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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Muralhas de Adriano: os limites do Império Romano.


Depois de muitas tentativas de tomar o atual território da Escócia, as legiões romanas resolveram levantar um muro para evitar invasões bárbaras.

Retratada em brochuras como um programa familiar, unindo história, natureza e exercício num mesmo passeio, a Muralha de Adriano, nas proximidades da fronteira entre a Inglaterra e a Escócia, é hoje uma das principais atrações turísticas do norte inglês, contando com o status de Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Porém, o que hoje é lugar para piqueniques e caminhadas ecológicas e mesmo um serviço de chá tradicionalmente britânicos, é o marco de uma das mais bizarras e sangrentas campanhas militares do Império Romano. O símbolo de uma história que mistura tons de resistência dignas de um episódio das aventuras de Asterix com os efeitos colaterais da grandiosidade geográfica e política de Roma. E que ainda provoca surpresas em arqueólogos e historiadores.


Erguida no ano 122, a mando do imperador Adriano, a muralha, que se estendia por mais de 120 km, o suficiente para cobrir de costa a costa a região em que o território britânico afunila, teve um objetivo duplo: consolidar os ganhos territoriais obtidos pelas incursões romanas nas Ilhas Britânicas e ao mesmo tempo esfriar os ânimos do que pode ser descrito como uma guerrilha vinda do norte. Por décadas, Roma tentara e fracassara na missão de subjugar os povos do norte da ilha batizada de Britânia. E novas descobertas arqueológicas sugerem que não foi por falta de tentativas graúdas. Um estudo publicado no ano passado pela arqueóloga Rebecca Jones, do Instituto de Patrimônio Arqueológico Escocês, garante ter encontrado vestígios de nada menos que 260 fortificações romanas no território do que hoje conhecemos como Escócia.

Guerrilha

A quantidade de fortes corresponde ao maior esforço de pessoal do império numa campanha europeia e que torna ainda mais estranha a história das incursões na região. Especialmente se comparada com a relativa facilidade com que o restante das ilhas tinha sido dominado. "O exército romano era mais bem equipado, treinado e disciplinado que as tribos do norte. Era uma força profissional lutando contra a rebeldia isolada e fragmentada das tribos. Mas ataques típicos de guerrilha fizeram a vida dos romanos muito complicada", diz Jones.

Não que Roma simplesmente tivesse desfilado pelo resto do país. O império experimentou um histórico de rebeliões ao sul, a mais famosa delas o levante comandado pela rainha celta Boadicea, em 61, e que resultou na destruição de Londinium, o povoado romano que deu origem a Londres. As primeiras campanhas tiveram início ainda com Júlio César, em 55 a.C., quando os generais romanos suspeitavam que a proximidade geográfica com a Gália resultava em colaboração contra o domínio imperial.



Mas foi quase um século depois, por volta do ano 43, e com Cláudio no trono, que as operações se intensificaram. O que hoje é conhecido como Inglaterra, em especial a região sul e leste, foi conquistado. Na década de 70, as atenções se voltaram para o norte. Além da busca por escravos e metais, conquistar era uma demonstração de poder para os imperadores.

No norte estavam habitantes conhecidos como caledônios. De origem celta, mostraram-se um inimigo mais voluntarioso do que as legiões esperavam. Aproveitando-se de aliados naturais, como o terreno montanhoso que marca boa parte da Escócia, faziam ataques-surpresa em vez de buscar o confronto direto. No mais famoso e ousado deles, uma emboscada noturna em 83 teria causado sérias baixas à IX Legião.

No ano seguinte, a batalha de Monte Graupius resultou numa carnificina maior a favor das tropas do general Julius Agricola. Parecia apenas questão de tempo para que houvesse o controle total do norte. Segundo o historiador romano Tácito, a ferocidade do combate foi tamanha que os caledônios que bateram em retirada mataram suas próprias mulheres e crianças temendo a represália romana. "Se os romanos tivessem colocado mais tropas, teriam subjugado os rebeldes. Mas Roma tinha fronteiras extensas, não era possível canalizar todos os recursos para a região", diz Jones.

