Adolf Hitler, era fã de Richard Wagner e já tinha assistido a mais de 30 óperas antes de completar 30 anos. Imagem: Guia do Estudante Abril.
Max Lorenz, tenor que virou uma
sensação na década de 1930 na Alemanha, encantou o ditador nazista, grande fã
de óperas.
No começo da década de 1930, quando o tenor Max
Lorenz chegava ao auge da carreira, aos 32 anos, suas apresentações como
Siegfried, o mítico herói das óperas de Richard Wagner, só não eram tão
populares quanto o jovem e destemido veterano da Primeira Guerra, que vinha
cativando multidões com sua voz potente e verve instigante.
Dez anos mais velho que Lorenz e diferente dele,
que tinha um corpanzil elegantemente sustentado por bons vinhos e carne
vermelha, o ex-militar era miúdo, moderado em seus hábitos e vibrante em sua
oratória. E grande admirador de óperas, sobretudo as de Wagner. Adolf Hitler era fã das suas composições e já tinha
assistido a mais de 30 óperas antes de completar 30 anos. Como diria em anos
depois, foi ouvindo uma delas - Rienzi, o Último dos Tribunos, finalizada em 1840
- que teve a
inspiração para escrever Mein Kampf (Minha Luta, a bíblia nazista).
A paixão de Hitler por essa ópera em particular era tamanha que ninguém
estranhou quando o manuscrito original que havia se perdido na guerra foi
encontrado, anos mais tarde, em sua biblioteca particular.
Segundo o autor de As Mulheres de Hitler, François
Delpla, o ditador teria assistido à peça mais de 40 vezes ao longo de sua vida.
"A razão de tamanha adoração parece ser o enredo, que narra o
retorno à vida de um herói popular da Itália medieval - Cola di Rienzi -, que
enfrenta os nobres para liderar a revolta de seu povo e conduzi-lo a um destino
melhor"
Diz o historiador, para quem as bandeiras do
Partido Nazista foram inspiradas com base nos modelos da ópera.
Os destinos de Hitler e Lorenz se
cruzariam em 1933, quando o primeiro usou a máquina de propaganda nazista para
dar proporções épicas ao Festival de Bayreuth. Na pequena cidade da Baviera,
Richard Wagner estreara sua obra-prima - O
Anel dos Nibelungos - e lá passara seus últimos dias de vida. Desde então,
todos os verões, descendentes tentavam reviver sua glória com apresentações do
festival. Hitler ordenou que o ministro Joseph Goebbels não economizasse na
organização. Wagner era um símbolo da supremacia germânica.
Nascido em 1901, em Dusseldorf, filho de um açougueiro, o garoto Max Lorenz começou a cantar no coro da igreja e, como logo se destacasse, foi mandado a Berlim para estudar numa das melhores escolas do país. Em 1920, já era a estrela do coro da Ópera Estatal da cidade e ascendia numa carreira internacional, com apresentações na Metropolitan Opera de Nova York e na Royal Opera de Viena.
Nascido em 1901, em Dusseldorf, filho de um açougueiro, o garoto Max Lorenz começou a cantar no coro da igreja e, como logo se destacasse, foi mandado a Berlim para estudar numa das melhores escolas do país. Em 1920, já era a estrela do coro da Ópera Estatal da cidade e ascendia numa carreira internacional, com apresentações na Metropolitan Opera de Nova York e na Royal Opera de Viena.
"Ele era uma escolha óbvia
para a nova fase do Festival de Bayreuth".
Diz o historiador Eckart Conze, professor da
Universidade de Marburg, na Alemanha.
Só havia um problema. Ou dois. Lorenz era homossexual assumido - tanto quanto possível para a época. Ele já havia sido fichado pelas autoridades alemãs. E os administradores da Ópera de Berlim, onde era contratado, já haviam sido repreendidos por sua conduta "abominável e antigermânica". Ele chegou a ser processado por manter um caso com outro jovem músico e teve de comparecer a um tribunal. Lorenz apresentou em sua defesa o depoimento de sua esposa, Charlotte Appel, revelando, para surpresa geral, que não só era casado como também sua esposa pertencia a uma proeminente família judia de Dresden. "Eles eram amigos desde a juventude e, aparentemente, haviam se casado para proteger a homossexualidade de Lorenz", diz Conze. "No final, ele é que a protegeu da perseguição nazista."
Só havia um problema. Ou dois. Lorenz era homossexual assumido - tanto quanto possível para a época. Ele já havia sido fichado pelas autoridades alemãs. E os administradores da Ópera de Berlim, onde era contratado, já haviam sido repreendidos por sua conduta "abominável e antigermânica". Ele chegou a ser processado por manter um caso com outro jovem músico e teve de comparecer a um tribunal. Lorenz apresentou em sua defesa o depoimento de sua esposa, Charlotte Appel, revelando, para surpresa geral, que não só era casado como também sua esposa pertencia a uma proeminente família judia de Dresden. "Eles eram amigos desde a juventude e, aparentemente, haviam se casado para proteger a homossexualidade de Lorenz", diz Conze. "No final, ele é que a protegeu da perseguição nazista."
