William
Lane Craig: "Sem Deus, não é possível explicar a
existência de valores e deveres morais objetivos"
O filósofo e teólogo defende
o cristianismo, a ressurreição de Jesus e a veracidade da Bíblia a partir de
construção lógica e racional, e se destaca em debates com pensadores ateus
"Se você acha que a
religião é um conto de fadas, não acredite. Mas se o cristianismo é a verdade —
como penso que é — temos que acreditar nele independente das consequências. É o
que as pessoas racionais fazem, elas acreditam na verdade. A via contrária é o
pragmatismo. 'Isso Funciona? Não importa se é verdade, quero saber se
funciona'"
Quando
o escritor britânico Christopher Hitchens, um dos maiores defensores do
ateísmo, travou um longo debate nos Estados Unidos, em abril de 2009, com o
filósofo e teólogo William Lane Craig sobre a existência de Deus, seus colegas
ateus ficaram tensos. Momentos antes de subir ao palco, Hitchens — que morreu
em dezembro de 2011. aos 62 anos — falou a jornalistas sobre a expectativa de
enfrentar Craig.
"Posso dizer que meus colegas ateus o levam bem a sério", disse. "Ele é considerado um adversário muito duro, rigoroso,
culto e formidável", continuou. "Normalmente as pessoas não me dizem 'boa
sorte' ou 'não nos decepcione' antes de um debate — mas hoje, é o tipo de coisa
que estão me dizendo". Difícil saber se houve um vencedor do
debate. O certo é que Craig se destaca pela elegância com que apresenta seus
argumentos, mesmo quando submetido ao fogo cerrado.
O teólogo evangélico é
considerado um dos maiores defensores da doutrina cristã na atualidade. Craig,
que vive em Atlanta (EUA) com a esposa, sustenta que a existência de Deus e a
ressurreição de Jesus, por exemplo, não são apenas questões de fé, mas
passíveis de prova lógica e racional. Em seu currículo de debates estão o
famoso químico e autor britânico Peter Atkins e o neurocientista americano Sam
Harris (veja lista com vídeos legendados de Craig). Basta uma rápida procura no
Youtube para encontrar uma vastidão de debates travados entre Craig e diversos
estudiosos. Richard Dawkins, um dos maiores críticos do teísmo, ainda se recusa
a discutir com Craig sobre a existência de Deus.
Em artigo publicado no
jornal inglês The Guardian, Dawkins afirma que Craig faz apologia ao genocídio,
por defender passagens da Bíblia que justificam a morte de homens, mulheres e crianças
por meio de ordens divinas. "Vocês apertariam a mão de um homem que
escreve esse tipo de coisa? Vocês compartilhariam o mesmo palco que ele? Eu
não, eu me recuso", escreveu. Na entrevista abaixo, Craig fala sobre o
assunto.
Autor de diversos livros
— entre eles Em Guarda – Defenda a fé
cristã com razão e precisão (Ed. Vida Nova), lançado no fim de 2011 no Brasil,
— Craig é doutor em filosofia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e
em teologia pela Universidade de Munique, Alemanha. O filósofo esteve no Brasil
para o 8º Congresso de Teologia da Editora Vida Nova, em Águas de Lindóia,
entre 13 e 16 de março. Durante o simpósio, Craig deu palestras e dedicou a
última apresentação a atacar, ponto a ponto, os argumentos de Richard Dawkins sobre
a inexistência de Deus.
Perfil
Nome:
William Lane Craig
Profissão:
Filósofo, teólogo e professor universitário na Universidade de Biola,
Califórnia.
Nascimento: 23
de agosto de 1949
Livros
destacados: Apologética Contemporânea – A veracidade da
Fé Cristã; Em Guarda, Defenda a fé cristã com razão e precisão; ambos
publicados no Brasil pela editora Vida Nova.
Principal
contribuição para a filosofia: Craig foi responsável por
reformular o Argumento Cosmológico Kalam (variação do argumento cosmológico que
defende a existência de uma primeira causa para o universo) nos seguintes
termos: 1) Tudo que começa a existir tem uma causa de existência. 2) O universo
começou a existir. 3) Portanto, o universo tem uma causa para sua existência.
