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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Concepção do Estado Integralista - Summario: Na matéria, nos seres vivos, na sociedade.

Imagem do livro Harmonice Mundi onde Kepler associou os movimentos planetários às escalas musicais.

*A grafia original foi mantida.

1.° - Na Materia. – A concepção mechanica da unidade das forças physicas, após a descoberta do ether, firmou definitivamente que na natureza tudo é movimento, diz que, si pudéssemos nos transportar para um determinado ponto de um raio solar e perceber o que alli realmente se passa, nada mais constataríamos – sinão uma vibração, infinitamente raida e infinitamente reduzida, de uma partícula do ether.

Objectivamente verifica-se que é destas vibrações que surgem para o ser vivo as diversas manifestações sensoriaes. Si essas vibrações do raio solar incidem sobre uma retina, eis uma sensação de luz; si sobre uma parte do organismo animal onde afloram terminações nervosas, typadas num sentido thermico, eis uma sensação de calor. Si sobre uma placa photographica eis, ainda, uma reacção chimica. Vê-se assim do exposto, um mesmo raio apparecido, como agente de luz ou de calor, por vezes promovendo uma mudança molecular da matéria. Deduz-se também que, em ultima analyse, o que houve, no caso em apreço, foram modificações diversas oriundas das differentes occurrencias de um mesmo agente physico em campos por sua vez diversos. Não se afastou, pois, de um phenomeno vibratório do ether. Da movimentação de um fluido imponderável. Si, porém, as differentes manifestações do ether se dão graças ao movimento, estará a de força. Força e movimento, eis os dois termos que condicionam a existência do mundo objectivo.

Si partimos, também da concepção do Universo, deste aos diversos systemas planetários, destes a um dos seus centros de gravitação, deste aos planetas que compõem cada systema, destes á Terra que habitamos, desta ao ser vivo, deste á matéria e ainda á molécula ou ao átomo – haverá sempre a lógica como o experimentalismo scientifico de encontrar esses dois agentes – Força e Movimento – condicionando o equilíbrio dos mundos e da vida atravéz de uma perfeita harmonização de contrários.

Dest’artes, á margem de uma unidade das forças physicas, silhuetam-se as diversas differenciaes que possibilizam o principio de universalidade eterna da ordem quer nos macro-organismos, como nos micro-organismos. Do universo, que para a Thermo-dynamica é um campo fechado, isto é, d’onde não fugirá nenhuma unidade calorífica da que nelle sempre existiu, descermos por todas as escalas inferiores até ao átomo , verificaremos igualmente que a todo o complexo formado por tantos organismos heterogêneos preside uma mesma e idêntica ordem de ser, resultante de uma harmonização natural de forças contrarias.

Tomemos dois systemas: o solar e o atômico. N’aquelle deparar-nos-á Kepler, depois de cinco annos de meticulosas observações, aperfeiçoando a explicação scientifica que Copernico lhe dera, constatando que os diversoso planetas descrevem ellpses em torno do sol e não círculos. Firmou-se desde então que os diversos planetas e alguns com os seus satellites, como a serie de planetóides que se situam entre Marte e Jupiter – que todos ( Mercurio, Venus, Terra, Marte, Jupiter, Saturno, Urano, Neptuno e Plutão) percorrem, cada qual, as suas trajectorias ellipsoides próprias, sempre na mesma direcção, sem choques, realizando-se todo o equilíbrio do systema sob o sygno duma differencial que é achada como a relação dos differentes movimentos das partes que compõem o todo. Neste, no atômico, subjetivamente seremos levados á mesma conepção do equilíbrio que para o primeiro. Hoje assente está, pela physica, que o átomo é um micro-systema de força contrarias em equilíbrio, girando em torno de um mesmo centro de gravitação. Forças anions e forças cathions gravitando cada partícula de ether, negativa ou positiva, em torno do núcleo-atomico.

Resumindo, pois, podemos affirmar que a vida só será possibilizada dentro de um equilíbrio de forças em movimento continuo e perpetuo.

2.° - No ser vivo. – A vida que para Bichat era morte, não poderá ser tão simples e paradoxalmente encarada. O organismo animal (racional ou não) para o chimico não passa de um constante e perfeito laboratório onde se verificam, de instante a instante, reacções de todos os jaezes. Para o physico, porém, a concepção da vida já se dilata para uma explicação do facto mais ampla, porque, para elle essas reacções são filhas do movimento, de forças cynergeticas, de compensações rythmicas da energia desenvolvida pela combustão dos diversos materiaes que reagem, como agentes chimicos, no meio interno. Já aqui apparece o elemento energia-força, o que equivale a dizer um systema de movimento. Por outro lado o biologista que não olha o phenomeno vital como uma simples reacção chimica, nem tão pouco como um jogo de forças – appella para uma e outra sciencia e com facilidade affirma, sem unilaterismo, que a vida resulta do equilíbrio de dois systemas de forças contrarias: as que incidem num sentido negativo de fora para dentro, num sentido do meio exterior, contra o campo fechado, sob o ponto de vista thermo-dynamico que é o animal e ao que de dentro, para fora do meio multicellular, em franco metabolismo, conflictam –se com aquellas na defesa da existência do organismo em questão. Estamos ainda aqui diante uma unidade de forças chimicas; como de um systema de equilíbrio de forças ou de uma harmonização de contrários.

