Paula Homem de Mello Instituto de Química de São Carlos - USP Em 1896, o francês Henri Becquerel constatou que um composto de urânio causava uma mancha numa chapa fotográfica, mesmo no escuro e embrulhado em papel negro. Becquerel concluiu que o composto deveria emitir algum tipo de raio capaz de atravessar o papel e atuar sobre a chapa. Essa propriedade era semelhante à dos raios X descobertos um ano antes por Wilhelm Conrad Röntgen.
Em abril de 1898, a polonesa Marie Curie percebeu que, além do urânio, outro elemento conhecido, o tório, também emitia os tais raios. Em julho do mesmo ano, com a ajuda do marido, o físico francês Pierre Curie, descobriu um novo elemento que chamou de polônio e alguns meses depois ambos descobriram um elemento ainda mais radioativo: o rádio. Os estudos sobre radioatividade renderam a Becquerel, Pierre e Marie Curie o Nobel de Física de 1903.
Ainda no ano de 1898, Ernest Rutherford utilizou uma tela fluorescente para detectar as radiações provenientes de um material radioativo. Com auxílio de placas metálicas eletricamente carregadas descobriu que havia dois tipos de radiação, que chamou de α (alfa) e β (beta). A radiação α, segundo ele, deveria ser formada por partículas de carga positiva, uma vez que seu feixe era atraído pela placa negativa. Já a radiação β, deveria ser formada por partículas negativas, pois seu feixe era atraído pela placa positiva. Em 1900, Paul Villard, na França, descobriu uma outra forma de radioatividade que não apresenta carga elétrica e foi chamada de radiação γ (gama).
Hoje sabemos que as partículas α são constituídas por dois prótons e dois nêutrons, isto é, correspondem ao núcleo de um átomo de hélio (He). As partículas β são elétrons emitidos pelo núcleo de um átomo instável. Mas, você vai me dizer: o núcleo não tem elétrons! Na verdade, um nêutron pode se decompor em um próton, um elétron e uma partícula chamada antineutrino . Ao contrário das radiações α e β, que são constituídas por partículas, a radiação γ é formada por ondas eletromagnéticas emitidas por núcleos instáveis logo em seguida à emissão de uma partícula α ou β.
Cada elemento radioativo, natural ou obtido artificialmente, se desintegra (ou decai) com uma velocidade característica. A unidade do tempo de decaimento é a meia-vida. Este é o tempo necessário para que a atividade de um elemento radioativo seja reduzida à metade da atividade inicial. Ou seja, para cada meia-vida que passa, a radioatividade vai sendo reduzida à metade da anterior, até atingir um valor insignificante, que não permite mais distinguir suas radiações das do meio ambiente.
Na natureza existem elementos radioativos que decaem sucessivamente, se transformando em outros elementos, que não sendo ainda estáveis, decaem até que o núcleo atinja uma configuração estável. Essas seqüências de núcleos são denominadas séries radioativas. Existem três séries radioativas naturais: a série do urânio, a série do actínio e a série do tório. A série do actínio, na realidade, inicia-se com o urânio-235 e tem esse nome, porque se pensava que ela começasse pelo actínio-227. As três séries naturais terminam em isótopos estáveis do chumbo, respectivamente, chumbo-206, chumbo-207 e chumbo-208.
Alguns anos antes da Segunda Guerra Mundial, vários grupos de pesquisadores tentavam obter novos elementos químicos bombardeando o urânio com nêutrons. Este processo foi chamado de Fissão Nuclear. O nêutron, ao atingir um núcleo de urânio, provoca sua quebra em dois núcleos menores e a liberação de mais nêutrons que, por sua vez, irão atingir outros núcleos e provocar novas quebras, liberando grande quantidade de energia. Se a velocidade dessa reação em cadeia não for controlada, a reação ocorre muito rapidamente (em menos de 1 segundo), liberando enorme quantidade de energia. É o que acontece, por exemplo, na explosão da bomba atômica. Mas se a reação for controlada, como ocorre num reator, é possível aproveitar a energia liberada.
O italiano Enrico Fermi e sua equipe, em 1942, construíram o primeiro reator nuclear. Esse reator tinha a finalidade de executar em laboratório a fissão nuclear para que se pudesse compreendê-la melhor, a fim de aproveitá-la como fonte de energia. A versão moderna do reator de Fermi são as usinas nucleares. O calor liberado na fissão aquece a água, mantida a alta pressão. Esta, por sua vez, aquece uma outra porção de água que entra em ebulição. O vapor produzido gira a turbina, cujo eixo se liga a um gerador elétrico, o qual, por sua vez, transforma a energia do movimento em energia elétrica.
