Caras e caros, começamos hoje, 1 de setembro, terça-feira, aniversário
número 70 do início da Segunda Guerra Mundial, uma sequência de postagens
diárias sobre a guerra e a Argentina, nazistas, neonazistas & congêneres.
Hoje, veremos Perón e os nazistas.
- Na quarta-feira, teremos a peculiar Guia Turístico Nazista de um
importante centro de esqui argentino e o boom de livros que ocorre há anos na
Argentina sobre o Terceiro Reich.
- Na quinta-feira, veremos os neonazistas argentinos que adoram os
strunfs (sim, aqueles simpáticos duendezinhos azuis…eles acreditam que são
arianos) e a história de A.Biondini, o argentino que sonhava ser Führer. Na
virada deste século.
- Na sexta-feira, uma entrevista feita há 10 anos com Wilfred Von Oven,
o secretário de imprensa de Joseph Goebbels. Uma entrevista na qual ele devorou
uma caixa de frutas de caju cristalizada.
- No sábado, breve intervalo para falar de futebol (pelo jogo Brasil
versus Argentina)
E na segunda-feira, mais Segunda Guerra Mundial, com a história do
plano dos EUA para bombardear Buenos Aires…desde o Uruguai.
“A luta de Hitler na paz e na guerra nos
servirá de guia. As alianças serão o primeiro passo. Temos o Paraguai, temos a
Bolívia e o Chile. Com a Argentina, Paraguai, Bolívia e Chile será fácil
pressionar o Uruguai. Logo, os cinco países unidos vão atrair facilmente o
Brasil devido a sua forma de governo e suas grandes comunidades alemãs. Quando
o Brasil cair, o continente americano será nosso”.
A frase, pronunciada pelo general
Juan Domingo Perón em maio de 1943, ilustrava quais eram os projetos do
governo argentino de plantão para o Brasil na época. Nesse momento, a Alemanha
nazista e seus aliados do Eixo estavam no apogeu de seu poderio, dominando a
maioria da Europa, dos Pirineus até as estepes ucranianas, do deserto da África
até os fiordes noruegueses.
Hitler e seus
assessores já pensavam na extensão de seu domínio ou influência na América do
Sul, para distrair as forças dos EUA que começavam à chegar à Europa e
atrapalhavam os planos do Japão no Oceano Pacífico.
Seu instrumento seria Perón, na época secretário de Guerra, e a
eminência parda do poder na Argentina. Perón, que não era nem um pouco tonto,
também utilizou os nazistas como instrumento, e no pós-guerra, serviu-se de
centenas deles, que na Argentina trabalharam em âmbitos variados: desde
técnicos para fábricas militares, físicos nucleares, e até torturadores e
especialistas em propaganda política.
“Duvido que os alemães pensassem
seriamente em uma invasão da América do Sul, mas fizeram o possível para
estimular o surgimento de governos favoráveis ao Reich, de forma a incomodar os
EUA”, afirma o historiador Uki Goñi.
O então
coronel Perón já vinha estabelecendo contatos e colaborações com o Terceiro
Reich desde o início da Segunda Guerra Mundial. Ele liderava o Grupo Oficiales
Unidos (GOU), uma agrupação de oficiais que em 1943 realizaria um golpe de
Estado vitorioso.
Não são tropas
alemãs na frente da Casa Rosada apesar do capacete de estilo prussiano São
tropas argentinas desfilando na frente da Casa Rosada o palácio presidencial
nos anos 40 Esse modelo de capacete perdurou até a segunda metade dos anos 50.
Imagem:
A anterior estadia de Perón na Itália de Mussolini em 1940, sua visita à Paris
ocupada e as multidões frenéticas na Piazza Venezia, deixaram o futuro
presidente argentino inspirado.
“Não diria
que Perón era um nazista”, me explicou o jornalista e historiador
norte-americano-argentino Uki Goñi, autor de “Perón e os alemães”, onde traz à tona uma
série de documentos sobre os vínculos do general argentino com o Terceiro
Reich.
“Neste tema,
as ideologias ou religiões não possuem nenhuma importância. A única coisa que
importa é o poder. Nazistas são os que enchiam os estádios por Hitler.
Peronistas são os que enchiam a Plaza de Mayo. Perón não era nazista”, diz.
No entanto,
Goñi admite que “Perón admitia sua admiração pelas ideias do fascismo, e muito depois,
nos anos 70, ainda criticava o Julgamento de Nuremberg, que definia como uma
infâmia. Dizia que havia tentado resgatar o máximo de alemães de Nuremberg. E o
conseguiu”.
