leis. “O soberano é juiz da conduta de seu súditos, mas a conduta
do soberano é julgada por ele próprio.”. Hobbes nega a diferenciação entre
esfera pública e privada. “O direito de propriedade só existe m no Estado,
mediante a tutela estatal; no estado de natureza os indivíduos teriam um: ius
in omnia – um direito sobre todas as coisas, o que quer dizer que não teriam
direita a nada, já que se todos têm direito a tudo, qualquer coisa pertence ao
mesmo tempo a mim e a ti. Só o Estado pode garantir, com sua força, superior à
força conjunta de todos os indivíduos, que o que é meu me pertença
exclusivamente, assegurando assim o sistema de propriedade individual”.
Para
Hobbes não se designam nomes diferentes versões boas e más de cada governo,
porque essas decisões são relativas de acordo com a opinião que têm os cidadãos
a respeito da pessoa dos governantes. Não há critério objetivo para distinguir
o rei do tirano.
Sobre
a monarquia despótica, Hobbes instiga a pergunta de como se diferenciar uma
guerra justa de uma injusta? O que determina a justiça de uma guerra é a
vitória, o vitorioso. Esse domínio é alcançado quando o derrotado declara que
em trabalhará às ordens do vencedor em troca de sua vida.
“Por
que os indivíduos deixam o estado da natureza e dão vida ao estado civil com
suas vontades concordes? A razão apresentada por Hobbes, como se sabe, é que
sendo o estado da natureza uma situação de guerra de todos contra todos, nele
ninguém tem garantia da própria vida: para salvar a vida, os indivíduos julgam
necessário assim submeter-se a um poder comum suficiente para impedir o emprego
da força particular.(...)”.
“Há
quem estime necessária a existência de um poder soberano no Estado,
sustentando, contudo que esse poder se concentrasse nas mãos de uma só pessoa,
ou de uma assembléia, a conseqüência seria, para os demais, “um Estado de
opressão servil”. A fim de evitar esta degradação dos cidadãos à situação de
escravos do poder soberano, pensam que pode haver um Estado composto das três
formas de governo acima descritas, que seja contudo ao mesmo tempo diferente de
cada uma delas. Esta forma de Estado tem o nome de monarquia mista,
aristocracia mista ou democracia mista, segundo a forma simples que nela
predomine(...)”
Hobbes pensa que o poder do soberano não pode ser dividido, a não ser pela sua
destruição. A crítica ao governo misto é ao mesmo tempo uma crítica à separação
dos poderes.
9 Vico
Assim
como Políbio, a teoria de Vico também é cíclica. As principais categorias que
Vico procura abranger são novamente as três formas clássicas de governo: a
aristocracia, a democracia e a monarquia; nessa ordem, diferentemente da
tradicional. Vico, se comparado aos autores passados, possui visão
progressista, do bom para o melhor, diferente de Platão.
“O
governo aristocrático se baseia na conservação, sob a tutela da ordem dos
patrícios que o constituiu, sendo máxima essencial da sua política a de que só
a patrícios sejam atribuídos os auspícios, os poderes, a nobreza, os conúbios,
as magistraturas, comandados e sacerdócios... Constituem condições do governo
popular a paridade dos sufrágios, a livre expressão das sentenças e o acesso
igual para todos às honrarias, sem excluir as supremas... O caráter do reino,
ou monarquia, é o domínio por um só, a quem cabe o arbítrio soberano
inteiramente livre sobre todas as coisas”.
A
tese de Vico, bastante conhecida, é de que o estado primitivo do homem foi uma
“forma bestial”. Uma ausência total de relações sociais, completa inexistência
de vida comum, inclusive familiar.
Vico
distingue três tipos de autoridade, a monástia, econômica e civil. A primeira
fala sobre o homem primitivo, e fica assim caracterizada: “A primeira
autoridade jurídica que o homem teve na solidão pode ser chamada de monástica
ou solitária. Entendo aqui igualmente por solidão os lugares freqüentados e os
desabitados, desde que neles o homem assaltado e ameaçado não possa recorrer às
leis para sua defesa... Devido à sua autoridade monástica, o homem se torna
soberano na solidão(...)”.
