Gravura do Lobisomem atacando uma mulher. Imagem: Legio Victrix.
por Gwendolyn Toynton
O simbolismo
lupino é considerado como um dos pontos definidores das Tradições
Indo-Europeias, e de fato é difícil mencionar uma civilização indo-europeia na
qual o lobo não ocupasse um papel de proeminência; do nascimento de Rômulo e
Remo e da fundação de Roma até os tempos modernos o lobo sempre ocupou uma
posição eminente de privilégio na mente do indo-europeu. Isso é até evidente
hoje - mesmo Hollywood não pode ignorar a figura solitária do lobo à noite,
pois o lobisomem sobreviveu no mito popular até hoje. Um número de divindades
importantes, indo de Odin ao grego Apollo, podem ser encontrados com um lobo ao
seu lado. Que o lobo, e ocasionalmente, seu primo canino o cão, foram
importantes animais rituais não se pode duvidar; em tempos ainda que o papel importante
desses animais tivessem cruzado do mundo natural dos ermos ao mundo civilizado
do homem, onde as fronteiras entre humano e animal se tornaram embaçadas. Um
desses ocupantes desse espaço transicional é o lobisomem; outra figura é a do
berserker nórdico ou teutônico. Ainda mais velho, há o relato do vratya,
datando dos elementos mais arcaicos da sociedade védica, quase completamente
enterrado pelo passado. O berserker e o vratya juntos constituem o que é talvez
uma das tradições mais antigas, pois ambos partilham de um número de
características significativas em comum, que podem ser encontradas dispersas
entre outros povos indo-europeus também; fraternidades marciais existiram entre
os (indo-europeus) gregos, citas, persas, dácios, celtas e germânicos onde
iniciados magicamente assumiam traços lupinos. [1] Conhecidos parcialmente por
sua fúria em combate, parcialmente pelo uso de meios mágicos de subjugar o
inimigo, esses mitos persistem hoje no mito popular do lobisomem. Ainda que a
interpretação literal do berserker seja "guerreiros com camisas (sekr) de
urso", também se considerava os berserkers capazes de mudar sua forma
naquela de um lobo. [2] Para o propósito desse escrito nós nos concentraremos
somente no simbolismo do lobo.
O fato de que o
berserker estava fortemente ligado a lobos além de possuir a já mencionada
associação com ursos é ilustrada pelo uso de seu título alternativo
"casaco-de-lobo". [3] É provável que esse nome fosse usado em conexão
com o uso de algum símbolo do lobo tal como um cinto de pele de lobo, pois a
tradição popular na Noruega recorda que "transmorfos", eram homens
que se transformavam em feras à noite, e cingiriam um cinto de pele de lobo
antes de deixar a casa. [4] O traje tradicional do casaco de lobo é também
atestado pelo Hrafnsmál, um poema composto por volta de 900 d.C., no qual os
berserkers são descritos como os guerreiros privilegiados de Harald Fairhair de
Vesthold na Noruega; eles são descritos como recebendo ricos presentes do rei
por causa de suas ferozes qualidades combativas, e também referidos como
"casacos-de-lobo": [5]
Casacos-de-lobo
eles são chamados, aqueles que portam espadas
Manchadas com
sangue na batalha.
