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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quer comprar uma vírgula?

Uma vírgula? – perguntei eu, pasmo. E ele completou:

__Sim, uma vírgula para que continue a escrever seus textos, pois um homem sem vírgulas é um homem sem história.

A partir desse momento, meus olhos se abriram. Descobri que sempre usara a teoria dos pontos finais em minha história e não a teoria das vírgulas. Alguém me frustrava? Eliminava-o, colocava um ponto final no relacionamento. Alguém me feria? Anulava-o. Enfrentava um obstáculo? Mudava de trajetória. Meu projeto estava com problemas? Substituía-o. Sofria uma perda? Virava as costas.

Eu era um professor-doutor que usava os livros dos outros em minhas teses, mas não sabia escrever o livro da minha existência. Meus textos eram descontínuos. Quem elimina todos ao seu redor um dia será implacável consigo mesmo. E esse dia chegara. Mas infelizmente encontrei esse enigmático homem e entendi que é possível conviver, sem vírgulas, com cachorros, gatos e até com cobras, mas não com humanos. Frustrações, decepções, traições, injúrias, conflitos fazem parte do nosso cardápio existencial, pelo menos do meu e de quem conheço. E as vírgulas são imprescindíveis.

Eu vivia confortavelmente no anfiteatro da sala de aula e nos aposentos do meu pequeno apartamento, pago com meu mirrado salário de professor. Assim, eu, um especialista em Marx, uma socialista que sempre criticava a burguesia e exaltava os miseráveis da sociedade, passei a sentir na pele a dor da miserabilidade.

Comecei a seguir um vendedor de idéias que não tinha nada, a não ser ele mesmo. Marx ficaria perplexo com esse homem. Nem ele sabia o que era ser um proletário. Era um pensador teórico. Ao segui-lo, percebi que eu era um socialista hipócrita, defendia o que não conhecia. Sai, portanto, das fronteiras da teoria, tornei-me um andarilho no teatro da existência, um pequeno vendedor de vírgulas para os caminhantes libertarem a mente, reescreverem sua história, desenvolverem o pensamento crítico.

Ser zombado, debochado, taxado de maluco, lunático, desvairado, impostor estava entre os riscos menores de participar desse grupo. Os piores? Ser espancado, preso, considerado amotinador social, seqüestrador e terrorista. O preço de vender sonhos numa sociedade que asfixia a mente humana e deixou de sonhar era muito caro.

Mas nada era tão excitante. Os que participavam desse time não conheciam o tédio nem entravam em estado de angústia ou depressão, mas corriam perigos imprevisíveis e se metiam em incríveis confusões. E que confusões!

Você quer saber mais?

Cury, Augusto. O Vendedor de Sonhos: E a Revolução dos Anônimos. Editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2009.

http://construindohistoriahoje.blogspot.com/search/label/PESSOAL

A História do Fusca

Um modelo KDF

É impossível contar a brilhante trajetória do Fusca sem mencionar duas importantes personalidades que estiveram por trás deste notável projeto desde a sua idealização. Um deles é considerado um gênio da indústria automobilística; o outro foi um dos maiores e mais temíveis ditadores do século XX. Ambos, coincidentemente, austríacos. O ditador atendia pelo nome de Adolf Hitler, o homem que pegou uma Alemanha falida e devastada pela Primeira Guerra Mundial e que conseguiu transformar um país decadente em uma potência mundial, recuperando a auto-estima do povo alemão que acreditou que ele seria o salvador da terras germânicas.

O gênio era Ferdinand Porsche, um engenheiro autodidata que nasceu em Maffersdorf, uma pequena cidade nos confins do Império Austro-Húngaro. Desde jovem, ele já demonstrava uma grande habilidade em mecânica e, quando completou 18 anos foi indicado para uma vaga de trabalho em Viena, na empresa de Bela Egger. Seu talento natural e seus conhecimentos técnicos eram tão grandes que em poucos anos foi promovido ao cargo de diretor de testes e desenvolvimento da empresa.

