Nem
fanáticos, nem voluntários - os jovens pilotos suicidas japoneses foram vítimas
da hierarquia militar e de um projeto tão ousado quanto estúpido para tentar
reverter uma invasão que não chegou a acontecer.
Após quase quatro horas no
ar, a pequena esquadrilha de cinco Mitsubishi A6M Zero avistou navios
norte-americanos próximos à Ilha de Samar, nas Filipinas. Pelo rádio, o tenente
Yukio Seki anunciou aos oficiais em terra: "Melhor morrer que viver como
um covarde". Os aviões se dividiram em direção aos navios, descendo a até
poucos metros acima do mar para evitar o fogo antiaéreo. Seki e outro piloto
tentaram um ataque ao porta-aviões USS White Plains. Atingidos, o parceiro caiu
no mar e o líder saiu soltando fumaça, desviando rumo ao USS St. Lo, outro
porta-aviões. Eram 10h47 de 25 de outubro de 1944 quando o avião de Seki se
desintegrou no convés do St. Lo. O caos tomou conta: uma série de explosões
estremeceu o navio de 156 m. Os feridos foram primeiro baixados com cordas ao
mar, depois simplesmente atirados do convés. Em 30 minutos, o incêndio atingiu
o paiol principal e o porta-aviões sofreu uma explosão catastrófica, indo a
pique. Ao preço de um piloto japonês, morreram 140 americanos.
Nem
pelo Japão, nem pelo Imperador.
Nove dias antes, o
vice-almirante Takijiro Onishi, velho aviador naval que havia se oposto ao
ataque a Pearl Harbor, convocou uma reunião de oficiais. Como comandante da
Primeira Frota Aérea da Marinha Imperial Japonesa, anunciou seus planos de
defesa: "Só existe uma forma como nossa força minúscula será eficiente num
grau máximo. É organizar unidades de ataque suicida compostas de caças A6M Zero
armados com bombas de 250 kg, com cada avião devendo colidir num mergulho
contra um porta-aviões inimigo... O que vocês acham?"
Os militares conheciam bem a
gravidade da situação. Na Batalha do Mar das Filipinas pela posse das Ilhas
Marianas, em apenas dois dias, 19 e 20 de junho de 1944, os japoneses perderam
cerca de 600 aviões, num episódio que ficou conhecido entre os pilotos americanos
pelo sarcástico título de Great Marianas Turkey Shoot, a "Grande Caçada ao
Peru das Marianas". Quando os japoneses começaram a guerra em Pearl
Harbor, em dezembro de 1941, os Mitsubishi AM6 Zero eram um grande desafio aos
norte-americanos, por serem mais ágeis e manobráveis. A introdução do F6F
Hellcat, em 1943, muito superior ao Zero ou qualquer outro avião japonês, além
do uso de radar, novidades táticas e simples vantagem numérica, fruto de uma
indústria intacta, destruíram qualquer chance de os japoneses disputarem o
domínio aéreo dos EUA. Na Batalha de Formosa, entre 10 e 20 de outubro de 1944,
os japoneses perderam mais 500 aviões. "Quando Onishi chegou às Filipinas,
descobriu que tinha menos de 100 aviões operacionais", afirma David Sears
em At War with the Wind (sem tradução). Sears descreveu o que se passou a
seguir na reunião: "Ali estava a oportunidade de apagar a vergonha.
Sacrificar um piloto e um avião pela destruição de um navio com uma equipe de 3
mil homens e mais de 50 aviões. Ainda que o estado de espírito entre a plateia
de Onishi provavelmente variasse entre entusiasmo feroz, resignação estoica e
puro terror, os que finalmente falaram pediram para organizar as forças eles
mesmos". Os oficiais fizeram os preparativos, mas nenhum foi voluntário.
Coube ao tenente Seki, um instrutor de voo, liderar o primeiro ataque. Daí a
provocação em suas palavras: seus superiores eram os covardes que ficaram
vivos.
Não foi a única rebeldia do
primeiro kamikaze. O tenente foi entrevistado pelo jornalista Onoda Masahi, em
preparação para a avalanche de propaganda oficial que se seguiria. Masahi
planejava incluir em seu texto o lado humano dos pilotos, e conseguiu: "Se
é uma ordem, eu vou. Mas não irei morrer pelo imperador ou pelo Império Japonês.
