O sorriso estampado ao lado
do Mickey está guardado até hoje em uma caixa de sapatos. Paulo Moço fez sua
primeira viagem ao exterior em 1997, quando conheceu os parques da Disney na
Flórida. Levou uma câmera analógica e 3 filmes de 36 poses, comprados com a
mesada. Das cerca de 100 fotos que tirou, algumas queimaram e outras foram
estragadas quando alguém passava na frente da câmera na hora do disparo. Esse
tipo de situação não irritava mais quando ele foi à Europa em 2004. Na ocasião,
havia ganhado uma câmera digital de 5 megapixels. Não importava mais se alguém
passasse na frente na hora em que clicava a Torre Eiffel. Bastava apagar e
repetir. E assim ele preencheu com centenas de imagens seu cartão de memória de
256 MB. Em 2011, voltou à estrada com uma nova câmera, que faz fotos de 14
megapixels e custou menos que a anterior. Milhares de fotografias depois, ele
só não esgotou o cartão de 16 GB porque tinha outra câmera - a do smartphone,
usada para fotografar pratos, doces e bebidas que consumia.
As viagens mostram como a
nossa relação com a fotografia mudou nos últimos 15 anos, com a popularização
das câmeras digitais. Antes, tirar fotos era mais caro e complexo (caso você
não lembre, era preciso comprar o filme, colocá-lo na câmera e levar para
revelar no fim da viagem, com os dedos cruzados para não ter queimado muitas
fotos). Além disso, fotografar era restrito a aparelhos criados para tal. Hoje,
ninguém precisa ter câmera para tirar foto. Celulares e tablets cumprem a
função. E as máquinas estão cada vez mais baratas e poderosas.
A tecnologia banalizou a
fotografia. Mas não só ela. Outras formas de produção de conteúdo também. A
cada ano, é mais fácil e barato manifestar o que quer que seja. Faça, publique.
Comente, tuíte. Viralizar virou verbo do dia a dia. E o fluxo só aumenta. Em
2010, a humanidade atingiu a marca de 1 zettabyte de informação criada e
replicada. Zettabyte? É o mesmo que 1 trilhão de gigabytes de informação.
Joio e trigo
É tanta coisa que publicamos
diariamente na internet que, se você parar para ver, dá para contar a história
da sua vida com base apenas em e-mails trocados. Mas que legado estamos
deixando para os historiadores do futuro? Como os desbravadores da internet
conseguirão interpretar nossos tempos neste oceano de fotos de comida e hits de
YouTube? O trabalho não será muito diferente do que já é feito por
pesquisadores que estudam outras épocas, acredita Jennifer Gavin, diretora de
comunicação da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. "Da mesma forma
que alguém lê um jornal do século 18, pesquisadores do futuro analisarão tuítes
por diversos ângulos diferentes para ver o que preocupa e interessa nos dias de
hoje", diz. "O que foi trending topic? Qual a porcentagem de assuntos
ligados a política? E o quanto as pessoas tuitaram sobre gatos ou festas?"
Para ela, o trabalho consiste menos em separar o joio do trigo e mais em tentar
entender o cotidiano das pessoas. Afinal, futilidades fazem parte da existência
humana desde muito antes da internet. "O fato de que muito do conteúdo é
bobo e mundano não o torna inútil na pesquisa social."
É justamente para que no
futuro seja possível traçar um retrato da sociedade com base no que publicamos
na internet que a Biblioteca do Congresso dos EUA arquiva os cerca de 230
milhões de tuítes feitos todos os dias. A iniciativa, lançada em 2010, faz
parte do programa de preservação digital da biblioteca, que estuda maneiras de
arquivar com segurança diversas formas de mídias.
Então aquele seu tuíte
tirando sarro do chefe palmeirense após o título do Corinthians está guardado
na Biblioteca do Congresso americano? A não ser que você tenha configurado sua
conta como privada, sim. Por mais superficial que possa parecer, ele ajudará,
com bilhões de outros textos de 140 caracteres, a compor um perfil do nosso
tempo. "Em 1963, consideravam os Beatles estúpidos porque eles tinham
versos como `yeah, yeah, yeah¿", compara Jennifer. "Hoje podemos
voltar no tempo e ver os primeiros materiais da banda e a influência que ela
teve no mundo. O Twitter pode propiciar uma janela para o futuro assim",
diz.
Mas não é tarefa fácil.
Estamos cada vez mais conectados. Novas gerações são naturalmente inclinadas a
tratar a internet como uma extensão da vida, não como algo à parte. A história
das pessoas passa a ser mais registrada na rede. A lista de aprovados no
vestibular está no Google. Os melhores amigos estão marcados nas fotos do
Facebook. O cargo novo no trabalho está exposto no perfil do Twitter. O amor da
sua vida cabe no Gmail.
Isso tudo acontece porque
gerar informação está cada vez mais fácil. O custo de produzir, administrar e
armazenar conteúdo online é 1/6 do que era em 2005, segundo um estudo da
organização Internet Data Corporation. Além disso, o investimento no universo
digital cresceu 50% entre 2005 e 2011. Ou seja, está mais fácil porque está
mais barato. E está mais barato porque há dinheiro fluindo para que essa
tendência continue nos próximos anos.
Teorias do caos
Pesquisadores do futuro
lidarão não só com a maior quantidade de informação já produzida na Terra como
com o desafio de contextualizar fatos, costumes, modas, personagens. E o
principal, como afirma Jennifer: tudo isso será apenas um ponto de vista do
mundo atual, não um retrato acabado. Por mais que fotografar e chamar bolinhos
coloridos de cupcakes seja um costume popular nas redes sociais, isso não quer
dizer, necessariamente, que no futuro nossa época será a geração Instagram.
Porque simplesmente há muito mais seres humanos que não fazem ideia do que seja
uma foto de cupcake no Instagram do que aqueles que sabem. Logo, contextualizar
continuará sendo dever dos historiadores. Além disso, há a questão da
autenticidade, como lembra o historiador da UFRGS Fábio Chang, que pesquisa
arqueologia histórica. "Para escrever a história do início do século 21,
será preciso trabalhar com blogs e redes sociais", diz. Segundo Fábio,
comprovar a autenticidade da documentação pode ser um desafio maior no futuro
do que hoje. Por exemplo, um post assinado por um egípcio durante a Primavera
Árabe. Ele foi mesmo feito por um rapaz do Egito? Durante a crise no país? Esse
cuidado será essencial.