A resultante do conflicto destas forças em direcção positiva (vegetativas), umas e outras em direcção negativa (destructivas), é a vida.

Porque, a saúde do corpo vivo só existirá até o momento em que não houver predomínio de um desses jogos de forças sobre o outro. Rompido o equilíbrio do systema surge a doença. Não restabelecido mais como finalidade do plano inclinado que será formado pelo quadro patlhologico próprio: a morte.

Resumindo, pois, podemos affirmar que a vida só será possibilizada dentro de um equilíbrio de forças em movimento continuo e perpetuo.

Foi da necessidade de um habitat intermediário em que podia viver a Familia e a impossibilidade de aproveitamento da grandeza territorial onde vive a Humanidade que nasceu a idéa de Patria

3.° - Na sociedade. - Antes de examinarmos a sociedade á luz dos pincipios de que nos temos servido até aqui para a comprehensão da matéria inorgânica, como da orgânica, procuremos saber si a sociedade humana (já que não entram nas cogitações deste ensaio as formadas pelos seres irracionaes) é ou não um facto natural.

Para a philosophia materialista, começando por Hobbes que proclamou que o estado natural é o estado de guerra (Homo lupus) e terminando em Karl Marx que affirmou ser o estado natural uma eterna lucta de classes – (Homo homini economicus) - á, sociedade nega-se a condição formalista, isto é, de uma coordenação de vontades visionando o bem commum para se lhe conceder tão somente a condição de multidão. E Rousseau proclamando, por sua vez, que o homem nasce bom, mas que a sociedade é quem o torna mau, não só reaffirmou todo levianthanismo de Hobbes como, doutrinariamente,influiu poderosamente para plasmar, na declaração dos Direitos da Revolução Franceza, os seguintes preceitos de direito publico que erradamente haviam de vazar todo o século XIX e ainda se apresentar para muita gente, nos nossos dias, como dogmas infalliveis:

a) – As pessoas e os bens de cada um só podem ser protegidos por uma sociedade resultante de um pacto social;

b) – Os cidadãos associados alienam parte dos seus direitos, espontaneamente, arcando com certos deveres a bem dos interesses de todos;

c) – Os cidadãos em conjuncto e que são a própria sociedade, não podendo totalitariamente exercer o governo da communhão, escolhem aquelles que deverão ser os seus mandatários no Poder Publico;

d) – D’aqui decorre o conceito de soberania popular. Mas como na pratica não se pode nunca conseguir a unanimidade dos cidadãos na escolha dos dirigentes – espouso-se os princípios de maioria – e como conseqüência:

1.° – O systema de voto por suffragio universal;

2.° – O pluripartidarismo político;

3.° – A soberania do numero, do homem e do povo substituindo a soberania de Deus. Ou simplificando: o poder não vem por inspiração de Deus aos homens, mas parte e se origina tão unicamente da vontade destes.

Como conseqüência ainda:

1.° – O Estado Leigo (agnosticismo)

2.° – A luta dos partidos (liberalismo político).

Entretanto, tudo isso é falso. Falso o ponto de partida escolhido por Hobbes, com por Rousseau ou Marx. Logicamente falsa toda a estructuração político-social que se originou de uma tal philosophia. Falso porque a sociedade é um facto natural. E’ um facto natural, argumenta, sem sophisma e com a verdade, Sortais, porque Ella é da própria natureza do homem. E sinão bastassem o facto da criança “ser incapaz de subsistir e, por si mesma, conseguir a educação physica, intellectual e moral durante um lingo período de sua vida; o instincto de sympathia pelos semelhantes e a faculdade de fallar – bastaria se attentar que o homem foi levado a constituir uma família e mais que Ella uma sociedade devido a uma dupla tendência natural e irresistivel. O instincto de conservar o próprio ser e o de desenvolve-lo o mais possível. Foi a necessidade de segurança para o exercício dos seus direitos e a necessidade de progresso material, intellectual e moral que o levaram a viver em sociedade”. D’ahi nasceu a Familia, nasceu a Escola, nasceu a União de classe, nasceram a diversas crenças religiosas que na ordem natural se silhuetam pelos diversos templos onde o homem, elevando-se em espiritualidade, ajoelhando-se dente dos altares, ou de mãos postas para as alturas ou de pensamento voltado para o sobre-natural, num anseio de aperfeiçoamento moral, num approximar manso e suave do grande ideal de Perfeição que é Deus!

A sociedade, pois, é um facto natural. Como deduzimos, também, contrariamente de Rousseau, que Ella não pode ser expressa simplesmente por um numero, porque é de facto formada por grupos que são: Na ordem patriarcal: a família; Na ordem educacional: a escola; Na ordem econômica: o syndicato de classe; Na ordem moral: o espírito de crença de cada um dos seus membros numa existência sobrenatural.