O controle total jamais veio. Em séculos de presença nas ilhas, os romanos jamais controlaram toda a Escócia. As razões provocam divergências no meio acadêmico, mas as evidências arqueológicas são de que, ao contrário da Inglaterra, a presença romana na Escócia foi mais militar do que civil, ainda que haja registros de tribos que mantinham relação amigável com os romanos. No geral, porém, o clima era pesado. Em textos antigos romanos, por exemplo, os caledônios eram descritos como encrenqueiros e bárbaros.

Tribos hostis

"Foram repetidas campanhas para tentar subjugar as tribos caledônias. Operações brutais, sangrentas e malsucedidas para a máquina de guerra romana. As legiões tinham que lidar com tribos hostis e com as próprias dificuldades logísticas proporcionadas pela falta de uma estrutura maior e pelos problemas em Roma", diz Jones. Há uma corrente que vê nos tropeços romanos um problema causado pelo próprio expansionismo imperial. Agricola, por exemplo, foi chamado de volta à Roma em caráter de urgência após o evento de Monte Graupius para ajudar a lidar com uma crise militar nas fronteiras do Reno e do Danúbio, mais próximas do coração do império e mais problemática que os "guerrilheiros" caledônios.

Outra muralha

"Precisamos deixar um pouco de lado o romantismo. Roma tinha plenas condições de consolidar seu domínio sobre os escoceses, mas fatores muito mais importantes mudaram o foco das ações militares. A crise no Danúbio enfraqueceu a presença militar na Caledônia. Foram eventos de força maior que impediram uma conquista total, não algum tipo de heroísmo tribal", afirma Bill Hanson, professor de arqueologia da Universidade de Glasgow e especialista do chamado "perío-do romano¿¿ britânico.

A construção da Muralha de Adriano é vista como uma mudança de estratégia. O imperador mostrava-se menos entusiasmado com a expansão a todo custo e os objetivos de captação de recursos tinham sido atingidos com o domínio no sul. "Adriano até recuou de algumas campanhas iniciadas no reinado de seu antecessor, Trajano. Não havia uma obsessão em terminar o trabalho, especialmente quando Roma tinha que priorizar o uso de seus recursos militares em áreas mais sensíveis", diz Hanson.

O fato é que sucessores de Adriano voltaram à carga. Em 138, o imperador Antonino ordenou nova invasão. As tropas romanas avançaram de forma significativa em território escocês, a ponto de construírem uma nova muralha, a de Antonino, 160 km ao norte da de Adriano e já bem mais próxima das Highlands. Era menor, com 63 km de extensão, e erguida com barro em vez das pedras da fortificação original. A construção durou 12 anos, até 154. Apenas oito anos depois, as linhas romanas já tinham recuado para a Muralha de Adriano. O império faria mais quatro grandes invasões, incluindo uma, em 209, com 40 mil homens. Em 211, chegou-se a um armistício.

Latim

Os dominadores provaram do próprio remédio: no século 4, os caledônios lançaram uma ofensiva que a muralha não foi capaz de segurar. Às voltas com as invasões bárbaras em Roma, mais e mais tropas foram deslocadas das ilhas britânicas, até que em 410 teve fim a administração romana. Os romanos deixaram sua marca nos povos caledônios: além da adoção do latim como língua para assuntos burocráticos, os avanços semearam o cristianismo na região. Mas a resistência evitou que a Escócia experimentasse pontos positivos da ocupação. "A região não passou pelo mesmo crescimento de centros urbanos como no sul. Os romanos incentivaram a criação de cidades e isso se reflete no cotidiano britânico, em que a Inglaterra é mais desenvolvida que a Escócia", diz Hanson. Na Escócia, que em breve terá um referendo sobre sua independência do Reino Unido, o passado é explorado com orgulho. Turistas à parte, a Muralha de Adriano é um monumento que nem Mel Gibson e seu Coração Valente conseguem superar.

Atrás do muro

Para conter os ataques dos caledônios, romanos criaram barreiras de contenção.


Muralha de Adriano

Início da construção: 122

Final da construção: 126

Extensão: 118 km

Material: pedra e madeira

Altura: 4,5 m

Largura: 2,5 m

Muralha de Antonino

Início da Construção: 142

Final da construção: 154

Extensão: 63 km

Material: turfa e pedra

Altura: 4 m

Largura: n/d

Texto: Fernando Duarte.