Vou morrer por minha amada esposa. Se o Japão perder, ela pode acabar estuprada
pelos norte-americanos. Estou morrendo por quem mais amo, para
protegê-la", afirmou Seki, que foi além. "O futuro do Japão é sombrio
quando se é obrigado a matar um de seus melhores pilotos." Obviamente,
nada disso foi publicado pela imprensa japonesa. O tenente e o resto de sua
esquadrilha ganharam placas comemorativas no santuário de Yasukini, o que os
tornava, dentro do xintoísmo oficial do Estado, espíritos guardiães da pátria,
semideuses honrados pela visita do imperador duas vezes por ano - assim como
todos os outros 3 843 pilotos que se seguiriam a eles. Não há consenso sobre o
número exato de pilotos suicidas, estes são de Kyomi Morioka, da Universidade
de Tóquio. O santuário lista 5 843.
A
cultura da morte e seus descontentes
O bushidô, o caminho do
samurai, sempre foi um componente importante da cultura japonesa, codificado em
clássicos do Período Tokugawa (1603-1867) como Hagakure, de Yamamoto Tsunemono
e O Livro dos Cinco Anéis, de Miyamoto Musashi. Mas seus ensinamentos se
destinavam, um tanto obviamente, aos samurais - categoria que foi extinta no
início da Era Meiji (1868-1912). Em 1899, o economista, diplomata e escritor
Inazo Nitobe lançou, em inglês, Bushido: The Soul of Japan (sem tradução no
Brasil). Destinado a apresentar o Japão ao mundo, quando traduzido para o
japonês tornou-se a maior expressão do novo regime. Nitobe, cristão que havia
estudado nos EUA, transformou o que eram ideais de uma classe guerreira na
ideologia de um Estado militarista, que assumiria feições claramente fascistas
nos anos 20.
É de imaginar que Seki não
gostaria de saber que sua imagem destemida, reproduzida em inúmeros artigos de
jornal e peças de propaganda, serviria para promover tal ideologia, a senha
para o suicídio de milhares de compatriotas. Muitos kamikazes eram adeptos
convictos do culto à morte promovido pelo Estado. Mas a relutância irreverente
de Seki estava longe de ser raridade. Em entrevista a AVENTURAS NA HISTÓRIA, em
2008, o sobrevivente Tokio Mao mostrou suas próprias razões: "Não, nada de
glória ao imperador. Era acabar com a guerra. E ter uma morte com honra!"
Os diários desses pilotos, mais vítimas que algozes do Império, revela
personalidades muito mais complexas, perturbadas pela ideia de morte. Alguns
eram inimigos declarados do sistema político do Japão.
A imagem dos kamikazes no
Ocidente, um bando de fanáticos se matando pelo seu deus-imperador, que
frequentemente é comparada aos homens-bomba islâmicos contemporâneos, é fruto
de uma "parceria" entre a propaganda japonesa e a imprensa ocidental.
Os japoneses da época recebiam apenas as partes "construtivas" dos
relatos kamikazes, geralmente seus testamentos, escritos para serem lidos por autoridades
após a morte - que contêm loas ao imperador, ao yamato damashii (o espírito
japonês), e poesias de morte mencionando a sakura, a flor de cerejeira, o
símbolo nacional cujas pétalas, que caem em poucos dias, significavam a
fragilidade da vida do soldado - um sentido em grande parte construído pelo
Estado, segundo a antropóloga Emiko Ohnuki-Tierney, da Universidade de
Wisconsin-Madison (EUA), autora de livros sobre os kamikazes. Ela rejeita a
comparação com os homens-bomba islâmicos. "Os kamikazes eram soldados de
uma nação em guerra, não indivíduos. Eram recrutados, não voluntários, que
recebiam ordens para morrer. E nunca foram usados contra alvos civis."
Do outro lado do Pacífico, a
imprensa dos EUA trouxe os primeiros relatos dos kamikazes em abril de 1945,
após meses de censura pelos militares. Os jornalistas não só inflaram a imagem
de fanatismo como, de certa forma, criaram a expressão. O nome das unidades era
tokubetsu kõgekitai (unidade de ataque especial), geralmente abreviado para
tokkõtai. As unidades da marinha ganhavam o nome de shinpu tokubetsu kõgekitai.