Esse
estado de natureza descrito por Hobbes é também aquele em que cada um vive por
sua conta, e precisa cuidar da própria defesa, pelo que termina em uma guerra
de todos contra todos. Para Vico, porém, o estado bestial é histórico, para
Hobbes trata-se de uma hipótese racional.
Entre
o estado bestial e o estado de república, Vico considera que houve um estado
intermediário, o das famílias. A primeira forma de vida associativa, que começa
assim que o homem percebe um poder divino.
Para
Vico, após a autoridade monástica, vem a econômica (fase das famílias).
Definida assim: “... nasceu a autoridade econômica, ou familiar, pela qual os
pais são soberanos em sua família. A liberdade dos filhos depende do arbítrio
dos pais, pelo que estes adquiriram o direito de vender os filhos... Os pais
têm tutela sobre os filhos como sobre sua casa e todas as suas coisas, de que
podem dispor em herança e deixar imperativamente a outrem. A passagem termina
assim: As famílias constituíram, assim, um primeiro e pequeno esboço dos
governos civis”.
“Com
a primeira forma de Estado se origina, depois da autoridade monástica e da
econômica, aquela forma mais complexa e completa de autoridade que Vico
denomina de “autoridade civil”. A república aristocrática é portanto a primeira
forma histórica de autoridade civil. Nela, a condição de desigualdade que
justifica o domínio de uma parte sobre outra não é mais a que separa os
‘patri’dos ‘famuli, mas a que divide os patrícios dos plebeus – isto é, os que
gozam de direitos privados e públicos e os que não têm um estado jurídico
definido.” Então vem a república popular, os fundadores do Estado, união dos
chefes de família.
Segundo Bobbio: “O fim da república popular, e a passagem à terceira forma de
Estado – o principado, ou monarquia – ocorre graças a razões não diversas das
apontadas pelos autores clássicos para explicar a morte natural de todas as
democracias, pela degeneração da liberdade em licenciosidade e do antagonismo
criativo na contenda destrutiva das facções, com guerra civil. Para Vico o
principado surge não contra as liberdades populares, mas para protegê-las do
faccionismo, para defender o povo – poder-se-ia dizer – contra si mesmo”. Vico
defende a monarquia como a evolução da república popular, a própria república
popular protegida contra seus males.
10 Montesquieu
Montesquieu, assim como Vico, procura a existência de leis gerais que
guiam a formação e o desenvolvimento da sociedade humana. A diferença reside no
fato de que Montesquieu, além do estudo nos estados europeus, também estuda
estados extra-europeus. Também estuda as leis ao longo da história, entretanto,
é sobretudo espacial ou geográfica. Está interessado pela explicação da
variedade das sociedades humanas e seus respectivos governos, não só no tempo,
mas no espaço.
Montesquieu afirma que todos os seres do mundo (inclusive Deus) são governados
por leis. Uma lei é enunciada sempre que há relações necessárias entre dois
seres, de modo que, dado um deles, não pode deixar de existir o outro. A
conseqüência disso tudo é que o mundo não é governado por uma “cega
fatalidade”.
“O
mundo da inteligência está bem longe de ser tão bem governado como o mundo
físico”. Com essa frase, Montesquieu quer dizer que o fato de que o homem se
inclina, pela sua própria natureza, a desobedecer às leis naturais, tem uma
conseqüência que distingue nitidamente o mundo físico do humano: para assegurar
o respeito às leis naturais, o homem foram obrigados a dar-se outras leis
(positivas). Montesquieu diz: “De modo geral, a lei é a razão humana enquanto
governa todos os povos da terra; e as leis políticas e civis de todas as nações
não devem ser senão os casos particulares em que se aplica essa razão humana.”