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Geoglifos gaúchos: Marcas na terra seriam vestígios da colonização ou da pré-história?


 Com até 120 metros de diâmetro, centenas de anéis de terra no Rio Grande do Sul intrigam pesquisadores. Confira as imagens de satélite e tire suas próprias conclusões.

Visíveis até do espaço, centenas de anéis de terra no sul do país guardam um mistério sobre suas verdadeiras origens e funções. Com até 120 metros de diâmetro e presentes em diversas cidades do Rio Grande do Sul, segundo alguns moradores locais, estas estruturas seriam cercas de terra feitas por escravos no início da colonização. Nas mesmas rotas onde elas estão localizadas, entre Pelotas e Dom Pedrito (RS), também existem currais de pedra circulares com as mesmas proporções, velhas conhecidas da cultura gaúcha. Mas mesmo assim há quem cogite a possibilidade destas construções, apelidadas de geoglifos por serem melhor visualizadas do alto, terem raízes mais profundas, remontando à pré-história.

Construções usando taipas de pilão, feitas com argila, galhos e varas prensados, eram comuns no Brasil colonial. Currais de pau-a-pique parecidos também costumavam ser utilizados para marcação de gado, conforme conta o autor uruguaio Aníbal Barrios Pintos em seu livro “De las vaquerias al alambrado” (Ediciones Del Novo Mundo, 1967). No Uruguai e em Santa Vitória do Palmar (RS), alguns desses círculos cercados de árvores, já citados em 1820 por Auguste Saint-Hilaire, foram documentados como “currais de palmas”.

Segundo Pintos e os historiadores André Oliveira e Cláudia Teixeira, depois de cavadas as valas, eram transplantadas mudas de palmeiras, que tinham os espaços entre elas fechados com tiras de couro. Ao ver imagens das supostos cercados, Oliveira concordou com a versão contada pelos moradores: “Essas estruturas se parecem com os currais de palmas encontrados nesta região onde é peculiar a palmeira Butiá capitata. Realmente devem ser encerras, ou seja, currais. No caso de serem de terra deve-se analisar melhor as elevações, provavelmente realizadas por escravos”. O pesquisador estima a idade dessas construções em aproximadamente 200 anos, mesma opinião do professor Joaquim Dias, formado em História e expert no passado de Capão do Leão, que diz que “a época pode se situar desde 1780 até 1900, ou seja, é muito tempo”.


 Os arames de metal só chegaram ao estado na década de 1870. Antes disso, as cercas eram feitas com muros de pedra ou com outros materiais como valas cavadas no chão, madeira beneficiada, ananás, bananeiras, pessegueiros e outras árvores frutíferas, bromélias, espinheiros, cana, cactus e até de pau-a-pique. Diferentes fontes falam das rotas usadas para transporte de vacas, cavalos e mulas passando por essa região já a partir do século XVIII, e foi encontrada em um antigo inventário menção a uma Estrada Real passando pelo local no século XIX. Além dos relatos de diversos moradores que chamam a Estrada do Passo dos Carros entre Capão do Leão e Pelotas, onde estão localizados alguns desses enormes círculos, de “Corredor das Tropas”.

Existem também inúmeras citações dos currais sendo usados pelos colonizadores da região durante o século XVIII, na época da preia do gado cimarrón, antes pertencente aos jesuítas. Segundo mapas antigos e outras referências, os tropeiros que transportavam esses animais realmente passavam por ali, além de fotos e textos situarem algumas desses currais de pau-a-pique e de pedra nos atuais municípios gaúchos de Pelotas, Capão do Leão, Aceguá, Bagé e em outras cidades próximas. Porém, mesmo sendo tão falados, é raro encontrar referências visuais sobre os tais cercados, o que mantém o assunto misterioso.

Apesar de tudo isto bater com a teoria dos anéis de terra como antigas encerras, eles também podem ter sido construídos por povos nativos. Nesse caso a tradição popular que fala das estruturas anelares no Rio Grande do Sul poderia estar equivocada ou simplesmente incompleta, assim como aconteceu com os geoglifos do Acre. Lá, pensava-se que eles seriam “trincheiras da Revolução Acreana”, porém a hipótese ficou defasada quando arqueólogos descobriram que foram povos pré-históricos os autores daquelas construções.

