Evola e Gentile
Por Victor Emanuel Vilela Barbuy
Mestre do denominado Tradicionalismo Integral e mais importante pensador esotérico antimoderno de todos os tempos ao lado de René Guénon, de quem se considerava discípulo e cuja obra A crise do Mundo Moderno (La crise du Monde Moderne) traduziu para o idioma italiano e prefaciou[1], Evola é, sem sombra de dúvida, o autor mais influente nos círculos da chamada Nova Direita europeia. Giorgio Almirante, fundador e secretário do Movimento Social Italiano (MSI) e principal líder da denominada Direita italiana entre a segunda metade da década de 1940 e o final da década de 1980, declarou, certa feita, que Evola era “o nosso Marcuse, mas melhor”[2], e o filósofo Franco Volpi, que foi Professor de História da Filosofia da Universidade de Pádua e colaborador do jornal La Repubblica, afirmou, de acordo com o escritor e jornalista Giano Accame, em entrevista ao telejornal Tg1, da RAI, que “os grandes do pensamento italiano do século XX são três: Croce, Gentile e Evola”[3].
Mestre do Attualismo, Giovanni Gentile é, na abalizada opinião do filósofo e historiador da Filosofia Michele Federico Sciacca, o maior filósofo italiano do século 20[4]. Conhecido como o “filósofo do Fascismo”, ou, como diria Evola, o filósofo “especificadamente fascista”[5], Gentile é inegavelmente o principal doutrinador do Fascismo ao lado de Benito Mussolini, com quem, aliás, colaborou na redação do famoso texto A Doutrina do Fascismo (La Dottrina del Fascismo), que, publicado em 1932 na Enciclopédia Italiana (Enciclopedia Italiana), se constitui no mais importante texto doutrinário fascista. Organizada por Gentile e publicada graças ao mecenato do Senador Giovanni Treccani, a Enciclopédia Italiana é, sem dúvida, uma das mais importantes enciclopédias de todo o Mundo e um dos grandes legados do autor da Teoria geral do espírito como ato puro (Teoria generale dello spirito come atto puro), ao lado da reforma do ensino que levou a cabo como Ministro da Instrução Pública do Reino da Itália e, é claro, de sua Filosofia Atual, que faz dele o maior filósofo idealista desde Hegel.
Patrick Romanell, que foi Professor de Filosofia da Universidade do Texas, afirma, na introdução que fez à sua tradução do Breviário de estética (Breviario di estetica), de Benedetto Croce, que Gentile “carrega tanto a honra de haver sido o mais rigoroso neo-Hegeliano de toda a história da filosofia ocidental quanto a desonra de haver sido o filósofo oficial do Fascismo na Itália”[6].
Concordamos com Romanell quando este afirma que Gentile porta a honra de haver sido o mais rigoroso pensador neo-Hegeliano da história da filosofia ocidental. Discordamos dele, porém, quando afirma que o filósofo do Attualismo leva a desonra de haver sido o “filósofo oficial do Fascismo na Itália”, posto que, embora discordemos de certos aspectos da Doutrina do Fascio, todos eles de caráter não-tradicional, reconhecemos o valor e a importância histórica do Fascismo, lídimo representante italiano dos Movimentos tradicionalistas de renovação nacional florescidos em todo o Mundo durante os primeiros decênios do século XX e que teve o mérito de salvar a Itália do liberalismo e do comunismo, de dar a ela a Ordem e o Desenvolvimento e de reconduzi-la a sua vocação histórica, herdada do Império Romano, de dilatar o Imperium e a Auctoritas.
Dentre os aspectos não-tradicionais do Fascismo a que fizemos referência no parágrafo precedente, podemos destacar a estatolatria e o modelo corporativo de cunho estatizante, que via nas corporações meros órgãos do Estado Totalitário, ao passo que o corporativismo tradicional, que encontrou seu apogeu na tão gloriosa quanto achincalhada era conhecida como Idade Média, se caracterizou pela autonomia das corporações, que, em vez de meros órgãos do Estado eram a peça-mestra da Sociedade.