Shinpu quer dizer "vento divino", as tempestades que salvaram os
japoneses da invasão mongol duas vezes, em 1274 e 1281 - a Marinha japonesa
acreditava que os pilotos suicidas salvariam o país dos novos mongóis, os
norte-americanos, bárbaros sem cultura que acabariam com o país, tornando o
sacrifício uma questão mais de morrer antes, de forma gloriosa, que depois,
acuado dentro das próprias fronteiras. "Kamikaze" é a leitura em
japonês popular dos mesmos ideogramas, que não era usada pelos japoneses, mas
pelos militares americanos. A imprensa ocidental tornou o termo tão popular que
hoje ele é usado no Japão.
Um
passo adiante
A imensa maioria dos
kamikazes era formada por estudantes, recrutados de universidades antes do
início da ação, principalmente a partir de dezembro de 1943, quando 6 mil foram
removidos das salas de aula em apenas três dias. Antes ou depois do início do
programa, ninguém era convocado para se suicidar. A posição oficial do governo
japonês era que todos os kamikazes eram voluntários. "A operação tokkõtai
era uma garantia de morte e o alto oficialato japonês, hipocritamente, decidiu
não torná-la um programa oficial da Marinha ou Exército, onde ordens eram dadas
em nome do imperador", escreveu Emiko em Kamikaze, Cherry Blossoms and
Nationalism. Mesmo para quem se voluntariava, a decisão estava longe de ser uma
alternativa totalmente livre.
O treinamento era brutal. A
tropa apanhava por qualquer motivo. Para "formar o caráter" ou
simplesmente por causa da inveja dos sargentos, que consideravam os soldados
universitários filhinhos de papai. Entre as razões para apanhar estava não
saber recitar o Decreto Imperial ao Soldado, que terminava com palavras
sombrias: "Entendam que a obrigação é mais pesada que as montanhas, mas a
morte é mais leve que uma pluma". Segundo o relato do historiador e
sobrevivente Irokawa Daikichi, no Ano-Novo de 1945, ele não conseguiu sentir o
gosto do zoni, a sopa de bolinhos de arroz com que os japoneses costumam comemorar
a passagem - porque só percebia o gosto de sangue na própria boca. "Batiam
em meu rosto tão forte e frequentemente que meu rosto não era mais
reconhecível."
Finalmente, com o espírito
quebrado, chegava o dia de se "voluntariar". Os soldados eram chamados
a uma sala onde ouviam um discurso patriótico sobre o valor de se sacrifícar
pelo imperador. Então eram postos de pé e pedia-se aos voluntários para darem
um passo a frente. Raramente alguém desafiava as pressões da autoridade, da
ideologia martelada em suas mentes desde a infância e a culpa de continuarem
vivos enquanto seus companheiros iam para a morte. O estudante Kenjiro Kuroda
se recusou, apenas para ver seu nome publicado na lista de voluntários no dia
seguinte, enquanto seu oficial se gabava que todos em sua companhia haviam se
candidatado. O cristão Ryu Yamada relatou que foi simplesmente forçado, o que
ele considerou um assassinato. E isso não era incomum. "Muitos pilotos
kamikazes, tanto no Exército quanto na Marinha, eram apontados como membros de
esquadrões suicidas sem sequer ter a chance de se tornarem voluntários. Desses
jovens, se esperava que seguissem tais ordens como qualquer outra", afirma
o historiador William Gordon, da Universidade Wesleyan (EUA).
A
vida dos mortos
Quando o piloto era
designado para um grupo tokkõtai, recebia um breve treinamento específico. Ele
devia saber quais partes dos navios atingir, principalmente os porta-aviões, os
alvos prioritários. A instrução mais importante era para não fechar os olhos na
hora de mergulhar - muitos kamikazes atingiam a água ao ceder ao instinto.
Depois disso, eram meses de espera até que chegasse o momento do voo fatal.
Ainda que a propaganda
japonesa mostrasse os pilotos sempre serenos e sorridentes em seus momentos
finais, a verdade tinha uma face bem mais humana (veja os depoimentos ao longo
desta reportagem). Os pilotos frequentemente caíam em depressão e lutavam internamente
para racionalizar suas decisões.