Diferente do que sustentam algumas correntes mais tradicionais da arqueologia, defensoras dos indígenas pré-colombianos como “pequenos grupos nômades que quase não causavam impacto no ambiente onde viviam”, essas pessoas podem ter mobilizado suas sociedades para a construção de fortificações, caminhos elevados, currais de pesca, monumentos funerários e centros cerimoniais, entre outras funções atribuídas pelos especialistas a essas estruturas de terra. É o que conta Charles Mann em seu livro “1491: Novas revelações das Américas antes de Colombo” (Ed. Objetiva, 2005). Exemplos disso são os mounds da América do Norte, os geoglifos do Acre, os cerritos e sambaquis do litoral sul/sudeste do Brasil, as elevações artificiais existentes no estado boliviano de Beni, e as antigas estradas e aldeias cercadas de fossos nas proximidades do rio Xingu, em Mato Grosso, entre outros. 



Rodrigo Aguiar, co-autor do livro “Geoglifos da Amazônia - Perspectiva Aérea” (Faculdades Energia, 2005), fala sobre o método de construção das formas geométricas do Acre: “cortes são escavados, e a terra extraída é, cuidadosamente, depositada ao lado do sulco, formando figuras em alto e baixo relevo”. Aguiar viu imagens dos anéis de terra do extremo-sul gaúcho e disse estar convencido de que alguns deles também podem ser pré-históricos. Assim como o arqueólogo Fábio Vergara Cerqueira: “Pensei muito nesta hipótese quando vi as fotografias. Na medida em que se descobrem geoglifos no Acre, existe igualmente a possibilidade de geoglifos em nossos campos”.

André Prous relatou em seu livro “O Brasil antes dos brasileiros” (Jorge Zahar Editor, 2006) que as formas geométricas escavadas no território acreano, “muito parecidas com as assinaladas no Rio Grande do Sul, associadas à Cultura Taquara/Itararé, são em geral interpretadas pelos arqueólogos como estruturas defensivas e apresentam um fosso largo”, referindo-se àquelas já estudadas no norte/nordeste do estado. Esses sítios arqueológicos classificados como “estruturas anelares” têm entre 20 e 170 metros de diâmetro e também existem no Paraná, em Santa Catarina e até na Argentina.


É possível acreditar que eles sejam similares aos de Capão do Leão e outras cidades próximas se os compararmos a uma ilustração reproduzida por Letícia Morgana Müller em sua dissertação de mestrado “Sobre ossos e índios” (PUC/RS, 2008). O desenho mostra um dos anéis de terra citados por Prous com uma borda idêntica às dos geoglifos do extremo-sul. Mas Ana Maria Rüthschlling apimenta ainda mais a discussão ao relembrar em “Pesquisas arqueológicas no baixo rio Camaquã” (UNISINOS, 1989) que a cultura Taquara seria intrusiva na região de Pelotas. Isso poderia enfraquecer a hipótese dos geoglifos em questão serem resquícios desse povo, já que seria necessário mobilizar um bom número de pessoas para se produzi-los.

A Segunda Guerra não acabou em maio de 1945.

Com a derrota da Alemanha e a capitulação do país no dia 8, chegava ao fim o maior conflito da história, certo? Errado!


O general Alfred Jodl (centro) firma o ato de rendição incondicional dos nazistas em Reims, na França.

 Apesar de 8 de maio de 1945 ter entrado para a história como o dia em que os países aliados derrotaram a Alemanha nazista, a data não marca o fim oficial da Segunda Guerra Mundial. Embora as operações militares tenham terminado em solo europeu a partir desse momento, os combates prosseguiram no Pacífico.

No Extremo Oriente, o Japão continuou a combater os exércitos aliados, e somente o trágico lançamento de duas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, conseguiu obrigar o país asiático a assinar sua capitulação em 2 de setembro. Só então a Segunda Guerra Mundial chegou, de fato, ao fim.

O encerramento do segundo conflito global marca uma importante diferença em relação ao seu predecessor. Se a Primeira Guerra Mundial havia terminado em 1918 com um armistício, ou seja, um acordo entre os países beligerantes para que as hostilidades fossem suspensas, a Segunda Guerra Mundial só chegou ao fim após a capitulação de duas das principais potências envolvidas: Alemanha e Japão.