Isto posto, cumpre assinalar que os aspectos não-tradicionais do Fascismo não são suficientes para fazer dele um Movimento não-tradicional. Aliás, a Revolução Fascista, movida pela Vontade de Transcendência e pela Vontade de Império e profundamente inspirada na Tradição da Eterna Roma dos Césares, foi, inegavelmente, uma Revolução Tradicional no mais alto sentido da palavra. E, uma vez que falamos em Fascismo e em Tradição, julgamos oportuno transcrever algumas palavras do Duce Benito Mussolini, no Breve prelúdio (Breve preludio) ao primeiro número da revista Gerarchia, por ele dirigida, em 1922, e transcritas no livro Tempos da revolução fascista (Tempi della rivoluzione fascista): “A tradição é certamente uma das maiores forças espirituais dos povos, porquanto forma sucessiva e constantemente o seu espírito”[7].
Pouco adiante, observa o Duce que, conciliando os conceitos de “conservação e de renovação, de tradição e de progresso”, os fascistas “não nos agarramos desesperadamente ao passado, como a uma tábua suprema de salvação, nem nos atiramos de olhos fechados nas nuvens sedutoras do futuro”[8].
Registre-se, ademais, que o Fascismo é, inegavelmente, um “movimento revolucionário que modelou grande parte da história do século XX”, como registra A. James Gregor (cujo verdadeiro nome é Anthony Gimigliano), Professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e um dos mais importantes e honestos estudiosos do fenômeno fascista na Itália[9]. Ainda segundo Gregor, o principal aspecto que diferencia o totalitarismo de Mussolini daqueles de Stálin e de Hitler é a coerência de sua doutrina. Como sublinha o referido autor, “mesmo antes de sua ascensão ao poder, o Fascismo havia articulado uma consistente e relevante ideologia [diríamos doutrina] de renovação nacional e desenvolvimento, predicada na suposição de que somente uma unidade ‘orgânica’ de todos os elementos da comunidade serviria aos propósitos de uma nação ‘proletária’ em sua desigual disputa com as ‘plutocracias’”[10] Ademais, de acordo com o autor de Giovanni Gentile: Filosófo do Fascismo (Giovanni Gentile: Philosopher of Fascism), “o Fascismo possui uma ideologia [mais uma vez, diríamos doutrina] que era mais coerente e relevante para a revolução moderna do que praticamente qualquer outra coleção de ideias do século XX”[11], havendo os “intelectuais do Fascismo de Mussolini criado a mais consistente, coerente e relevante lógica doutrinária para a reação nacionalista e as revoluções desenvolvimentistas em nosso tempo”[12].
Feito este longo parêntese, voltemos a falar de Evola e de Gentile, que são os temas centrais da presente palestra.
Gentile jamais admirou Evola e o seu ideário, havendo sido devido, sobretudo, a ele o fato de o pensamento evoliano haver marchado no silêncio durante a Era Fascista. Isto se explica em virtude de Gentile haver sido a figura de proa da nau da Cultura Italiana durante o vintênio fascista e também durante os primeiros meses da República Social Italiana, também conhecida como República de Salò, isto é, até seu assassinato, em abril de 1944.
Faz-se mister sublinhar, contudo, que Gentile reconheceu, ao menos parcialmente, o valor de Evola nos campos do esoterismo e da alquimia, tanto que solicitou ao pensador tradicionalista esotérico que fosse o curador do verbete sobre a revista iniciática Atanòr na Enciclopédia Italiana.
Evola também jamais admirou Gentile, a quem votou mesmo, na expressão do pensador e escritor português António José de Brito, “injusto desprezo”[13], havendo chegado a afirmar que era tão somente por ignorância ou por um “provincialismo intelectual” que pensadores como Croce e Gentile, que ele sequer considerava filósofos, haviam podido ser levados a sério e mesmo admirados na Itália. Na opinião do pensador esotérico, era necessário não haver estudado diretamente “os grandes sistemas do idealismo transcendental germânico”, não haver tomado conhecimento dos “problemas imanentes que conduziram, por exemplo, além de Hegel, ao ’segundo’ Fichte e ao ‘segundo’ Schelling, a Schopenhauer e ao próprio von Hartmann, para não perceber que Croce e Gentile não são senão dois fracos epígonos, cujo único mérito é o de haver conduzido ao absurdo as posições do idealismo absoluto, até um verdadeiro e próprio colapso especulativo”[14].
