By Michael A. Cremo and Richard
L. Thompson Published by BBT Science Books, 1996. ISBN: 0-89213-294-9. Hardbound, 952
pages.
INTRODUÇÃO
Em 1979, pesquisadores em
Laetoli, Tanzania, em um sítio da África Oriental descobriram pegadas em
depósitos de cinza vulcânica com idade superior a 3,6 milhões de anos. Mary
Leakey e outros disseram que as pegadas eram indistingüíveis das humanas atuais.
Para estes cientistas, isso apenas significa que os ancestrais do homem de 3,6
milhões de anos atrás tinham pés incrivelmente modernos.
Mas, de acordo com outros
cientistas, como o antropólogo físico R.H. Tuttle da Universidade de Chicago,
ossos fósseis dos australopithecos conhecidos de 3,6 milhões de anos atrás
demonstram que eles tinham pés que eram claramente próximos dos pés de um
macaco. Assim, são incompatíveis com as pegadas de Laetoli. Em um artigo da
edição de março de 1990 da revista ‘Natural History’, Tuttle confessou que
“estamos frente a um mistério”. Parece admissível, portanto, considerar a
possibilidade que nem Tuttle nem Leakey mencionaram - que criaturas com corpos
humanos anatomicamente modernos, que combinassem com seus pés humanos anatomicamente
modernos, existiram há 3,6 milhões de anos atrás na África Oriental. Talvez,
como sugerido na ilustração da página oposta, eles coexistiram com criaturas
simiescas. Intrigante como possa parecer essa possibilidade arqueológica, as
idéias atuais sobre a evolução humana a proíbem.
Pessoas sensatas irão
alertar para a consideração da existência de humanos anatomicamente modernos há
milhões de anos com base, simplesmente, nas pegadas de Laetoli. Mas há mais
evidências. Durante as últimas décadas, cientistas na África descobriram ossos
fósseis que parecem consideravelmente humanos. Em 1965, Bryan Patterson e W. W.
Howells acharam um úmero (osso do braço) surpreendentemente moderno em Kanapoi,
Kenya. Os cientistas avaliaram sua idade em 4 milhões de anos.
Henry M. McHenry e Robert S.
Corruccini, da Universidade da Califórnia, disseram que o úmero de Kanapoi era
“dificilmente distinguível do osso de um Homo sapiens atual”. Similarmente,
Richard Leakey disse que o fêmur ER 1481 do Lago Tukana, Kenya, achado em 1972,
era indistinguível do de um humano moderno. Os cientistas normalmente associam
o fêmur ER 1481, que tem cerca de 2 milhões de anos, ao pré-humano Homo
habilis. Mas, desde que o ER 1481 foi achado isoladamente, não se pode
descartar a possibilidade de que o resto do esqueleto fosse, também,
anatomicamente moderno. De forma interessante, em 1913 o cientista alemão Hans
Reck descobriu, em Olduvai Gorge, Tanzania, um esqueleto humano completo,
anatomicamente moderno, em um estrato de mais de um milhão de anos, gerando
décadas de controvérsias.Aqui, novamente, alguns nos alertarão para que não
exagerarmos o valor de alguns poucos e controversos exemplos em contraste com a
grande quantidade de evidências não controversas demonstrando que os humanos
atuais evoluíram de criaturas simiescas bastante recentemente - por volta de
100.000 anos para cá, na África, e na visão de alguns, em outras partes do
mundo também. Mas acontece que não esgotamos nossas fontes com as pegadas de
Laetoli, o úmero de Kanapoi e o fêmur ER 1481. Pelos últimos oito anos, Richard
Thompson e eu, com a assistência de nosso pesquisador Stephen Bernath,
acumulamos um extenso corpo de evidências que desafia as teorias atuais sobre a
evolução humana. Algumas dessas evidências, como as pegadas de Laetoli, são bem
recentes. Mas boa parte delas foi registrada por cientistas no século dezenove
e começo do século vinte. E, como você pode ver, nossa discussão sobre essas
evidências podem constituir um livro muito grande.
