Este livro dos organizadores
Margarida Maria de Carvalho; Pedro Paulo Funari; Claudio Umpierre Carlan; Érica
Cristhyane Morais da Silva, é o resultado do estudo da guerra na qual possui
larga tradição e continua mais atual do que nunca. Nos últimos anos, as
abordagens sobre a guerra multiplicaram-se. Como diz Heráclito, A guerra é
o pai de todas as coisas. O tema da guerra e da vida militar permanece central
para a reflexão sobre a vida em sociedade. Desse modo, a História Militar do
Mundo Antigo é constituída de três volumes, fundamentando-se em debates atuais
considerados como objetos a partir de novas perspectivas. A obra aqui analisada
é o volume 2.
Não é objetivo do livro
realizar uma apologia a guerra, mas ampliar a noção de documento ao analisar a cultura
material de uma sociedade, através do ponto de vista militar.
No mundo antigo nem todos os
cidadãos eram poetas, mas todos eram soldados. Antes de mais nada, o cidadão
Greco- romano era um soldado, pronto para entrar em combate, quando sua cidade precisasse.
Desde a mais remota infância, tinha todo o treinamento militar disponível. Era
preparado para a arte da guerra, sabia usar a lança, a espada e o escudo. Usava
também a inteligência como estratégia. Cada arma tinha sua função específica e
simbólica.
O estudo da História Militar
está na origem da própria disciplina histórica, tanto como gênero literário
antigo, como no período moderno. Durante toda a Antiguidade, História e Guerra
estiveram sempre ligadas, tanto na literatura em língua grega como latina. A
História política não podia prescindir de uma atenção particular aos conflitos
militares. Nas últimas décadas, o interesse pela História militar encontrou
novos temas, ênfases e interesses, da vida sexual às identidades sociais, do
colonialismo às relações de gênero, simbolismo às subjetividades.
História Militar do Mundo
Antigo possui 270 páginas que congrega, a partir de eixos temáticos, o que há
de mais consolidado e inovador na ciência brasileira e uma mostra da interação
internacional, com capítulos de grandes referências dos estudos da História
Militar do Mundo Antigo.
No campo da escrita da
história ocorreram mudanças no decorrer das últimas décadas do século XX, com a
ampliação do conceito de documento histórico e a adoção da perspectiva
multidisciplinar, que é cada vez mais necessária pela própria natureza diversa
da documentação.
A importância da música para
a vida militar pode ser atestada tanto na pedagogia para a formação do
cidadão-soldado, quanto na rotina militar, nos exercícios ou propriamente na
guerra. Mesmo que o Mundo grego tenha construído uma significação peculiar do
uso da música no universo da guerra, este costume deixou alguns vestígios nas
sociedades posteriores, deixando como legado cultural para o mundo moderno a instituição
das bandas militares e dos gêneros musicais marciais.
Para compreender a guerra
não basta pensarmos nos condicionantes sociais, políticos e militares. É
preciso ir além e perceber a presença do fator religioso e de outros aspectos
do imaginário, como a influência da música sobre a vida no mundo da polis,
contribuindo para o disciplinamento físico e espiritual dos cidadãos.
A teoria militar tem
despertado o interesse de cientistas sociais em diferentes áreas de atuação, o
fato ratifica que o tema sobre a guerra ainda permanece atual. O confronto da
guerra, entendida como evento trágico, tem sido tema de interesse, ao longo do
tempo, de cientistas políticos, filósofos e historiadores ao qual concluem que
a guerra configura-se como um fenômeno que faz parte da história da humanidade.
Segundo Norberto Bobbio,
podemos dizer que existe um estado de guerra quando dois ou mais grupos
políticos encontram-se entre si em uma relação de conflito cuja solução esta
confiada ao uso da força. Por mais que a guerra, em todas as suas formas,
suscite horror e indignação, não podemos riscá-las das relações dos homens
porque ela faz parte da história da humanidade. (BOBBIO, 2000:513/ 2005:511).
A nossa civilidade, nos leva
a afirmar que talvez não seríamos aquilo que somos sem todas as guerras que
contribuíram para a nossa formação. O binômio guerra-paz permanece como parte
do imaginário social de toda a humanidade.
A tendência atual seguida
pelas críticas aos modelos normativos é que de um lado, a história militar, especialmente
aquela produzida pela historiografia de tradição inglesa, enfatiza a
indispensabilidade das fontes (por vezes esquecida) em resposta às questões
surgida no âmbito do que se convencionou chamar de pós-moderno. Por outro,
torna-se cada vez mais comum e preocupante, embora ainda não de modo tão difuso
na história militar, o aparecimento do historiador interessado mais com as
condições de narração histórica do que propriamente com o produto ao qual a
história se dedica.
Nos dias que correm, a mídia
vende a imagem de que uma guerra- qualquer guerra é vencida pelo lado que
dispuser de maior inteligência, nos faz crer, ou tenta fazê-lo, que a
aquisição de inteligência vence guerras ou, ao menos, batalhas.
Através de estudos sobre o
uso da inteligência militar por dois dos maiores generais do mundo antigo
(César e Alexandre) - é possível compreender que mesmo nos tempos mais
recentes, um dos lados em conflito dispunha de inteligência à vontade e isso
não lhe assegurou a vitória.
