CIGS: o lado oculto
Acima O CIGS foi o responsável pela retomada dos estudos visando a utilização de duplas de caçadores (Snipers) nas unidades de guerra na selva do Exército Brasileiro. O atirador da foto utiliza a roupa de camuflagem aprovada pelo CIGS e o fuzil Imbel Fz .308 AGLC, no calibre 7,62x 51mm, especialmente desenvolvido para uso por atiradores de elite.
A excelência do trabalho do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército Brasileiro justifica sua reputação como uma das melhores — senão a melhor — instituição do gênero no mundo. Este artigo cobre uma faceta pouco divulgada do CIGS, mostrando seu papel como desenvolvedor da doutrina de operações na selva da Força Terrestre.
A selva é tudo
O Exército Brasileiro leva a selva e o combate na selva muito a sério. Afinal de contas, o país é possuidor da maior parte da mais extensa floresta tropical do mundo, a Floresta Amazônica, que por sua vez abriga a maior biodiversidade do planeta. Não bastasse isso, além das riquezas que podem advir da correta exploração dessa biodiversidade, sob o solo amazônico encontram-se incalculáveis reservas minerais. E o Exército demonstra a importância que dá a essa região sediando em Manaus, capital do Estado do Amazonas — que, a propósito, mantém 95% de sua cobertura vegetal intocada — a sede do CIGS.
Um grupo de guerreiros de selva desloca-se pela floresta. O primeiro elemento, o esclarecedor, consulta um receptor GPS que só é usado para fins de instrução, uma vez que seu uso é desestimulado no dia-a-dia. Notar a escopeta calibre 12 levada pelo soldado (Foto: Raimundo Valentim).
Como estabelecimento encarregado de preparar homens e tropas para a defesa da Amazônia brasileira, o CIGS tem as seguintes missões:
- especializar oficiais, subtenentes e sargentos em operações na selva;
- orientar e adestrar forças da área da Amazônia e de outras regiões para as operações na selva;
- testar o material de emprego militar voltado para as operações na selva e propor novos equipamentos;
- estabelecer e validar a doutrina de emprego de forças em operações na selva.
Com a responsabilidade de fomentar e desenvolver a doutrina de guerra e operações na selva, o CIGS mantém, em seu organograma, a Divisão de Doutrina e Pesquisa, composta de duas seções: a Seção de Doutrina e a Seção de Pesquisa. E são os oficiais lotados nessas seções os responsáveis por tudo o que diz respeito ao aperfeiçoamento das técnicas e táticas de emprego dos combatentes, armamentos e de equipamentos de guerra na selva.
Ser selecionado para o curso de operações na selva do CIGS é uma meta para muitos militares brasileiros e estrangeiros. Conseguir se formar e conquistar o almejado “Brevê da Onça” é um objetivo atingido por poucos: para ser mais exato, são menos de quatro mil, até hoje. E não é para menos: o ambiente de selva, que já é extremamente hostil ao homem, tem seus efeitos físicos sobre o corpo do combatente amplificados pelo clima quente e úmido. Assim, os testes físicos são rigorosos, e têm início logo na chegada dos candidatos ao Curso de Operações na Selva (COS). Nenhum homem com preparo físico abaixo do exigido é aceito no curso, uma vez que o resultado seria perigoso tanto para ele como para seus colegas. Portanto, julgamos oportuno divulgar o trabalho de dois departamentos do CIGS: seu laboratório e o seu Zoológico.
O laboratório do CIGS
Na selva, a sensação de ter o metabolismo alterado é massacrante. Apesar de estar sempre molhado, seja pela chuva, pela travessia dos inúmeros cursos d’água (rios e paranás), lagos, igapós e igarapés, ou simplesmente pela transpiração, o combatente está sempre com sede. Os cuidados com a alimentação devem ser enormes, pois problemas intestinais que provocam diarréia agravam o quadro. A perda de oito, dez e até 20 quilos em operações prolongadas na selva é comum para os guerreiros de selva.