Sem mesmo olhar para esse antigo
conjunto de evidências, alguns assumirão que deve haver algo errado com ele -
que foi convenientemente descartado há muito pelos cientistas, por razões muito
boas. Richard e eu checamos bem essa possibilidade. Concluímos, no entanto, que
a qualidade dessas evidências controversas não é melhor ou pior que as
supostamente não controversas, usualmente citadas em favor das atuais teorias
sobre a evolução humana.
Mas “Arqueologia Proibida” é
mais do que um bem documentado catálogo de fatos não usuais. É, também, uma
crítica sociológica, filosófica e histórica ao método científico, da forma como
é aplicado à questão das origens da humanidade. Não somos sociólogos, mas nossa
abordagem é similar à praticada pelos adeptos da sociologia do conhecimento
científico (SSK), como Steve Woolgar, Trevor Pinch, Michael Mulkay, Harry
Collins, Bruno Latour, and Michael Lynch.
Cada um desses estudiosos
tem uma perspectiva única da SSK, mas todos provavelmente concordariam com o
seguinte enunciado programático. As conclusões dos cientistas não correspondem
de forma idêntica as estados e processos de uma realidade objetiva natural. Ao
invés, tais conclusões refletem os reais processos sociais dos cientistas, mais
do que o que acontece na natureza/meio ambiente.
A abordagem crítica que
fazemos em “Arqueologia Proibida” também assemelha-se à usada pelos filósofos
da ciência, como Paul Feyerabend, que afirma que a ciência alcançou uma posição
por demais privilegiada no campo intelectual, e por historiadores da ciência,
como J. S. Rudwick, que explorou em detalhes a natureza da controvérsia
científica. Como Rudwick, em “A Grande Contovérsia Devoniana”, usamos a
narrativa para apresentarmos nosso material, que engloba não uma mas muitas
controvérsias - controvérsias há muito resolvidas, não resolvidas ainda e em
formação. Para isso foram feitas muitas citações de fontes primárias e
secundárias, e fornecidas descrições detalhadas das reviravoltas dos complexos
debates paleoantropológicos. Para os que trabalham com disciplinas relacionadas
com as origens da humanidade e antiguidade, “Arqueologia Proibida” provê um bem
documentado compêndio de relatórios livres das muitas referências atuais, não
facilmente conseguido de outra forma.
Um dos últimos autores a
discutir o tipo de relatório achado em “Arqueologia Proibida” foi Marcellin
Boule. Em seu livro “Fossil Men” (1957), Boule traz uma conclusão decididamente
negativa. Mas, ao examinar os relatórios originais, percebemos que o ceticismo
de Boule não é justificado. Em “Arqueologia Proibida”, fornecemos material
oriundo de fontes primárias que irão permitir aos leitores atuais formarem suas
próprias opiniões sobre as evidências que Boule desacreditou. Também
introduzimos vários casos que Boule deixou de mencionar.
Das evidências que colhemos,
concluímos algumas vezes em linguagem desprovida do experimentalismo ritual,
que as hipóteses atualmente dominantes sobre as origens do homem necessitam de
uma drástica revisão. Também concluímos que um processo de filtragem de
conhecimentos deixou os estudiosos com uma coleção de fatos radicalmente
prejudicada e incompleta.
Antecipamos que muitos
estudiosos acharão em “Arqueologia Proibida” um convite a discursos produtivos
sobre (1) a natureza e tratamento das evidências no campo das origens do homem e
(2) as conclusões que podem ser mais logicamente alcançadas a partir de tais
evidências.