Consideramos, contudo, que o
fenômeno da guerra constitui um campo de investigação por direito próprio, ou
seja, que a guerra é um objeto de estudo passível de ser explorado.
Guerras cada vez mais
longínquas e fronts muitas vezes simultâneos levaram os romanos a pôr em ação
forças superiores às quatro legiões tradicionais e anuais do exército consular,
prorrogando tanto o tempo de serviço se seus legionários quanto os comandos de
seus generais, a fim de assegurar a unidade estratégica de uma mesma guerra.
Que a religião e a guerra
estavam em íntima relação em Roma é algo de que temos várias comprovações nas
práticas sociais e políticas romanas. As interpretações mais recentes do papel
e da natureza dos rituais apoiam a tese de que ocupavam um papel central na
cultura e no funcionamento da sociedade (SCHEID, 1993).
Podemos entender que o
colégio sacerdotal arcaico, os fetiale, situava-se na interseção entre o
direito, a religião e a guerra mesmo após o principado, pois a atividade
religiosa da elite romana manteve-se conectada com os rituais tradicionais ao
longo de séculos. Conseqüentemente, o estudo dos rituais romanos é tema de
grande interesse para o historiador da antiguidade. Os rituais devem ser vistos
sempre em relação com as ideias e a crenças sobre o passado da urbs, formando
um ele entre o passado e o futuro. Dessa forma, os rituais não somente
representavam e definiam a identidade romana; em certo sentido, a constituíam.
Em uma conhecida passagem do
Digesto (I, 5, 4), lemos que os escravos (servil) são assim chamados
porque os generais costumavam conservar (servare) os cativos para venda, e não
matá-los. Esse esclarecimento etimológico encontrou uma duradoura recepção na
história intelectual da escravidão, desde, pelo menos, Santo Agostinho (Cidade
de Deus, XIX, 15).
Embora uma guerra não torne
necessariamente o cativo em escravo a venda posterior realiza essa
transformação -, é comum, nas histórias sociais de Roma, uma equação imediata
entre guerra e escravidão, transmitindo a impressão de que a guerra era a
principal fonte de escravos.
A associação entre guerra e
escravidão, e sua correspondente noção do escravo como cativo, encontra seus
antecedentes nas fontes gregas e latinas, que apresentam a atividade bélica
como uma das origens da escravidão.
A documentação romana
permitia deduzir a ideia de que a escravidão era acima de tudo, uma instituição
de ordem essencialmente internacional, no sentindo de que as duas noções de
escravo e de estrangeiro se confundiam: o escravo nada mais é do que um
estrangeiro sem direitos (Lévy-Bruhl, 1960).
A escravidão colocou-se como
uma necessidade para suprir uma mão-de-obra que antes era provida internamente
por um campesinato dependente. Embora se careça de estudos mais específicos
para o caso de Roma, há elementos que indicam que a presença de escravos nos
exércitos romanos se fazia notar.
A escravidão, cuja
ubiqüidade nas sociedades antigas ainda estimula debates e controvérsias. Ainda
mais quando os escravos ousam invadir um domínio ideologicamente circunscrito a
cidadãos: a guerra.
A reflexão que proponho
acerca da História militar de Roma está fundamentada em um amadurecimento das
discussões nas últimas décadas e na sua importância para abrirmos
possibilidades novas maneiras de se pensar o poder e influência do exército
romano nas regiões conquistadas.
Escritos por pessoas das
mais diferentes categorias sociais, os grafites são registros impares dos
humores dos habitantes de Pompéia, pois explicitam suas paixões e ódios, seus
amores e desavenças, suas piadas, suas ironias, seus desejos e sonhos. Tem como
base a cultura material, ou seja, as ânforas olearias e seus selos, as lápides
funerárias, lamparinas, relevos de mármore, indicando que a Arqueologia é uma
ferramenta fundamental para se pensar outras maneiras de se aproximar do
exército romano em períodos no qual não estão em campos de batalha.
Refletir sobre as
particularidades das relações de gênero, econômicas e sociais abre a
possibilidade de focarmos em uma multiplicidade de aspectos do cotidiano e
construirmos outras interpretações acerca da presença militar nas fronteiras
romanas, pensando a vida dos moradores das áreas mais distantes do centro do
Império a partir de seus sentimentos, conflitos e contradições.
De acordo com a tradição
romana, para se evitar a cólera dos deuses, um esforço militar para ser bem
sucedido devia estar inserido no bellum istum, ou seja, pautado por motivos
considerados justos: expulsão do inimigo, vingança por uma injustiça sofrida e
entre outros casos. O aspecto religioso fazia parte de todas as instâncias da
vida na Roma Antiga e não poderia deixar de estar presente na guerra. Assim a
guerra envolvia um ritual muito complexo.
O desenvolvimento da
arqueologia, da etnologia e da história das religiões e o aprofundamento do
conhecimento da Antiguidade propiciaram a descoberta de mundos estranhos ao
universo clássico e uma visão distinta do homem a partir de comparações
resultando em explicações diferentes.