Ainda três ordens de forças agindo para o condicionamento da dynamica social e que são decorrentes da própria natureza do homem nos seu tríplice desdobramento como simples unidade biológica, como unidade affectiva e como unidade espiritual. Desse tríplice fácies com que realmente se apresenta a pessoa humana há de apparecer, forçosamente, no seio do conglomerado humano, de forças sociaes que são:

a) - forças de ordem econômica;

b) - as forças de ordem intellectual;

c) – as forças de ordem moral;

E, si nos servimos dos mesmos princípios que nos deram a razão de ser da matéria bruta, do organismo vivo e saltamos para o campo onde pontifica um sciencia social, plasmada nos postulados de uma sadia philosophia espiritualista –mais uma vez concluiremos que o principio de harmonização das forças que preside a ordem universal, e em particular a dos soes, a dos planetas, a da vida, a do átomo, ainda se imporá como condição primordial ao equilíbrio social, á própria vida da sociedade.

Vimos o absurdo da philosophia (individualista) em definir a sociedade como um numero. Quantitamente.

A philosophia racionalista nada mais fez que chumbar o homem no plano social como o centro deste pequeno systema de forças que em socilogia se chama sociedade. Para o encyclopedismo dos fins do século XVIII, como para toda a estructuração jurídico-social do século seguinte, do individuo saltava-se para a Humanidade com uma parada forçada e a contra gosto na Idéa vazia e abstrata de nacionalidade. Daqui firmou-se ainda outro absurdo sociologista: a negação da idéa de Patria. Quando a razão natural indica que si a Familia nasceu de uma necessidade para a conservação e transmissão da própria vida - o homem de principio percebeu que ella era, todavia, um campo muito limitado para assegurar com perfeição a sua existencia e a da sua prole. Olhou para fora do âmbito patriarchal e enxergou a Terra. Viu a Humanidade. E de relance percebeu, também, que a Terra como a Humanidade que a habitava, era um campo geographico e social por demais illimitado para nelle actuar no sentido de preservar-se a si mesmo e a sua família. Saltou-lhe deante dos olhos a necessidade premete de um âmbito intermediário. Nem tão limitado como o da Familia, nem tão illimitado como o da Humanidade. Possibilizou um meio razoável. Foi da necessidade de um habitat intermediário em que podia viver a Familia e a impossibilidade de aproveitamento da grandeza territorial onde vive a Humanidade que nasceu a idéa de Patria.

E tão imperiosa foi esta necessidade, tão premente esta verdade, que o homem desde que appareceu sobre a Terra nada mais tem feito do que criar Patrias. Fundar nacionalidades. Traças as cartas geographicas dos diversos paizes. Pacificamente ou de armas na mão. Donde pois, ainda, uma philosophia espiritualista partindo da pessoa humana, seguindo para a Familia, prolongando-se na Escola, tangenciando no Syndicato de Classe, affirmar a idéa de Patria para depois abranger a de Humanidade e zenithar-se por fim no sobre-natural em procura de um Ente Supremo, d’onde tudo vem e onde tudo acaba, como a ultima e verdadeira unidade de ordem que preside o equilíbrio da vida e do mundo.

A philosophia espiritualista, pois, affirma o Homem Integral, isto, é, o homem matéria, o homem-sentimento, o homem-razão. Affirma todas as forças que promanam desta tríplice natureza: forças Moraes, intellectuaes e materiaes. Affirma a Patria Integral, a Nação Integral. Não mais uma multidão, como numero. Mas sub-dividida em grupos de natureza diversa, correspondentes cada qual ás três tendências que se manifestam sempre como característico que se manifestam sempre como característico da própria natureza humana. Forças econômicas, traduzidas pela necessidde de agglutinação do homem com outro homem com outro homem dentro de uma associação de classe (o syndicato) quando exercendo uma mesma profissão para defesa dos interesses communs; forças intellectuaes, traduzidas pela necessidade de órgãos de educação publica que possam permittir o desenvolvimento das artes e das sciencias – as escolas ( a Universidade); forças moraes que são traduzidas pelo cuidadeo que é posto na criação e manutenção da família, dentro de verdadeiros princípios Moraes que só podem ser bebidos na fonte dadivosa e perenne das religiões verdadeiras ou não, mas todas boas porque todas ellas demandam Deus.

Do exposto poderemos concluir que, também, para os diversos grupos sociaes acima descriptos, como para a somma de todos que nada é mais que a Nação, como para a própria Humanidade que é todo o aggregado de raças e nacionalidades – necessário se torna um perfeito equilíbrio de forças já agora não somente de ordem physica, mas também uma complexidade crescente de ordem econômica, cultural e moral. Pois que, rompido o equilíbrio que preside o sentido patriarchal da família, eis a sua destruição; destruída esta, eis a dissolução dos costumes, o anarchismo na sociedade, a hypertrophia de grupos econômicos em detrimento da existência digna de outras classes profissionaes; eis todo o systema social, pois, em pânico; e por fim rompido o equilíbrio que deve presidir as relações de povo com outro povo, de nações com outras nações – eis toda a ordem internacional interrompida. Consequentemente: no primeiro caso (para a Familia) a anarchia do costumes; no segundo, que será uma conseqüência do desequilíbrio anterior, as revoluções; no terceiro caso, as guerras.

Particularmente para a sociedade interfere, quando deixou de haver o equlibrio necessário para o status em que vivia, o phenomeno revolucionário. A sociedade adoece. Ou reage, e se salva. Ou fallece domindad por uma mais forte. D’onde a philosophia espiritualista ainda não condemnar o phenomeno revolucionário, todas as vezes que elle se apresentar como uma necessidade imperiosa e indispensável como garantia da continuação da existência das Nações em situações taes.