A capitulação alemã foi discutida no início de maio de 1945. Com o fim evidente da guerra, o governo nazista preferiu não oferecer nenhuma resistência aos vencedores. O almirante Karl Dönitz, que depois do suicídio de Hitler, em 30 de abril de 1945, havia assumido o comando do Terceiro Reich, enviou o general Alfred Jodl ao quartel-general dos Estados Unidos, na cidade francesa de Reims, para negociar os termos da rendição.

Segundo o acordo, os combates deveriam cessar precisamente às 23h01 do dia 8 de maio. Mas a notícia da assinatura da rendição correu o mundo já na manhã do dia 8, o que obrigou os chefes de três dos quatros países aliados – Harry Truman, nos Estados Unidos; Winston Churchill, no Reino Unido; e Charles de Gaulle, na França – a anunciar oficialmente o fim dos enfrentamentos às 15 horas. A partir de então, o dia 8 de maio se tornou a data-símbolo da vitória sobre a Alemanha nazista.

A cerimônia de assinatura da capitulação em Reims, no entanto, não foi suficiente para o líder do quarto país Aliado, a União Soviética. Joseph Stalin queria que a rendição incondicional fosse assinada no coração do Terceiro Reich: Berlim. Uma nova reunião foi então organizada no subúrbio da cidade alemã, ocupada na época pelo exército soviético.

Luís XIV e o Estado todo-poderoso

O Rei-Sol colocava o destino da França e a perenidade da função real acima de sua própria pessoa. Seu reino foi o apogeu da monarquia absoluta.


Reunido com os secretários e conselheiros, Luís XIV toma ele mesmo todas as decisões, de 26 de fevereiro a 23 de abril de 1672, óleo sobre tela, Escola Francesa, 1672.

A morte de Jules Mazarin em 9 de março de 1661 marca o nascimento do absolutismo de Luís XIV. O próprio rei anunciou a morte do cardeal na manhã seguinte. Ele reuniu todos os oito ministros, que esperavam ansiosamente o nome do sucessor de Mazarin. Para surpresa geral, o rei voltou-se para o chanceler Séguier e declarou solenemente: “Senhor, eu lhe pedi que se reunisse com meus ministros e secretários de Estado para dizer que até agora eu deixei o falecido senhor cardeal conduzir os assuntos de Estado; já é hora que eu próprio governe. Vocês me auxiliarão com seus conselhos, quando eu lhes pedir.” Note-se que ele nunca pronunciou a famosa frase “O Estado sou eu”; não passa de uma lenda. Em seguida, proibiu os ministros de expedir qualquer coisa sem sua ordem.

Para Luís XIV, a monarquia só podia ser absoluta. Sua mãe inculcou-lhe o gosto pela grandeza real e por uma etiqueta rígida e lhe transmitiu profundos sentimentos religiosos. Mazarin lhe dispensou uma educação política prática, fazendo-o assistir aos conselhos desde a idade de 12 anos. Com a morte de seu mentor, instaurou-se uma monarquia administrativa, dirigida pelo ministro Jean-Baptiste Colbert. O rei viu aí o meio de restaurar sua autoridade e, assumindo a direção, inserir-se no projeto do cardeal Mazarin.

Luís XIV dirigia a França com menos de 50 mil agentes reais. Entre eles, os ministros e seus gabinetes, os conselheiros de Estado, os mestres de solicitações, os intendentes e seus funcionários e os magistrados. Todos lhe deviam fidelidade, dedicação e eficiência. No alto da administração, um chanceler, responsável pela Justiça, um controlador-geral dirigindo as Finanças e quatro secretários de Estado encarregados da Guerra, da Marinha, dos Assuntos Estrangeiros e da Casa do rei.

A mudança teve um quê de continuidade. Mazarin deixou ao rei, com 23 anos, sua equipe de brilhantes colaboradores: Le Tellier (Guerra), Lionne (Assuntos Estrangeiros), Fouquet (Finanças), ao lado de quem o cardeal colocou um homem seu, Jean-Baptiste Colbert, que substituiu Fouquet a partir de setembro e depois se tornou o controlador-geral das Finanças reais em 1665. Era então ministro de Estado e acumulava cargos: fazia sozinho o trabalho de seis ministros! Esses homens talentosos, provenientes da burguesia do comércio ou da toga, formavam clãs familiares cujas rivalidades eram úteis ao rei.