A relação que existe entre lei natural e lei positiva é como a que existe entre
um princípio geral e suas aplicações práticas.
Montesquieu distingue três tipos de leis positivas: as que regulam as relações
entre grupos independentes, as que regulam as relações entre governantes e as
que regulam o relacionamento dos governados entre si. Constituem,
respectivamente, o direito das gentes (internacional), o direito político
(público) e o direito civil.
O
objetivo de Montesquieu com sua obra “O Espírito das Leis” é construir uma
teoria geral da sociedade a partir da consideração do maior número possível de
sociedades históricas, é explicar a razão de tantas sociedades diferentes, com
leis positivas diferentes, culturas, ritos, costumes, se as leis naturais são
as mesmas. Os motivos que levam essa variedade de leis positivas, segundo
Montesquieu, são físicos, naturais, econômicos, sociais, espirituais e/ou
religiosos.
As
sociedades são classificadas em três tipos de governo: república, onde o povo
detém o poder; monarquia, onde um só é responsável pelo poder, mas é regido por
leis; e o despotismo, onde uma só pessoa governa, sem leis. Ele inova ao
afirmar que o governo está formulado em dois planos. “A diferença entre a
natureza do governo e seu princípio é que a natureza o faz ser o que é, e o
princípio o faz agir. A primeira corresponde a sua estrutura particular; o
segundo, às paixões humanas que o fazem mover-se.”.
Assim
como Platão, Montesquieu também tem os princípios que inspiram cada uma das
três formas. Para a Monarquia, a honra. Para a República, a virtude cívica.
Para o Despotismo, o medo.
A
virtude para Montesquieu, é o amor da pátria e da igualdade, não uma virtude
moral ou Cristã. Mas política. A mola que impulsiona a República. Ama-se a
pátria como algo que é de todos. A honra entende-se o sentimento que nos
leva a executar uma boa ação exclusivamente pelo desejo de ter ou manter uma
boa reputação. É a mola que impulsiona a Monarquia. O medo do despotismo é o
sentimento humano de medo.
Montesquieu inclina-se para a monarquia. “O governo monárquico apresenta uma
grande vantagem com relação ao despótico. Como sua natureza exige que o
príncipe tenha debaixo de si diversas ordens relativas à constituição, o Estado
é mais resistente, a constituição mais inabalável, a pessoa dos governantes
mais segura.”.
Essa
comparação entre despotismo e monarquia apresenta a monarquia como a forma de
governo em que já uma faixa de poderes entre os súditos e o soberano: os
“contrapoderes” que impedem o abuso, pelo monarca, da sua própria autoridade.
O
governo moderado de Montesquieu deriva da dissociação do poder do soberano e da
sua partição com base nas três funções fundamentais do Estado: a legislativa, a
executiva e a judiciária. Funções que devem ser designadas para três pessoas
diferentes. Ele afirma que a liberdade política se encontra nos governos
moderados.
11 Despotismo
O despotismo aparece pela primeira vez
com Aristóteles, Montesquieu, por sua vez, trabalha com ela de uma forma
diferente, separada da monarquia e da república. Não mais como um gênero da
monarquia, como Aristóteles, Bodin e Maquiavel trabalharam. A diferença entre
despotismo e monarquia, para Montesquieu, está na distribuição dos poderes, que
existe nas monarquias, mas não nos regimes despóticos. Montesquieu usa o
conceito de escravidão política. Para ele, nos governos despóticos a educação
precisa ser servil, no estado despótico, as mulheres não introduzem objetos de
luxo, elas mesmas são esses objetos de luxo, vivendo na condição de extrema
escravidão. Por isso, em regimes despóticos, onde há escravidão política, a
escravidão civil é mais tolerável.
Entretanto, a escravidão é apenas um
ponto de um conjunto de fatores que distinguem o sistema despótico, como o
clima, a natureza do terreno, a extensão territorial, a índole dos habitantes,
o tipo de leis, a religião, etc.