Encaremos, pois, já que fomos levados a isso, si uma revolução é ou não justificável perante os princípios finalistas de uma philosophia christã. Tentaremos em seguida expor a Theoria da Revolução.

Você quer saber mais?

MELLO, Olbiano de. Concepção do Estado Integralista, Rio de Janeiro: Schmidt-editor ,1935, pp. 7-21.

http://construindohistoriahoje.blogspot.com/search/label/INTEGRALISMO


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quer comprar uma vírgula?

Uma vírgula? – perguntei eu, pasmo. E ele completou:

__Sim, uma vírgula para que continue a escrever seus textos, pois um homem sem vírgulas é um homem sem história.

A partir desse momento, meus olhos se abriram. Descobri que sempre usara a teoria dos pontos finais em minha história e não a teoria das vírgulas. Alguém me frustrava? Eliminava-o, colocava um ponto final no relacionamento. Alguém me feria? Anulava-o. Enfrentava um obstáculo? Mudava de trajetória. Meu projeto estava com problemas? Substituía-o. Sofria uma perda? Virava as costas.

Eu era um professor-doutor que usava os livros dos outros em minhas teses, mas não sabia escrever o livro da minha existência. Meus textos eram descontínuos. Quem elimina todos ao seu redor um dia será implacável consigo mesmo. E esse dia chegara. Mas infelizmente encontrei esse enigmático homem e entendi que é possível conviver, sem vírgulas, com cachorros, gatos e até com cobras, mas não com humanos. Frustrações, decepções, traições, injúrias, conflitos fazem parte do nosso cardápio existencial, pelo menos do meu e de quem conheço. E as vírgulas são imprescindíveis.

Eu vivia confortavelmente no anfiteatro da sala de aula e nos aposentos do meu pequeno apartamento, pago com meu mirrado salário de professor. Assim, eu, um especialista em Marx, uma socialista que sempre criticava a burguesia e exaltava os miseráveis da sociedade, passei a sentir na pele a dor da miserabilidade.

Comecei a seguir um vendedor de idéias que não tinha nada, a não ser ele mesmo. Marx ficaria perplexo com esse homem. Nem ele sabia o que era ser um proletário. Era um pensador teórico. Ao segui-lo, percebi que eu era um socialista hipócrita, defendia o que não conhecia. Sai, portanto, das fronteiras da teoria, tornei-me um andarilho no teatro da existência, um pequeno vendedor de vírgulas para os caminhantes libertarem a mente, reescreverem sua história, desenvolverem o pensamento crítico.

Ser zombado, debochado, taxado de maluco, lunático, desvairado, impostor estava entre os riscos menores de participar desse grupo. Os piores? Ser espancado, preso, considerado amotinador social, seqüestrador e terrorista. O preço de vender sonhos numa sociedade que asfixia a mente humana e deixou de sonhar era muito caro.

Mas nada era tão excitante. Os que participavam desse time não conheciam o tédio nem entravam em estado de angústia ou depressão, mas corriam perigos imprevisíveis e se metiam em incríveis confusões. E que confusões!

Você quer saber mais?

Cury, Augusto. O Vendedor de Sonhos: E a Revolução dos Anônimos. Editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2009.

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A História do Fusca

Um modelo KDF

É impossível contar a brilhante trajetória do Fusca sem mencionar duas importantes personalidades que estiveram por trás deste notável projeto desde a sua idealização. Um deles é considerado um gênio da indústria automobilística; o outro foi um dos maiores e mais temíveis ditadores do século XX. Ambos, coincidentemente, austríacos. O ditador atendia pelo nome de Adolf Hitler, o homem que pegou uma Alemanha falida e devastada pela Primeira Guerra Mundial e que conseguiu transformar um país decadente em uma potência mundial, recuperando a auto-estima do povo alemão que acreditou que ele seria o salvador da terras germânicas.

O gênio era Ferdinand Porsche, um engenheiro autodidata que nasceu em Maffersdorf, uma pequena cidade nos confins do Império Austro-Húngaro. Desde jovem, ele já demonstrava uma grande habilidade em mecânica e, quando completou 18 anos foi indicado para uma vaga de trabalho em Viena, na empresa de Bela Egger. Seu talento natural e seus conhecimentos técnicos eram tão grandes que em poucos anos foi promovido ao cargo de diretor de testes e desenvolvimento da empresa.

Enquanto Porsche trabalhava como diretor técnico da Austro-Daimler, fabricante de modelos de luxo nos anos 20, ele começou a desenvolver carros e corrida e a dividir-se entre a função de projetista e de piloto de teste. No ano de 1922 chegou a ganhar algumas corridas com as suas criações.

Mas, o que será que um ditador, um projetista de carros de luxo e o carro mais popular do mundo têm em comum?

