Soldado britânico durante a Primeira Guerra Mundial, munido de máscara de gás e uma baioneta na ponta do rifle. Imagem: Aventuras na História.
A partir de 1864, as Convenções
de Genebra e de Haia tentaram impor um pouco de humanidade ao inferno da
guerra. Os resultados apareceram, mas bem abaixo do desejado.
"As Armas passam sobre os mortos e feridos,
estendidos sobre o solo. Cérebros vazam sob as rodas, membros são quebrados e
arrancados, corpos mutilados ao ponto de se tornarem irreconhecíveis - o solo
está pantanoso com o sangue."
Henri Dunant, fundador da Cruz Vermelha
Se o texto acima parece chocante, é porque ainda
cumpre seu propósito. Lançado em 1862, o breve livro Un Souvenir de Solferino (Lembrança de
Solferino), do empresário suíço Henri Dunant, foi uma dessas obras
que mudaram o mundo. Logo no começo, há outra passagem, com soldados invadindo
uma capela para matar a pedradas um oficial inimigo sendo socorrido, seguida
por enfermeiras sendo alvejadas em campo enquanto tentavam levar cantis a soldados
agonizantes. O livro é um relato da
Batalha de Solferino (1859), na qual aliados franceses e italianos enfrentaram
austríacos, no total de 267 mil combatentes. A derrota austríaca garantiu a
unificação da Itália sob o rei Vítor Emanuel II. A batalha em si ocupa só
1/4 das 39 páginas do livro. O que importa é o que vem depois, descrito em
detalhes igualmente explícitos: o sofrimento imenso dos feridos e as condições
precárias de seu socorro.
Dunant estava numa viagem de negócios na Itália
quando acabou em Solferino, no dia 24 de junho de 1859. Ele chegou ao fim do
dia, quando os austríacos se retiravam, deixando 40 mil mortos e feridos
agonizantes no campo. Os franceses organizaram um esforço médico para tratar
feridos de ambos os lados, e Dunant, mesmo não sendo médico, coordenou um
intenso esforço civil para salvar os soldados. Daí vem a principal ideia do
livro: organizar
uma entidade internacional de médicos voluntários, que atendesse feridos
independente do lado, e estabelecer regras internacionais para o tratamento de
feridos e combatentes.
Dunant retornou à Genebra e lançou a primeira
edição pagando do próprio bolso em 1862. As
1,6 mil cópias foram enviadas a figuras políticas e militares da Europa. E
o empresário passou a viajar pelo continente para pregar suas ideias. Em 9 de
fevereiro de 1863, com 4 outras figuras importantes de Genebra, Dunand fundou o Comitê Internacional de Socorro aos Militares
Feridos, que mudaria seu nome para o atual - Comitê Internacional da Cruz
Vermelha - em 1876. Com o apoio do governo da Suíça, o comitê organizou
encontros diplomáticos, que resultaram na 1ª Convenção de Genebra, documento assinado em 22 de agosto
de 1864.
"Os artigos estabeleciam o respeito e a
proteção das equipes e instalações sanitárias, assim como reconheciam o
princípio essencial de que os militares feridos ou enfermos devem ser
protegidos e receber cuidados seja qual for sua nacionalidade", diz Gabriel Valladares, da
delegação regional da Cruz Vermelha para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e
Uruguai. A 1ª Convenção de Genebra previu também a criação de sociedades
nacionais filiadas ao Comitê Internacional e adoção da cruz vermelha como
símbolo.
A trajetória das Convenções de Genebra
A trajetória das Convenções de Genebra
1859 Henri Dunant presencia a Batalha
de solferino
1862 Dunant lança seu livro e inicia
a militância.
1864 Primeira Convenção de Genebra,
com a criação da Cruz Vermelha.
1899 Primeira Convenção de Haia proíbe armas químicas, ataques aéreos de balão e balas dum-dum.
1906 Segunda Convenção de Genebra define regras para hospitais navais.
1907 Segunda Convenção de Haia, sobre regras de combate e bombardeio naval.
1925 Protocolo de Genebra, proibindo armas químicas.
1929 Terceira Convenção de Genebra, com detalhes sobre o tratamento de prisioneiros de Guerra. Não é assinada por união soviética e Japão.
1949 Quarta Convenção de Genebra, sobre os direitos dos civis nas guerra. É a que vale hoje em dia.
1977 Protocolos I e II, detalhando o que constitui violações dos direitos dos civis em conflitos internacionais e nacionais. Não são ratificados por Estados Unidos, Israel, Irã, Paquistão e Turquia.
2005 protocolo III, adotando o
"cristal vermelho" como símbolo alternativo.
Na Guerra Russo-Turca de 1877-1878, a Turquia decidiu usar outro símbolo porque
a cruz era considerada cristã demais. O crescente vermelho usado pelos turcos
foi respeitado pelos russos, que por sua vez tiveram sua cruz vermelha
respeitada pelos turcos. A princípio informalmente, oficialmente a partir de
1929, o Crescente Vermelho é símbolo e nome alternativo para Cruz Vermelha -
trata-se da mesma entidade. Em 2005, o Cristal Vermelho foi adotado como
terceiro símbolo, sem conotação religiosa.
Em 1906, foi assinada a 2ª Convenção de Genebra, atualizada para incluir detalhes de conflitos navais. Em paralelo, em 1899 e 1907, foram realizadas as Convenções de Haia, na Holanda. Esses encontros abordavam o comportamento militar em combate e faziam referências às convenções de Genebra.
A primeira proibiu armas químicas, ataques
aéreos de balões, o uso de balas deformáveis (as dum-dum) e o início das
hostilidades antes de declaração formal de guerra.
