Durante
a ditadura, país invadiu República Dominicana em 1965, junto com forças
norte-americanas, para evitar a volta de esquerdista ao poder.
O
golpe militar ainda não havia completado um ano em 23 de maio de 1965. Os
militares brasileiros, que contaram com apoio e financiamento norte-americano,
tinham a primeira oportunidade de devolver o favor. Sob a presidência do
marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o Brasil enviou cerca de 1,3 mil
militares para participar, ao lado de tropas dos EUA e de outros países, da
invasão da República Dominicana, um pequeno país caribenho que divide a Ilha de
Santo Domingo com o miserável Haiti e que em sua história foi governado por um
dos mais sórdidos ditadores latino-americanos, Rafael Trujillo. Havia o temor
de que o país se transformasse em "uma nova Cuba". A República
Dominicana, onde fica a capital mais antiga da América, Santo Domingo, é vizinha
da ilha dos irmãos Castro. Além do Brasil, participaram da invasão, cujo
objetivo oficial era "manter a ordem e proteger os estrangeiros",
outras ditaduras, o Paraguai (sob Alfredo Stroessner) e a Nicarágua (sob
Anastácio Somoza), secundadas por soldados hondurenhos e policiais
costa-riquenhos.
A
invasão foi uma grande inflexão na Política Externa Independente (PEI), que
havia caracterizado a diplomacia brasileira nos governos civis de João Goulart
e Jânio Quadros. Saía de cena o reforço ao diálogo Sul-Sul com os países mais
pobres e a independência em relação às grandes potências, EUA e União
Soviética, e entrava o alinhamento automático aos norte-americanos, vistos como
líderes na defesa da civilização ocidental contra o comunismo. A intervenção
deixou o Brasil com a péssima fama de nação subserviente, subimperialista e
"gendarme" dos EUA.
"O Brasil esperava conseguir ganhos com essa política, que não
se confirmaram", diz o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Tullo Vigevani. O jornalista José Maria Mayrink, que esteve em Santo Domingo um
ano após o ataque militar como repórter do Jornal do Brasil, chegou a ver muros
pichados com a frase "brasileiros, go home", na reedição da sentença
sempre atribuída aos "ianques norte-americanos" em suas intervenções
em países latino-americanos.
A
ditadura brasileira recém-instalada, ainda sem o domínio da linha-dura, que
viria a partir de 1968 com o Ato Institucional número 5 (o famigerado AI-5),
esperava ter dos Estados Unidos o reconhecimento do Brasil como líder
inconteste na América do Sul, além de vantagens comerciais e investimentos em
suas Forças Armadas. Isso não ocorreu. Os generais brasileiros Hugo Panasco
Alvim e Álvaro da Silva Braga foram escolhidos, em uma concessão especial dos
EUA, como os comandantes nominais das tropas, que incluíam 21 mil marines. Mas
o general Bruce Palmer Jr., vice-comandante do destacamento, respondeu em uma
entrevista à imprensa de seu país que no caso de receber uma ordem do superior
brasileiro ou de Washington não hesitaria em seguir a determinação
norte-americana.
A
declaração de Palmer gerou um grande mal-estar nas tropas da Força
Interamericana de Paz (FIP), nome oficial do exército multinacional que atuou
sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA). O então
embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon - personagem importante na
preparação do golpe de 1964 -, apressou-se a negar a informação. O chefe da
sucursal da agência de notícias Associated Press no Rio de Janeiro, Frank
Butto, confirmou a declaração do oficial norte-americano depois de se comunicar
com a matriz, em Nova York, contrariando o embaixador, que então preferiu se
calar. O saldo da intervenção que durou 16 meses, depois de vários combates com
grupos dominicanos de esquerda, liderados pelo coronel Francisco Caamaño,
defensor da volta do presidente deposto Juan Bosch (veja quadro ao lado):
quatro militares brasileiros mortos e seis feridos. Entre os norte-americanos,
44 foram mortos e 200 ficaram feridos, tal como cinco paraguaios. Estima-se em
1,7 mil os civis dominicanos mortos.
Big stick
Os
soldados latino-americanos eram comandados pelo coronel Carlos Meira Matos, um
dos principais ideó-logos do regime militar. O episódio foi o batismo de fogo
da Faibras - Força Interamericana do Brasil, que atualmente exerce suas funções
no Haiti, o vizinho da República Dominicana. Hoje, no entanto, trata-se de uma
delegação da Organização das Nações Unidas (ONU), de caráter pacífico, ao
contrário da dos anos 1960, que recebeu críticas de vários países.