O pensamento filosófico e religioso de Evola e de Gentile é muito diverso, o mesmo se dando em relação ao pensamento político de ambos, tanto que os aspectos que Evola mais condena no Fascismo são os aspectos do mesmo mais afirmados por Gentile, a exemplo do Estado Ético de inspiração hegeliana, do nacionalismo, do culto do Trabalho e do culto do Risorgimento e de seus heróis, ou profetas, vistos como precursores do Fascismo. Com efeito, assim afirma o filósofo do Idealismo Atual em seu artigo intitulado Risorgimento e Fascismo, publicado em 1931, na revista Politica sociale e em diversos jornais e transcrito na obra Memórias italianas e problemas da filosofia e da vida (Memorie italiane e problemi della filosofia e della vita), de 1936:
"O Fascismo é filho do Risorgimento: do Risorgimento heróico, criador de um Estado moderno, que é potência política na medida em que é potência econômica e civilização: um homem novo, vivo, são, inteligente, original.
Perder este fio, rompê-lo, não pode ser e não é de interesse do Fascismo. Cuja revolução é progresso na medida em que é restauração: consolidação das bases para edificar-vos sobre um sólido edifício, alto, na luz. Toda originalidade sem tradição, como toda espontaneidade sem disciplina, é veleidade estéril, não vontade viril. Capricho, não programa. Não é o espírito do Fascismo, mas sua caricatura"[15].
Isto posto, cumpre assinalar que, na opinião do autor de Os profetas do “Risorgimento” Italiano (I profetti del Risorgimento Italiano), o Risorgimento foi um movimento de cunho tradicionalista, coincidindo com aquela renovação geral que pode ser considerada lato sensu como Romantismo, considerando Vincenzo Gioberti e Antonio Rosmini, dois dos principais vultos do Risorgimento, como os mais importantes pensadores tradicionalistas italianos[16].
Tal não é, como bem sabemos, a opinião de Evola. Ao contrário, sempre foi ele um agudo crítico do Risorgimento. Com efeito, para o filósofo do Idealismo Mágico, Giuseppe Mazzini – que para Gentile era um dos grandes precursores da Nova Itália[17] – “não é senão o expoente italiano do protestantismo e do mal europeu”[18].
A despeito, porém, de todas as divergências, Evola e Gentile têm importantes elementos em comum: ambos são grandes filósofos e doutrinadores políticos; ambos são tradicionalistas, ainda que cada qual a seu modo; ambos, por fim, pertencem ao rol dos maiores vultos do pensamento universal do século XX e também ao rol dos maiores vultos da denominada Terceira Posição, ao lado de nomes como os de Gabriele D’Annunzio e Giovanni Papini, Luigi Pirandello e Alfredo Rocco, Filippo-Tomaso Marinetti e Ardengo Soffici, Ugo Spirito e Giuseppe Prezzolini, Giorgio Del Vecchio e Gino Arias, Sergio Panunzio e Robert Michels, Martin Heidegger e Carl Schmitt, Gottfried Feder e Ferdinand Fried, Ernst Jünger e Knut Hamsun, Ezra Pound e T.S. Eliot, G.K. Chesterton e Hilaire Belloc, Sir Oswald Mosley e Wyndham Lewis, D.H. Lawrence e Louis-Férdinand Céline, Drieu la Rochelle e Robert Brasillach, Charles Maurras e Maurice Barrès, Léon Degrelle e Henri de Man, Corneliu Codreanu e Mircea Eliade, José Antonio Primo de Rivera e Ramiro de Maeztu, António Sardinha e João Ameal, Francisco Rolão Preto e Fernando Pessoa, sem falar nos nossos Plínio Salgado e Gustavo Barroso, Miguel Reale e Alfredo Buzaid, Câmara Cascudo e San Tiago Dantas, Gerardo Mello Mourão e Tasso da Silveira, Goffredo e Ignacio da Silva Telles, Jackson de Figueiredo e Arlindo Veiga dos Santos.
