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sábado, 7 de setembro de 2013

Os Evangelhos Apócrifos: Um estudo historiográfico.




            O presente texto não tem por objetivo diminuir de forma alguma a autoridade dos quatro Evangelhos Canônicos aceito pela maior parte das Igrejas cristãs pelo mundo. Mas, sim mostrar uma visão histórica e como tal uma análise firmada nesta de que estes livros que foram colocados fora do Cânon principal do cristianismo possa nos ensinar mais sobre aqueles que os escreveram e seus objetivos. É com essas bases que apresento aos amigos Construtores um texto que visa ampliar nossa visão sobre essa obra a muito envolvida em confrontos e diversas com bases teóricas.  Não é fácil definir o que são “evangelhos apócrifos”, bem como o que são escritos apócrifos em geral. Para simplificar a tarefa, pode-se dizer: “apócrifos” designa todos os textos que estão reunidos na coleção iniciada por Edgar Hennecke, e depois sob a curadoria de Wilhelm Schneemelcher, intitulada “Neutestamentliche Apokryphen”. Com essa definição do conceito, porém, estaríamos presos num círculo fechado, uma vez que a escolha dos textos para aquela coleção parte de uma determinada pré-compreensão do que seja “apócrifo”.

CHH

“A todas as grandes mentes que deram seu sangue para que a Justiça se cumpra no Universo.”

Maria Helena de Oliveira Tricca

 Nas edições até agora feitas dessa obra de referência, não houve mudança digna de nota quanto a seu conteúdo. Na primeira edição (1904) e na segunda edição (1924) constavam, por exemplo, os Padres Apostólicos: a primeira e a segunda Epístola de Clemente, as Epístolas de Inácio, de Policarpo, de Barnabé, a Didaché, o Pastor Hermas, Também nesse grupo de escritos trata-se de um corpus artificialmente organizado, que deve seu título, “Padres Apostólicos”, a uma edição do texto em 1672. A partir da terceira edição (1959), gradativamente começam a serem considerados entre os “Apócrifos do Novo Testamento” os textos de Nag Hammadi. Alguns textos eram acrescentados e depois tornavam a ser excluídos, tais como a Carta de Diogneto, os Ditos de Sextus (ambos somente na segunda edição) e as Odes de Salomão (na segunda e na terceira edições).

            Christoph Markschies, que iniciou uma reedição da valiosa coleção, sugere que se fale de “apócrifos cristãos antigos”. Com o termo “antigo” assinala-se a restrição à época da Igreja antiga, pois, de fato, a redação dos apócrifos prolongou-se até a Idade Média e a Idade Moderna, enquanto o termo “cristão” deve libertar o conceito de sua fixação ao Novo Testamento. Se com isso todas as dificuldades quanto à terminologia estão removidas, permanece uma questão em aberto. Além do mais, os escritos de Nag Hammadi, entre os quais se encontra o tão considerado Evangelho de Tomé, deverão ser excluídos da obra, para serem reunidos numa tradução própria.

            O termo “apócrifo”, para iniciar, provém do grego (απόκρυφος). Significa literalmente, “oculto”, “escondido”, “secreto”. Aplicado a textos do cristianismo primitivo, seu significado toma duas direções que, apesar de suas oposições, se mantêm inter-relacionadas:

            1) Com o conceito “apócrifo” designam-se revelações secretas, que não constam no conjunto das revelações geralmente aceitas, mas que, para determinados grupos, têm relevância bem maior do que os ensinamentos conhecidos e aceitos no ambiente eclesial. “Apócrifo” tem aqui um tomo positivo, sem reservas; com o mesmo significado, o termo também está presente em Clemente de Alexandria.

            2) Em contrapartida, os seguidores da Igreja Ortodoxa, defendendo um cânone escriturístico claramente delimitado, tomam a designação “apócrifo” como sinônimo de “falsificação”, “não-confiável”. No Decretum Gelasianum, uma lista canônica do século VI, o termo “apócrifo” aparece de maneira estereotipada, em referência a um grande número de escritos, com o significado equivalente a “herético”. Nega-se qualquer base de autoridade ao acervo escriturístico assim denominado.

            Em ambas as avaliações estabelece-se uma relação entre os escritos apócrifos e o cânone do Novo Testamento, que em seus elementos básicos estava estabelecido em fins do século III. Para uma parte dos assim chamados apócrifos, principalmente para os mais tardios, um fator que levou à sua produção poderia ser assim descrito: tomando como medida os escritos neotestamentários, tinha-se a intenção de complementá-los, levar adiante o processo de produção escriturístico e preencher supostas lacunas. Em parte pretendia-se também, diante deles, valorizar interesses teológicos próprios, adaptando-se, por isso mesmo, aos seus grandes gêneros literário: evangelhos, epístolas, atos de apóstolos, apocalipse.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A Cidade perdida de Mahendraparvata é encontrada depois de 1200 anos nas florestas do Camboja



Um grupo de pesquisadores, liderados pelo australiano Damian Evans e pelo francês Jean Baptiste Chevance, encontrou, com a ajuda de uma tecnologia a laser, uma cidade perdida há mais de 1200 anos nas florestas do Camboja. 

Evans é diretor da Universidade de Sydney e do centro de pesquisa arqueológica no Camboja, ele disse que o "momento eureka" na descoberta veio semanas antes, quando os dados do LIDAR apareceu na tela do computador. "Com este instrumento - Bang - de repente vimos uma imagem imediata de uma cidade inteira que ninguém sabia que existia, o que é notável", disse ele.