Também podemos usufruir dos benefícios da radioatividade na medicina. A Medicina Nuclear é a área que utiliza os radioisótopos, tanto em diagnósticos como em terapias. Células cancerosas ou microorganismos nocivos podem ser destruídos pela absorção da energia das radiações. Fontes de radiação de césio-137 e cobalto-60 são usadas para destruir células de tumores, uma vez que estas são mais sensíveis à radiação do que os tecidos sãos. Um outro exemplo é a utilização do iodo-131 para o diagnóstico e tratamento de doenças da tireóide. O elemento iodo, radioativo ou não, é absorvido pelo organismo humano preferencialmente pela glândula tireóide. Para verificar se a tireóide apresenta problemas, o paciente ingere uma solução de iodo-131 e um detector verifica a absorção do elemento, permitindo o diagnóstico de deformações da glândula. Doses maiores de iodo-131 são utilizadas no tratamento de doenças da tireóide.
Estas são apenas algumas das aplicações da radioatividade. Entretanto, nem sempre a radioatividade é usada adequadamente. Um dos principais problemas é a utilização bélica, ou seja, para a construção de bombas atômicas. Em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente, as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki foram destruídas por bombas atômicas lançadas por aviões do Exército dos EUA. Mais de 200 mil pessoas foram mortas nos ataques e, seis décadas depois, milhares de pessoas ainda apresentam seqüelas devido à exposição à radioatividade.
Uma outra preocupação é o lixo nuclear. As sobras de materiais radioativos e tudo o que estiver contaminado por eles, os resíduos de mineração, o encanamento por onde eles passaram, as vestimentas dos trabalhadores, enfim, tudo o que entra em contato com material radioativo são considerados lixo nuclear. Nos produtos da fissão do urânio-235 já foram identificados mais de duzentos isótopos pertencentes a 35 elementos diferentes. Muitos deles emitem radiações α, β e γ, representando um risco à população e necessitando, portanto, ser armazenados em recipientes de chumbo e/ou concreto e guardados em locais seguros por tempo suficiente para que a radiação caia a níveis não-prejudiciais. Se o lixo nuclear não for armazenado corretamente, podem acontecer acidentes como o de Goiânia (GO) em setembro de 1987: a violação de uma cápsula de césio-137 por sucateiros resultou em quatro mortes e cerca de 250 pessoas tiveram problemas de saúde na época.
Um outro viés é a possibilidade de ocorrerem acidentes nas usinas nucleares e as conseqüências podem ser muito graves. O pior acidente ocorreu em Chernobyl, na Ucrânia, em abril de 1986. A explosão de um dos quatro reatores da usina lançou na atmosfera uma nuvem radioativa que atingiu todo o centro-sul da Europa. Estima-se que morreram entre 15 mil e 30 mil pessoas e aproximadamente 16 milhões sofrem até hoje alguma seqüela em decorrência do desastre.
A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 21, proíbe a utilização da energia nuclear para fins que não sejam exclusivamente pacíficos. A história da energia nuclear no Brasil teve início por volta de 1945, no final da 2ª Guerra Mundial. Apesar de pobre em reservas conhecidas de urânio, o Brasil era um grande exportador de monazita, um mineral radioativo. A primeira central nuclear brasileira, Angra 1, começou a ser construída em 1971, em Angra do Reis (RJ) e foi inaugurada em 1982. De um acordo com a Alemanha, foram propostas mais duas usinas: Angra 2, que começou a operar em 2000, após quase vinte anos de construção, a um custo de cerca de US$ 10 bilhões, e Angra 3, na qual, segundo números oficiais, já foram gastos US$ 750 milhões entre a compra e a estocagem dos equipamentos. O projeto de Angra 3 foi paralisado em 1992 por motivos econômicos, pois para entrar em operação, necessitaria de mais US$ 1,5 bilhão.
São inegáveis os benefícios que a radioatividade traz à humanidade. Porém, são inegáveis também os prejuízos à saúde e à paz que o emprego incorreto provoca. Por isso, a utilização da radioatividade deveria ser muito bem controlada e restrita a situações em que não existem alternativas.
Você quer saber mais?http://www.comciencia.br/200408/noticias/3/energia.htm http://www.greenpeace.org.br