Era tempo de colocar o reino em movimento, em todos os domínios. O controle dos corpos intermediários do Estado e a vigilância da administração provincial se impunham. O instrumento da reforma escolhido por Luís XIV e Colbert foi a Câmara de Justiça de novembro de 1661, cujos trabalhos duraram até 1669. Foram emitidas muitas condenações contra financistas acusados de desonestidade. Nas províncias, os intendentes inspecionavam e controlavam, repartiam a talha (impostos) e verificavam as dívidas das paróquias. Os governadores de província viam seu poder se reduzir. Os parlamentares deviam apenas registrar as decisões re-ais. O soberano trabalhava sem descanso, consagrando mais de oito horas por dia aos assuntos do reino. Sua dedicação e sua coragem surpreenderam seus contemporâneos. Quando Colbert lhe perguntou se ele devia fazer relatórios longos ou curtos, o rei respondeu: “Longos; o detalhe de tudo.”

Durante seu reinado, participou de todos os conselhos, decidindo soberanamente sobre a política que cada ministro deveria seguir. Esses costumes não eram novidade, sobretudo depois de Francisco I e de Henrique IV, mas Luís XIV organizou, hierarquizou e conduziu a especialização dos conselhos, fixou os dias de sessão e retomou de uma vez por todas o próprio mecanismo do regime. Contudo, seu governo permaneceu coletivo.

As relações com seus ministros eram muitas vezes tempestuosas. Luís XIV deixou em suas memórias apreciações muito pessoais sobre eles: “Não temos nada a ver com anjos, mas com homens a quem o poder excessivo dá quase sempre alguma tentação de usá-lo”. Desconfiava muito também dos prelados e pessoas da Igreja: “Tenho uma regra (...) a de jamais colocar um eclesiástico em meu Conselho, e menos ainda um cardeal”.

Soberano absoluto, Luís XIV não governou sozinho. Os órgãos governamentais estavam fechados a sua volta. No alto figurava o Conselho de Estado, o órgão do governo onde eram abordados “os assuntos de maior importância”. Tratava-se nele, em pequeno comitê, dos grandes assuntos internos ou externos do reino. Até 1661, encontravam-se ali príncipes, duques e marechais. Agora, o rei convocava alguns colaboradores escolhidos com todo cuidado, nunca mais de cinco membros, que, sozinhos, tinham o título de ministros de Estado: o chanceler, o superintendente das Finanças e os quatro secretários de Estado.

Catarina de Médici era realmente maquiavélica?


Ela não mediu esforços para se manter no poder: manipulou os filhos, conspirou e, pior de tudo, contribuiu para o massacre de protestantes, certo? Errado!

A regente, mãe de três reis da França, pregava uma política de tolerância e de pacificação religiosa. Florentina, filha de Lourenço II de Médicis, desposou muito jovem o filho de Francisco I, o futuro Henrique II. Na morte de seu marido, num torneio, em 1559, enquanto o luto real era marcado pelo branco, ela decidiu vestir somente preto, daí a alcunha “viúva negra”. A partir de então, ocupou um lugar preponderante nos destinos do reino.

O breve reinado de seu filho Francisco II testemunhou a eclosão dos problemas religiosos e o recurso à violência para solucioná-los. Perante um partido católico intransigente, que desejava erradicar o protestantismo, Catarina se posicionou, com o chanceler Michel de L’Hospital, ao lado do partido dos políticos que buscavam, antes de tudo, manter a coesão do Estado e a autoridade monárquica. A morte de Francisco II em 1560 e a menoridade de Carlos IX permitiram que se tornasse regente, tomando as rédeas do poder. Desde então, ela multiplicou os atos de conciliação. Os Estados Gerais foram convocados em Orléans e, em 1561, deu-se o colóquio de Passy, afim de tentar reconciliar os reformados e os católicos. Em 17 de janeiro de 1562, ela chegou a promulgar um edito autorizando a liberdade de culto aos protestantes, desde que suas cerimônias se realizassem fora das cidades.