Enquanto Porsche trabalhava como diretor técnico da Austro-Daimler, fabricante de modelos de luxo nos anos 20, ele começou a desenvolver carros e corrida e a dividir-se entre a função de projetista e de piloto de teste. No ano de 1922 chegou a ganhar algumas corridas com as suas criações.

Mas, o que será que um ditador, um projetista de carros de luxo e o carro mais popular do mundo têm em comum?

No ano de 1934, quando Hitler tomou o poder na Alemanha, ele concebeu a idéia do Volkswagen, que em alemão significa “carro do povo”, inspirado no sucesso que já fazia o Ford T na época. Durante o seu discurso de abertura do Auto Show de Berlim, o ditador declarou que considerava o desenho e a construção do carro do povo como uma medida prioritária para a indústria automobilística alemã. Acrescentou ainda que esse veículo deveria desenvolver velocidade máxima de 100 Km/h, pois as cidades eram distantes. Deveria ser capaz de enfrentar subidas com até 30% de elevação e consumir no máximo 7 litros a cada 100 Km, pois o combustível era caro (o povo não poderia gastar mais de 3 marcos a cada 100 Km). Seria preciso ter espaço para, no mínimo, quatro pessoas, custar, no máximo, 1.000 marcos imperiais e, principalmente, ser refrigerado a ar, porque nem todas as casas alemãs possuíam garagem e, no inverno, a água no radiador certamente congelaria.

E é ai que entra Ferdinand Porsche, na história, pois foi a ele dada a árdua tarefa de desenvolver o projeto do sonhado carro popular. Ele foi escolhido porque, alguns anos antes, em 1931 já morando na Alemanha, havia feito protótipos de carros populares encomendados por dois fabricantes de motocicletas. A proposta, no entanto, continuou sendo uma ilusão para muitos. Um dos críticos da época ironizou: “Um carro para trabalhadores? E por que não uma casa na 5° Avenida de Nova Iorque para cada um?”.

Tempos depois, Hitler tomou conhecimento dos projetos de Porsche e o convidou para dar forma a seu sonho em parceria com o governo alemão. Em junho de 1934 foi assinado um acordo entre a Associação Nacional da Indústria Automobilística Alemã e Ferdinand Porsche. Naquela época, na Alemanha, havia 1 carro para cada 49 pessoas, enquanto que nos Estados Unidos a proporção era de 1 carro para cada 4,5 americanos. Por economia, os protótipos foram montados com ajuda de operários na garagem da casa do próprio Porsche, em Stuttgard.

No dia 10 de outubro de 1936, ficaram prontos os três primeiros protótipos Volkswagen, os Volksauto-série VW-3 que foram testados por 50 mil quilômetros cada um. Os primeiros carros não tinham quebra ventos, nem pára-choques ou vidros traseiros. As portas se abriam ao contrário dos demais modelos mais “modernos”. Já em 1936 o protótipo do Fusca ganhou carroceria com o desenho que o consagrou. A partir de 1938 foi iniciada a construção de uma fábrica em Hannover para produzir algumas unidades do modelo.

A inauguração aconteceu em maio do mesmo ano. A cerimônia nazista foi preparada para marcar o grande feito e entrar para a história, pelo menos era ISS que Hitler esperava, pois ele tinha como objetivo “esmagar os gigantes de Detroit”. Foi então que Ferdinand Porsche sofreu uma grande decepção quando Hitler comunicou que colocaria o nome de KDF Wagen no carro. E este foi a apenas o começo de uma longa história. KDF era abreviação de Kraft Durch Freude, nome escolhido pelo ditador Adolf Hitler, que significava “Força através da Alegria”. Os objetivos de Adolf começavam a ganhar formar.

Em agosto de 1938, durante o discurso no lançamento da pedra fundamental da futura fábrica do Fusca, Hitler declarou:

“Esse carro deve ter o mesmo nome da organização que trabalha arduamente para prover a grande massa de nossa população com alegria e satisfação e, portanto com força. Ele deve ser chamado de KDF Wagen! Eu procedo a colocação desta pedra fundamental em nome do povo alemão! Esta fábrica deverá surgir da força de todo o povo alemão”.