No primeiro capítulo da
Parte I, pesquisamos a história e o atual estado em que se encontram as idéias
sobre a evolução do homem. Também discutimos alguns dos princípios
epistemológicos que usamos em nosso estudo nesse campo. Principalmente, estamos
interessados em duplo padrão no tratamento das evidências. Identificamos dois
principais corpos de evidências. O primeiro é um conjunto controverso (A), que
demonstra a existência de humanos anatomicamente modernos no ‘não muito
confortável’ passado distante. O segundo é um conjunto de evidências (B) que
pode ser interpretado como comportando as atuais visões dominantes de que o
homem evoluiu bem recentemente, de 100.000 anos para cá, na África, e talvez em
outros lugares.Também identificamos padrões empregados na avaliação das
evidências paleoantropológicas. Depois de um estudo detalhado, descobrimos que
se estes padrões forem aplicados igualmente para A e B, então devemos aceitar a
ambos ou rejeitar a ambos. Se aceitarmos tanto A quanto B, então temos
evidências colocando humanos anatomicamente modernos vivendo há milhões de anos
atrás, coexistindo com humanóides simiescos. Se rejeitarmos a ambos, eliminamos
a possibilidade de usarmos a base fática disponível para formularmos qualquer
hipótese sobre as origens do homem e a antiguidade. Historicamente, um
significativo número de cientistas profissionais já aceitou as evidências do
grupo A. Mas um grupo mais influente, que aplicou padrões mais rígidos a A do
que a B, estabeleceu a rejeição de A e a preservação de B como dominante. Esse
uso de padrões diferenciados para a aceitação ou rejeição de evidências
constitui um filtro de conhecimentos que obscurece a verdade sobre a evolução
humana. No corpo da Parte I (Capítulos 2-6), checamos a vasta quantidade de
evidências controversas que contradiz as idéias correntes sobre a evolução do
homem. Narramos em detalhes como elas foram sistematicamente suprimidas,
ignoradas ou esquecidas, mesmo sendo qualitativamente (e quantitativamente)
equivalentes às atualmente aceitas. Quando falamos em supressão de evidências,
não nos referimos a cientistas conspiradores levando a cabo um plano satânico
para enganar o público.
Ao contrário, falamos sobre
a existência de um processo sociológico de filtragem de conhecimento que
aparenta ser bem inócuo mas que tem, em verdade, um substancial efeito
cumulativo. Certas categorias de evidências simplesmente desapareceram, em
nossa opinião injustificadamente.
O Capítulo 2 trata de ossos
anormalmente antigos e conchas que exibem marcas e sinais de ruptura
intencional. Até hoje, cientistas consideram tais ossos e conchas como uma
importante categoria de evidências, e muitos sítios arqueológicos foram
estabelecidos com base apenas nesse tipo de achado.Nas décadas posteriores à
apresentação da teoria de Darwin, numerosos cientistas descobriram ossos
animais quebrados ou com incisões, e conchas sugerindo que humanos que usavam
ferramentas ou precursores dos humanos existiram no Pliosceno (2-5 milhões de
anos atrás), no Miosceno (5-25 milhões de anos atrás), e até antes. Ao analisar
os ossos e conchas, os descobridores cuidadosamente consideraram e
estabeleceram explicações alternativas - como a ação de animais ou pressão
geológica - antes de concluir que os humanos eram os responsáveis. Em alguns
casos, ferramentas de pedra foram achadas juntamente com os ossos e conchas. Um
exemplo particularmente impressionante nesta categoria é um concha exibindo uma
rude, porém reconhecível, face humana esculpida em sua superfície externa.
Registrada pelo ologista H. Stopes à Associação Britânica para o Avanço da
Ciência em 1881, essa concha, de uma formação rochosa do Pliosceno, na
Inglaterra, tem mais de 2 milhões de anos.
De acordo com os padrões
aceitos, humanos capazes de tal nível de artifício não chegaram à Europa antes
de 30.000 ou 40.000 antos atrás. Além disso, eles nem mesmo surgiram em seu
berço, a África, antes de 100.000 anos atrás. Em relação às evidências do tipo reportado
por Stopes, Armand de Quatrefages escreveu em seu livro “Hommes Fossiles et
Hommes Sauvages” (1884): “As objeções feitas à existência do homem no Pliosceno
e Miosceno parecem ser habitualmente mais relacionadas a considerações teóricas
do que à observação direta”.
As mais rudimentares
ferramentas de pedra, as eoliths (“as pedras da aurora”) são o assunto do
Capítulo 3. Esses instrumentos achados em contextos geológicos inesperadamente
antigos, inspiraram prolongados debates no final do século dezenove e começo do
século vinte.
Para alguns, as eoliths não
eram sempre facilmente reconhecíveis como ferramentas. As eoliths não tinham
forma simétrica. Ao contrário, a borda de uma lasca de pedra natural era
quebrada para fazê-la servir para uma determinada tarefa, como raspar, cortar
ou talhar. Freqüentemente a ponta ostentava sinais do uso. Os críticos disseram
que as eoliths resultaram de eventos naturais, como o rolar no fundo de rios.