Os destinos de Hitler e Lorenz se cruzariam em 1933, quando o primeiro usou a máquina de propaganda nazista para dar proporções épicas ao Festival de Bayreuth. Imagem: Guia do Estudante Abril.
Mesmo com o processo engavetado, Goebbels procurou
a diretora do Festival de Bayreuth, Winifried Wagner, nora de Richard Wagner,
para que ela não convidasse Lorenz. Quando sugeriu que a figura de um
homossexual casado com uma judia não seria adequada ao festival, Winifried
respondeu-lhe que, nesse caso, ele poderia fechá-lo, pois, sem Lorenz, Bayreuth
não poderia ser feito. Tal petulância tinha lastro. Winifried conheceu Hitler
quando ele foi preso depois de tentar dar um golpe de estado nos anos 1920. Ela
lhe mandava comida e ajuda enquanto ele rascunhava Mein Kampf. No fim da década
de 1930, atuou como tradutora pessoal de Hitler. A relação dos dois se tornou
tão íntima que havia rumores de que ela ia além da compatibilidade intelectual
ou do gosto pela música - especialmente quando, no fim dos anos 1930, a casa
dos Wagner se tornou o lugar favorito para escapadelas de fins de semana do
ditador.
Melhor para Lorenz. Testemunhas afirmam que Hitler chorou pelo menos uma vez, no
fim da terceira parte de O Anel dos Nibelungos, quando Siegfried, após provar
do sangue do dragão e passar a entender a linguagem dos pássaros, é avisado por
um deles de que o anão Mime, que o criou como um filho, irá traí-lo para ficar
com o anel que o herói resgatara de Wotan. Siegfried mata Mime e é avisado pela
ave da existência de Brunnhilde, a Valquíria, filha de Wotan, aprisionada por
ele num círculo de fogo. Wotan tenta impedir que ele chegue até ela. Em vão.
Siegfried resgata Brunnhilde, que dorme entre as chamas, e ambos se apaixonam.
Nem todos tiveram a mesma sorte de Siegfried. Ou de Lorenz. A soprano Frida Leider, que interpretou Brunnhilde, foi banida dos palcos de Bayreuth depois de se negar a se divorciar do marido judeu. Lorenz cantava ali, em 1933, quando a cidade também saudou o novo chanceler alemão. A partir daí, a ópera e o ditador se encontrariam todos os anos, até 1939, quando a cúpula do país se reunia para o festival.
Por seis anos, até o início da guerra, Max Lorenz
esteve livre das perseguições nazistas na Alemanha. Enquanto milhares de
judeus, homossexuais e outras minorias eram expulsos do país, o cantor, a
esposa e a sogra tinham um salvo-conduto assinado por Hermann Goering, o
segundo na hierarquia do 3º Reich. Quando a guerra acabou, Lorenz tornou-se
persona non grata no meio artístico. "Ele ficou marcado como amigo dos
nazistas e colaboracionista por muito tempo. Ninguém entendia como ele tinha
feito para sobreviver", conta Alex Ross, jornalista e crítico musical
americano. Assim, decidiu emigrar para a Áustria e fez da Ópera Estatal de
Viena sua base artística. Seguiu com a voz impecável até se aposentar, em 1963.
O tenor morreu praticamente esquecido, em 1975, em Salzburgo, Áustria.
Toca aquela do russo, DJ! Discoteca secreta do Führer incluía compositores e intérpretes renegados pelo nazismo.
Uma coleção de discos de Hitler, revelada em 2008,
mostrou várias surpresas. Entre elas, compositores eslavos e judeus
considerados "subumanos" pelos nazistas. O acervo, guardado num sótão
de Moscou, trouxe uma imagem mais complexa do gosto musical do Führer. O achado
deve-se, antes de tudo, a certo capitão russo, Lew Besymenski, líder da unidade
de inteligência militar soviética que, em 1945, invadiu a sede do Partido
Nazista, em Berlim. Besymenski retirou de lá 155 caixas catalogadas como
"artigos pessoais" de Hitler. Sua filha, Alexandra Besymenskaja,
conta que só em 1991 deparou acidentalmente com uma dessas caixas. Ela conta
que perguntou o que era ao pai, mas o capitão não quis falar sobre os bolachões
de vinil. "Ele não queria ser visto como um saqueador", explicaria,
mais tarde, após a morte de Besymenski (em 2007). São mais de 100 vinis. A
discoteca do Führer conta com obras que, reconhecidamente, foram suas
prediletas: sonatas para piano de Beethoven e óperas de Wagner. Mas a coleção
inclui surpresas, como os russos Tchaikovsky, Borodin e Rachmaninoff. Uma das
gravações de Tchaikovsky chama a atenção: é o seu Concerto para Violino em
Ré-Menor, numa execução de Bronislaw Huberman, um judeu polonês forçado a fugir
da Europa quando os nazistas tomaram o poder. Na solidão subterrânea do bunker,
as palavras do Mein Kampf - de que a arte judaica não teria sequer existido -
já não pareciam importar. O velho ditador queria morrer ouvindo boa música.
Sérgio Miranda
Sérgio Miranda
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Você quer saber mais?
A Vida e o Tempo de Max Lorenz. Alemanha, 2008. Documentário para a TV sobre a vida do tenor.
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