Porsche ficou horrorizado, pois comentou “que nunca iríamos vender um carro com esse nome em outro país”. Mais tarde, tanto o nome da fábrica como o do carro mudariam para Carro do Povo. Os planos para um carro do povo foram muito além de um simples meio de transporte de uso diário. O veículo foi submetido à diversas alterações, o que o tornou um carro de uso misto dentro do exército alemão. Assim foram criados o Kommanderwagen, o Schwimnwagen e o Kulbelwagen. Todos derivados do nosso querido fusquinha. O Kommanderwagen era destinado aos comandantes do exército alemão e outras altas patentes militares. O Schwimnwagen era destinado a terrenos alagados e foi o primeiro “anfíbio” europeu de guerra a ser fabricado em grande quantidade. O Kulbelwagen era uma espécie de jipe alemão da época. Seu peso era tão reduzido que o tornava mai veloz, o que permitia que passasse por cima de minas para detoná-las.

Após a derrota na II Guerra Mundial, a fábrica Wolfsburg ( antiga Fallersleben) ficou praticamente destruída devido aos bombardeios. A área passou a ser ocupada pelos ingleses que, liderados pelo major Ivan Hirst, retomaram a produção dos primeiros Fuscas após o conflito. Os primeiros Fuscas chegaram ao Brasil no final 1950, o primeiro lote desembarcou no porto de Santos. Foram 30 unidades negociadas rapidamente. Daí para frente se tornou uma paixão nacional.

Você quer saber mais?

http://www.kdf-wagen.de/

http://www.volkswagen.de/

http://galerie.cult7.de/index.php/cultseven_gallery/

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Concepção do estado Integralista de Olbiano de Mello – 1935. Conheça esse exemplar raríssimo.

Capa do Livro Concepção do Estado Integralista de Olbiano de Mello

(...) O instincto de conservar o próprio ser e o de desenvolvê-lo o mais possível. Foi a necessidade de segurança para o exercício dos seus direitos e a necessidade de progresso material, intellectual e moral que o levaram a viver em sociedade. D’ahi nasceu a família, nasceu a Escola, nasceu a União de classe, nasceram as diversas crenças religiosas que na ordem natural se dilhuetam pelos diversos templos onde o homem, elevando-se do terreno econômico e do intellectual --- sublima-se em espiritualidade, ajoelhando-se deante dos altares, ou de mãos postas para as alturas ou de pensamento voltado para o sobre-natural, num anseio de aperfeiçoamento moral, num approximar manso e suave do grande ideal de Perfeição que é Deus!

A sociedade, pois, é um facto natural. Como deduzimos, também, contrariamente de Rousseau, que Ella não pode ser expressa simplesmente por um numero, porque é de facto formada por grupos que são:

Na ordem patriarchal: a família;

Na ordem educacional: a escola;

Na ordem econômica: o syndicato de classe;

Mello, Olbiano de. Concepção do Estado Integralista, Schmidt-editor, Rio de Janeiro, 1935.

*A grafia original foi mantida.

Você quer saber mais?

http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-172612183-livro-plinio-salgado-concepco-do-estado-integralista-_JM

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Integralismo e a política nacional



Logo do Partido de Representação Popular
Fundado em 1945, com a abertura política, após o fim da ditadura Vargas, o Partido de Representação Popular (P.R.P) foi o primeiro partido político brasileiro a nível nacional. O Partido de Representação Popular foi também o primeiro partido brasileiro que apresentou a Nação um manifesto, declarando como pretende governar e consultou a vontade livre de seus adeptos quanto a escolha do futuro presidente da República. Plínio Salgado concorreu à presidência da República nas eleições de 1955, pelo P.R.P. Plínio Salgado não venceu, mas os votos do P.R.P eram ideológicos, e além de serem essenciais para a vitória de Juscelino Kubitschek, mostraram a força do integralismo. Plínio Salgado se elegeu como Deputado Federal em todas as eleições que concorreu desde então. Infelizmente , em 1965, com a ditadura militar, a maior estrutura integralista em atividade, o Partido de

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A complexa questão do cânone

King James, a versão protestante mais usada no mundo.