Mas os defensores da outra tese ofereceram contra-argumentos convincentes no
sentido de que as forças naturais não poderiam causar o gasto similar ao
conseguido na pedra lascada - unidirecional em apenas um lado da pedra. No
final do século dezenove, Benjamin Harrison, um arqueologista amador, descobriu
eoliths no Platô de Kent, no sudeste da Inglaterra. Evidências geológicas
sugerem que as eoliths foram produzidas em meados ou no final do Ploisceno, por
volta de 2 a 4 milhões de anos atrás. Entre os que apoiavam a tese decorrente
da descoberta de Harrison estavam Alfred Russell Wallace, co-fundador com
Darwin da teoria da evolução pela seleção natural; Sir John Prestwich, um dos
mais eminentes geologistas ingleses; e Ray E. Lankester, um diretor do Museu
Britânico (História Natural). Embora Harrison tenha descoberto a maior parte de
suas eoliths em depósitos superficiais de cascalho do Pliosceno, ele também
descobriu muitas em níveis mais abaixo, durante uma escavação financiada e
dirigida pela Associação Britânica para o Avanço da Ciência. Além das eoliths,
Harrison achou, em vários lugares no Platô de Kent, ferramentas de pedra mais
avançadas (paleoliths) de antigüidade plioscênica similar.
No começo do século vinte,
J. Reid Moir, um membro do Instituto Real de Antropologia e presidente da
Sociedade de Pré-História da Anglia Oriental, descobriu eoliths (e ferramentas
de pedra mais avançadas) na formação inglesa de Red Crag. As ferramentas tinham
por volta de 2 a 2,5 milhões de anos. Algumas das ferramentas de Moir foram
achadas nos leitos de detritos de Red Crag e poderiam ter entre 2,5 e 55
milhões de anos.
Os achados de Moir ganharam
o apoio de um dos maiores críticos das eoliths, Henri Breuil, então considerado
como uma das mais proeminentes autoridades em ferramentas de pedra antigas.
Outro patrocinador foi o
paleontologista Henry Fairfield Osborn, do Museu Americano de História Natural
de Nova Iorque. E, em 1923, uma comissão internacional de cientistas viajou até
a Inglaterra para investigar as principais descobertas de Moir e as
consideraram genuínas. Mas, em 1939, A. S. Barnes publicou um artigo de muita
influência, no qual analisava as eoliths descobertas por Moir e outras em
termos do ângulo de quebra observado. Barnes afirmava que seu método podia
distinguir entre o processo de lascar feito por humanos do produzido por forças
naturais. Desde então, os cientistas têm usado o método de Barnes para negar a
manufatura por homens de outras ferramentas de pedra. Mas, em anos recentes,
autoridades em ferramentas de pedra, como George F. Carter, Leland W. Patterson
e A. L. Bryan têm contestado a metodologia de Barnes e sua aplicação. Isso
sugere a necessidade de reexame das eoliths européias. Significativamente,
ferramentas de pedra muito antigas, da África, como aquelas dos níveis mais
baixos de Olduvai Gorge, aparentam serem idênticas às eoliths européias
rejeitadas. Ainda assim, são aceitas pela comunidade científica sem
questionamentos. Isso se dá, provavelmente, porque elas se encaixam e ajudam a
apoiar a teoria da evolução do homem atualmente aceita.
Mas outras manufaturas
eolíticas de antigüidade inesperada continuam a encontrar forte oposição. Por
exemplo, na década de 1950, Louis Leakey descobriu ferramentas de pedra de mais
de 200.000 anos em Calico, nos sul da Califórnia. De acordo com a visão padrão,
os humanos não penetraram nas regiões subárticas do Novo Mundo antes de
aproximadamente 12.000 anos atrás. Os cientistas acabaram por responder à
descoberta de Calico, previsivelmente, afirmando que, ou eram produto das
forças naturais, ou não tinham realmente 200.000 anos. Mas há razões
suficientes para se concluir que as descobertas de Calico são artefatos de
produção genuinamente humana. Embora a maior parte das ferramentas fossem
rudes, algumas, inclusive uma em forma de bico, eram mais avançadas.