A segunda convenção teve bem menos êxito e
praticamente limitou-se a questões navais, como a proibição de minas marítimas
desancoradas. O senador brasileiro Ruy Barbosa esteve nessa convenção e
discursou ativamente em defesa das nações mais fracas, pelo que ganhou o
apelido (no Brasil) de Águia de Haia.
Desde que as leis de guerra apareceram, os países signatários têm dado um jeito de burlar suas regras quando surge a necessidade, real ou aparente. As convenções de Haia, como vimos, proibiam ataques aéreos e químicos. Dez anos depois, esses se tornavam símbolos da Primeira Guerra Mundial. Entre 1915 e 1918, cerca de 1,2 milhão de soldados morreriam por armas químicas de ambos os lados. Ninguém foi julgado, mas o impacto psicológico foi intenso.
Em 17 de
junho de 1925, foi assinado o Protocolo de Genebra, proibindo o emprego militar
de gases asfixiantes e tóxicos, além de armas bacteriológicas.
Em 1929, foi assinada a 3ª Convenção de Genebra, que detalhava direitos dos prisioneiros de guerra. A Segunda Guerra foi outro festival de abusos. As leis de Haia e Genebra foram levantadas em 1946, durante os julgamentos de Nuremberg e Tóquio, que resultaram em 12 e 7 condenações à morte. Por surpreendente que seja, o tratamento de prisioneiros de guerra foi uma das maiores acusações contra o Japão, que frequentemente exterminava prisioneiros, mas não contra os nazistas. Para prisioneiros ocidentais, eles geralmente respeitavam a Convenção de 1929, assinada pela Alemanha. Soviéticos, que não haviam assinado o acordo, era enviado para campos de extermínio Nazistas e japoneses foram julgados, mas, em matéria de terrorismo aéreo, os aliados superaram de longe o Eixo.
Em 1929, foi assinada a 3ª Convenção de Genebra, que detalhava direitos dos prisioneiros de guerra. A Segunda Guerra foi outro festival de abusos. As leis de Haia e Genebra foram levantadas em 1946, durante os julgamentos de Nuremberg e Tóquio, que resultaram em 12 e 7 condenações à morte. Por surpreendente que seja, o tratamento de prisioneiros de guerra foi uma das maiores acusações contra o Japão, que frequentemente exterminava prisioneiros, mas não contra os nazistas. Para prisioneiros ocidentais, eles geralmente respeitavam a Convenção de 1929, assinada pela Alemanha. Soviéticos, que não haviam assinado o acordo, era enviado para campos de extermínio Nazistas e japoneses foram julgados, mas, em matéria de terrorismo aéreo, os aliados superaram de longe o Eixo.
Em janeiro de 1945, a cidade alemã de Dresden, que não tinha nenhum valor militar, foi incinerada pelos britânicos. Em agosto, foi a vez de os americanos estrearem a bomba atômica contra civis em Hiroshima e Nagasaki. Pelo impacto do bombardeio de terror na Segunda Guerra, a quarta e última Convenção de Genebra (1949) finalmente abordou os direitos dos civis. Contando atualmente com 192 países signatários, a convenção proibiu a utilização de civis como escudos humanos, o extermínio coletivo e os bombardeiros aéreos a civis. Nas décadas seguintes, protocolos adicionais complementariam a 4ª Convenção, abordando direitos das vítimas de guerra.
Como antes, o sucesso das leis é discutível. A Guerra Irã-Iraque (1980-1988) viu o uso moderno de armas químicas. A Rússia é acusada de inúmeras violações nas Guerras da Chechênia (1994-1996 e 1999-2009).
E os "mocinhos do
mundo" não ficam para trás. Na Guerra do Vietnã (1955-1975), os EUA usaram
o agente laranja, produto químico que causa problemas congênitos - sob a
desculpa que não era veneno, mas um desfolhante cujo alvo eram plantações.
O
massacre de 504 civis em My Lai, em 1968, levou a uma condenação: o tenente
William Calley, que cumpriu 3,5 anos de prisão domiciliar. Na Guerra ao Terror dos anos 2000, os
americanos usaram de termos como "combatente irregular" para chamar
seus prisioneiros de guerra, de forma que não fossem enquadrados na Convenção
de Genebra - esse vácuo legal levou aos abusos de Abu Grahib e Guantánamo. Às
vésperas de completarem 150 anos, podemos dizer que as Convenções de Genebra
foram um fracasso? A Cruz Vermelha tornou-se uma
instituição venerável, e o tratamento de prisioneiros de guerra é melhor hoje
que nos tempos de Dunant (ele ganhou o primeiro Prêmio Nobel da Paz, em 1901, e
a Cruz Vermelha outros 3). Mas, na prática, as guerras
assimétricas modernas fazem a Convenção de Genebra parecer algo de tempos
românticos. Não se
espera que organizações terroristas tratem seus reféns segundo a Convenção de
Genebra, assim como os militantes aprisionados não são tratados como
combatentes militares. Como não há uma "polícia do mundo", as leis
acabam valendo apenas para o lado perdedor.
Cruz Vermelha
Cada sociedade nacional da Cruz Vermelha internacional é independente para se financiar. ao redor do mundo, elas tiram seus fundos de doações, investimentos e alguns produtos e serviços, como kits de primeiros socorros e administração hospitalar. Quando ocorre uma catástrofe, campanhas são realizadas para doar para a cruz Vermelha, que transfere o dinheiro da sociedade local para a do país afetado. em 2011, a cruz Vermelha brasileira fez campanhas para ajudar as vítimas do tsnunami de 2011 no Japão, a fome na Somália e os deslizamentos de terra no rio.
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