Informações
pessoais: William Lane Craig é conhecido pelo trabalho na
filosofia do tempo e na filosofia da religião, especificamente sobre a
existência de Deus e na defesa do teísmo cristão. Escreveu e editou mais de 30
livros, é doutor em filosofia e teologia em universidades inglesa e alemã e
desde 1996 é pesquisador e professor de filosofia na Universidade de Biola, na
Califórnia. Atualmente vive em Atlanta, nos EUA, com a esposa. Craig pratica
exercícios regularmente como forma de combater a APM (Atrofia Peronial
Muscular) uma doença degenerativa do sistema nervoso que lhe causou
atrofiamento dos nervos das mãos e pernas. Especialista em debates desde o
ensino médio, o filósofo passa a maior parte do tempo estudando.
Por que deveríamos acreditar em Deus?
Porque os argumentos e evidências
que apontam para a Sua existência são mais plausíveis do que aqueles que
apontam para a negação. Vários argumentos dão força à ideia de que Deus existe.
Ele é a melhor explicação para a existência de tudo a partir de um momento no
passado finito, e também a para o ajuste preciso do universo, levando ao
surgimento de vida inteligente. Deus também é a melhor explicação para a
existência de deveres e valores morais objetivos no mundo. Com isso, quero
dizer valores e deveres que existem independentemente da opinião humana.
Se Deus é bondade e justiça, por que ele não criou um universo
perfeito onde todas as pessoas vivem felizes?
Acho que esse é o desejo de
Deus. É o que a Bíblia ensina. O fato de que o desejo de Deus não é realizado
implica que os seres humanos possuem livre-arbítrio. Não concordo com os
teólogos que dizem que Deus determina quem é salvo ou não. Parece-me que os
próprios humanos determinam isso. A única razão pela qual algumas pessoas não
são salvas é porque elas próprias rejeitam livremente a vontade de Deus de
salvá-las.
Alguns cientistas argumentam que o livre-arbítrio não existe. Se
esse for o caso, as pessoas poderiam ser julgadas por Deus?
Não, elas não poderiam.
Acredito que esses autores estão errados. É difícil entender como a concepção
do determinismo pode ser racional. Se acreditarmos que tudo é determinado,
então até a crença no determinismo foi determinada. Nesse contexto, não se
chega a essa conclusão por reflexão racional. Ela seria tão natural e
inevitável como um dente que nasce ou uma árvore que dá galhos. Penso que o
determinismo, racionalmente, não passa de absurdo. Não é possível acreditar
racionalmente nele. Portanto, a atitude racional é negá-lo e acreditar que
existe o livre-arbítrio.
O senhor defende em seu site uma passagem do Velho Testamento em que
Deus ordena a destruição da cidade de Canaã, inclusive autorizando o genocídio,
argumentando que os inocentes mortos nesse massacre seriam salvos pela graça
divina. Esse não é um argumento perigosamente próximo daqueles usados por terroristas
motivados pela religião?
A teoria ética desses
terroristas não está errada. Isso, contudo, não quer dizer que eles estão
certos. O problema é a crença deles no deus errado. O verdadeiro Deus não
ordena atos terroristas e, portanto, eles estariam cometendo uma atrocidade
moral. Quero dizer que se Deus decide tirar a vida de uma pessoa inocente,
especialmente uma criança, a Sua graça se estende a ela.
Se o terrorista é cristão o ato terrorista motivado pela religião é
justificável, por ele acreditar no Deus ‘certo’?
Não é suficiente acreditar
no deus certo. É preciso garantir que os comandos divinos estão sendo
corretamente interpretados. Não acho que Deus dê esse tipo de comando hoje em
dia. Os casos do Velho Testamento, como a conquista de Canaã, não representam a
vontade normal de Deus.
O sr. está querendo dizer que Deus também está sujeito a variações
de humor? Não é plausível esperar que pelo menos Ele seja consistente?
Penso que Deus pode fazer
exceções aos comandos morais que dá. O principal exemplo no Velho Testamento é
a ordem que ele dá a Abraão para sacrificar seu filho Isaque. Se Abraão tivesse
feito isso por iniciativa própria, isso seria uma abominação. O deus do Velho
Testamento condena o sacrifício infantil. Essa foi uma das razões que o levou a
ordenar a destruição das nações pagãs ao redor de Israel. Elas estavam
sacrificando crianças aos seus deuses. E, no entanto, Deus dá essa ordem
extraordinária a Abraão: sacrificar o próprio filho Isaque. Isso serviu para
verificar a obediência e fé dele. Mas isso é a exceção que prova a regra. Não é
a forma normal com que Deus conduz os assuntos humanos. Mas porque Deus é Deus,
Ele tem a possibilidade de abrir exceções em alguns casos extremos, como esse.