Exatamente devido ao impacto que o ambiente provoca sobre o corpo do combatente de selva, um dos principais trabalhos exercidos no CIGS para aumentar a eficiência do combatente de selva é aquele desenvolvido em seu Laboratório, subordinado à Divisão de Saúde. Por meio de parceria com a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Hospital Geral de Manaus (HGeM), é desenvolvido o Projeto de Pesquisa e Monitoramento Clínico-Laboratorial do Combatente de Selva. Este projeto tem por objetivo acompanhar o perfil corporal, hematológico, urinário, parasitológico intestinal e bioquímico dos alunos do COS, proporcionando dados valiosos sobre as alterações que a internação prolongada do combatente na selva produz no organismo humano. Os resultados desta pesquisa vêm sendo usados para a otimização do desempenho do guerreiro de selva brasileiro.
O Zoológico do CIGS foi ampliado e reformado há poucos anos, através de convênio entre o Exército, o Governo do Estado do Amazonas, a Prefeitura de Manaus e a Suframa (Foto: CIGS).
Um oficial médico retira sangue de um soldado, para a realização de testes que avaliam as condições físicas dos guerreiros de selva (Foto: CIGS).
Mais do que um Zoológico
O Zoológico do CIGS foi idealizado e construído no comando do Ten Cel Jorge Teixeira de Oliveira, tendo iniciado suas atividades em 1967, com o objetivo de transmitir aos alunos dos Cursos de Operações na Selva conhecimentos sobre a fauna amazônica. No mesmo ano foi aberto ao público externo, tornando-se ponto turístico da cidade de Manaus e recebendo visitantes de todo o mundo.
Recentemente o Governo do Estado do Amazonas, a Prefeitura Municipal de Manaus e a Superintendência da Zona Franca de Manaus apoiaram o projeto de modernização das antigas instalações, com a finalidade de aumentar não só o número de recintos para melhor abrigar as espécies da floresta amazônica como também para melhor acolher o público visitante. Atualmente o Zôo possui exemplares de quelônios, jacarés, mamíferos e aves, num total de 430 animais, com mais de 60 espécies diferentes.
Assim, além de servir para aproximar o Exército da sociedade civil, o Zoológico do CIGS cumpre importante papel na formação dos combatentes de selva, pois a instrução referente à sobrevivência na selva culmina com os ensinamentos sobre a utilização da fauna e da flora como fontes de alimento. Essa é uma das maiores tarefas da Divisão de Veterinária do CIGS, responsável pelo Zôo. Além disso, na selva os animais não são vistos com facilidade, e com freqüência ocorre que, durante um curso inteiro, os alunos não vêem nenhum animal. Por isto, os animais apresentados têm de ser observados e estudados constantemente, proporcionando subsídios à instrução.
Atenção aos detalhes
O papel do CIGS e de sua Divisão de Doutrina e Pesquisa no aperfeiçoamento do combatente de selva brasileiro vai muito além de pesquisar e ensinar a construção e uso de abrigos e armadilhas, emprego de armas e equipamentos, etc. Chega-se ao nível de detalhar, por exemplo, o tipo de tecido ideal para uso nos uniformes, a técnica de amarração ideal dos cadarços usados nos coturnos, a composição da ração operacional, o projeto de uma rede de selva adequada, e muitos outros.
Acima A rede de selva aprovada pelo CIGS, com mosquiteiro, compartimento sob o leito e toldo impermeável. Os tirantes de lona nas laterais servem para o trespassamento de hastes de madeira, de modo a utilizar a rede como maca (Foto: Raimundo Valentim).
O coturno de selva, com o sistema de amarração aprovado pelo CIGS, e amostra do uniforme atual (Foto: Raimundo Valentim).
A definição de um tecido ideal para ser usado na confecção dos uniformes foi tarefa para vários anos, até se chegar ao modelo atual, com percentuais ideais de polyester e algodão, de forma a permitir a secagem rápida do uniforme, constantemente exposto à umidade, sem que apresente desconforto ao militar. O mesmo empenho foi aplicado ao estabelecimento da técnica de amarração dos cadarços dos coturnos, de modo a permitir sua rápida desamarração ou mesmo o corte com faca, para que o combatente possa liberar rapidamente seu equipamento e nadar com maior desenvoltura, se isso significar sua sobrevivência na hipótese de, por exemplo, cair em águas profundas e turbulentas.
