terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Como Estudar Plínio Salgado.

Humberto Pergher*

O artista ao modelar o barro para dele extrair uma estátua, não só deixa em sua superfície estampados seus traços digitais, muito mais que isso concretiza na obra a sua idéia e personifica nela seu próprio ser de tal maneira, que esta passa a ser seu retrato mais ou menos fiel conforme a perfeição da obra. Através dela entra-se em contato com a riqueza interior, a vibratividade e euritimia do artista e do homem, para com ele sentir as mesmas emoções.

Pode-se ainda entrar em contato, em comunhão íntima de paixões e idéias pela simples visão do artista, ouvindo-o falar especialmente quando à riqueza de vibração aliar uma espontaneidade de expressão oral e mímica; quando à cadência e ao fluir ligeiro do verbo aliar a agudeza de olhar que magnetiza; quando à grandiosidade e profundidade de idéias, quando a sonoridade da voz e intensidade de emoções, à majestosa estruturação do período aliar, paradoxalmente, uma incompreensível pequenez física talhada duramente pela adversidade e pela luta.

Pois esta visão íntima do homem em sua diáfana transparência esta simbólica vivência de idéias e emoções, esta aterradora pequenez do homem frente ao espírito já a experimentaram todos quantos ouviram uma conferencia de Plínio Salgado. Despe-se imediatamente o espírito do ouvinte de quantos atavios por ventura se ache emaranhado e em sua original candura entra em união intelectual com o conferencista, para sorver gota a gota, o néctar que este destila, modicamente, de início; em ritmo crescente, logo após; e, por fim, em torrentes incontidas ocupando o intelecto e a sensibilidade do ouvinte de maneira tão completa que o tempo perde seu valor. Aqui, mais que em qualquer parte, manifesta-se a pequenez do homem ante o infinito e sua grandeza no finito.

Entrechoque da grandiosidade das idéias com a violência dos sentimentos despertados nos espíritos, busca escape emotivo nos vibrantes aplausos e nas palmas espontâneas de quantos auditórios travem contato íntimo com o espírito de Plínio Salgado. Não há necessidade de anterior conhecimento da vida deste escritor, nem tão pouco de suas idéias, de suas lutas, de seu sofrimento em ver sua Pátria, que deseja grande, pujante e cristã, tão amesquinhada, traída tantas vezes, e cada vez mais enfraquecida em suas forças vitais. É suficiente ver sua pessoa, fisicamente pequena e abatida, transformar-se subitamente em um gigante que domina completamente toda uma multidão pela grande e eloqüente cadência de seu verbo, para sentir com o orador um amor imenso por esta terra que é nossa, uma dor pungente pela desdita que a abate, e a necessidade imperiosa de lutar pela sua re-cristianização, único meio de salvá-la e fazê-la feliz.

É suficiente este contacto auditivo - visual – intelectual - emocional para ter-se o homem todo em toda sua riqueza, em toda a sua grandeza intelectual e moral. Então se compreende sua incrível obstinação em lutar, mesmo que seja sozinho, em sacrificar sua grande vocação para a literatura e “recomeçar mil vezes se for preciso para salvar o Brasil”.

Entretanto, muito restrito é o número dos que podem, por este contato direto assimilar os ensinamentos de Plínio Salgado. A grande maioria dos brasileiros deve fazê-lo pela leitura de suas obras embora em todas as suas obras esteja, em sua totalidade, o homem que dedicou sua vida à causa de Cristo e do Brasil, devido à predominância de um dos aspectos de sua doutrina, poderia o leitor ser levado a um conhecimento parcial e, por isto mesmo, falho, do homem e de seu pensamento.

Pela obra se chega ao autor e pelo autor se compreende a obra.

Por onde se vê ser necessário um conhecimento biográfico do autor para melhor compreensão de sua obra. Urge situá-lo em sua época, no meio em que vive, para conhecer quais as influências do ambiente sobre ele e as suas reações. É necessário saber qual a sua formação religiosa, qual sua adaptação social, para melhor compreender e interpretar as idéias mestras de sua doutrina.

No caso do autor da “Vida de Jesus”, torna-se indispensável saber de seu espírito profundamente cristão, conhecer os laços afetivos que o ligam ao Brasil desde os seus ternos anos, quando num ambiente familiar essencialmente cristão aprendeu a amar a Deus e à sua Pátria. Conhecida sua biografia e tendo presente estes fatores fundamentais, pode-se começar o estudo de seu pensamento sociológico e filosófico pela leitura de suas primeiras obras, os romances “O Estrangeiro”, “O Esperado”, “O Cavaleiro de Itararé”, e a “Voz do Oeste”, nos quais procede a um largo estudo social do homem do interior paulistano, em páginas de rara sensibilidade artística e profundo senso objetivo, cônscio do papel do literato no aprimoramento da sociedade.

Nestes seus romances estão lançados os princípios de toda sua doutrina sociológica, política e filosófica. As inúmeras obras que se seguiram são desenvolvimentos dos princípios anteriormente esboçados. O leitor das obras de Plínio Salgado terá sempre presente o espírito profundamente cristão do autor voltado para a realidade brasileira, esperançoso de ver o Brasil cumprir sua missão histórica da qual se fez para sempre o mesmo incansável batalhador, durante sua vida e após ela na duração de seus escritos. Porém, de todas as obras de Plínio Salgado é na “Vida de Jesus”; que mais alto se ergueu seu gênio. Neste livro uni-se a piedade cristã a alma do artista, o espírito do pensador e a visão do homem público para burilar incontestavelmente a maior pérola da literatura brasileira. Na “Vida de Jesus”, os moços brasileiros têm a obra prima do artista, do sociólogo, do cristão, onde a identificação do autor se faz em cada linha e onde seu pensamento se concretizou para a eternidade.

É este Plínio Salgado fervorosamente cristão e perdidamente brasileiro que deve ser compreendido em primeiro lugar e está sempre presente ao estudioso de suas obras e de seus escritores. Só assim haverá a perfeita compreensão em sua honestidade intelectual, em sua sensibilidade profundamente humana, em seu ardor apostólico, na crueza apocalíptica de sua analise social do nosso tempo e na certeza absoluta dos superiores destinos do Brasil.

* Publicado originalmente em “A Marcha”, 12/02/1954, e posteriormente reproduzido no Vol. VIII da “Enciclopédia do Integralismo”.

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