Eles avermelham
lanças quando vem à matança,
Agindo juntos
como um. [6]
A conexão entre
o berserker e o simbolismo lupino/canino também pode ser vista nos Eddas
islandeses que nomeiam Hundingr como o rei de Hundland, "Terra do
Cão". [7] Similarmente, o Widsith anglo-saxão pré-século X menciona os
hundingar como um povo com cabeças de cão; enquanto os as fraternidades
militares de "lobisomens" (ulfhednar) das tribos germânicas lutaram
junto a "meio-cães" (halfhundingas). [8]
Um dos papéis
primários do berserker estava obviamente predominantemente conectado à guerra,
na qual eles são lembrados como oponentes terríveis na batalha, não lutando
como homem ou animal, mas como uma criatura que possuía características de
ambas. O Ynglingasaga descreve o berserker como segue: "Eles seguiram sem
escudos, e eram loucos como cães ou lobos, e mordiam seus escudos, e eram
fortes como ursos ou touros; homens eles matavam, e nem fogo ou aço podia
detê-los; e a isso se chamava a fúria do berserker". [9] Isso também é
referido como "entrar em berserk" (berserkgangr). [10] Não há dúvida
quanto ao fato de que o berserker era um adversário feroz e assustador - a
dúvida permanece na significância do lobo em si, e na natureza da transformação
- seria isso simplesmente um artifício tático para chocar o inimigo, ou haveria
um raciocínio mais profundo por trás dessa transformação que beirava a ser de
essência espiritual? Georges Dumézil vê o processo como uma fusão entre as duas
coisas, tanto tática como espiritual.
"O texto
da Ynglingasaga acima diz muito, mas não o bastante: a conexão que o berserker
de Odin tinha com lobos, ursos, etc., era não somente uma semelhança em
questões de força e ferocidade; em um certo sentido eles próprios eram animais.
Seu furor exteriorizava um segundo ser que vivia dentro deles mesmos. Os
artifícios de de trajes (cf. a tincta corpora dos harii), os disfarces aos
quais o nome berserker e seu paralelo ulf hednar ("homens com pele de
lobo") parecem aludir, servem somente para auxiliar, para afirmar essa
metamorfose, para imprimi-la sobre amigos e inimigos assustados (novamente, cf.
Tácito, Germânia, 38.4, em conexão com os esforços dos suevos em inspirar
terror)". [11]
Outro aspecto
do berserker, aqui nomeado como harji e descrito por Tácito, fornece mais uma
citação em apoio ao uso tático para aterrorizar o inimigo.
"Eles
pintam seus escudos e corpos de negro, e escolhem noites escuras para suas
batalhas. A horripilante sombra de tal exército diabólico inspira um pânico
mortal, pois nenhum inimigo pode resistir a uma visão tão estranha e
demoníaca". [12]
Não só isso
pinta uma visão terrível, mas também atesta à visão de um ataque mágico ou
demônico, que ocorre à noite. A noite, é claro, é um tempo de feitiçaria e
magia, que também é parte do imaginário do berserker. Os usos de motivos
animais são um traço comum de tradições xamânicas, com as quais a tradição
nórdica partilha um certo número de traços. Em tal sociedade, era considerado
problemático atribuir mais do que uma "alma" a uma pessoa. A
"forma exterior", porém, era considerada o traço mais distintivo da
personalidade. [13] Dumézil elabora isso examinando a linguística da raiz
"hamr" e examinando seu uso contextual no imaginário do berserker.
