Ressentimentos acumulados e inabilidade política transformaram a fase final da Guerra do Paraguai numa carnificina desnecessária
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Novos livros dos historiadores José Murilo de Carvalho e Francisco Doratioto (ambos publicados pela Companhia das Letras) tratam de dois dos principais personagens envolvidos na guerra: o general gaúcho Manoel Luís Osório (1808-1879), tema do estudo de Doratioto, e o próprio Pedro II (1825-1891), analisado por Murilo de Carvalho. Ambos reforçam a idéia de que o massacre poderia ter sido evitado.
Para isso, bastaria que os lados envolvidos na guerra tivessem sensatez e habilidade política para superar os ressentimentos acumulados. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. O conflito, que poderia ter acabado com um acordo razoável para vencedores e derrotados, se prolongaria muito além do necessário. O resultado foi o massacre dos meninos paraguaios.
O Brasil se viu forçado a entrar na guerra pela ambição desmedida do ditador paraguaio. Determinado a forçar uma saída para o Atlântico, Solano López aprisionou um navio brasileiro e invadiu terras brasileiras e argentinas. "Foi uma guerra que o Brasil não queria", afirma Murilo de Carvalho. "Sobretudo porque era feita contra o inimigo errado, o Paraguai, e em parceria com o aliado errado, a Argentina." Com o Paraguai, o Brasil tinha problemas de fronteira, mas os diplomatas brasileiros achavam que tudo poderia se revolver sem guerra. Com a Argentina, ao contrário, a rivalidade era antiga porque envolvia a disputa da estratégica bacia do Prata.
Sem a opção de resolver as diferenças pela via diplomática, restou aos brasileiros defender seus interesses numa guerra que, bem ou mal, ajudaria a delinear a identidade nacional.
Foi um conflito longo e desgastante, em que escravos, pobres e analfabetos, mas também fazendeiros, filhos de famílias nobres e oficiais de carreira, se encontraram pela primeira vez em campo de batalha, ajudando a forjar o sentimento de afinidade entre eles. Antes da guerra, observa Murilo de Carvalho, "nenhum episódio havia unido tantos brasileiros contra um inimigo comum". Os símbolos nacionais foram valorizados. O hino era tocado no embarque das tropas. A bandeira tremulava à frente dos batalhões e nos mastros dos navios.
A guerra começou em 1865 e poderia ter acabado em janeiro de 1869, com a ocupação da capital paraguaia. Essa era, pelo menos, a tese defendida por Luís Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias (1803-1880). Caxias acreditava que a caçada a Solano López era inútil porque, àquela altura, o ditador já não tinha condições de reagir. A única alternativa, portanto, era resolver as divergências na mesa de negociações. Essa posição sensata não prevaleceu por culpa do imperador Pedro II e seu genro, o jovem e inexperiente conde d’Eu (1842-1922), marido da princesa Isabel (1846-1921). Desgastados pela oposição política que a guerra haveria gerado dentro do próprio Brasil, os dois insistiram em capturar López vivo ou morto.
A caçada revelou-se muito mais difícil do que as autoridades imaginavam. O ditador paraguaio foi morto pelas tropas brasileiras em março de 1870, mais de um ano após a ocupação de Assunção, mas o preço pago foi muito além do que o estilo culto e civilizado do imperador recomendava - e, de certa forma, manchou irremediavelmente sua biografia. O perfil humano que o talentoso Doratioto traça do general Osório reforça essa tese. Aos 61 anos, doente e cansado, o gaúcho também acreditava que a guerra estava resolvida depois da tomada de Assunção. Tanto assim que decidiu se retirar para sua cidade, Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, onde pretendia descansar e recuperar a saúde.
A teimosia de Pedro II e do conde d’Eu, no entanto, obrigaram Osório a retornar ao campo de batalha com a perna imobilizada pela doença e o maxilar estilhaçado por um tiro de fuzil. E foi assim, contra sua vontade, que um dos heróis do Exército brasileiro se viu compelido a travar uma batalha insana contra velhos, mulheres e crianças, massacrados depois de enfrentar as tropas aliadas com pedras, tijolos, pedaços de madeira e cacos de vidro na localidade de Peribebuí. Os prisioneiros sobreviventes foram degolados a mando de um enfurecido conde d’Eu. O general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), autor de um clássico de estratégia militar, dizia que "a guerra é a continuação da política por outros meios". Ou seja, só se deve recorrer às armas depois de esgotadas todas as demais alternativas. Infelizmente, essa lição tão simples e tão óbvia não foi seguida em 1869. O resultado, além da carnificina desnecessária, é o ressentimento que até hoje se acumula ao longo da fronteira dos países envolvidos.
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