No ano de 1934, quando Hitler tomou o poder na Alemanha, ele concebeu a idéia do Volkswagen, que em alemão significa “carro do povo”, inspirado no sucesso que já fazia o Ford T na época. Durante o seu discurso de abertura do Auto Show de Berlim, o ditador declarou que considerava o desenho e a construção do carro do povo como uma medida prioritária para a indústria automobilística alemã. Acrescentou ainda que esse veículo deveria desenvolver velocidade máxima de 100 Km/h, pois as cidades eram distantes. Deveria ser capaz de enfrentar subidas com até 30% de elevação e consumir no máximo 7 litros a cada 100 Km, pois o combustível era caro (o povo não poderia gastar mais de 3 marcos a cada 100 Km). Seria preciso ter espaço para, no mínimo, quatro pessoas, custar, no máximo, 1.000 marcos imperiais e, principalmente, ser refrigerado a ar, porque nem todas as casas alemãs possuíam garagem e, no inverno, a água no radiador certamente congelaria.

E é ai que entra Ferdinand Porsche, na história, pois foi a ele dada a árdua tarefa de desenvolver o projeto do sonhado carro popular. Ele foi escolhido porque, alguns anos antes, em 1931 já morando na Alemanha, havia feito protótipos de carros populares encomendados por dois fabricantes de motocicletas. A proposta, no entanto, continuou sendo uma ilusão para muitos. Um dos críticos da época ironizou: “Um carro para trabalhadores? E por que não uma casa na 5° Avenida de Nova Iorque para cada um?”.

Tempos depois, Hitler tomou conhecimento dos projetos de Porsche e o convidou para dar forma a seu sonho em parceria com o governo alemão. Em junho de 1934 foi assinado um acordo entre a Associação Nacional da Indústria Automobilística Alemã e Ferdinand Porsche. Naquela época, na Alemanha, havia 1 carro para cada 49 pessoas, enquanto que nos Estados Unidos a proporção era de 1 carro para cada 4,5 americanos. Por economia, os protótipos foram montados com ajuda de operários na garagem da casa do próprio Porsche, em Stuttgard.

No dia 10 de outubro de 1936, ficaram prontos os três primeiros protótipos Volkswagen, os Volksauto-série VW-3 que foram testados por 50 mil quilômetros cada um. Os primeiros carros não tinham quebra ventos, nem pára-choques ou vidros traseiros. As portas se abriam ao contrário dos demais modelos mais “modernos”. Já em 1936 o protótipo do Fusca ganhou carroceria com o desenho que o consagrou. A partir de 1938 foi iniciada a construção de uma fábrica em Hannover para produzir algumas unidades do modelo.

A inauguração aconteceu em maio do mesmo ano. A cerimônia nazista foi preparada para marcar o grande feito e entrar para a história, pelo menos era ISS que Hitler esperava, pois ele tinha como objetivo “esmagar os gigantes de Detroit”. Foi então que Ferdinand Porsche sofreu uma grande decepção quando Hitler comunicou que colocaria o nome de KDF Wagen no carro. E este foi a apenas o começo de uma longa história. KDF era abreviação de Kraft Durch Freude, nome escolhido pelo ditador Adolf Hitler, que significava “Força através da Alegria”. Os objetivos de Adolf começavam a ganhar formar.

Em agosto de 1938, durante o discurso no lançamento da pedra fundamental da futura fábrica do Fusca, Hitler declarou:

“Esse carro deve ter o mesmo nome da organização que trabalha arduamente para prover a grande massa de nossa população com alegria e satisfação e, portanto com força. Ele deve ser chamado de KDF Wagen! Eu procedo a colocação desta pedra fundamental em nome do povo alemão! Esta fábrica deverá surgir da força de todo o povo alemão”.

Porsche ficou horrorizado, pois comentou “que nunca iríamos vender um carro com esse nome em outro país”. Mais tarde, tanto o nome da fábrica como o do carro mudariam para Carro do Povo. Os planos para um carro do povo foram muito além de um simples meio de transporte de uso diário. O veículo foi submetido à diversas alterações, o que o tornou um carro de uso misto dentro do exército alemão. Assim foram criados o Kommanderwagen, o Schwimnwagen e o Kulbelwagen. Todos derivados do nosso querido fusquinha. O Kommanderwagen era destinado aos comandantes do exército alemão e outras altas patentes militares. O Schwimnwagen era destinado a terrenos alagados e foi o primeiro “anfíbio” europeu de guerra a ser fabricado em grande quantidade. O Kulbelwagen era uma espécie de jipe alemão da época. Seu peso era tão reduzido que o tornava mai veloz, o que permitia que passasse por cima de minas para detoná-las.

Após a derrota na II Guerra Mundial, a fábrica Wolfsburg ( antiga Fallersleben) ficou praticamente destruída devido aos bombardeios. A área passou a ser ocupada pelos ingleses que, liderados pelo major Ivan Hirst, retomaram a produção dos primeiros Fuscas após o conflito. Os primeiros Fuscas chegaram ao Brasil no final 1950, o primeiro lote desembarcou no porto de Santos. Foram 30 unidades negociadas rapidamente. Daí para frente se tornou uma paixão nacional.

Você quer saber mais?

http://www.kdf-wagen.de/

http://www.volkswagen.de/

http://galerie.cult7.de/index.php/cultseven_gallery/

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Concepção do estado Integralista de Olbiano de Mello – 1935. Conheça esse exemplar raríssimo.