"Uma
palavra nórdica - com equivalentes em inglês antigo e alemão antigo -
imediatamente introduz o essencial nessas representações: hamr designa (1) uma
veste; (2) a "forma exterior"; (3) (mais comumente o derivativo
hamingja) "um espírito ligado a um indivíduo" (na verdade uma de suas
almas; cf. hamingja "acaso"). Há alguns homens, pouco notáveis, que
são declarados como einhamr: eles possuem somente um único hamr; então alguns,
além de seu heim-hamr ("seu próprio exterior fundamental"), podem
assumir outro hamr através de uma ação designada pelo verbo reflexivo hama-sk;
eles são capazes de se transformar (ham-hleypa). Agora, o berserker é o eigi einhamr
exemplar, "o homem que não é de um único hamr". [14]
O sentido aqui
é claro - duas almas habitam o mesmo corpo. Um é o espírito de um humano, o
outro de um lobo. O berserker, assim, não é totalmente humano nem animal - como
seu descendente o lobisomem ele é uma criatura liminar que existe em um mundo
crepuscular onde as fronteiras entre homem e fera estão mal definidas - e ainda
assim ambos caminhos estão fechados para ele, pois o berserker jamais pode
pertencer verdadeiramente a qualquer reino. Como o deus patrono do berserker,
Odin, eles são criaturas xamânicas associadas com as extremidades de modos
normais de comportamento, criando estados mentais alterados. Esse aspecto do
deus Odin é retratado pelas origens de seu próprio nome, pois o germânico
Wodanaz vem da raiz indo-europeia "wat-". [15] Não só é Odin
associado com os modos mais cerebrais de xamanismo, o deus é descrito no
Ynglingasaga como possuindo a arte de metamorfose. [16] Odin é aqui descrito
como possuindo o poder de mudar de aparência e forma à vontade. [17] Ainda que
essa perícia seja encontrada em grau menor na representação do berserker,
parece que eles ganharam a habilidade de possuir duas almas no mesmo corpo, e
consequentemente a habilidade de flutuar entre elas, como reflexo de sua
associação com Odin que é o deus patrono do berserker. O berserker nórdico
antigo se situa claramente em uma antiga tradição de guerreiros que eram
transmorfos, capazes de se transformarem em lobos raivosos em batalha. [18]
Tem sido
previamente deduzido por autores que o berserker é único às tradições nórdica e
germânica. Isso, porém, é uma suposição incorreta pois um análogo cognato à
figura do berserker pode ser encontrado em um componente extremamente arcaico
da religião védica. Essa entidade obscura, da qual muitas facetas de seus
rituais e existência permanecem desconhecidos, é chamado pelo título de vratya.
Até tempos recentes muito pouco era sabido da história do vratya que se supunha
que eles fossem pouco mais do que uma coleção de sem-castas da cultura
bramânica, habitando nas florestas e às margens da sociedade aceitável, e que
eles fossem ao mesmo tempo reverenciados e abominados. Foi até mesmo assumido
uma vez que os vratya fossem não-indo-europeus em origem. Ainda que essa
afirmação possa agora ser presumida como falsa, é certamente verdadeiro que
tanto elementos do tantrismo como do yoga podem ser encontrados nas práticas do
vratya, que bem pode ter representado uma contingência xamânica ou
proto-yoguica da casta ksatriya. Evidência de uma conexão entre as práticas do
vraya e aquelas encontradas no tantrismo e no yoga podem ser vistas no fato de
que um livro inteiro do Atharva Veda (XV) é devotado a eles, e dentro dele
podem ser encontradas afirmações dizendo que os vratya eram praticantes de
ascetismo, estavam familiarizados com uma disciplina de respirações e
costumavam homologizar seus corpos com o macrocosmo. [19] Eliade chega tão
longe a ponto de dizer que é permissível supor que os vratyas representavam uma
fraternidade misteriosa pertencendo à guarda avançada dos invasores arianos.
[20] Em 1962 novas evidências também foram trazidas à luz por Jan Heesterman
descrevendo o vratya como um componente extremamente arcaico da sociedade
sacrificial védica cujo papel foi gradualmente suprimido com a ascensão da
varna brâmane como especialistas sacrificiais. [21] Nesse artigo Heesterman
apresenta a hipótese de que os vratyas foram então degradados na literatura
posterior em um molde antinômico e antibramânico, com seus ritos sattra
sobrevivendo nos ritos de iniciação védica e em certos períodos na vrata, ou
voto do brahmacarin, o estudante védico. [22] Similarmente no Indra Sunahsakha
há uma referência aos vratyas, que reivindica que seu status sócio-religiosos
foi outrora tão elevado quanto o dos brahmins. [23] Com a ascensão da casta
brâmane, o papel dos vratyas no ritual foi reduzido, eventualmente a tal ponto
que o próprio termo se tornou degradado e os próprios vratyas foram julgados
como ritualmente impuros. Esse declínio é atestado pelo fato de que há um
ritual que é especificamente realizado para restaurar os membros dos vratyas de
volta à sociedade bramânica, removendo a impureza de suas ações passadas.