No Capítulo 4, discutimos
uma categoria de implementos que chamamos de paleoliths rudes. No caso das
eoliths, a parte lascada localiza-se perfeitamente na borda trabalhada de um
pedaço de pedra naturalmente quebrada. Mas os fabricantes dos paleoliths rudes
deliberadamente golpearam as rochas, lascando, então, os pedaços até alcançar
formas reconhecíveis como ferramentas. Em alguns casos, rochas inteiras foram
lascadas até formarem ferramentas. Como vimos, as paleoliths brutas são
encontradas juntamente com as eoliths. Mas, nos sítios discutidos no Capítulo
4, as paleoliths são dominantes no conjunto. Na categoria das paleoliths
brutas, incluímos ferramentas do Miosceno (5 a 25 milhões de anos) achadas no
final do século dezenove por Carlos Ribeiro, chefe do Instituto de Pesquisa
Geológica de Portugal. Em uma conferência internacional de arqueologistas e
antropologistas, em Portugal, um comitê de cientistas investigou um dos sítios
onde Ribeiro havia achado as ferramentas. Um dos cientistas achou um peça de
pedra mais avançada que os melhores espécimes de Ribeiro. Comparável às peças
aceitas como do final do Pleistoceno, do tipo Mousterian, estava firmemente
encravada em conglomerado do Miosceno, em circunstâncias tais que confirmavam
sua antigüidade mioscênica. Paleoliths brutas também foram achadas em formações
mioscênicas em Thenay, França. S. Laing, um escritor de ciências inglês,
escreveu: “Em seu conjunto, a evidência desses implementos do Miosceno parece
ser bastante conclusiva, e as objeções parecem não se situarem de outra forma a
não ser como simples relutância em admitir a grande antigüidade do homem”.
O texto prossegue enumerando
evidências da manipulação, por parte do establishment, das convicções dos
homens acerca de sua própria história.
O pensamento livre, a dignidade
do ser humano, a verdade, enfim, se expressou através dos signatários da
DECLARAÇÃO DE VENEZA.
DECLARAÇÃO DE VENEZA
Comunicado final do Colóquio
“A Ciência Diante das Fronteiras do Conhecimento” Veneza, 7 de março de 1986.
Os participantes do colóquio
“A Ciência Diante das Fronteiras do Conhecimento”, organizado pela UNESCO, com
a colaboração da Fundação Giorgio Cini (Veneza, 3-7 de março de 1986), animados
pôr um espírito de abertura e de questionamento dos valores de nosso tempo,
ficaram de acordo sobre os seguintes pontos:
1. Somos testemunhas de uma revolução muito importante no
domínio da ciência, provocada pela ciência fundamental (em particular a física
e a biologia), devido a transformação que ela traz à lógica, à epistemologia e
também, através das aplicações tecnológicas, à vida de todos os dias. Mas,
constatamos, ao mesmo tempo, a existência de uma importante defasagem entre a
nova visão do mundo que emerge do estudo dos sistemas naturais e os valores que
ainda predominam na filosofia, nas ciências do homem e na vida da sociedade
moderna. Pois estes valores baseiam-se em grande parte no determinismo
mecanicista, no positivismo ou no niilismo. Sentimos esta defasagem como
fortemente nociva e portadora de grandes ameaças de destruição de nossa
espécie.
2. O conhecimento científico, devido a seu próprio movimento
interno, chegou aos limites onde pode começar o diálogo com outras formas de
conhecimento. Neste sentido, reconhecendo os diferenças fundamentais entre a
ciência e a tradição, constatamos não sua oposição mas sua complementaridade. O
encontro inesperado e enriquecedor entre a ciência e as diferentes tradições do
mundo permite pensar no aparecimento de uma nova visão da humanidade, até mesmo
num novo racionalismo, que poderia levar a uma nova perspectiva metafísica.