A definição da composição da ração operacional também mereceu por parte do CIGS intensos estudos, incluindo a análise de rações utilizadas por exércitos de outros países. A ração do exército americano, por exemplo, foi analisada e testada no ambiente da selva amazônica. Devido ao seu elevado teor de gordura, foi constatado que o combatente de selva que fizesse uso dela estaria fora de combate em menos de três dias, com sérios problemas intestinais e diarréia. A ração brasileira, além de estar adaptada ao paladar do soldado brasileiro —com pratos como arroz e feijão, carne assada e frango , tem elevado teor protéico e de fibras.
Acima Um dos instrutores do CIGS, Sargento Ricci, explica o funcionamento de diversos tipos de armadilhas, utilizando-se de maquetes (Foto: Raimundo Valentim).
Saco de ração operacional e seu conteúdo, incluindo os acessórios (Foto: Raimundo Valentim).
Também faz parte das responsabilidades do CIGS instruir os participantes dos Cursos de Operações na Selva sobre o correto uso dos recursos da floresta, seja para a construção de armadilhas (voltadas aos oponentes, ou à caça e pesca), cuidados com animais peçonhentos, e como usar animais e vegetais para os mais diversos fins, incluindo a alimentação. Frutas e animais comestíveis abundam na floresta, assim como os venenosos ou tóxicos. Note-se que, entre os animais considerados comestíveis, encontram-se algumas larvas e insetos de aspecto nada apetitoso para o homem da cidade.
Se a selva já é extremamente perigosa e desconfortável durante o dia, à noite o perigo e o desconforto são ainda maiores. Para permitir que o guerreiro de selva possa manter e recuperar suas energias, com repouso e conforto adequados, e mantendo-se a salvo de mosquitos, ofídios, aracnídeos e outros riscos, o CIGS não mediu esforços para desenvolver uma rede de selva ideal. O modelo aprovado e em uso atualmente possui mosquiteiro, toldo para abrigo da chuva (que, sendo impermeável, também pode ser usado para recolher a água da mesma), compartimento na parte inferior para armazenar as armas e os equipamentos individuais do combatente, e tirantes de lona resistentes nas laterais, que permitem sua transformação em uma maca improvisada, simplesmente passando-se duas hastes de madeira nas laterais.
Armas e equipamentos
Uma das maiores responsabilidades da Divisão de Doutrina e Pesquisa do CIGS é a avaliação e aperfeiçoamento de armas, visando seu emprego na Guerra de Selva. O ditado sempre lembrado pelos homens do CIGS é o que diz que “A selva não pertence ao mais forte e sim ao mais habilidoso, ao mais resistente e ao mais sóbrio”. Assim, o CIGS tem sido nos últimos anos um dos mais importantes atores no desenvolvimento da chamada “Estratégia de resistência” do Exército Brasileiro, para a eventualidade de um confronto militar entre nossas forças e as de um país ou coligação de países com poderio militar bem superior.
Armas testadas e utilizadas nas instruções do CIGS. O Fuzil Pára-FAL à direita está equipado com um visor noturno de fabricação israelense, com capacidade de telemetria (Foto: Raimundo Valentim).
A besta usada pelas tropas de selva brasileiras é precisa e tem alcance de 700 metros, sendo capaz de atravessar um corpo humano a cerca de 100 metros (Foto: CIGS).
Diversas armas, táticas e equipamentos vêm sendo exaustivamente testados, modificados ou aperfeiçoados pelo EB nos últimos anos, com vistas ao seu emprego na guerra de selva. Muitos são aprovados e muitos são recusados. A constatação de que equipamentos receptores GPS não funcionam corretamente sob a densa cobertura vegetal da floresta, por exemplo, fez com que o Exército restringisse seu uso somente à instrução e a casos nos quais a determinação de coordenadas precisas é imprescindível, como numa evacuação aeromédica. Nesta situação, entretanto, o militar com o receptor seria obrigado a se deslocar até uma clareira ou até a margem de um rio para usar o equipamento. No dia a dia das operações de selva do Exército, o que se usa são as tradicionais cartas e bússolas. Forças excessivamente dependentes de recursos tecnológicos como o GPS poderiam ficar em sérios apuros na Amazônia.