Montesquieu refere-se ao despotismo oriental, da Ásia, e
diz que é onde ele surge naturalmente.
Nicolas Antoine Boulanger propõe uma
interpretação religiosa, teocrática do despotismo. A origem de todos os males
reside na teocracia, que tem produzido no Oriente os governos despóticos.
Wittfogel faz uma comparação entre as sociedades policêntricas,
caracterizadas por tensão entre a sociedade civil e a instituição estatal
e as sociedades monocêntricas, marcadas pelo predomínio do Estado sobre a
sociedade. Também aborda temas tradicionais como o caráter absoluto e total, a
durabilidade, a sujeição total dos súditos ao soberano, o terror como
instrumento de domínio e o vínculo entre despotismo e teocracia.
As leis positivas impostas pela autoridade soberana, não são nada além
de projeções das leis naturais. Não devem ser leis constitutivas, mas
declarativas. Surge a figura do bom déspota, concentrando o máximo de poder em
suas mãos, ele pode restabelecer a ordem natural subvertida pelas leis
positivas inadequadas.
Dupont de Nemours vai contra
Montesquieu ao afirmar que a autoridade do soberano não deve ser dividida, seu
argumento é de que a função da autoridade é zelar por todos, enquanto cada um
se ocupa dos seus próprios negócios. Por isso, vê como absurda a idéia de
várias autoridades. Nemours defende que a única forma de governo válida é a
monarquia hereditária, pois só ela é genuinamente despótica.
Paul-Pierre Lê Mecier de la Rivière é
quem expõe a idéia de bom déspota de forma mias convicta. Para ele, a melhor
forma de governo é “aquela que não permite que se possa tirar vantagem de
governar mal; que, ao contrário, obriga quem governa a ter no bem governar seu
maior interesse”.
“Há um despotismo legal, estabelecido
natural e necessariamente com base na evidência das leis de uma ordem
essencial, e um despotismo arbitrário, produzido pela opinião que se presta a
todas as desordens, a todos os excessos de que a ignorância o torna
susceptível”.
Mably
afirma que não se pode traçar uma distinção entre o despotismo legal e
despotismo arbitrário, o defeito do despotismo é a concentração do poder nas
mãos de um só. O único remédio para o despotismo é o governo misto, o qual
Montesquieu chamou de governo moderado. Deve existir um controle recíproco que
garanta a estabilidade ao governo e liberdade aos cidadãos, por isso, a divisão
da autoridade.
“Forma-se um governo misto a fim de que ninguém se ocupe
com os próprios interesses; para que todos os membros do Estado, obrigados a
ajustar-se aos interesses alheios, trabalhem para o bem público, a despeito das
suas próprias conveniências”.
12 Hegel
Encontramos em Vico e Montesquieu,
respectivamente, a história e a geografia para entendermos a concepção
histórica das formas de governo. Hegel faz uma espécie de síntese das duas.
Hegel explica que a história passou por
três tipos diversos de bases geográficas: o altiplano, grandes estepes e
planuras na Ásia Central e nações pastoris; a planície fluvial, regiões
de solo fértil que levam à agricultura; e a zona costeira, onde se desenvolveu
uma inclinação para o comércio e novas condições ao progresso civil e de
riquezas.
Como
se vê as atividades pastoris, agrícola e comercial representam às três fases do
desenvolvimento da sociedade humana, do ponto de vista econômico, correspondem
também às três regiões distintas do planeta. Além disso, o fato que as três
fases da civilização correspondem a três zonas distintas da Terra demonstra que
a evolução das sociedades não ocorre apenas em momentos sucessivos do tempo e
no mesmo espaço, mas mediante um deslocamento de área em área. Essa evolução
ocorre em uma direção: para o Ocidente; assim a América é considerada por Hegel
como “país do futuro”.
A
influência de Montesquieu sobre Hegel ultrapassa a concepção geográfica do
desenvolvimento histórico. Tem a ver com a própria tipologia das formas de
governo, são elas: o despotismo (oriental), a república (antiga) e a monarquia
(moderna).