Quando chegava o dia do voo
para a morte, os pilotos ganhavam um brinde de saquê, amarravam a hachimaki
(faixa) na cabeça, e talvez também o senninbari, um cinto costurado por mil
mulheres, cada uma dando um ponto - espécie de amuleto de "corpo
fechado" do soldado japonês. Levavam ainda a bandeira japonesa, uma espada
e uma pistola - para o caso de falharem e terem de evitar a captura com o
suicídio. Se estivesse na época da florada, carregavam ramos de cerejeira. E
escreviam poesias, seguindo o exemplo dos samurais condenados a cometer
seppuku, o suicídio honroso.
E então decolavam. A maioria
pilotava seu próprio Zero, carregado com uma única bomba de 250 kg. Mas foram
usados outros modelos de aviões, inclusive bombardeiros com a tripulação
completa, além de torpedos tripulados, os kaiten. Nunca era uma viagem
tranquila e sem escalas direto para a morte. Assim que detectavam os japoneses
no radar, caças norte-americanos partiam dos porta-aviões, mais rápidos, bem armados
e em maior número. Os kamikazes até podiam tentar lutar e às vezes contavam com
a escolta de caças regulares. Mas, em geral, o melhor que podiam esperar é que
o avião resistisse o suficiente para explodir no convés do navio inimigo.
Os japoneses tinham outras
cartas. Em 12 de abril de 1945, o destróier Mannert L. Abele estava acompanhado
por dois navios de transporte a 130 km a noroeste de Okinawa. Sua função era
patrulhar o oceano por radar, justamente para impedir ataques de pilotos
kamikazes. No começo da tarde, acabou cercado por aviões japoneses e destruiu
quatro que tentaram investir contra ele. Às 14h40, enquanto as baterias estavam
distraídas com a última investida kamikaze, um estranho objeto apareceu no céu
e mergulhou contra o Mannert, acelerando de forma inimaginável.
Vítimas
do sucesso
As baterias antiaéreas
simplesmente não conseguiram acompanhar o movimento do bólido, que penetrou na
câmara do motor e explodiu, matando a equipe e fazendo o destróier perder o
controle de todos os seus sistemas, inclusive o dos armamentos. Um minuto
depois, outro objeto idêntico atingiu o navio no casco lateral, partindo-o o em
dois e levando ao fundo do oceano a maior parte de sua tripulação.
O Mannert L. Abele foi a
primeira vítima do Yokosuka MXY7 Ohka, a tecnologia mais avançada das forças
kamikazes. Era uma bomba voadora pilotada, movida a foguete, lançada de
bombardeiros Mitsubishi G4M. Podia chegar a 1 040 km/h, levando uma carga
explosiva de 1,2 mil kg, quase cinco vezes mais que um kamikaze convencional. O
Ohka era impossível de ser interceptado, mas estava longe de ser uma arma
milagrosa. A pesada e frágil "nave-mãe" tinha que chegar perto do
alvo, já que o Ohka só tinha autonomia para 36 km de voo. Um piloto tinha mais
chances de morrer ainda preso nas asas do bombardeiro ou, pior, ser lançado
longe demais do alvo, para um voo curto e inútil rumo à morte solitária no
oceano. Assim, apenas três outros navios partilhariam o destino do Mannert L.
Abele.
Não que os pilotos de aviões
convencionais tivessem uma chance muito melhor. As ações nas Filipinas, quando
os Estados Unidos ainda não estavam preparados para os ataques, teve apenas
20,8% de acertos - 41% dos aviões suicidas deram meia-volta por falta de
combustível, tempo ruim ou simplesmente por não encontrar o inimigo. Em toda a
guerra, 11,6% dos 3,3 mil aviões kamikazes acertaram seus alvos, contra 27,5%
que voltaram à base. Os kamikazes que retornavam sofriam humilhação dos
oficiais, com a habitual violência física, até voar para a morte novamente um
outro dia - o fato explica o "mistério" por que usavam capacete e por
que é absurda a lenda que afirma que eram fechados com solda na cabine do
avião.
Durante toda a guerra, 47
navios norte-americanos foram afundados, pela estimativa do historiador William
Gordon. Apenas três deles eram porta-aviões, todos de escolta, relativamente
pequenos, desprotegidos e desimportantes. Segundo dados da Força Aérea dos
Estados Unidos, 4,9 mil marinheiros foram mortos pelos kamikazes e outros 4,8
mil, feridos.