Imediatamente após a determinação da OEA de que se formasse a força
multinacional, o governo uruguaio foi o primeiro a denunciar o que chamou de
"uma forma de intervenção armada em um país soberano". Para seu
chanceler, Luiz Zaglio, a ação lembrava o período do big stick (grande
porrete). A expressão foi criada pelo presidente norte-americano Theodore
Roosevelt, para falar dos vizinhos latino-americanos, nos anos 20: "Fale
macio, carregue um grande porrete e você irá longe".
Chile,
Peru, México, Venezuela e Argentina (para ficar apenas nos paí-ses
latino-americanos) se mostraram contrários à intervenção na política interna
dominicana. Até mesmo a própria OEA, em seu estatuto, condenava a prática de
invadir países para impor políticas de terceiros, de acordo com o artigo 15 da
Carta da entidade: "Nenhum Estado ou grupo de Estados têm o direito de
intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos
internos ou externos de qualquer outro".
Em
15 de junho de 1965, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que, no dia anterior,
os soldados brasileiros haviam trocado tiros com forças de Francisco Caamaño,
os constitucionalistas, como eram conhecidos. O incidente, sem feridos de parte
a parte, não teve repercussões, segundo a OEA, e foi qualificado como
"violação da cessação de fogo" na linha que as tropas mantinham na
Avenida Pasteur, que dividia o setor constitucionalista da zona internacional
de segurança, mantida por tropas brasileiras. "Os soldados comuns, os
recrutas, eram menosprezados pela população dominicana, e morriam de medo de
uma situação de risco real, ao contrário dos fuzileiros navais, esses sim
profissionais", afirma o jornalista Mayrink.
O
repórter acabou encarregado, depois de voltar da República Dominicana, de
avisar à família do cabo brasileiro José Elias Bastos, que vivia no Rio de
Janeiro, da morte do rapaz. "Acabei dando a notícia antes do Exército, que
enviou um telegrama", afirma Mayrink. "Quando cheguei à casa dele e
comecei a perguntar, a família logo desconfiou que havia ocorrido algo grave
com o parente." Em sua reportagem sobre a intervenção, o jornalista contou
um episódio no qual um soldado brasileiro foi ferido a tiros por jovens de
motocicleta, mas sobreviveu. Entrevistado por ele, um motorista de táxi resumiu
a relação da população com os brasileiros. "Os dominicanos gostam dos
brasileiros porque eles se definem. Eles sorriem para nós quando sorrimos para
eles e dão tiros quando damos tiros. Os norte-americanos são mais frios e não
reagem, mas depois vêm com tudo em cima da gente", afirmou o motorista.
A
vice-cônsul da República Dominicana em São Paulo, Francia Martinez, afirma que
todos os soldados estrangeiros, tidos como invasores, eram odiados. "Não
tínhamos como diferenciar brasileiros de norte-americanos. Eles usavam fardas
iguais", diz ela, que era estudante na Universidade Autônoma de Santo
Domingo, um dos focos de revolta. "Perdi muitos amigos. Era um tempo muito
difícil, mas todos os jovens levantaram-se contra a ocupação, assim como haviam
feito contra a ditadura de Trujillo". Rafael Trujillo, que governou o país
com mão de ferro entre 1930 e 1961, foi morto, e em seu lugar assumiu Juan
Bosch, um professor com ideais de esquerda, que ficou sete meses no cargo, até
ser derrubado por militares, no episódio que levou à intervenção.
Uma longa disputa
Depois
do assassinato do ditador dominicano Rafael Trujillo, em 1961, o fundador do
Partido Revolucionário Dominicano, Juan Bosch, foi eleito presidente. Ao
assumir, em fevereiro de 1963, Bosch iniciou um programa de distribuição de
terras e nacionalização de empresas estrangeiras. Sete meses depois, foi
derrubado por um golpe de estado liderado pelo general Elias Wessin, líder de
um grupo de extrema-direita. Em 24 de abril de 1965, um grupo de militares de esquerda
sob a liderança do coronel Francisco Caamaño, que adotou o nome de
"constitucionalistas" e defendia a volta de Bosch ao poder, se
insurgiu contra o governo, que foi derrubado. Instado por líderes políticos e
militares, entre os quais Wessin, Washington preparou uma intervenção na crise
dominicana.