3. Recusando qualquer projeto globalizante, qualquer sistema
fechado de pensamento, qualquer nova utopia, reconhecemos ao mesmo tempo a
urgência de uma procura verdadeiramente transdisciplinar, de uma troca dinâmica
entre as ciências “exatas”, as ciências “humanas”, a arte e a tradição. Pode-se
dizer que este enfoque transdisciplinar está inscrito em nosso próprio cérebro,
pela interação dinâmica entre seus dois hemisférios. O estudo conjunto da natureza
e do imaginário, do universo e do homem, poderia assim nos aproximar mais do
real e nos permitir enfrentar melhor os diferentes desafios de nossa época.
4. O ensino convencional da ciência, por uma apresentação
linear dos conhecimentos, dissimula a ruptura entre a ciência contemporânea e
as visões anteriores do mundo. Reconhecemos a urgência da busca de novos
métodos de educação que levem em conta os avanços da ciência, que agora se
harmonizam com as grandes tradições culturais, cuja preservação e estudo aprofundado
parecem fundamentais. A UNESCO seria a organização apropriada para promover
tais idéias.
5. Os desafios de nossa época: o desafio da autodestruição de
nossa espécie, o desafio da informática, o desafio da genética, etc., mostram
de uma maneira nova a responsabilidade social dos cientistas no que diz
respeito à iniciativa e à aplicação da pesquisa. Se os cientistas não podem
decidir sobre a aplicação da pesquisa, se não podem decidir sobre a aplicação
de suas próprias descobertas, eles não devem assistir passivamente à aplicação
cega destas descobertas. Em nossa opinião, a amplidão dos desafios
contemporâneos exige, por um lado, a informação rigorosa e permanente da
opinião pública e, por outro lado, a criação de organismos de orientação e até
de decisão de natureza pluri e transdisciplinar.
6. Expressamos a esperança
que a UNESCO dê prosseguimento a esta iniciativa, estimulando uma reflexão
dirigida para a universalidade e a transdisciplinaridade. Agradecemos a UNESCO
que tomou a iniciativa de organizar este encontro, de acordo com sua vocação de
universalidade.
Agradecemos também a
Fundação Giorgio Cini por ter oferecido este local privilegiado para a
realização deste fórum.
Signatários:
Professor D.A. Akyeampong
(Gana), físico-matemático, Universidade de Gana.
Professor Ubiratan
D’Ambrosio (Brasil), matemático, coordenador geral dos Institutos, Universidade
Estadual de Campinas.
Professor René Berger
(Suiça), professor honorário, Universidade de Lausanne.
Professor Nicolo Dallaporta
(Itália), professor honorário da Escola Internacional dos Altos Estudos em
Trieste. Professor Jean Dausset (França), Prêmio Nobel de Fisiologia e de
Medicina (1980), Presidente do Movimento Universal da Responsabilidade
Científica (MURS França). Senhora Maîtraye Devi (Índia), poeta-escritora.
Professor Gilbert Durand
(França), filósofo, fundador do Centro de pesquisa sobre o imaginário. Dr.
Santiago Genovès (México), pesquisador no Instituto de pesquisa antropológica,
Acadêmico titutlar da Academia nacional de medicina.
Dr. Susantha Goonatilake
(Sri Lanka), pesquisador, antropologia cultural.
Prof. Avishai Margalit
(Israel), filósofo, Universidade hebráica de Jerusalém.
Prof. Yujiro Nakamura
(Japão), filósofo-escritor, professor na Universidade de Meiji. Dr. Basarab
Nicolescu (França), físico, C.N.R.S.
Prof. David Ottoson
(Suécia), Presidente do Comitê Nobel pela fisiologia ou medicina, Professor e
Diretor, Departamento de Fisiologia, Instituto Karolinska.
Sr. Michel Random (França),
filósofo, escritor.
Sr. Facques G. Richardson
(França- Estados Unidos), escritor científico.
Prof. Abdus Salam
(Paquistão), Prêmio Nobel de Física (1979), Diretor do Centro internacional de
física teórica, Trieste, Itália, representado pelo Dr. L.K. Shayo (Nigéria),
professor de matemáticas.
Dr. Rupert Sheldrake (Reino
Unido), Ph.D. em bioquímica, Universidade de Cambridge.
Prof. Henry Stapp (Estados
Unidos da América), físico, Laboratório Lawrence Berkeley, Universidade da
Califórnia Berkeley.
Dr. David Suzuki (Canadá),
geneticista, Universidade de British Columbia.
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