Feitas essas considerações, passemos a falar, separadamente, da vida e da obra dos dois grandes pensadores de que cuida a presente palestra, principiando por Julius Evola.
[1] GUÉNON, René. La crisi del Mondo Moderno. Trad. italiana e intr. de Julius Evola. Roma: Edizioni Mediteranee, 2003.
[2] ALMIRANTE, Giorgio, apud LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola. Disponível em: http://www.juliusevola.it/documenti/template.asp?cod=615. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[3] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YMUtRc3u4SI. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[4] SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia - vol. III. São Paulo: Mestre Jou, 1962, p. 216.
[5] EVOLA, Julius. Gli uomini e le rovine. 1ª ed. Roma: Edizioni del`Ascia, 1953, p. 21. Apud BRITO, António José de. Apontamentos sobre Julius Evola. Disponível em: http://cadernosevolianos.weblog.com.pt/arquivo/093086.html. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[6] ROMANELL, Patrick. Translator's Introduction. In CROCE, Benedetto. Guide to Aesthetics. Trad., intr. e notas de Patrick Romanell. 2ª ed. Indianápolis: Hackett Pub Co Inc, 1995, p. VIII.
[7] MUSSOLINI, Benito. Tempi della rivoluzione fascista. Milão: Alpes, 1930, p. 13.
[8] Idem, p. 14.
[9] GREGOR, A. James. Presentazione. In PIRAINO, Marco e FIORITO, Stefano. L’identità fascista: Progetto politico e dottrina del fascismo. 2ª ed. Lulu Enterprises, 2009, p. 5.
[10] Idem. Phoenix: Fascism in our time. 1ª ed., 4ª reimpr. New Brunswick: Transaction Books, 2009, p. 176.
[11] Idem, p. 21.
[12] Idem, p. 184.
[13] BRITO, António José de. Apontamentos sobre Julius Evola. Disponível em: http://cadernosevolianos.weblog.com.pt/arquivo/093086.html. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[14] EVOLA, Julius. Gentile non è il nostro filosofo. Disponível em: http://www.juliusevola.it/documenti/template.asp?cod=373. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[15] GENTILE, Giovanni. Risorgimento e fascismo. In Idem. Memorie italiane e problemi della filosofia della vita. Florença: G. C. Sansoni – Editore, 1936-XIV, p. 120.
[16] Idem. La tradizione italiana. In Idem Frammenti di estetica e di filosofia della storia. Florença: Le Lettere, 1992, pp. 112-113.
[17] Cf. Idem. Mazzini e la Nuova Italia. In Idem. I profetti del Risorgimento Italiano. 3ª ed. acresc. Florença: G. C. Sansoni-Editore, 1944-XXII, pp. 127-152.
[18] EVOLA, Julius. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano. 4ª ed. corrigida, com dois apêndices e Heidnischer Imperialismus. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004,p. 93.
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[15] GENTILE, Giovanni. Risorgimento e fascismo. In Idem. Memorie italiane e problemi della filosofia della vita. Florença: G. C. Sansoni – Editore, 1936-XIV, p. 120.
[16] Idem. La tradizione italiana. In Idem Frammenti di estetica e di filosofia della storia. Florença: Le Lettere, 1992, pp. 112-113.
[17] Cf. Idem. Mazzini e la Nuova Italia. In Idem. I profetti del Risorgimento Italiano. 3ª ed. acresc. Florença: G. C. Sansoni-Editore, 1944-XXII, pp. 127-152.
[18] EVOLA, Julius. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano. 4ª ed. corrigida, com dois apêndices e Heidnischer Imperialismus. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004,p. 93.
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