Os efeitos da campanha são
bastante discutíveis. "Acredito que os ataques kamikazes fizeram a maioria
dos norte-americanos mais determinada a derrotar o Japão. Especialmente durante
a Batalha de Okinawa, alguns poucos marinheiros sofreram mentalmente pelos
contínuos ataques suicidas contra navios dos EUA, dia após dia, mas quase todo
o pessoal da Marinha tinha moral alta para continuar a derrubar aviões
japoneses não importasse quantos fossem enviados", diz Gordon.
A partir de julho de 1945, a
intensidade das ações kamikazes diminuiu. Os japoneses começaram a se preparar
para a invasão americana, e sua principal arma seriam contra-ataques suicidas.
Eles esperavam afundar 400 navios em caso de aproximação - algo não totalmente
infundado, já que partiriam de uma distância muito mais próxima, e os últimos
modelos do Ohka, movidos a jato em vez de foguete, podiam decolar de terra e
tinham maior autonomia.
Mas a invasão nunca ocorreu.
Em 26 de julho, os Estados Unidos, Grã-Bretanha e China lançaram a Declaração de
Potsdam, ameaçando o Japão de "completa e total destruição" caso não
se rendesse. E mostraram o que queriam dizer em 6 de agosto, quando três
bombardeiros B-29 cruzaram céus desimpedidos, já que quase todos os aviões
japoneses estavam reservados para a ação kamikaze. E assim Hiroshima viveu a
maior ação de terror já vista na história. Três dias depois, o mesmo ocorreu em
Nagasaki.
A campanha kamikaze tornou o
Japão a "vítima ideal" para a bomba atômica. "Os americanos não
podiam acreditar que os pilotos japoneses se matavam para destruí-los. Isso deu
a eles a crença que os inescrutáveis japoneses não se renderiam até o último
cair morto, dando a `desculpa¿ para as bombas atômicas, o que é bem
documentado", afirma Emiko Ohnuki-Tierney. "A decisão do presidente
Harry Truman de lançar as bombas atômicas me parece adequada por causa das
perdas que os japoneses, especialmente por aviões kamikazes e outras armas
suicidas, infligiriam aos aliados se tentassem invadir o Japão", diz Bill
Gordon.
Em 15 de agosto, o imperador
Hirohito anunciou a rendição. Ao ouvir a notícia, o almirante Matome Ugaki
vestiu um uniforme sem insígnias e decolou num Yokosuka D4Y. Pelo rádio,
transmitiu seu último recado. "Farei um ataque em Okinawa, onde meus
homens caíram como flores de cerejeira. Lá irei colidir meu avião e destruir o
inimigo arrogante, no verdadeiro espírito do bushido, com firme convicção e fé
na eternidade do Japão Imperial. Confio que os membros de todas as unidades sob
meu comando irão superar todas as dificuldades do futuro e prosperar na
reconstrução de nossa grande pátria, que ela viva para sempre. Longa vida ao
imperador!" Ugaki foi encontrado no dia seguinte, nos destroços de seu
avião numa praia. É provável que o último kamikaze tenha sido abatido sem atingir
seu alvo. No dia seguinte, o inventor da operação kamikaze, Takijiro Onishi,
cometeu seppuku. Em sua carta de suicídio, pediu desculpas a todos os quase 4
mil japoneses que se mataram em vão.
Hachiro
Sasaki, o marxista: 23 anos, 14 de abril de 1945.
Formado em economia pela
Universidade de Tóquio, Sasaki acreditava que a guerra se justificava por ser
contra os Estados Unidos e Inglaterra, sedes do capitalismo. Antes de sua
última missão, ganhou o privilégio de visitar os pais, mas não contou a eles que
havia se voluntariado para uma missão suicida. Como todos os pais de pilotos
kamikazes, dias depois eles receberam uma caixa vazia contendo um papel com o
nome do filho, e nada mais - os "restos mortais".
"De certa forma, não
consigo ficar eufórico com as notícias das vitórias japonesas. Eu sinto
ansiedade. Queria saber o que acontecerá ao capitalismo após a guerra. (...) O
poder do velho capitalismo é algo do qual não podemos nos livrar facilmente,
mas se ele pode ser esmagado pela derrota na guerra, transformaremos um
desastre em algo positivo. (...) Lembro-me que os trabalhadores ficam
desencorajados ao perceber como os chefes os exploram. Sinto-me tolo por me
orgulhar de meu talento como piloto. Os que escaparam por não se qualificarem
devem ser os realmente inteligentes."
Ichizo
Hayashi, o cristão: 23 anos, 12 de abril de 1945