O ranço
fascista dos militares argentinos chamou a atenção de Goñi, e decidiu – após
dois anos de investigações e a descoberta de documentos inéditos – escrever “Perón e os alemães”, já
considerada a melhor obra do gênero no país.
A espionagem
alemã na Argentina estava constituída principalmente pela Sicherheitsdienst (SD). A Argentina, que se manteve neutra até
semanas antes da vitória dos Aliados, foi o principal centro da espionagem
alemã na América do Sul, e grande parte da informação sobre os EUA passava por
Buenos Aires. Com a ajuda discreta do GOU, a espionagem alemã no país
manteve-se praticamente intacta até o fim da guerra.
O principal
enlace entre a Argentina e o Terceiro Reich foi Juan Carlos Goyeneche, líder dos nacionalistas católicos, que
viajou dezenas de vezes à Alemanha, onde reuniu-se com o chanceler Joachin Von
Ribbentrop, o líder das SS Heinrich Himmler, e outros líderes fascistas
europeus como Mussolini.
Sua
capacidade de contatos surpreende até hoje: Goyeneche correspondia-se com Himmler ainda em março de 1945, um mês e
meio antes da derrota nazista. Nas décadas posteriores, divertiu seus
amigos contando características pessoais dos ministros de Hitler.
No entanto, era um enlace informal. Goñi considera que “a História da região
poderia ter sido diferente se Osmar Hellmuth não tivesse sido capturado pelos
ingleses”.
Hellmuth, ao contrário de Goyeneche, era um germano-argentino,
colaborador da SD, e enviado como emissário especial por Perón para negociar
com Hitler um apoio argentino em troca de armas.
No entanto, Hellmuth foi preso pelos britânicos no meio do caminho
e permaneceu preso até o fim da guerra, impedindo as conversações oficiais de
uma possível aliança argentina-germânica.
Goñi relata a
supresa de um chefe da seção latino-americana da Chancelaria do Reich que em
agosto de 1944, após o desembarque aliado na Normandia e com Berlim sob
constante bombardeio, recebeu um telegrama de Perón dizendo que ainda
acreditava na vitória alemã.
“Na verdade,
os militares argentinos não acreditavam na vitória nazista, mas consideravam
que Hitler poderia obter uma paz separada com os EUA e a Grã-Bretanha, e ter as
mãos livres para continuar a guerra com a URSS”. Segundo Goñi, Perón
acreditava que era possível uma paz condicional, e que a Argentina e o
Vaticano, poderiam ser os mediadores da paz.
Durante a
Guerra, Perón planejava constituir uma faixa de proteção à Argentina,
constituída por países como a Bolívia e o Paraguai. Este, foi um dos primeiros
alvos de Perón: em 1943, tentou seduzir o general Higino Morínigo, presidente
paraguaio, com aparatosa recepção em Buenos Aires.
O mordaz jornalista Ray Joseph, do The Buenos Aires Herald,
descreveu a visita de Higino Morínigo como a “dessas boas-vindas que Mussollini costumava dar a Hitler”.
Segundo
Joseph, os muros portenhos foram cobertos com cartazes com a imagem de
Morínigo, “uma imagem tão hollywoodiana que duvido que o próprio pudesse se
reconhecer nelas”. No entanto, apesar das lisonjas, o paraguaio ficou do lado
dos EUA, que lhe havia oferecido armas. Perón dedicou-se imediatamente a outro
alvo: a Bolívia.
Esse país
recebeu atenção especial de Perón. Ali, o GOU, o SD articularam um golpe que
derrubou o governo do general Enrique
Peñaranda em dezembro de 1943. No seu lugar, com apoio do magnata
do estanho, o germano-bolivano Gustav
Eickenberg, foi colocado o general Gualberto Villarroel. Em troca, a
Argentina prometeu ajuda econômica e a construção de uma ferrovia.
Mas a armação
do golpe foi descoberta pelos EUA, e o governo boliviano precisou manter um low
profile até o fim da Guerra. Victor Paz Estenssoro, que mais tarde seria
presidente da Bolívia em três ocasiões, também foi um dos conspiradores, e
durante o governo de Villarroel, foi ministro da Fazenda.
Villarroel
ficou no poder até 1946. No pós-guerra, foi difícil manter-se, e foi derrubado
em uma sangrenta revolução. Como Mussolini, foi assassinado, e seu corpo
pendurado de um poste. Estenssoro conseguiu fugir, e até a virada deste século,
já nonagenário, evitava falar sobre o tema.