Em seu
livro “Lições de Filosofia da História”, Hegel afirma: “A história universal é
o processo mediante o qual se dá a educação do homem, que passa da fase
desenfreada da vontade natural à universal, e à liberdade subjetiva. O Oriente
sabia e sabe que um só é livre; o mundo grego e romano, que alguns são livres;
o mundo germânico, que todos são livres. Por isso, a primeira forma que
encontramos na história universal é o ‘despotismo’, a segunda é a ‘democracia’
e a terceira é a ‘monarquia’”.
Para
Hegel, todos os Estados do mundo percorreram as três formas de governo.
Primeiramente, o despotismo, instintivo; a segunda a república, órgãos
democráticos, Estado livre; a terceira, a monarquia, em que o rei governa uma
sociedade articulada em esferas relativamente autônomas. Essa afirmação parece
muito ser uma repetição de Montesquieu, mas existe uma diferença fundamental: o
critério usado para distinguir as três formas. Hegel não usa mais o “quem e
como”, e sim uma forma inovadora, a estrutura da sociedade em seu conjunto.
“Entende-se que se cada forma de governo é a estrutura política de uma
sociedade bem determinada, cada sociedade possui sua própria constituição – e
não pode ter uma outra”.
“Este é o curso abstrato ‘mas
necessário’ do desenvolvimento dos Estados genuinamente autônomos, de modo que
deve nele aparecer, cada vez, uma constituição determinada que ‘não dependa de
escolha’, mas seja ‘a única adequada, em cada caso, ao espírito do povo’”.
Essa
dependência do espírito do povo é o motivo por qual ele ataca constantemente os
iluministas, que acreditam que há uma constituição bela e perfeita que pode ser
imposta a povos diferentes. Hegel rejeita qualquer discussão sobre a melhor
forma de governo.
P ode
surpreender o fato de que Hegel divide as diversas épocas universais em quatro
– e não mais em três –s: o mundo oriental, o helênico, o mundo romano e o mundo
germânico. Ele foi obrigado a isso pela reflexão sobre a era imperial romana,
que não encaixava na divisão antiga.
Hegel
considerava o movimento histórico contínuo, e não cíclico. Todas as coisas
estavam rigorosamente associadas ao espaço geográfico e ao tempo histórico, de
modo que não podiam repetir-se. Sobre a quarta era, Hegel diz respeito à época
imperial como uma grande transição entre o fim do mundo antigo e o início do
moderno.
Sobre
a primeira época, o despotismo, corresponde ao mundo oriental. Deslocando-se do
Oriente para o Ocidente, os Estados despóticos são três: o despotismo
teocrático da China, a aristocracia teocrática da Índia e a monarquia
teocrática da Pérsia. Como se vê, o caráter determinante do regime despótico é
a teocracia.
“Hegel chama o mundo oriental de “era infantil da história”; com isso quer
dizer que na Idade do despotismo o homem ingressa pela primeira vez na historia
(antes do surgimento da primeira forma de Estado não há ainda história, mas só
pré-história). Contudo, embora sendo já um mundo histórico,o universo do
despotismo oriental ainda não apresenta um verdadeiro desenvolvimento
histórico, é um reino”
Antes
o homem era natural, fora da história. Hegel afirma que esse homem pré-histórico
é o africano. Em sua obra, antes de citar o mundo ele dedica algumas páginas à
África afirmando que os negros são homens no estado bruto, na sua total
barbárie e, por conseguinte não possuem freios. O que hoje pareceriam
barbáries.
A tarefa
que ele se propõe, j á que recusa a discussão de melhor forma de governo, é
entender a razão das formas de governo. Isso não impede que ele defenda uma
forma de Estado: a monarquia constitucional. Entretanto, em várias
oportunidades deixa transparecer que sua preferência pela monarquia
constitucional não se deve pelo motivo de que ela seja a melhor, mas aquele que
corresponde melhor ao “espírito do tempo”.