No que se refere ao armamento individual do guerreiro de selva, o EB tem, ao mesmo tempo, o problema e a solução. Fuzis de assalto de diversos tipos foram e são avaliados, incluindo armas de alta qualidade, como o fuzil alemão Heckler & Koch HK33 e o norte-americano M16A2, ambos no calibre 5,56mm, e o tradicional FAL do Exército Brasileiro, no calibre 7,62mm. O fuzil padrão das tropas de selva brasileiras é o Pára-FAL, a versão com coronha rebatível, usada também pelas tropas pára-quedistas brasileiras e outras unidades. O Pára-FAL tem se mostrado a arma ideal para emprego na selva por suas características de peso, rusticidade e simplicidade de manuseio. Por outro lado, sua substituição no futuro será, certamente, um sério problema para o Exército. O calibre 5,56mm, usado na maior parte dos modernos fuzis de assalto, é considerado inadequado para o combate de selva, devido ao pequeno peso do projétil e à sua tendência de assumir uma trajetória instável ao colidir com pequenos obstáculos, como folhas e galhos de árvores. Isso acaba retirando do projétil muita energia e, consequentemente, poder de parada (stopping power).
Acima Tanto o lança-chamas (à esquerda) quanto o lança-granadas (à direita) tiveram seu uso por parte dos combatentes de selva do EB aprovado pelo CIGS (Foto: Raimundo Valentim).
O respeito que o Pára-FAL conquistou entre os combatentes de selva justifica-se, por exemplo, pelo resultado de um teste realizado numa das bases de instrução do CIGS, quando um exemplar de cada do HK33, do M16A2 e do Pára-FAL foram comparados, com o objetivo de determinar sua resistência às condições da floresta. Numa manhã, cada uma das armas recebeu limpeza e a necessária manutenção, de acordo com as recomendações do fabricante, foi municiada e colocada sobre cavaletes de madeira, e exposta ao Sol e à chuva durante todo o dia e a noite seguinte.
Pela manhã do outro dia, um oficial retirou o HK33 do cavalete e tentou disparar uma rajada contra um alvo: a arma travou várias vezes. Ao repetir a experiência com o M16A2, verificou-se que este não disparou um só tiro, pois estava grimpado. Finalmente, o oficial dirigiu-se ao Pára-FAL, conhecido como “pit-bull” entre a tropa e, surpreendentemente, não somente conseguiu descarregar todo o pente no alvo, como ainda remuniciou a arma e repetiu a dose. Este oficial confidenciou ao autor que não coloca em dúvida a qualidade das outras duas armas, mas o teste evidencia o fato de que ambas necessitam de muito mais cuidados e manutenção do que o tradicional e confiável Pára-FAL.
Acima A eficiência da roupa de camuflagem (Ghilie Suit) utilizada pelos caçadores (snipers) do EB na Amazônia é demonstrada nesta foto (Foto: CIGS).
Mas as armas disponíveis para o uso na selva não se resumem ao fuzil, à faca de combate e ao inseparável facão de mato. Armas incomuns, como bestas e até mesmo a tradicional zarabatana dos indígenas da região, podem fazer parte do arsenal do guerreiro de selva. Os modelos de bestas usados têm grande precisão e poder de penetração, podendo atravessar um corpo humano a quase 100 metros de distância. Silenciosa e mortal, a besta é considerada uma arma excelente para eliminar sentinelas. O mesmo se aplica à zarabatana, principalmente associada a dardos com venenos cujo preparo é um segredo bem guardado pelo EB e pelos soldados indígenas que, em número cada vez maior, engrossam as fileiras dos Batalhões de Selva na Amazônia, com excelente avaliação por parte de seus comandantes.
A importante participação dos índios brasileiros na formação das tropas de selva brasileiras pôde ser exemplificada durante a Operação Ajuricaba II, em outubro/novembro de 2003, quando as Forças do Partido Azul, responsáveis pela defesa da região, usaram soldados indígenas como rádio-operadores. Falando em sua própria língua, eles evitavam que as comunicações fossem decifradas pelas forças invasoras, ou Partido Vermelho, compostas por elementos da Brigada Pára-quedista, Fuzileiros Navais e outras tropas de elite, sediadas em diferentes regiões do país. Essas, diga-se de passagem, tinham efetivos maiores e eram dotadas de armas e equipamentos de alta tecnologia, tendo total controle sobre o espectro eletromagnético na área da operação.