Imagine-se na situação de um líder da Sociedade Bíblica num país como a Turquia, com a tarefa de publicar uma nova tradução da Bíblia que possa ser aceita por evangélicos, pela Igreja Católica Romana, e pelas várias igrejas da tradição ortodoxa, entre elas a Igreja Ortodoxa Grega. O que você faria? Como é sabido, esses três grupos de cristãos não publicam a Bíblia com a mesma configuração ou o mesmo número de livros, especialmente no que diz respeito ao Antigo Testamento. Uma saída fácil seria dizer: Publique-se uma Bíblia para cada confissão ou igreja! No entanto, os cristãos são minoria absoluta na Turquia, formando um por cento da população. Três edições diferentes da Bíblia seriam inviáveis, do ponto de vista econômico. O que fazer?

Um consultor de traduções das Sociedades Bíblicas Unidas encontrou uma solução, em diálogo com as igrejas envolvidas e, por fim, com a concordância delas. A primeira decisão foi colocar os livros que os protestantes chamam de apócrifos e que os católicos denominam de deuterocanônicos (Tobias, Sabedoria, Judite etc.) numa seção à parte, entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Tal procedimento, que já havia sido adotado por Martinho Lutero, no século 16, é aceitável à Igreja Católica Romana, em se tratando de edições interconfessionais. Há um documento, assinado conjuntamente pelas Sociedades Bíblicas Unidas e o Vaticano, datado de 1987, que trata dessa questão. Mas o que fazer com aqueles livros a mais, fora da lista dos apócrifos, que são aceitos apenas pelas igrejas ortodoxas? Sim, livros como 3Macabeus, 4Macabeus, e um salmo adicional, o Salmo 151?

A solução encontrada foi colocá-los na mesma seção de livros entre os dois testamentos, só que depois daqueles que são aceitos tanto livros ficou assim: Tobias, Judite, Ester (grego), Sabedoria, Siraque, Baruque, Carta de Jeremias,A oração de Azarias e o Cântico dos três jovens, 3Macabeus, 1Esdras (3Esdras, na Vulgata), 4Esdras, A oração de Manassés, Salmo 151, 4Macabeus. A colocação dos livros apócrifos num bloco à parte é aceitável a (muitos) protestantes; a colocação de livros como Tobias, Judite, Sabedoria, Siraque no topo da lista agrada a católicos-romanos; e a inclusão de outros livros, ainda que ao final, atende aos anseios das igrejas ortodoxas. E, na prática, cada igreja lê os livros que quiser. Claro, tal solução para um problema bem concreto num país de maioria muçulmana e minoria cristã seria totalmente inaceitável para, quem sabe, a maioria dos evangélicos no Brasil. Mas ela coloca diante de nossos olhos a complexa questão do cânone.

A história dos cânones

Em se tratando de cânone, existem duas histórias que precisam ser contadas: a do cânone do Antigo Testamento, e a do cânone do Novo Testamento. O cânone do Novo Testamento é, de modo geral, o mesmo em todas as denominações cristãs: são aqueles 27 livros e ponto final. Mas, no caso do Antigo Testamento, as opiniões se dividem. Num certo sentido, é chocante ver que os cristãos não conseguem concordar quanto à extensão da Bíblia, especialmente do Antigo Testamento. Por que isso é assim? Essencialmente, porque a própria Bíblia não fecha esta questão. Ela não nos dá a extensão do cânone. E porque a Bíblia não define essa questão, quem aceita o princípio do “somente a Escritura” precisa conviver com essa indefinição. Para quem aceita a autoridade de concílios, como é o caso da Igreja Católica Romana, a questão está definida, pelo menos desde o Concílio de Trento, em 1546. Para quem se norteia pela Confissão de Westminster, de 1647, a questão também está resolvida, na medida em que essa confissão cita os livros aceitos como canônicos, e que são os livros que hoje, de modo geral, aparecem em todas as edições protestantes da Bíblia. Outros evangélicos, quando perguntados sobre a extensão do cânone, só podem responder que “os livros canônicos são os livros inspirados por Deus, e que os livros inspirados por Deus são os livros canônicos”. Eles se abstêm de serem mais específicos, porque a Bíblia silencia a respeito dessa questão.

