Fonte: Grandes Vidas, Grandes Obras – biografias famosas.
Tinha
um dom especial para conseguir que as pessoas falassem dele. Era um homem de
pequena estatura, enfermiço, com uma cabeça demasiado grande em relação ao
corpo; sofria dos nervos e não tolerava sobre a pele qualquer tecido mais áspero
que a seda; as suas ilusões de grandeza convertiam-no num monstro vaidade.
Julgava-se
um dos grandes dramaturgos do mundo, um dos grandes pensadores e um dos maiores
compositores – uma combinação de Shakespeare, Platão e Beethoven. Conversador
terrivelmente fastidioso, passar uma tarde com ele era ouvir durante horas um
interminável monólogo. Algumas vezes revelava certo brilhantismo, mas outras
tornava-se desesperadamente maçador. O seu único tema de conversa era ele próprio.
Queria
ter sempre razão. Se algum dos que o escutavam mostrava o menor desacordo,
ainda que fosse sobre o ponto mais trivial, começava uma arenga que poderia
demorar horas.
Tinha
as suas próprias opiniões sobre qualquer assunto – vegatarismo, drama,
política, música – e para as apoiar escrevia
inúmeros folhetos, cartas e livros que publicava a custa de outros. Como
se isso não bastasse, sentava-se a lê-las à família e aos amigos durante horas.
Também
escreveu óperas. E mal acabava de produzir uma, logo convidava, ou, melhor
ordenava a admiradores e amigos que fossem a sua casa, a fim de lhas ler em voz
alta. Não fazia isto para ouvir críticas, mas apenas para escutar aplausos.
Tocava piano no mau estilo dos compositores e, no entanto, durante as festas
sentava-se ao piano na presença de alguns dos melhores pianistas da época e
tocava e sem descanso... a sal própria música. A voz também deixava muito a
desejar, mas nem por isso se abstinha de convidar para sua casa eminentes cantores
e diante deles interpretar as suas próprias óperas, cantando todos os papéis.
Tinha
a estabilidade emocional de uma criança de seis anos, quando não estava
contente, falava desatinadamente e batia com os pés no chão, ou afundava-se
numa melancolia suicida, falando em partir para o Oriente e acabar os seus dias como monge budista. Dez minutos depois, quando alguma coisa lhe agradava, corria à volta do
jardim da sua casa, altava sobre um sofá ou punha-se de cabeça para baixo. Podia
ficar aniquilado com a morte de um dos seus cães favoritos, mas, apor vezes, a
sua frieza de coração era tal que teria feito tremer um imperador romano.
Faltava-lhe
o sentido das responsabilidades. Nunca lhe veio à ideia que tinha obrigação de
ganhar a vida. Estava convencido de que era o mundo que lhe devia dar-lhe
comida. Pedia dinheiro emprestado a toda a gente, homens, mulheres, amigos e
estranhos. Escrevia inúmeras cartas solicitando empréstimos e chegava a
oferecer ao suposto benfeitor o privilégio de contribuir para o seu sustento,
sentindo-se mortalmente ofendido se aquele declinava uma tal “honra”. Não foi
encontrado qualquer recibo comprovativo de que alguma vez houvesse devolvido
dinheiro aos seus credores, sem que estes tivessem primeiro interposto as
respectivas ações de cobrança de divida.
Qualquer
quantia que lhe chegava ás mãos gastava-a como um rajá indiano. O menor projeto de por em cena uma das suas
óperas bastava para fazê-lo abrir contas que superavam dez vezes mais a quantia
que havia de receber pelos direitos de autor. Embora não tivesse3 o dinheiro
suficiente para pagar a renda da casa, as paredes e os tetos eram forrados de
seda cor-de-rosa. Nunca ninguém saberá, nem ele mesmo chegou, a saber, a
quantidade de dinheiro que devia. O seu maior benfeitor deu-lhe uma ocasião o
equivalente a duzentos mil escudos para pagar os encargos mais urgentes; porém,
um ano mais tarde, teve de enviar-lhe mais o equivalente a quinhentos mil
escudos, a fim de evitar que o seu protegido fosse preso por dividas.
Mas
sobre tudo era sem dúvida um dos melhores dramaturgos da sua época, um dos
maiores pensadores e um dos mais extraordinários gênios musicais que o mundo
conheceu. O mundo, na realidade, devia-lhe o sustento.
Quando
consideramos que escreveu treze óperas e dramas musicais, dos quais onze são
ainda postos em cena e oito figuram sem discussão, ente as melhores obras
músico-dramáticas de sempre, as dividas e as dores de cabeça que fez sofrer aos
outros não nos parecem um preço muito elevado. Um homem que não gostou de ninguém, a não ser
de si próprio, remiu todas as culpas escrevendo Tristão e Isolda. Uns quantos
milhares de dólares de dividas não foram paga demasiado elevada pela sua
tetralogia “O anel de Nibelungo”.
Ao
ouvirmos a sua música não lhe perdoamos o que tenha sido porque não é questão
de perdoar. A única sensação que nos domina é espanto por o seu pobre cérebro e
o seu corpo débil não terem explodido, subjugados pelo tormento da força
criadora que vivia dentre dele, lutando, arranhando, estrebuchando para libertar-se.
Mesmo
para um gênio como Wagner, é quase um milagre ter podido fazer tanta coisa no
pequeno espaço de setenta anos. Por isso não devemos surpreender-nos de que não
tivesse tido tempo para ser um homem.
Referência:
Grandes
Vidas, Grandes Obras – biografias famosas. Reader’s Digest: Lisboa, 1980. Pg. 390-391.
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