Veremos
no seguinte texto a ação da memória social dentro da historiografia e as
implicações de seu emprego e as marcas da memória social nos eventos
históricos. Diante da discrepância que emerge do confronto da historiografia
com as fontes e vestígios produzidos pelos acontecimentos na história e as
fontes e vestígios memoriais produzidos pelo evento em si. Buscando desse modo
uma perspectiva de uma história social da lembrança. Essas disputas pelas
representações do passado no âmbito da memória procedem pelas reflexões
sociológicas, a memória tornou-se um conceito central na área das humanidades. Os
historiadores, por seu turno, transformaram-a em fonte, submetendo-a a crítica
e desconfiando de seu apelo à verdade em função da imensa subjetividade que ela
carrega. Na historiografia, a reflexão sobre a memória social.
Mas,
como podemos estudar existem outros diálogos possíveis, os quais nos apontam
para a referida história social da lembrança, ou seja:
“O
modo como cada sociedade organiza e reflete sobre o seu passado torna-se objeto
de reflexão para o historiador.”
Noé
Freire Sandes
As afirmações de Maurice Halbwachs nos
faz compreender o quão importante é para nosso estudo, de que “a lembrança é,
em larga medida, uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados
do presente e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas
anteriores e de onde a imagem de outrora se manifestou já bem alterada.” Desse
modo abandona-se aqui a perspectiva da lembrança bergsoniana (Doutrina do filósofo francês Henri Bergson, conhecido principalmente por Ensaios sobre os dados imediatos da
consciência, matéria e memória.) como conservação
total do passado, para concebê-la como um refazer e não um reviver. Mas, como
afirma Halbwachs a representação da memória coletiva como um trabalho coletivo
de construção da lembrança. Ele propôs uma definição sociológica da noção de
memória coletiva em que assegurou que o indivíduo não se lembra sozinho, o que
implica afirmar que o indivíduo volta-se para o passado sempre de acordo como
olhar de seu grupo, ou melhor, de seus grupos, pois o indivíduo está inserido
num contexto familiar social, nacional, político etc. Desse modo toda a memória
é, por definição, coletiva e, portanto, ela impor-se-ia ao pensamento
individual. Nessa direção, o sentido ativo do sujeito na história é diluído ou
mesmo anulado pelas forças coletivas que passam a subsistir por si mesmas,
reflexão marcadamente anti-histórica. Daí não podermos mais referendar sem
restrições as posições durkheimianas (Émile Durkheim é considerado um dos pais da Sociologia tendo sido o
fundador da escola francesa, que combinava a pesquisa empírica com a teoria
sociológica.)
da sociologia da memória de Halbwachs. De todo modo, vale ressaltar que o
próprio texto de Halbwachs contém recursos de uma crítica que pode ser voltada
contra ele. Trata-se do uso quase leibniziano
(Gottfried Wilhelm Leibniz foi um filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário
alemão.)
da ideia de ponto de vista, de perspectiva, pois ele assevera:
“Se a
memória coletiva tira sua força e sua duração por ter como base um conjunto de
pessoas, são os indivíduos que se lembram, enquanto integrantes do grupo. De
bom grado, diríamos que cada memória individual é um ponto de vista sobre a
memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e
que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantendo com outros
ambientes.”
Maurice
Halbwachs
Assim
o próprio Halbwachs, ao afirmar a ideia de perspectiva individual, já dá margem
para que a noção de quadro social não se estabeleça tão rigidamente.
Através das críticas antropológicas da memória avaliamos
de modo mais delimitado alguns problemas que os usos do conceito memória
coletiva apresenta, quais sejam provocar a confusão entre as lembranças
memorizadas e as lembranças narradas; reduzir a existência da memória coletiva
com base em atos como comemoração, construção de museus, mitos, etc.
Semelhantes atos não são suficientes para atestar a existência de uma memória
coletiva.
“Ao
afirmar que, se uma teoria é uma proposição em que há certo valor explicativo
do real, não podemos verdadeiramente falar em teoria da memória coletiva, posto
que ela não explica de que maneira as memórias individuais, que são as únicas
atestadas biologicamente, podem se aglomerar para constituir uma memória
coletiva.”
Joël
Candau
Ainda
que a perspectiva antropológica perceba a memória como uma faculdade
individual, é possível distinguir duas formas de memória em que ela seja
compartilhada: a protomemória
e a metamemória.
Protomemória: é o que podemos chamar de
memória hábito, que são saberes do corpo que se adquirem em ações cognitivas ao
longo do mais precoce processo de socialização. É mais uma presença do passado
que uma memória do passado. É um sistema inteiro de conhecimento que se revela
automaticamente em determinados momentos.
Metamemória: é a
representação que cada indivíduo faz de sua própria memória. É uma memória
reivindicada. E, como ela é reivindicada, é a dimensão essencial da construção
da identidade individual. Ao se tratar de usa forma coletiva, ela será por nós
brevemente analisada neste estudo como a memória reivindicada pelo grupo, a
memória que o grupo supõe ter. Ainda seguindo a abordagem da antropologia da
memória nos estudos de Joël Candau, supomos que a metamemória coletiva ajuda o
grupo a pensar-se como uma comunidade e contribui para modelar um mundo onde o
compartilhamento da memória faz-se ontológico. É a partir dela que os
representantes de um grupo creem compartilhar de um passado comum. É nesse
sentido que ela estabelece a unidade simbólica do grupo, uma vez que ela
representa o grupo como pertencente a um todo homogêneo e integrado.