“Monarquia constitucional, única constituição racional/ Constituição a) em
grandes Estados, b) onde o sistema da sociedade civil já se desenvolveu/
Democracia em pequenos Estados.”. O fato dos Estados Unidos da América ser um
Estado grande e democrático, não era problema, pois, para Hegel, não constituía
uma sociedade civil, sendo um Estado em formação.
A
monarquia constitucional seria a forma de excelência do Estado Moderno.O
aperfeiçoamento do Estado em monarquia constitucional é obra do mundo moderno.
Feita
a comparação da monarquia constitucional com as formas clássicas de divisão das
formas de governo, o critério de distinção é a complexidade da sociedade. As
formas clássicas só se adaptam às sociedades mais simples; enquanto a monarquia
constitucional, às mais complexas.
“O
caráter distintivo da monarquia constitucional não reside no fato de que
governam um , poucos e muitos, em diferentes níveis, porém no fato, bem mais
substancial de que os poderes fundamentais do Estado estão divididos, e são
exercidos por diversos órgãos”
A Monarquia Constitucional
Este
apêndice trata das relações entre Montesquieu e Hegel a respeito da monarquia
constitucional.
A constituição monárquica que Hegel e Montesquieu descrevem são muito
diferentes das descritas anteriormente nas formas clássicas de governo, elas
são bem mais complexas e articuladas. Verificando com uma postura moderna,
Hegel e Montesquieu dizem a monarquia constitucional ser a forma mais adaptada,
enquanto as outras são ineficientes, em vista da falta de articulação das
formas clássicas.
A
inovação de Hegel em com relação a Montesquieu, é a maneira de considerar a
sociedade moderna e suas articulações. Ele afirma que a vida social se
desenvolveu tanto que acabou se duplicando em dois aspectos que se tornaram bem
diferentes, a sociedade civil e o Estado. Isso significa que a sociedade civil,
de esfera privada, funciona com interesses que são próprios e possui sistema
autônomo devido à sua dependência recíproca e objetiva. Já o Estado, funciona
de modo de unidade política, onde as diferenças sociais são articuladas e
recompostas.
Para
Hegel, como vimos, a monarquia constitucional é uma constituição articulada,
pois reflete a sociedade diferenciada, a sociedade moderna da época. Montesquieu
difere no ponto que tange a sociedade civil, que para ele, não é vista separada
do Estado e suas diferenciações também são distintas.
A
divisão de classes é outro ponto em que há distinção, para Hegel, é vertical,
baseada em critérios socioeconômicos, já para Montesquieu é horizontal,
buscando a honra. Conclui-se, então, que a desigualdade vem das
particularidades de cada um e não de uma ordem anterior.
“O
fato de que Montesquieu reconhece a honra como princípio da monarquia decorre
do fato de que ele tem em mente não a constituição patriarcal ou antiga, em
geral, nem a que se desenvolve com uma constituição objetiva, ,as a monarquia
‘feudal’, enquanto as relações do seu direito interno são concretizadas... em
privilégios de indivíduos e de corporações.(...)
A idéia de liberdade é outro ponto de diferença entre os autores. Enquanto para
Hegel é levar uma vida universal, o cumprimento das leis, para Montesquieu, é a
ausência de opressão e dos abusos. Entretanto, os dois percebem que a liberdade
é conquistada mediante o Estado e suas leis. Para Hegel, elas garantem o
bem comum e para Montesquieu a garantia dos privilégios.
Montesquieu pensa que a separação dos poderes é concebida como um sistema de
freios para manter o equilíbrio. Evitando assim que alguma potência (
especialmente o rei) adquira poder grande suficiente para que esvazie as
prerrogativas e os privilégios de todas as outras. Já Hegel aceita o princípio
de divisão de poderes, tendo como o objetivo a liberdade pública.