Essa política de concórdia fracassou diante da intransigência dos dois partidos. A primeira guerra religiosa eclodiu com o massacre de Wassy, em 1562 – e foi seguida de sete outras até 1598. Catarina de Médicis tentou restabelecer a paz para salvaguardar a herança de seus filhos e a unidade do reino, objetivo alcançado em 1563, com o edito de Amboise, que autorizou o culto protestante e estipulou que ninguém deveria ser perturbado por suas opiniões religiosas. Esse edito de paz servirá de modelo a todos os que seriam assinados em seguida: os conflitos, contudo, não cessaram. As tréguas foram alternadas com períodos de tensão e guerras abertas. Foi durante uma delas, na noite de 23 a 24 de agosto de 1572, que aconteceu o Massacre de São Bartolomeu, que deveria visar somente os chefes protestantes. Viu-se no episódio a mão de Catarina, ainda que as responsabilidades não estejam claramente determinadas.

Assim nasceu, ainda durante a vida de Catarina, a lenda de uma mulher austera, maquiavélica, que não recuava perante nada para se manter no poder. Essa italiana, que conservara ainda um sotaque muito pronunciado, seria para sempre considerada uma estrangeira, favorável demais aos protestantes para os católicos e não tolerante o bastante para os reformados. 

Notre-Dame: 850 anos


Catedral testemunhou as mudanças na vida de Paris e o avanço das técnicas de arquitetura para chegar a 2013 em clima de celebração.

As comemorações do 850º aniversário da catedral de Notre-Dame de Paris ocorrerão até 24 de novembro. A atração principal foi o Dia Mundial do Órgão, em 6 de maio. Mais de 850 concertos ecoaram as obras do repertório de Notre-Dame nos locais de culto e nas salas de concerto do mundo todo. Em razão dos diferentes fusos horários, o evento se estendeu por 24 horas, passando, inclusive, por São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

A catedral está em festa. Os novos sinos – oito na torre norte, fabricados em Valledieu-les-Poêles, no Manche, e um novo bordão, batizado Marie, na torre sul, fundido na Holanda – tocaram pela primeira vez em 23 de março para a solenidade do Domingo de Ramos. Notre-Dame reencontrou sua “paisagem sonora” – termo empregado pelos especialistas em sinos–, essa musicalidade que a caracterizava no final do século XVIII e que contribuiu para seu renome. Um espaço de cerca de 1.200m2, batizado Caminho do Jubileu, foi construído na esplanada. Essa estrutura gigante, dominada por uma torre provisória de 13 metros de altura, que inclui uma arquibancada, estende-se até os portais, onde o público pode assistir aos espetáculos e aos jogos de luz da fachada. Na esplanada, estandes acolhem exposições que ressaltam as diferentes corporações de ofício necessárias à construção e à manutenção de Notre-Dame, dos canteiros aos fabricantes de órgãos, mas também ações de solidariedade em favor dos mais necessitados. A esplanada, ampliada no século XVII, foi, depois das reformas empreendidas no Segundo Império pelo barão Haussmann, liberada de qualquer habitação. A cripta arqueológica, recentemente renovada, mostra, por meio de uma nova cenografia interativa, os vestígios descobertos quando das escavações realizadas nos anos 1960 e a construção, em 3D, da catedral.

TEMPLO DE JÚPITER Mas voltemos no tempo... Na época galo-romana, um templo pagão dedicado a Júpiter foi erguido no local. Em seguida, foi substituído por uma basílica paleocristã com cinco naves. Teria sido construída no século IV, depois modificada, ou dataria do século VI, tendo sido reparoveitadas as pedras de outras construções. Os especialistas nada sabem com exatidão. Seja como for, para construir essa catedral dedicada a Santo Estêvão, a maior da Gália Franca, com 70 metros de comprimento e 36 metros de largura – dimensões excepcionais para a época –, foi preciso nivelar o trecho sudeste da muralha, erguida no Baixo Império (século III). Sua fachada ocidental se encontrava então mais a oeste que a atual Notre-Dame.