Bíblia do Peregrino, uma versão católica muito usada na atualidade

Se a Bíblia não define a questão, uma alternativa é aceitar o que tem sido a prática das igrejas, ou, então, da igreja em que se é membro. O cânone que se aceita é o cânone usado na igreja. Na realidade, foi isso que aconteceu ao longo da história do povo de Deus. Quando pessoas e concílios se pronunciaram, em geral ratificaram o que vinha sendo a prática da igreja em sua vida de culto. Se a Escritura não delimita o cânone, e os concílios e teólogos não são suficientes para suprir essa “lacuna”, quem Poderia nos auxiliar nessa questão? Em outras palavras, se o cânone não é uma questão de doutrina, o que seria então? Normalmente, afirma-se que o cânone é uma questão histórica. Em outras palavras, olha-se para a história em busca de alguma pista ou orientação. No entanto, ao fazermos uma investigação histórica, temos mais perguntas do que respostas. Temos algumas supostas verdades que não passam de hipóteses. Outras respostas que vêm da história são incompletas ou incertas. Existem fatos que ainda não conhecemos.

Vejamos alguns exemplos. Geralmente se afirma que a canonização do Antigo Testamento se deu conforme as três divisões da Bíblia Hebraica. Em outras palavras, a primeira parte a ser reconhecida como canônica teria sido a Lei ou o Pentateuco, seguida dos Profetas e dos Escritos. Segundo essa teoria, Daniel e Crônicas, que, na Bíblia Hebraica, fazem parte dos Escritos, teriam sido “canonizados” num período mais

recente ou próximo a nós. No entanto, isto não passa de hipótese. Não há nenhum registro histórico de que isso tenha, de fato, acontecido assim. Em busca de uma pista, muitos olham para a comunidade essênia dos arredores de Qumran e para os manuscritos que ali foram descobertos entre 1947 e 1956.

No entanto, aquela comunidade judaica dissidente não nos deixou nenhuma declaração a respeito dos livros que eram considerados sagrados. Entre os manuscritos ou rolos do mar Morto, como vieram a ser conhecidos, foram encontrados fragmentos de Tobias, que é um livro apócrifo ou deuterocanônico, e também dos livros de Enoque e de Jubileus, entre outros, que não fazem parte de nenhum cânone bíblico hoje em dia.Significa isto que esses livros eram, também, vistos como canônicos? Não temos uma resposta, embora tudo indique que os essênios tinham essencialmente o mesmo cânone dos fariseus e saduceus, ou seja, o cânone da Bíblia Hebraica, que é, também, o cânone protestante.

Os livros deuterocanônicos

Por vezes também se afirma ou se dá a entender que os livros apócrifos ou deuterocanônicos, escritos originalmente em grego ou preservados em tradução grega, faziam parte de um cânone dos judeus de Alexandria, que falavam grego. Alexandria, é bom lembrar, foi o contexto em que surgiu a Septuaginta ou tradução grega do Antigo Testamento.