Capa do Livro Concepção do Estado Integralista de Olbiano de Mello

(...) O instincto de conservar o próprio ser e o de desenvolvê-lo o mais possível. Foi a necessidade de segurança para o exercício dos seus direitos e a necessidade de progresso material, intellectual e moral que o levaram a viver em sociedade. D’ahi nasceu a família, nasceu a Escola, nasceu a União de classe, nasceram as diversas crenças religiosas que na ordem natural se dilhuetam pelos diversos templos onde o homem, elevando-se do terreno econômico e do intellectual --- sublima-se em espiritualidade, ajoelhando-se deante dos altares, ou de mãos postas para as alturas ou de pensamento voltado para o sobre-natural, num anseio de aperfeiçoamento moral, num approximar manso e suave do grande ideal de Perfeição que é Deus!

A sociedade, pois, é um facto natural. Como deduzimos, também, contrariamente de Rousseau, que Ella não pode ser expressa simplesmente por um numero, porque é de facto formada por grupos que são:

Na ordem patriarchal: a família;

Na ordem educacional: a escola;

Na ordem econômica: o syndicato de classe;

Mello, Olbiano de. Concepção do Estado Integralista, Schmidt-editor, Rio de Janeiro, 1935.

*A grafia original foi mantida.

Você quer saber mais?

http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-172612183-livro-plinio-salgado-concepco-do-estado-integralista-_JM

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Integralismo e a política nacional



Logo do Partido de Representação Popular
Fundado em 1945, com a abertura política, após o fim da ditadura Vargas, o Partido de Representação Popular (P.R.P) foi o primeiro partido político brasileiro a nível nacional. O Partido de Representação Popular foi também o primeiro partido brasileiro que apresentou a Nação um manifesto, declarando como pretende governar e consultou a vontade livre de seus adeptos quanto a escolha do futuro presidente da República. Plínio Salgado concorreu à presidência da República nas eleições de 1955, pelo P.R.P. Plínio Salgado não venceu, mas os votos do P.R.P eram ideológicos, e além de serem essenciais para a vitória de Juscelino Kubitschek, mostraram a força do integralismo. Plínio Salgado se elegeu como Deputado Federal em todas as eleições que concorreu desde então. Infelizmente , em 1965, com a ditadura militar, a maior estrutura integralista em atividade, o Partido de

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A complexa questão do cânone

King James, a versão protestante mais usada no mundo.

Imagine-se na situação de um líder da Sociedade Bíblica num país como a Turquia, com a tarefa de publicar uma nova tradução da Bíblia que possa ser aceita por evangélicos, pela Igreja Católica Romana, e pelas várias igrejas da tradição ortodoxa, entre elas a Igreja Ortodoxa Grega. O que você faria? Como é sabido, esses três grupos de cristãos não publicam a Bíblia com a mesma configuração ou o mesmo número de livros, especialmente no que diz respeito ao Antigo Testamento. Uma saída fácil seria dizer: Publique-se uma Bíblia para cada confissão ou igreja! No entanto, os cristãos são minoria absoluta na Turquia, formando um por cento da população. Três edições diferentes da Bíblia seriam inviáveis, do ponto de vista econômico. O que fazer?

Um consultor de traduções das Sociedades Bíblicas Unidas encontrou uma solução, em diálogo com as igrejas envolvidas e, por fim, com a concordância delas. A primeira decisão foi colocar os livros que os protestantes chamam de apócrifos e que os católicos denominam de deuterocanônicos (Tobias, Sabedoria, Judite etc.) numa seção à parte, entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Tal procedimento, que já havia sido adotado por Martinho Lutero, no século 16, é aceitável à Igreja Católica Romana, em se tratando de edições interconfessionais. Há um documento, assinado conjuntamente pelas Sociedades Bíblicas Unidas e o Vaticano, datado de 1987, que trata dessa questão. Mas o que fazer com aqueles livros a mais, fora da lista dos apócrifos, que são aceitos apenas pelas igrejas ortodoxas? Sim, livros como 3Macabeus, 4Macabeus, e um salmo adicional, o Salmo 151?

A solução encontrada foi colocá-los na mesma seção de livros entre os dois testamentos, só que depois daqueles que são aceitos tanto livros ficou assim: Tobias, Judite, Ester (grego), Sabedoria, Siraque, Baruque, Carta de Jeremias,A oração de Azarias e o Cântico dos três jovens, 3Macabeus, 1Esdras (3Esdras, na Vulgata), 4Esdras, A oração de Manassés, Salmo 151, 4Macabeus. A colocação dos livros apócrifos num bloco à parte é aceitável a (muitos) protestantes; a colocação de livros como Tobias, Judite, Sabedoria, Siraque no topo da lista agrada a católicos-romanos; e a inclusão de outros livros, ainda que ao final, atende aos anseios das igrejas ortodoxas. E, na prática, cada igreja lê os livros que quiser. Claro, tal solução para um problema bem concreto num país de maioria muçulmana e minoria cristã seria totalmente inaceitável para, quem sabe, a maioria dos evangélicos no Brasil. Mas ela coloca diante de nossos olhos a complexa questão do cânone.