O conjunto episcopal dos tempos merovíngios, do qual Saint-Étienne é a igreja principal, compreende também a basílica de Notre-Dame (sob a Notre-Dame de Paris), o batistério Saint-Jean-le-Rond, na rua Cloître-Notre-Dame – que hoje não existe mais – e a basílica Saint-Germain-le-Vieux, no canto sudeste do atual Comissariado de Polícia.

Em meados do século XII, a igreja de Saint-Étienne foi demolida. O bispo Maurice de Sully (por volta de 1120-1196) e o capítulo decidiram construir uma outra, mais comprida, mais alta, mais iluminada, possível graças às recentes técnicas de cruzamento de ogivas e de arcobotantes. Uma arte nova que os italianos do Renascimento chamaram “gótica” em referência aos godos, esses bárbaros!

Vários grandes edifícios religiosos já haviam sido construídos: a abadia Saint-Denis, por iniciativa do abade Suger (por volta de 1140), depois as catedrais de Noyon (a partir de 1145), de Senlis (1153), de Laon e de Sens (1160). Mas esse projeto implicava outras transformações, um verdadeiro canteiro urbano, que acarretaria a destruição de várias residências e a expropriação dos habitantes. O bispo, amigo de Luís VII, que apoiava seu projeto, desejava construir uma esplanada, passarela entre os mundos profano e sagrado, e traçar uma nova via através do labirinto de ruelas margeadas por casas com estruturas de madeira: a rua Neuve-Notre-Dame, com 6 metros de largura, por meio da qual os materiais de construção, depois os peregrinos e as procissões, teriam acesso ao edifício. Durante os 36 anos de seu episcopado, o bispo de Paris não recuaria diante de nenhum obstáculo para concluir sua obra-prima monumental.

Em 1163, a primeira pedra de Notre-Dame de Paris foi colocada na presença do papa Alexandre III. Quatro campanhas de edificação se sucederiam, conduzidas por quatro arquitetos diferentes cujos nomes não chegaram até nós. Os 20 primeiros anos foram dedicados à construção do coro e de seus dois deambulatórios. Em 11 de maio de 1182, o altar-mor foi enfim consagrado. Foram necessários oito anos, de 1182 a 1190, para serem erguidas as três estruturas da nave, as naves laterais e as tribunas. Em 1190, o bispo Maurice de Sully pôde celebrar em sua catedral os funerais de uma jovem rainha da França, Isabel de Hainaut, esposa de Filipe Augusto, morta aos 20 anos ao dar à luz. Foi enterrada no coro de Notre-Dame. Sua sepultura – uma das raras que escaparam do vandalismo revolucionário – foi redescoberta em 1858 pelos operários de Viollet-le-Duc.

EM 1225, FACHADA JÁ ERGUIDA De 1190 a 1225, as fundações da fachada e as duas primeiras estruturas da nave foram erguidas. Até a metade do século XIII, as obras compreendiam a galeria alta, as duas torres, as janelas altas, que foram modificadas e ampliadas, e as capelas laterais da nave entre os contrafortes dos arcobotantes. Estes últimos foram concebidos para permitir o escoamento das águas de chuva na parte superior da catedral. Em 1240, sob o reino de São Luís, a torre sul já estava concluída e, dez anos mais tarde, a torre norte. A catedral foi considerada pronta. As reformas posteriores seriam trabalhos de embelezamento, manutenção ou restauração. Do fim do século XIII ao início do XIV, os nomes dos arquitetos, dessa vez, chegaram até nós. Jean de Chelles executou o prolongamento do transepto: ao norte, com a criação do portal do claustro e da rosácea norte, e ao sul com o portal Saint-Étienne e a rosácea sul. Oferecida por São Luís, ela representa o Cristo triunfante no céu. Dez anos separam as duas rosáceas, que têm o mesmo diâmetro: 12,9 metros.

Seu sucessor, Pierre de Montreuil, reformou as capelas do coro e da abside, e iniciou a substituição dos grandes arcobotantes de 15 metros de vão. Por seu lado, Pierre de Chelles edificou o púlpito e as primeiras capelas da abside. Elas foram concluídas por Jean Ravy, que deu início à construção do claustro de pedra historiado, em torno do coro e do santuário. Seu sobrinho Jean le Bouteiller e depois Raymond du Temple deram continuidade aos trabalhos. Estamos na segunda metade do século XIV.