No entanto, não se tem notícia concreta de que os judeus de Alexandria tivessem um cânone mais amplo do que a Bíblia Hebraica. O simples fato de que a Septuaginta acabou tendo um grupo adicional de livros, que não fazem parte da Bíblia Hebraica, não significa que essa já era a situação verificada na comunidade judaica. Filo de Alexandria, um filósofo judeu que viveu mais ou menos na mesma época do apóstolo Paulo, não dá indícios de que aceitasse a autoridade dos livros que denominamos de apócrifos. Às vezes se pensa que os Pais da Igreja eram todos ardorosos defensores dos apócrifos ou deuterocanônicos. É verdade que homens como Orígenes, Atanásio e Jerônimo conheciam os apócrifos. No entanto, também é verdade que faziam distinção entre os canônicos e os apócrifos, mesmo que não fizessem campanha em prol da supressão dos apócrifos. Atanásio pensava que estes livros não faziam parte do cânone, mas que foram indicados, desde os tempos antigos, como leitura para recém-convertidos que, nas palavras de Atanásio, “querem ser instruídos na religião verdadeira”.

Capa de uma versão ortodoxa.

A maioria dos eruditos das igrejas ortodoxas (orientais) segue Atanásio, colocando os livros que a Septuaginta tem a mais em relação à Bíblia Hebraica num nível inferior de autoridade. Jerônimo, que prezava aquilo que chamou de veritas hebraica (“verdade hebraica”), traduziu o Antigo Testamento do original hebraico. No entanto, isto não Significou que ele deu início a uma “cruzada” contra os apócrifos. Entendia que esses livros podiam ser lidos para a edificação do povo, embora não devessem ser usados para estabelecer doutrinas ou dogmas eclesiásticos. Outro dado pouco conhecido é que, durante a Idade Média, mesmo no Ocidente, houve teólogos que sustentavam o ponto de vista de Jerônimo, ou seja, faziam distinção entre livros canônicos e outros livros. Isto significa que Lutero não tirou essa distinção do ar. O cardeal Cajetano, encarregado pelas autoridades de Roma a dialogar com Lutero, pensava exatamente como Jerônimo.

É verdade que Lutero colocou os apócrifos numa seção à parte, depois de Malaquias e antes de Mateus. Mas Lutero não foi o único a fazer isso. A Bíblia de Genebra, de 1560, tradução feita por teólogos reformados que se haviam refugiado em Genebra, era idêntica à Bíblia de Lutero, na questão dos apócrifos. Mas, a exemplo de Lutero, os editores deixaram claro que esses livros não podiam ser usados para confirmar doutrina.

A renomada tradução inglesa conhecida como King James Version, de 1611, incluía os apócrifos. Na época, o arcebispo de Cantuária proibiu a publicação e venda de Bíblias sem os apócrifos. A pena prevista para os infratores era um ano de prisão. Depois, é claro, os apócrifos foram tirados da King James. E que dizer da famosa Bíblia de Mary Jones, a menina galesa que inspirou o movimento das Sociedades Bíblicas? Essa Bíblia que Mary Jones adquiriu com tanto sacrifício foi preservada. E ela traz os apócrifos, pois a assinatura de Mary Jones aparece na última página dos livros de Macabeus. Aliás, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, fundada em 1804, só deixou de publicar Bíblias com os apócrifos em 1826, ou seja, 22 anos depois de sua fundação. Já a Bíblia de Almeida, que teve o Antigo Testamento publicado em 1748 (o Novo Testamento havia sido lançado em 1681), nunca incluía os apócrifos.

Ler para conhecer

Com respeito aos apócrifos, muitos preferem a atitude do “não li e não gostei”. Uma maior disponibilidade e familiaridade com esses livros poderiam ajudar o leitor a avaliar esses textos e, quem sabe, ter uma compreensão mais adequada das questões envolvidas na delimitação do cânone do Antigo Testamento. Nesse sentido, é interessante uma página da vida de John Bunyan, o famoso autor de O Peregrino. Por volta de 1652, num tempo de profunda depressão, Bunyan encontrou consolo num texto que lhe veio à mente: “Pensem nas gerações passadas e reparem bem: Será que alguém que confiou no Senhor ficou desiludido?” Passada a crise, Bunyan não conseguia se lembrar de onde vinha esse texto, não conseguiu localizá-lo em sua Bíblia, e não houve quem pudesse lhe indicar a referência. Um ano depois, ele escreve: “Voltando meus olhos para os apócrifos, encontrei o texto em Siraque (ou Eclesiástico) 2.10.

