Por: H. Guther Faggion
Muitas pessoas acham que a conversão espiritual é uma passagem de primeira classe para um mundo perfeito, onde inexiste dor e sofrimento. Afinal de contas, o Senhor é bom, e isto é um fato incontestável. No entanto, mesmo o cristão mais fiel já passou pela experiência do sofrimento. Nestes momentos, não podemos evitar a pergunta: como explicar que o Deus Todo-Poderoso não se dignou a usar um pouco de seu poder para ajudar? "Ninguém pode contestar a opinião de que a vida é pontuada de dificuldades, angústias e problemas. A maioria de nós aprendeu a enfrentar a realidade de que a vida é difícil. Mas será injusta? Alguma coisa nos golpeia, bem no fundo, tornando quase intolerável para nós aceitar e resistir às injustiças. Nosso impulso de justiça supera nossa paciência com o sofrimento", escreve Charles Swindoll em Jó - um homem de tolerância heróica.
O sofrimento é definitivamente um dos temas universais mais complexos e abrangentes da história da humanidade. Esse sentimento tem sua expressão maior - não se limitando ao sentido religioso da questão - em Jó. E de todos os tipos de sofrimento que possamos imaginar, aquele que acometeu esse personagem bíblico foi dos piores: o martírio de Jó não é decorrência de seu erro, não se justifica por sua história de homem íntegro e reto. A seqüência de tragédias na vida desse homem próspero causou-lhe a perda da saúde, da família e dos bens materiais. Entretanto, a fé de Jó, mesmo diante dos conselhos de sua esposa - "Amaldiçoa a Deus e morre" (Jó 2:9) - e de seus supostos amigos, continuou incrivelmente inabalável. Isso nos remete a uma inevitável indagação: como é possível sofrer tudo isso e ainda acreditar que Deus nos observa e se interessa por nós?
CRISE ESPIRITUAL - Lidar com o sofrimento é o mais duro teste para a fé. A princípio, pode parecer uma contradição: por que Deus permite situações de tamanha calamidade pessoal na vida de pessoas que se dispõem a crer e confiar nele? Invariavelmente, todos os dias muitas pessoas não resistem a esses testes e caem. "Descobri que para muitas pessoas existe um grande abismo entre o que esperam de sua fé cristã e o que de fato acontece. A partir de um verdadeiro mundo de livros, sermões e testemunhos, todos prometendo vitória e sucesso, elas aprendem a esperar que Deus atue de modo impressionante em suas vidas. Se não enxergam tais intervenções, sentem-se desapontadas, traídas e freqüentemente culpadas", escreve Philip Yancey no livro Decepcionado com Deus.
A Bíblia naturalmente é farta no que tange a exemplos de sofrimento - justo ou injusto. Diversos salmos foram visivelmente inspirados em um momento de profunda angústia e dor. Histórias como a de Ester ou da maior de todas as dores, o sacrifício vicário de Jesus Cristo. No entanto, por que nos últimos tempos pouco se ouve falar dessa relação entre a fé e o sofrimento, a crença e o martírio? As pregações preparam os cristão para que eles encontrem a Deus na alegria tanto quanto na dor? Larry Crabb, em seu livro Sonhos despedaçados, argumenta: "O sofrimento causado pela destruição dos sonhos não deve ser considerado algo a ser - se possível - aliviado, nem algo a ser suportado caso não haja outra saída. É uma oportunidade a ser aproveitada, uma chance de descobrir nosso desejo pela bênção mais elevada que Deus deseja nos dar - um encontro com ele".
ALÉM DO SOFRIMENTO - Crer em Deus em meio ao sofrimento não é tarefa simples, principalmente para aqueles que ousam exercer uma fé questionadora. Pessoas com esse perfil costumam passar por conflitos espirituais, a maioria experimentada em situações de desespero e luta interna. "Todo ser humano sofre. É parte da condição humana. Porém, quem sabe o que fazer em relação ao sofrimento? Deus sabe! Entretanto, muitas vezes, parece que para Deus a questão não está em como solucionar o sofrimento, mas em entender que o sofrimento é a solução", escreve o pastor Ariovaldo Ramos no prefácio de O caminho de Jeremias, de Marson Guedes, que fala da vida do profeta que sublimou a dor diante da missão divina. "Fiquei aturdido ao descobrir que Jeremias se sentia violentado por Deus e não conseguia entender por que Ele escolheu uma pessoa tão sensível para dizer palavras tão duras ao povo que amava", conta Guedes. "Não se pede de nós que gostemos do sofrimento, mas que não nos deixemos vencer por ele, porque nosso Deus o venceu", conclui. Afinal, mesmo em meio ao sofrimento, sempre há a esperança que vem do alto.
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