“Dentro do modelo hegeliano, o princípio da divisão dos poderes assume novo
significado: não representa um artifício concebido para prevenir os perigos dos
abusos de poder, nem é algo de mecânico ou instrumental, mas sim de orgânico.”
Os
poderes compreendidos pelos dois também diferem: para Hegel, do príncipe, do
governo e legislativo. Já para Montesquieu, executivo, legislativo e
judiciário. O modelo de Hegel não foi o mais aceito. A teoria de Montesquieu
teve maior influência na história.
13 A Ditadura
Como
já visto, na linguagem marxista, ditadura é um sinônimo de despotismo, tirania.
Denomina-se como tal, um governo absoluto, exclusivo, pessoal, moral e
juridicamente condenável. Como exemplo, pode-se citar ditaduras como o fascismo
italiano, nazismo alemão, stalinismo, Pinochet no Chile e os coronéis gregos.
O
emprego de “ditadura” como “tirania” e “despotismo” veio da Antiguidade
clássica, do mundo romano. Em Roma, o ditador era nomeado em circustâncias
extraordinárias , por um dos cônsules, em casos de guerra ou rebelião e detinha
poderes extraordinários.
A ditadura romana tinha as seguintes
características: a) Estado de necessidade, no que concerne à legitimação; b)
Excepcionalidade dos poderes, consistindo sobretudo na suspensão das garantias
constitucionais ordinárias; c) Unidade de comando (O ditador é sempre um
indivíduo) d) Caráter temporário da função.
Consegue-se diferenciar assim, ditadura, tirania e despotismo. Houve em Roma,
uma magistratura monocrática, uma vez que a verdadeira tirania não faz uso da
legitimação do poder. Não poderia ser chamada de despotismo, que apesar de
legítimo, não é temporário, pelo contrário. Por isso, o utilizamos o termo
ditadura, como poder legítimo, mas temporário.
A
ditadura, portanto, era vista como forma positiva de governo, uma vez que esse
poder era limitado. Maquiavel ressalta ainda que o ditador tinha seu poder
limitado ao executivo, nada podia fazer sobrepondo-se ao Estado, ao
legislativo. Bodin também defende a ditadura, alegando que o ditador não era o
soberano, que na verdade era de quem o escolhia.
Rousseau diz que nem sempre a lei pode
prever tudo, e sua suspensão é justificada em certos casos. Neste momento, a
ditadura é necessária para manter a segurança pública. Rousseau ressalta o
caráter temporário da ditadura – em situações excepcionais – e a limitação do
poder ditatorial ao executivo, com o argumento de que o ditador pode fazer
calar as leis, mas não pode fazê-las falar.
Carl Schmitt chama a ditadura
convencional de “comissária”, a que tem o intuito de suspender a Constituição
para defendê-la. Classifica, porém de “soberana”, a ditadura que tem o intuito
de alterar a constituição. Como exemplo: a Revolução Francesa com a suspensão
da Constituição de 1793, que não voltou a vigorar. A ditadura soberana perde
seu caráter monocrático, como na ditadura jacobina, que foi representada por um
comitê. E assim, inicia-se o conceito marxista de ditadura do proletário ou da
burguesia. Pois além de ser representada inteiramente por uma classe social, o
poder dessa ditadura é de grande extensão, tomando parte do legislador também.
Caso seja feita uma análise do ponto de
vista dos autores que defendem a ditadura clássica, a ditadura soberana deveria
ser chamada tirânica, devido ao seu poder extraconstitucional e constituinte, e
não mais constituído. Na história da ditadura moderna há também o exemplo da
Conspiração dos Iguais, por Babeuf e Buonarroti. Eles pregavam um governo
revolucionário de poucas pessoas, como a ditadura soberana de Schmitt. O
objetivo final era um socialismo igualitário. Para isso, era necessário um
período de ditadura para que fosse estabelecida ordem até a instituição de um
governo igualitário.
Ao final, conclui-se
que para haja a formação de uma nova constituição, é necessário que se
estabeleça um governo reformista ou revolucionário ditatorial.
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