A princípio, isto me deixou um pouco perplexo, pois não fazia parte dos textos que chamamos de santos e canônicos; entretanto, como essa frase era o resumo e conteúdo de muitas das promessas, era meu dever tirar consolo dela. E eu agradeço a Deus por essa palavra, pois foi boa para mim”. Em conclusão, cabe relembrar que, em se tratando do cânone do Antigo Testamento, a diferença entre católicos e protestantes se explica pelo fato de terem os protestantes, no tempo da Reforma do século 16, entendido que os livros canônicos eram, a rigor, os que estavam na Bíblia Hebraica. Em resposta, a Igreja Católica Romana canonizou livros que tinham aceitação na igreja desde tempos antigos. Esta é a situação que, provavelmente, permanecerá inalterada no futuro próximo. Entretanto, também precisa ser dito que a diferença fundamental entre as confissões religiosas ou igrejas não reside no cânone.

As reais diferenças decorrem de interpretações divergentes de textos que, sem sombra de dúvida, são canônicos, como, por exemplo, Mateus 16.18, as palavras da instituição da ceia do Senhor, e textos que tratam da relação entre fé e obras. Além disso, por mais importante que seja a questão do cânone, a pergunta fundamental ainda é a do próprio Jesus, em Mateus 16.15: “Quem vocês dizem que eu sou?” Esta pergunta não pode ficar sem resposta. As perguntas mais complexas relacionadas com o cânone podem ficar para depois, para o dia em que, como diz Paulo em 1Coríntios 13.12, “veremos face a face” e “conheceremos perfeitamente”.

Vilson Scholz. Consultor de Traduçaõ da Sociedade Bíblica do Brasil, doutor em Novo Testamento, pastor e professor de Teologia Exegética.

Você quer saber mais?

Revista A Bíblia no Brasil, n°229, Dezembro de 2010 - pg. 20,21 e 22, SBB.

Bíblia Protestante online.

http://www.bibliaonline.com.br/

Bíblia Católica online.

http://www.bibliacatolica.com.br/

Bíblia Ortodoxa online

http://www.bibliaortodoxa.ro/

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Reestruturação do integralismo no pós-guerra.

Em 1945, com a abertura política, ressurge uma organização integralista, embora não confessional naquela época, com o nome de Partido da Representação Popular (PRP). O Integralismo que prevaleceu com o PRP, foi mesmo o que era o da imensa maioria de seus adeptos – principalmente das cidades interioranas – baseado na doutrina espiritualista de Plínio Salgado.

A reestruturação do integralismo no pós-guerra também representou um rompimento com o determinismo em relação aos judeus, tristemente comum na sociedade brasileira da década de 1930, e especialmente presente em alguns das centenas de escritos de Gustavo Dodt Barroso, líder integralista, que abandonou a militância em 1946.

Tal tema controverso, o “anti-semitismo de Gustavo Barroso”, não é abordado aqui. Em cerca de 500 documentos escritos por Oswaldo Tagliavini, entre os anos de 1939 e 2004, consultados para a realização da obra “O Integralismo na cidade de Matão”, não há uma citação se quer à etnia judaica. O que nos mostra a relevância desse tema para os integralistas da época.

Você quer saber mais?

Ferreira, Marcus. O Integralismo na cidade de Matão: Oswaldo Tagliavini e sua máquina de fazer idéias, Rio de Janeiro, 2006.

Pompêo, A. Porque é que sou Integralista, Empresa Grafhica “Revista dos Tribunaes, São Paulo, 1935.

Salgado, Plínio. O Integralismo Perante A Nação, Livraria Clássica Brasileira, Rio de Janeiro, 1950.

O Integralismo e a Educação" - Rio de Janeiro - Livraria Clássica Brasileira/Edições GRD - s/data - 217 págs. - "Enciclopédia do Integralismo" - Vol.IX.