A história dos cânones

Em se tratando de cânone, existem duas histórias que precisam ser contadas: a do cânone do Antigo Testamento, e a do cânone do Novo Testamento. O cânone do Novo Testamento é, de modo geral, o mesmo em todas as denominações cristãs: são aqueles 27 livros e ponto final. Mas, no caso do Antigo Testamento, as opiniões se dividem. Num certo sentido, é chocante ver que os cristãos não conseguem concordar quanto à extensão da Bíblia, especialmente do Antigo Testamento. Por que isso é assim? Essencialmente, porque a própria Bíblia não fecha esta questão. Ela não nos dá a extensão do cânone. E porque a Bíblia não define essa questão, quem aceita o princípio do “somente a Escritura” precisa conviver com essa indefinição. Para quem aceita a autoridade de concílios, como é o caso da Igreja Católica Romana, a questão está definida, pelo menos desde o Concílio de Trento, em 1546. Para quem se norteia pela Confissão de Westminster, de 1647, a questão também está resolvida, na medida em que essa confissão cita os livros aceitos como canônicos, e que são os livros que hoje, de modo geral, aparecem em todas as edições protestantes da Bíblia. Outros evangélicos, quando perguntados sobre a extensão do cânone, só podem responder que “os livros canônicos são os livros inspirados por Deus, e que os livros inspirados por Deus são os livros canônicos”. Eles se abstêm de serem mais específicos, porque a Bíblia silencia a respeito dessa questão.

Bíblia do Peregrino, uma versão católica muito usada na atualidade

Se a Bíblia não define a questão, uma alternativa é aceitar o que tem sido a prática das igrejas, ou, então, da igreja em que se é membro. O cânone que se aceita é o cânone usado na igreja. Na realidade, foi isso que aconteceu ao longo da história do povo de Deus. Quando pessoas e concílios se pronunciaram, em geral ratificaram o que vinha sendo a prática da igreja em sua vida de culto. Se a Escritura não delimita o cânone, e os concílios e teólogos não são suficientes para suprir essa “lacuna”, quem Poderia nos auxiliar nessa questão? Em outras palavras, se o cânone não é uma questão de doutrina, o que seria então? Normalmente, afirma-se que o cânone é uma questão histórica. Em outras palavras, olha-se para a história em busca de alguma pista ou orientação. No entanto, ao fazermos uma investigação histórica, temos mais perguntas do que respostas. Temos algumas supostas verdades que não passam de hipóteses. Outras respostas que vêm da história são incompletas ou incertas. Existem fatos que ainda não conhecemos.

Vejamos alguns exemplos. Geralmente se afirma que a canonização do Antigo Testamento se deu conforme as três divisões da Bíblia Hebraica. Em outras palavras, a primeira parte a ser reconhecida como canônica teria sido a Lei ou o Pentateuco, seguida dos Profetas e dos Escritos. Segundo essa teoria, Daniel e Crônicas, que, na Bíblia Hebraica, fazem parte dos Escritos, teriam sido “canonizados” num período mais

recente ou próximo a nós. No entanto, isto não passa de hipótese. Não há nenhum registro histórico de que isso tenha, de fato, acontecido assim. Em busca de uma pista, muitos olham para a comunidade essênia dos arredores de Qumran e para os manuscritos que ali foram descobertos entre 1947 e 1956.

No entanto, aquela comunidade judaica dissidente não nos deixou nenhuma declaração a respeito dos livros que eram considerados sagrados. Entre os manuscritos ou rolos do mar Morto, como vieram a ser conhecidos, foram encontrados fragmentos de Tobias, que é um livro apócrifo ou deuterocanônico, e também dos livros de Enoque e de Jubileus, entre outros, que não fazem parte de nenhum cânone bíblico hoje em dia.Significa isto que esses livros eram, também, vistos como canônicos? Não temos uma resposta, embora tudo indique que os essênios tinham essencialmente o mesmo cânone dos fariseus e saduceus, ou seja, o cânone da Bíblia Hebraica, que é, também, o cânone protestante.

Os livros deuterocanônicos

Por vezes também se afirma ou se dá a entender que os livros apócrifos ou deuterocanônicos, escritos originalmente em grego ou preservados em tradução grega, faziam parte de um cânone dos judeus de Alexandria, que falavam grego. Alexandria, é bom lembrar, foi o contexto em que surgiu a Septuaginta ou tradução grega do Antigo Testamento.

No entanto, não se tem notícia concreta de que os judeus de Alexandria tivessem um cânone mais amplo do que a Bíblia Hebraica. O simples fato de que a Septuaginta acabou tendo um grupo adicional de livros, que não fazem parte da Bíblia Hebraica, não significa que essa já era a situação verificada na comunidade judaica. Filo de Alexandria, um filósofo judeu que viveu mais ou menos na mesma época do apóstolo Paulo, não dá indícios de que aceitasse a autoridade dos livros que denominamos de apócrifos. Às vezes se pensa que os Pais da Igreja eram todos ardorosos defensores dos apócrifos ou deuterocanônicos. É verdade que homens como Orígenes, Atanásio e Jerônimo conheciam os apócrifos. No entanto, também é verdade que faziam distinção entre os canônicos e os apócrifos, mesmo que não fizessem campanha em prol da supressão dos apócrifos. Atanásio pensava que estes livros não faziam parte do cânone, mas que foram indicados, desde os tempos antigos, como leitura para recém-convertidos que, nas palavras de Atanásio, “querem ser instruídos na religião verdadeira”.

Capa de uma versão ortodoxa.

