Além de aterrorizar a Europa, os vikings descobriram o caminho para a
América e criaram as primeiras colônias em nosso continente. Conheça a saga
desses guerreiros do mar. A colônia de Anse-aux-Meadows, descoberta em 1960 na costa leste do Canadá, abrigava três casas, além de oficinas, forjas e fornos. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.
Numa época em
que a América do Norte ainda era dominada pelos povos indígenas, alguns colonos
europeus caminhavam pelas matas quando avistaram um grupo grande de nativos.
Rapidamente, alteraram seu trajeto para evitar o confronto. Mas uma jovem
gestante, de nome Freydis, foi contra. Fugir era indigno. O certo era atacar os
índios. Freydis foi ignorada pelos homens do grupo, mas isso não diminuiu seu
furor. Ela deixou à mostra um seio para ressaltar seu sexo, pegou uma espada e
partiu para a briga. Os índios, que nunca haviam visto - quanto mais combatido
- uma mulher branca, grávida, armada, perigosa e seminua, ficaram perplexos e
mudaram de rumo.
A história
acima faz parte das "Sagas", registros de feitos heróicos dos vikings
escritos na Islândia entre os séculos 12 e 14. Até o século 20, os
historiadores pensavam que os relatos das escaramuças com os
"skræling" (como os índios são chamados no texto) fossem fictícios.
Compreensível, já que os autores estavam mais preocupados em criar lendas do
que em registrar fatos. Eis que, em 1960, o dinamarquês Helge Instad encontra
na Terra Nova, no Canadá, os restos de um assentamento viking do ano 1000.
Ficou provado que, quase 500 anos antes de Colombo, outra cultura européia
havia alcançado a América. Os contatos entre índios e vikings são o tema de
"Desbravadores", que estreou nos cinemas em outubro. Embora
ficcional, o filme deixa no ar questões importantes. Por que os vikings foram
os primeiros europeus a chegar à América? Por que não permaneceram? E o que
essa aventura representa para nós?
Essa colônia
montada pelos vikings na América do Norte marcou o ponto mais extremo de uma
viagem que começou no século 2, quando tribos germânicas ocuparam as regiões
menos frias da Dinamarca, da Suécia e da Noruega. Nos 600 anos seguintes, esses
povos permaneceram relativamente isolados do resto da Europa, desenvolvendo
características que, entre os séculos 8 e 10, levaram ao movimento de expansão
conhecido como Era Viking.
Os vikings
viviam em pequenos reinos, e a sociedade se dividia em três classes principais:
abaixo de todos, escravos e servos; acima deles, os homens livres, dedicados à
agricultura e à pecuária; no topo da pirâmide, aristocratas com funções
administrativas, militares e religiosas - os escandinavos foram pagãos até o
século 11. O comércio era muito importante para esses
"fiordes-estado": navios escandinavos iam até portos da Irlanda e da
Europa Ocidental para trocar peles e marfim por ouro, cobre e estanho.
Não há um
consenso do porquê (explosão populacional, embargo comercial, superioridade
tecnológica, honra), mas o intercâmbio pacífico ficou para trás em 793, quando
os "homens do norte" desandaram a atacar mosteiros no litoral
britânico, alvos fáceis e lucrativos. Os guerreiros chegavam pelo mar e não
mostravam nenhuma piedade cristã com os monges, matando quem se metesse no
caminho, saqueando as capelas em busca de riquezas e vendendo os sobreviventes
como escravos.
Expansão Viking na Europa. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.
Após os
primeiros sucessos, os ataques cresceram em quantidade e tamanho. "As
primeiras expedições contra mosteiros indefesos podiam ser feitas com 20
guerreiros. Já as grandes, contra cidades como Paris, podiam reunir 200
navios", diz o historiador Johnni Langer, principal estudioso do tema no
Brasil. Essas expedições de saque eram chamadas "viks", que deu
origem ao termo "viking".
"O
excesso de saques numa mesma região forçava a busca de alvos cada vez mais
distantes", diz Langer. Cada povo seguiu sua rota (ver "Mapa dos
tesouros", à direita). Os da Dinamarca e da Noruega se voltaram para o
Ocidente, conquistando parte da Inglaterra e da Irlanda e saqueando
sucessivamente França, Península Ibérica, norte da África, Itália e Grécia.
Enquanto isso, os suecos foram para oeste: detonaram os países bálticos,
desceram a bacia do rio Dnieper pelo Leste Europeu até o Mar Negro e atingiram
as rotas comerciais árabes. Os guerreiros vikings causaram forte impressão
entre as tribos eslavas do Leste Europeu. O suficiente para que elas, que os
chamavam de "rus", fizessem deles seus chefes. Dessa mistura
eslavo-normanda nasceria a Rússia.
A América dos Vikings
Por um desses
acasos da história, as duas correntes de pilhagem migratória, a do Oeste e a do
Leste, acabaram se reencontrando no século 9, nas vizinhanças do Império
Bizantino. Para desespero de Bizâncio, que passou a ser vítima de saques
constantes e quase foi conquistada.
O segundo
momento da expansão viking é marcado pelo estabelecimento de colônias. A partir
de 860, noruegueses começaram a se estabelecer na Islândia, então uma ilha
deserta. Nessa época, o líder Harald Cabelos Finos estava em franca campanha
militar para tornar-se o único monarca norueguês. Descontente com essa
unificação forçada, boa parte da população decidiu lançar-se ao mar. Em 930, a
Islândia já contava com 30 mil habitantes. Isso levou, naturalmente, a um
esgotamento das terras disponíveis para agricultura.