Exemplo
de educação ao Imperador Dom Pedro II do Brasil.
"Instruções para serem
observadas pelos Mestres do Imperador na Educação Literária e Moral do Mesmo
Augusto Senhor".
Artigo
1.
Conhece-te a ti mesmo. Esta
máxima... servirá de base ao sistema de educação do Imperador, e uma base da
qual os Mestres deverão tirar precisamente todos os corolários, que formem um
corpo completo de doutrinas, cujo estudo possa dar ao Imperador idéias exatas
de todas as coisas, a fim de que Ele, discernindo sempre do falso o verdadeiro,
venha em último resultado a compreender bem o que é a dignidade da espécie
humana, ante a qual o Monarca é sempre homem, sem diferença natural de qualquer
outro indivíduo humano, posto que sua categoria civil o eleve acima de todas as
condições sociais.
Artigo
2.
Em seguimento, os Mestres,
apresentando ao Seu Augusto Discípulo este planeta que se chama terra, onde
nasce, vive e morre o homem, lhe irão indicando ao mesmo tempo as relações que
existem entre a humanidade e a natureza em geral, para que o Imperador,
conhecendo perfeitamente a força da natureza social, venha a sentir, sem o
querer mesmo, aquela necessidade absoluta de ser um Monarca bom, sábio e justo,
fazendo-se garbo de ser o amigo fiel dos Representantes da Nação e o
companheiro de todas as influências e homens de bem do Pais.
Artigo
3.
Farão igualmente os Mestres
ver ao Imperador que a tirania, a violência da espada e o derramamento de
sangue nunca fizeram bem a pessoa alguma...
Artigo
4.
Aqui deverão os Mestres se
desvelar para mostrarem ao Imperador palpavelmente o acordo e harmonia da
Religião com a Política, e de ambas com todas as ciências; porquanto, se a
física estabelece a famosa lei da resistência na impenetrabilidade dos corpos,
é verdade também que a moral funda ao mesmo tempo a tolerância e o mútuo perdão
das injúrias, defeitos e erros; essa tolerância ou mútuo perdão, sobre revelar
a perfeição do Cristianismo, revela também os quilates das almas boas nas
relações de civilidade entre todos os povos, seja qual for sua religião e a
forma do seu governo...
Artigo
5.
Lembrem-se pois os Mestres
que o Imperador é homem; e partindo sempre dessa idéia fixa, tratem de lhe dar
conhecimentos exatos e reais das coisas, sem gastarem o tempo com palavras e
palavrões que ostentam uma erudição estéril e prejudicial, pois de outra forma
virá o seu discípulo a cair no vicio que o Nosso Divino Redentor tanto combateu
no Evangelho, quando clamava contra os doutores que invertiam e desfiguravam a
lei, enganando as viúvas e aos homens ignorantes com discursos compridos e
longas orações, e se impondo de sábios, embora sendo apenas uns pedantes
faladores.
Artigo
6.
Em conseqüência os Mestres
não façam o Imperador decorar um montão de palavras ou um dicionário de
vocábulos sem significação, porque a educação literária não consiste decerto
nas regras da gramática nem na arte de saber por meio das letras; em
conseqüência os Mestres devem limitar-se a fazer com que o Imperador conheça
perfeitamente cada objeto de qualquer idéia enunciada na pronunciação de cada
vocábulo...
Artigo
7.
Julgo portanto inútil dizer
que as preliminares de qualquer ciência devem conter-se em muito poucas regras,
assim como os axiomas e doutrinas gerais. Os Mestres não gastem o tempo com
teses nem mortifiquem a memória do seu discípulo com sentenças abstratas; mas
descendo logo às hipóteses, classifiquem as coisas e idéias, de maneira que o
Imperador, sem abraçar nunca a nuvem por Juno, compreenda bem que o pão é pão e
o queijo é queijo.
Assim, por exemplo, tratando
das virtudes e vícios, o Mestre de Ciências Morais deverá classificar todas as
ações filhas da soberba distinguindo-as sempre de todas as ações opostas que
são filhas da humildade. E não basta ensinar ao Imperador que ohomem não deve
ser soberbo, mas é preciso indicar-lhe cada ação, onda exista a soberba, pois
se assim não o fizer, bem pode acontecer que o Monarca venha para o futuro a
praticar muitos atos de arrogância e altivez, supondo mesmo que tenha feito
ações meritórias e dignas de louvor, e isto por não ter, em tempo, sabido
conhecer a diferença entre a soberba e a humildade.
Artigo
8.