A maioria dos eruditos das igrejas ortodoxas (orientais) segue Atanásio, colocando os livros que a Septuaginta tem a mais em relação à Bíblia Hebraica num nível inferior de autoridade. Jerônimo, que prezava aquilo que chamou de veritas hebraica (“verdade hebraica”), traduziu o Antigo Testamento do original hebraico. No entanto, isto não Significou que ele deu início a uma “cruzada” contra os apócrifos. Entendia que esses livros podiam ser lidos para a edificação do povo, embora não devessem ser usados para estabelecer doutrinas ou dogmas eclesiásticos. Outro dado pouco conhecido é que, durante a Idade Média, mesmo no Ocidente, houve teólogos que sustentavam o ponto de vista de Jerônimo, ou seja, faziam distinção entre livros canônicos e outros livros. Isto significa que Lutero não tirou essa distinção do ar. O cardeal Cajetano, encarregado pelas autoridades de Roma a dialogar com Lutero, pensava exatamente como Jerônimo.

É verdade que Lutero colocou os apócrifos numa seção à parte, depois de Malaquias e antes de Mateus. Mas Lutero não foi o único a fazer isso. A Bíblia de Genebra, de 1560, tradução feita por teólogos reformados que se haviam refugiado em Genebra, era idêntica à Bíblia de Lutero, na questão dos apócrifos. Mas, a exemplo de Lutero, os editores deixaram claro que esses livros não podiam ser usados para confirmar doutrina.

A renomada tradução inglesa conhecida como King James Version, de 1611, incluía os apócrifos. Na época, o arcebispo de Cantuária proibiu a publicação e venda de Bíblias sem os apócrifos. A pena prevista para os infratores era um ano de prisão. Depois, é claro, os apócrifos foram tirados da King James. E que dizer da famosa Bíblia de Mary Jones, a menina galesa que inspirou o movimento das Sociedades Bíblicas? Essa Bíblia que Mary Jones adquiriu com tanto sacrifício foi preservada. E ela traz os apócrifos, pois a assinatura de Mary Jones aparece na última página dos livros de Macabeus. Aliás, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, fundada em 1804, só deixou de publicar Bíblias com os apócrifos em 1826, ou seja, 22 anos depois de sua fundação. Já a Bíblia de Almeida, que teve o Antigo Testamento publicado em 1748 (o Novo Testamento havia sido lançado em 1681), nunca incluía os apócrifos.

Ler para conhecer

Com respeito aos apócrifos, muitos preferem a atitude do “não li e não gostei”. Uma maior disponibilidade e familiaridade com esses livros poderiam ajudar o leitor a avaliar esses textos e, quem sabe, ter uma compreensão mais adequada das questões envolvidas na delimitação do cânone do Antigo Testamento. Nesse sentido, é interessante uma página da vida de John Bunyan, o famoso autor de O Peregrino. Por volta de 1652, num tempo de profunda depressão, Bunyan encontrou consolo num texto que lhe veio à mente: “Pensem nas gerações passadas e reparem bem: Será que alguém que confiou no Senhor ficou desiludido?” Passada a crise, Bunyan não conseguia se lembrar de onde vinha esse texto, não conseguiu localizá-lo em sua Bíblia, e não houve quem pudesse lhe indicar a referência. Um ano depois, ele escreve: “Voltando meus olhos para os apócrifos, encontrei o texto em Siraque (ou Eclesiástico) 2.10.

A princípio, isto me deixou um pouco perplexo, pois não fazia parte dos textos que chamamos de santos e canônicos; entretanto, como essa frase era o resumo e conteúdo de muitas das promessas, era meu dever tirar consolo dela. E eu agradeço a Deus por essa palavra, pois foi boa para mim”. Em conclusão, cabe relembrar que, em se tratando do cânone do Antigo Testamento, a diferença entre católicos e protestantes se explica pelo fato de terem os protestantes, no tempo da Reforma do século 16, entendido que os livros canônicos eram, a rigor, os que estavam na Bíblia Hebraica. Em resposta, a Igreja Católica Romana canonizou livros que tinham aceitação na igreja desde tempos antigos. Esta é a situação que, provavelmente, permanecerá inalterada no futuro próximo. Entretanto, também precisa ser dito que a diferença fundamental entre as confissões religiosas ou igrejas não reside no cânone.

As reais diferenças decorrem de interpretações divergentes de textos que, sem sombra de dúvida, são canônicos, como, por exemplo, Mateus 16.18, as palavras da instituição da ceia do Senhor, e textos que tratam da relação entre fé e obras. Além disso, por mais importante que seja a questão do cânone, a pergunta fundamental ainda é a do próprio Jesus, em Mateus 16.15: “Quem vocês dizem que eu sou?” Esta pergunta não pode ficar sem resposta. As perguntas mais complexas relacionadas com o cânone podem ficar para depois, para o dia em que, como diz Paulo em 1Coríntios 13.12, “veremos face a face” e “conheceremos perfeitamente”.

Vilson Scholz. Consultor de Traduçaõ da Sociedade Bíblica do Brasil, doutor em Novo Testamento, pastor e professor de Teologia Exegética.

Você quer saber mais?

Revista A Bíblia no Brasil, n°229, Dezembro de 2010 - pg. 20,21 e 22, SBB.

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