O sr. disse que não é suficiente ter o deus certo, é preciso fazer a
interpretação correta dos comandos divinos. Como garantir que a sua
interpretação é objetivamente correta?
As coisas que digo são
baseadas no que Deus nos deu a conhecer sobre si mesmo e em preceitos
registrados na Bíblia, que é a palavra d’Ele. Refiro-me a determinações sobre a
vida humana, como “não matarás”. Deus condena o sacrifício de crianças, Seu
desejo é que amemos uns ao outros. Essa é a Sua moral geral. Seria apenas em
casos excepcionalmente extremos, como o de Abraão e Isaque, que Deus mudaria
isso. Se eu achar que Deus me comandou a fazer algo que é contra o Seu desejo
moral geral, revelado na escritura, o mais provável é que eu tenha entendido
errado. Temos a revelação do desejo moral de Deus e é assim que devemos nos comportar.
O sr. deposita grande parte da sua argumentação no conteúdo da
Bíblia. Contudo, ela foi escrita por homens em um período restrito, em uma área
restrita do mundo, em uma língua restrita, para um grupo específico de pessoas.
Que evidência se tem de que a Bíblia é a palavra de um ser sobrenatural?
A razão pela qual
acreditamos na Bíblia e sua validade é porque acreditamos em Cristo. Ele
considerava as escrituras hebraicas como a palavra de Deus. Seus ensinamentos
são extensões do que é ensinado no Velho Testamento. Os ensinamentos de Jesus
são direcionados à era da Igreja, que o sucederia. A questão, então, se torna a
seguinte: temos boas razões para acreditar em Jesus? Ele é quem ele diz ser, a
revelação de Deus? Acredito que sim. A ressurreição dos mortos, por exemplo,
mostra que ele era quem afirmava.
Existem provas que confirmem a ressurreição de Jesus?
Temos boas bases históricas.
A palavra ‘prova’ pode ser enganosa porque muitos a associam com matemática.
Certamente, não temos prova matemática de qualquer coisa que tenha acontecido
na história do homem. Não temos provas, nesse sentido, de que Júlio César foi
assassinado no senado romano, por exemplo, mas temos boas bases históricas para
isso. Meu argumento é que se você considera os documentos do Novo Testamento
como fontes da história antiga, — como os historiadores gregos Tácito, Heródoto
ou Tucídides — o evangelho aparece como uma fonte histórica muito confiável
para a vida de Jesus de Nazaré. A maioria dos historiadores do Novo Testamento concorda
com os fatos fundamentais que balizam a inferência sobre a ressurreição de
Cristo. Coisas como a sua execução sob autoridade romana, a descoberta das
tumbas vazias por um grupo de mulheres no domingo depois da crucificação e o
relato de vários indivíduos e grupos sobre os aparecimentos de Jesus vivo após
sua execução. Com isso, nos resta a seguinte pergunta: qual é a melhor
explicação para essa sequência de acontecimentos? Penso que a melhor explicação
é aquela que os discípulos originais deram — Deus fez Jesus renascer dos
mortos. Não podemos falar de uma prova, mas podemos levantar boas bases
históricas para dizer que a ressurreição é a melhor explicação para os fatos. E
como temos boas razões para acreditar que Cristo era quem dizia ser, portanto temos
boas razões para acreditar que seus ensinamentos eram verdade. Sendo assim,
podemos ver que a Bíblia não foi criação contingente de um tempo, de um lugar e
de certas pessoas, mas é a palavra de Deus para a humanidade.
O textos da Bíblia passaram por diversas revisões ao longo do tempo.
Como podemos ter certeza de que as informações às quais temos acesso hoje são
as mesmas escritas há 2.000 anos? Além disso, como lidar com o fato de que
informações podem ser perdidas durante a tradução?
Você tem razão quanto a
variedade de revisões e traduções. Por isso, é imperativo voltar às línguas
originais nas quais esses textos foram escritos. Hoje, os críticos textuais
comparam diferentes manuscritos antigos de modo a reconstruir o que os
originais diziam. O Novo Testamento é o livro mais atestado da história antiga,
seja em termos de manuscritos encontrados ou em termos de quão próximos eles
estão da data original de escrita. Os textos já foram reconstruídos com 99% de
precisão em relação aos originais. As incertezas que restam são trivialidades.