Memória Social:
para
entendermos esta categoria, partimos da ideia de que existe um passado espacial
e historicamente distante que se impõe à sociedade como memória social. Nessa
direção, formula-se um projeto narrativo capaz de orientar o cidadão acerca do
sentido temporal de sua comunidade. Nesse sentido adotamos o conceito de
Memória Social atentos a, sobretudo, duas de duas propriedades:
a) Ela é medida por leituras do passado disponibilizadas no espaço público por ampla rede discursiva.
b) Lida com vetores de memória, em que se destacam a grande mídia e os textos destinados ao ensino de História. Como vetor, a memória transforma-se em meio capaz de ordenar a diversidade da experiência social.
a) Ela é medida por leituras do passado disponibilizadas no espaço público por ampla rede discursiva.
b) Lida com vetores de memória, em que se destacam a grande mídia e os textos destinados ao ensino de História. Como vetor, a memória transforma-se em meio capaz de ordenar a diversidade da experiência social.
Neste breve texto podemos analisar de forma sucinta a historiografia da Memória Social e a interpretação da mesma pelos historiadores. Reafirmo aqui o interesse do Projeto Construindo História Hoje de manter a história marcada pela busca incansável pela “exatidão dos fatos” daquela história que atualmente faz muito sucesso por deturpar os acontecimentos devido a interesses políticos e financeiros. Para nós historiadores faz mister, pois entrar também nesta disputa, qual seja, a da escrita da história, a qual, de algum modo, é também disputa de memórias aonde são restituídos os laços dentro da historiografia sugerindo a percepção de um projeto que, embora alicerçado no presente, visa, simultaneamente, o passado e o futuro:
“Pois
o que está em jogo é a definição do que deve ser lembrado.”
Noé
Freire Sandes
Apêndice:
Teoria Bergsoniana: A filosofia de Bergson é a princípio uma negação, isto
é, uma crítica às formas de determinismo e “coisificação” do homem. Em outras
palavras, a sua pesquisa filosófica é uma afirmação da liberdade humana frente às
vertentes científicas e filosóficas que querem reduzir a dimensão espiritual do
homem a leis previsíveis e manipuláveis, análogas as leis naturais, biológicas
e, como imaginou Comte, sociais. Seu pensamento está fundamentado na afirmação
da possibilidade do real ser compreendido pelo homem através intuição da
duração – conceitos que perpassam toda sua bibliografia. O próprio filósofo
chegou a dizer que para compreender a sua filosofia é preciso partir da
intuição da duração.
Teoria Durkheimianas: Durkheim define seu objeto de estudo, como
sendo o fato social algo exterior aos indivíduos, pois eles a percebem de
maneira difusa na sociedade e não neles próprios. Ela tem outra característica,
tem a capacidade coercitiva, pois os “induz” a ter certo tipo de conduta social
independente da consciência individual e também tem ação geral, pois “o fato
social generaliza-se por ser social, mas não é social porque se generaliza”. Durkheim
deixa bem claro em sua obra o quanto acredita que essas instituições são
valorosas e parte em sua defesa, o que o deixou com uma certa reputação de
conservador, que durante muitos anos causou antipatia a sua obra. Mas Durkheim
não pode ser meramente tachado de conservador, sua defesa das instituições se
baseia num ponto fundamental, o ser humano necessita se sentir seguro,
protegido e respaldado. Uma sociedade sem regras claras (num conceito do próprio Durkheim, "em estado de anomia"),
sem valores, sem limites leva o ser humano ao desespero. Preocupado com esse
desespero, Durkheim se dedicou ao estudo da criminalidade, do suicídio e da
religião. O homem que inovou construindo uma nova ciência inovava novamente se
preocupando com fatores psicológicos mais uma vez, antes da existência da
Psicologia. Seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da obra de
outro grande homem: Freud.
Teoria Leibniziana: Leibniz admitia uma série de causas
eficientes a determinar o agir humano dentro da cadeia causal do mundo
natural. Essa série de causas eficientes dizem respeito ao corpo e seus atos.
Contudo, paralela a essa série de causas eficientes, há uma segunda série, a
das causas finais. As causas finais poderiam ser consideradas como
uma infinidade de pequenas inclinações e disposições da alma, presentes e
passadas, que conduzem o agir presente. Há, uma infinidade imensurável de
motivos para explicar um desejo singular. Nesse sentido, todas as escolhas
feitas tornam-se determinantes da ação. Cai por terra a noção de arbitrariedade
ou de ação isolada do contexto. Parece também cair por terra a noção de ação
livre, mas não é o que ocorre. Leibniz acredita na ação livre, se ela for ao
mesmo tempo 'contingente, espontânea e refletida'.
18/08/2013
Leandro Claudir é criador
e administrador do Projeto Construindo História Hoje e Acadêmico de História
pela Universidade Luterana do Brasil.
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Você quer saber mais?
SANDES,
Noé Freire. A Invenção da Nação: entre a Monarquia e a República. Goiânia:
Editora da UFG/Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000.
HALBWACHS.
Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Centauro, 2006.
CANDAU,
Joël. Memória e identidade. São Paulo: Editora Contexto, 2011.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo, Ed. Martin
Claret, 2002.
LEIBNIZ ,Gottfried Wilhelm. Tradutor:
Fernando Luiz Barreto Gallas e Souza. A profissão de fé do filósofo (Leibniz
Brasil). Edição Kindle, 2013.
BERGSON,
Henri. Correspondências, obras e outros escritos. São Paulo: Abril Cultural,
1974.
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