Instrutor do CIGS durante aula do COS a oficial da Legião Estrangeira da França, um Comando do Exército Argentino e um membro das Forças Especiais do Exército do Equador (Foto: CIGS).
Num conflito na Amazônia, as forças de selva do EB agiriam em pequenas frações, mas capazes de inflingir pesadas perdas ao adversário, fazendo uso do seu conhecimento da floresta para desaparecer sem deixar vestígios. Dentro deste espírito, uma tática que voltou a ter força dentro do EB nos últimos anos foi o emprego de equipes de atiradores de elite (snipers), denominados "caçadores" no Exército. Uma equipe de caçadores é formada por dois sargentos, sendo um o atirador (o sniper, propriamente) e o outro o observador (spotter). A arma já testada e aprovada para o uso por essas equipes é o fuzil Imbel Fz .308 AGLC, de projeto e fabricação nacionais. O AGLC é uma arma de precisão baseada na ação Mauser, de reconhecida e inegável confiabilidade e segurança. Com um cano flutuante, tipo “match”, forjado a frio e adaptado para o tiro com luneta, e usando munição 7,62 x 51mm, a arma saiu-se muito bem quando comparada a diversos tipos de fuzis de precisão de fabricação estrangeira. O tipo de camuflagem (ghillie suit) usado pelas equipes de caçadores também já teve sua eficiência determinada pelo trabalho do CIGS.
Outra arma testada e adotada para uso por tropas de selva é a tradicional escopeta calibre 12, empregada pelos esclarecedores dos grupos de combate. Como o esclarecedor é o elemento que vai à frente da formação, precisa de uma arma com o máximo de poder de fogo, para a possibilidade de um encontro com uma patrulha inimiga. Outras armas que tiveram seu uso aprovado para guerra na selva graças aos estudos realizados pelo CIGS foram o lança-granadas de 40 mm e o lança-chamas.
Um “cachê” aberto, mostrando seu conteúdo. No caso, rações de combate. Camuflados, dificilmente são percebidos pela tropa adversária, nativos ou animais (Foto: Raimundo Valentim).
Mas o trabalho desenvolvido pelo CIGS em busca de meios que possam fazer valer a chamada “estratégia de resistência” foi ao ponto de testar e aprovar o emprego da tradicional e popular carabina Puma, modelo Winchester, de ação por alavanca, fabricada pela empresa Amadeo Rossi, enquanto a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) fabrica sua munição, calibre .38. A idéia por trás disso era encontrar uma arma que fosse de fácil manuseio, relativamente precisa e barata, que pudesse ser distribuída para reservistas e mesmo entre a população civil, no evento de uma intervenção militar estrangeira na Amazônia, e cuja munição fosse facilmente encontrada no comércio. Nos testes realizados pelo CIGS, ficou demonstrado que a carabina Puma pode ser precisa em distâncias superiores a 100 metros. Bons atiradores conseguem tiros precisos a quase 200 metros. E, na opinião dos oficiais instrutores do CIGS, 100 metros pode ser a largura de uma margem a outra de um rio, separando o atirador com a Puma de uma fração de tropa inimiga.
Uma tática desenvolvida pelo CIGS e já disseminada entre as tropas de guerra na selva é o emprego de “cachês”, como meio de pré-posicionamento de armas, munição, medicamentos, rações e outros suprimentos fundamentais às frações de tropa. Os cachês são, basicamente, depósitos de suprimentos enterrados, com a finalidade de ressuprimento de tropas nacionais, que estejam operando em nosso território, em área sob intervenção de uma nação ou força multinacional incontestavelmente superior, em meios, à brasileira. Os cachês são enterrados em locais de difícil acesso e percepção pelo invasor, mas de fácil abordagem pela tropa interessada. Os buracos são resistentes a intempéries, forrados por madeiras nas laterais e com drenagem no fundo, sendo usados para acondicionar containers de fibra de vidro com suprimento para pequenas frações (10 a 15 homens). A camuflagem dos “cachês” é tão eficiente que não eles são percebidos por animais ou nativos.
Combat Boat CB90H, produzido na Suécia, analisando seu uso da Bacia Amazônica (Foto: Dockstavarvet AB).