Por exemplo, na Primeira Epístola de João, ele diz: “Estas coisas vos
escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra”. Mas alguns manuscritos dizem:
“Estas coisas vos escrevemos, para que o nosso gozo se cumpra”. Não temos certeza
se o texto original diz ‘vosso’ ou ‘nosso’. Isso ilustra como esse 1% de
incerteza é trivial. Alguém que realmente queira entender os textos deverá
aprender grego, a língua original em que o Novo Testamento foi escrito.
Contudo, as pessoas também podem comprar diferentes traduções e compará-las
para perceber como o texto se comporta em diferentes versões.
É possível explicar a existência de Deus apenas com a razão? Qual o
papel da ciência na explicação das causas do universo?
A razão é muito mais ampla
do que a ciência. A ciência é uma exploração do mundo físico e natural. A
razão, por outro lado, inclui elementos como a lógica, a matemática, a
metafísica, a ética, a psicologia e assim por diante. Parte da cegueira de
cientistas naturalistas, como Richard Dawkins, é que eles são culpados de algo
chamado ‘cientismo’. Como se a ciência fosse a única fonte da verdade. Não acho
que podemos explicar Deus em sua plenitude, mas a razão é suficiente para
justificar a conclusão de que um criador transcendente do universo existe e é a
fonte absoluta de bondade moral.
Por que o cristianismo deveria ser mais importante do que outras
religiões que ensinam as mesmas questões fundamentais, como o amor e a
caridade?
As pessoas não entendem o
que é o cristianismo. É por isso que alguns ficam tão ofendidos quando se prega
que Jesus é a única forma de salvação. Elas pensam que ser cristão é seguir os
ensinamentos éticos de Jesus, como amar ao próximo como a si mesmo. É claro que
não é preciso acreditar em Jesus para se fazer isso. Isso não é o cristianismo.
O evangelho diz que somos moralmente culpados perante Deus. Espiritualmente,
somos separados d’Ele. É por isso que precisamos experimentar Seu perdão e
graça. Para isso, é preciso ter um substituto que pague a pena dos nossos
pecados. Jesus ofereceu a própria vida como sacrifício por nós. Ao aceitar o
que ele fez em nosso nome, podemos ter o perdão de Deus e a limpeza moral. A
partir disso, nossa relação com Deus pode ser restaurada. Isso evidencia por
que acreditar em Cristo é tão importante. Repudiá-lo é rejeitar a graça de Deus
e permanecer espiritualmente separado d’Ele. Se você morre nessa condição você
ficará eternamente separado de Deus. Outras religiões não ensinam a mesma
coisa.
A crença em Deus é necessária para trazer qualidade de vida e
felicidade?
Penso que a crença em Deus
ajuda, mas não é necessária. Ela pode lhe dar uma fundação para valores morais,
propósito de vida e esperança para o futuro. Contudo, se você quiser viver
inconsistentemente, é possível ser um ateu feliz, contanto que não se pense nas
implicações do ateísmo. Em última análise, o ateísmo prega que não existem
valores morais objetivos, que tudo é uma ilusão, que não há propósito e
significado para a vida e que somos um subproduto do acaso.
Por que importa se acreditamos no deus do cristianismo ou na ‘mãe
natureza’ se na prática as pessoas podem seguir, fundamentalmente, os mesmos
ensinamentos?
Deveríamos acreditar em uma mentira se isso for bom para a
sociedade?
As pessoas devem acreditar
em uma falsa teoria, só por causa dos benefícios sociais? Eu acho que não. Isso
seria uma alucinação. Algumas pessoas passam a acreditar na religião por esse
motivo. Já que a religião traz benefícios para a sociedade, mesmo que o
indivíduo pense que ela não passa de um ‘conto de fadas’, ele passa a
acreditar. Digo que não. Se você acha que a religião é um conto de fadas, não
acredite. Mas se o cristianismo é a verdade — como penso que é — temos que
acreditar nele independente das consequências. É o que as pessoas racionais
fazem, elas acreditam na verdade. A via
contrária é o pragmatismo. “Isso Funciona?", perguntam elas. "Não
importa se é verdade, quero saber se funciona”. Não estou preocupado se na
Suécia alguns são felizes sem acreditar em Deus ou se há alguma vantagem em
acreditar n’Ele. Como filósofo, estou interessado no que é verdade e me parece
que a existência desse ser transcendente que criou e projetou o universo, fonte
dos valores morais, é a verdade.
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