Da mesma sorte, tratando-se
das potências e das forças delas, o Mestre de ciências físicas fará uma resenha
de todos os corpos computando os grãos de força que tem cada um deles, para que
venha o Imperador a compreender que o poder monárquico se limita ao estudo e
observância das leis da Natureza... e que o Monarca é sempre homem e um homem
tão sujeito, que nada pode contra as leis da Natureza feitas por Deus em todos
os corpos, e em todos os espíritos.
Artigo
9.
Em seguimento ensinarão os
Mestres ao Imperador que todos os deveres do Monarca se reduzem a sempre animar
a Indústria, a Agricultura, o Comércio e as Artes; e que tudo isto só se pode
conseguir estudando o mesmo Imperador, de dia e de noite, as ciências todas,
das quais o primeiro e principal objeto é sempre o corpo e a alma do homem;
vindo portanto a achar-se a Política e a Religião no amor dos homens. E o amor
dos homens é que é o fim de todas as ciências; pois sem elas, em vez de
promoverem a existência feliz da humanidade, ao contrário promovem a morte.
Artigo
10.
Entendam-me porém os Mestres
do Imperador. Eu quero que o meu Augusto Pupilo seja um sábio consumado e
profundamente versado em todas as ciências e artes e até mesmo nos ofícios
mecânicos, para que ele saiba amar o trabalho como principio de todas as
virtudes, e saiba igualmente honrar os homens laboriosos e úteis ao Estado. Mas
não quererei decerto que Ele se faça um literato supersticioso para não gastar
o tempo em discussões teológicas como o Imperador Justiniano; nem que seja um político
frenético para não prodigalizar o dinheiro e o sangue dos brasileiros em
conquistas e guerras e construção de edifícios de luxo, como fazia Luís XIV na
França, todo absorvido nas idéias de grandeza; pois bem pode ser um grande
Monarca o Senhor D. Pedro II sendo justo, sábio, honrado e virtuoso e amante da
felicidade de seus súditos, sem ter precisão alguma de vexar os povos com
tiranias e violentas extorsões de dinheiro e sangue.
Artigo
11.
Sobretudo, recomendo muito
aos Mestres do Imperador, hajam de observar quanto Ele é talentoso e dócil de
gênio e de muita boa índole. Assim não custa nada encaminhar-lhe o entendimento
sempre para o bem e verdade, uma vez que os Mestres em suas classes respectivas
tenham com efeito idéias exatas da verdade e do bem, para que as possam
transmitir e inspirar ao seu Augusto Discípulo.
Eu não cessarei de repetir
aos Mestres que não olhem para os livros das Escolas, mas tão somente para o
livro da Natureza, corpo e alma do homem; porque fora disto só pode haver
ciência de papagaio ou de menino de escola, mas não verdade nem conhecimento
exato das coisas, dos homens, e de Deus.
Artigo
12.
Finalmente, não deixarão os
Mestres do Imperador de lhe repetir todos os dias que um Monarca, toda a vez
que não cuida seriamente dos deveres do trono, vem sempre a ser vitima dos
erros, caprichos e iniqüidades dos seus ministros, cujos erros, caprichos e
iniqüidades são sempre a origem das revoluções e guerras civis; e então paga o
justo pelos pecadores, e o Monarca é que padece, enquanto que seus ministros
sempre ficam rindo-se e cheios de dinheiro e de toda sorte de comodidades. Por
isso cumpre absolutamente ao Monarca ler com atenção todos os jornais e
periódicos da Corte e das Províncias e, além disto, receber com atenção todas
as queixas e representações que qualquer pessoa lhe fizer contra os ministros
de Estado, pois só tendo conhecimento da vida pública e privada de cada um dos
seus ministros e Agentes é que cuidará da Nação. Eu cuido que não é necessário
desenvolver mais amplamente estas Instruções na certeza de que cada um dos
Mestres do Imperador lhe adicionará tudo quanto lhe ditarem as circunstâncias à
proporção das doutrinas que no momento ensinarem. E confio grandemente na
sabedoria e prudência do Muito Respeitável Senhor Padre Mestre Frei Pedro de
Santa Mariana, que devendo ele presidir sempre a todos os atos letivos de
Imperador como seu Aio e Primeiro Preceptor, seja o encarregado de pôr em
prática estas Instruções, uniformizando o sistema da educação do Senhor Dom
Pedro II, de acordo com todos os outros Mestres do Mesmo Augusto Senhor".
Paço
da Boa Vista no Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1838
Marquês
de Itanhaém - Tutor da Família Imperial
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