O trabalho do CIGS na avaliação de armas e equipamentos, bem como de toda tática ou meio que aumente as já superlativas capacidades dos guerreiros de selva brasileiros, não pára. Ainda no primeiro semestre de 2004, o CIGS deverá se envolver na avaliação de um exemplar do Combat Boat CB90H, uma lancha produzida pela empresa sueca Dockstavarvet AB, que deverá enviar um exemplar a Manaus em abril. O CB90H é capaz de transportar 20 soldados totalmente equipados (o equivalente a cerca de 2,8 toneladas), em velocidades de até 40 nós e com relativo conforto, mesmo em condições climáticas adversas, sendo capaz de realizar abicagens violentas em praias ou margens de rios, ocupadas por forças adversárias. As tropas desembarcam através de uma rampa lançada por sobre a proa. O CB90 é largamente utilizado pela marinha sueca (172 unidades do CB90H), e foi exportado para a Noruega (20 CB90N), Malásia (17 CB90H) e México (40 CB90H).
O projeto Búfalo
Uma das primeiras preocupações do CIGS era resolver a questão do transporte de armas, munição, água, rações e outros equipamentos por frações de tropa empenhadas na guerra de selva. Assim, na busca de um meio de transporte eficiente e de baixo custo para o ressuprimento nas operações na selva, tentou-se a utilização de animais de carga ou que pudessem ser adestrados para esse fim.
Uma das primeiras tentativas desenvolvidas pelo CIGS foi durante o Comando do Cel Gélio Fregapani, com a utilização de uma anta, criada desde cedo no zoológico do Centro com este fim. A experiência infelizmente não obteve sucesso, já que o animal, selvagem, jamais aceitou que fosse transportada qualquer carga nas costas.
Um búfalo da raça Mediterrâneo equipado com o colete especialmente desenvolvido pelo CIGS para o transporte de suprimentos diversos. O animal, equipado com este colete, suporta o seu próprio peso em carga, ou cerca de 400 kg (Foto: CIGS).
Outra tentativa, também frustrada, mas que começou a demonstrar a validade do conceito da utilização de animais, foi executada a partir de 1983 com a utilização de muares. Estes, apesar de historicamente já haverem sido bastante utilizados, não só pela população civil como em operações militares, infelizmente não se adaptaram à Amazônia, sendo que o principal problema verificado foi de natureza veterinária. O animal teve sérios problemas com apodrecimento de cascos e doenças de natureza epidérmica.
Com a continuidade dos estudos chegou-se finalmente ao búfalo, animal já criado com sucesso na Amazônia em pelo menos quatro espécies, rústico e com diversas características que foram ao encontro das necessidades militares para o emprego de animais.
O chamado Projeto Búfalo nasceu em 2000, e tem demonstrado ser uma das soluções para as necessidades das tropas de selva brasileiras, devido à resistência do animal, sua adaptação ao ambiente e, principalmente, à sua capacidade de transportar 400 kg ou mais de carga no lombo, ou até três vezes isso quando tracionando carroças. A história completa do Projeto Búfalo, por si só, já mereceria uma matéria à parte, que poderá vir a ser tratada em uma futura edição.
Defendendo a Amazônia brasileira
Para os oficiais, subtenentes e sargentos do Exército Brasileiro, completar o Curso de Operações na Selva é uma das maiores honras a conquistar em suas carreiras. O CIGS, que já formou quase quatro mil especialistas em guerra na selva durante sua existência, cumpre assim o seu papel de formulador da doutrina de guerra na selva do Exército Brasileiro, pois esses oficiais e sargentos, que tão duramente conquistaram o direito de usar em seus uniformes o almejado “Brevê da Onça”, agirão como elementos disseminadores de tudo que aprenderam em sua passagem pelo CIGS, em toda unidade por onde passarem em suas carreiras. Muitos retornarão ao Centro, como instrutores, formando novas gerações de guerreiros de selva. Após sua formação, ao deixarem pela última vez a unidade, atravessando o portão da guarda e ouvindo o tradicional grito de “Selva!”, saberão que, na floresta, nunca mais se sentirão como caça. São agora caçadores, prontos a defender a brasileira Amazônia.
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