Heng Heap, um ex-soldado do Khmer Vermelho, guiou a expedição, guiando através do mato e contornando as minas terrestres na área onde ele conhece cada afloramento significativo, fluxo e vale. Ferido em três explosões de minas terrestres e vestindo uma perna de plástico protético, Heng Heap disse que ficou surpreso quando os arqueólogos, usando coordenadas GPS, apontaram-o diretamente para o sitio do templo que ele nunca soube que existia e que foram enterrados ou escondidos pela floresta.


Equipe liderada por Damian Evans explora cidade recém-descoberta do Camboja.  Imagem: http://www.technocrazed.com/a-1200-years-old-lost-city-discovered-in-cambodian-forest

"Eu sabia que algumas coisas estavam lá, mas não todas elas", disse Heng Heap. Os arqueólogos vários sítios com pedestais de templos desmoronados, que provavelmente foram saqueados séculos atrás.

Guiados pelo GPS carregados com os dados do LIDAR, foi que a equipe tropeçou em pilhas de tijolos antigos. Eles descobriram dois sítios do templo onde há rochas esculpidas ou tijolos antigos que podem ser encontrados espalhados nas proximidades, indicando que elas nunca foram saqueadas. Eles também encontraram uma caverna com esculturas historicamente significativas que foi usada por eremitas que eram comuns durante o período de Angkor.


Um buda esculpido em uma rocha em uma antiga cidade do Camboja que foi descoberto usando a tecnologia laser. Foto. Nick Moir

O SISTEMA LIDAR funciona disparando pulsos de laser rápidas em uma paisagem com um sensor, medindo o tempo que leva para cada pulso ser recuperado. Ao repetir o processo, a tecnologia constrói uma imagem complexa do terreno que é medida. Em Phnom Kulen, os dados revelaram centenas de montes misteriosos vários metros de altura em toda a cidade na maior parte enterrada. Uma teoria não comprovada é que eles eram túmulos onde os mortos eram enterrados, mas pode haver muitas explicações. "Nós ainda estamos tentando descobrir o que essas coisas eram", disse Evans.


Imagens de  Mahendraparvata tiradas pelo Sistema Lidar. Imagem: http://www.technocrazed.com/a-1200-years-old-lost-city-discovered-in-cambodian-forest

"Pode haver implicações para a sociedade de hoje... por exemplo, vemos a imagem que a paisagem era completamente desprovida de vegetação", disse ele. "Uma teoria que estamos vendo é que o impacto ambiental grave do desmatamento e a dependência de gestão da água levaram ao fim da civilização. Talvez se tornou muito bem sucedido, a ponto de se tornar incontrolável."

Durante séculos a montanha de Phnom Kulen manteve-se um lugar sagrado, aonde dezenas de milhares de peregrinos vêm a cada ano para banho e realizar ritos espirituais. A pesquisa arqueológica de cavernas esculpidas e leitos de rios mostra a área permaneceu ocupada durante todo o período de Angkor entre os séculos 9 e 16.

Mas a tecnologia LIDAR confirmou que Mahendraparvata foi construído em Phnom Kulen antes do rei Jayavarman II descer da montanha para construir outra capital a Angkor, perto de onde está agora. "Este é o lugar onde tudo começou, dando origem à civilização Angkor que todo mundo associa com Angkor", disse Evans. Construído ao longo de centenas de quilômetros quadrados, com uma população de centenas de milhares, talvez um milhão de pessoas, Angkor foi o maior complexo urbano de baixa densidade, pré-industrial do planeta, dominando sudeste da Ásia por 600 anos.

De acordo com o estudioso chinês Zhou Daguan, que gravou a vida na então capital entre 1294 e 1307, os governantes de Angkor governantes presidiam uma civilização baseada no trabalho escravo, onde as pessoas viviam nus da cintura para cima, enrolados em um pano. Eles moravam em cidades prósperas, de baixa densidade, com canais e aldeias e templos dedicados a um deus.


Arqueólogos no local do Camboja. Foto. Nick Moir.

De acordo com escrituras antigas, um sacerdote brâmane Jayavarman II tornou-se um "monarca universal" em 802. Mas pouco se sabe sobre a cidade que ele presidiu. Phnom Kulen foi coberto por selva por séculos até os madeireiros mudaram-se para a área na década de 1990, após anos de guerra civil. A área era um antigo reduto do Khmer vermelho, uma organização maoísta que surgiu em 1970 e tentou repetir os resultados agrícolas do período de Angkor, causando a morte de mais de um milhão de pessoas por excesso de trabalho ou de fome e centenas de milhares de pessoas foram executadas.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O “Menestrel” ou “Depois de um Tempo”? William Shakespeare ou Veronica Shoffstall?


Reportagem do Lawrence Journal World de 1995, abordando o poema de Veronica Shoffstall. Imagem: http://kamibible.me/2010/04/28/even-sunshine-burns-if-you-get-too-much/

Encontrei um texto intitulado como O Menestrel (?) e também conhecido como Um Dia Você Aprende ou coisas similares. Ele começa assim:

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. (…)

E por aí vai.

Não entrarei no mérito da qualidade, mas obviamente ele não foi escrito por Shakespeare e, aparentemente, quem o espalhou com essa autoria o fez como quem costuma fazer isso com a intenção de ver um texto ser espalhado sob o aval de um nome conhecido. Na verdade, o texto que circula por aí é a tradução corrompida, distorcida e alongada do texto, de um poema de autoria de Veronica Shoffstall e se chama After a While.

O que mais me irrita são comentários como: “Não importa quem escreveu. Importa que alguém escreveu”.

Desculpe-me, mas importa sim.

Um dia publicar informações erradas e autorias equivocadas na internet será considerado tão nocivo quanto atirar lixo nos rios. Mas o que estou dizendo… atirar lixo nos rios já é considerado nocivo e nem por isso as pessoas deixam de fazê-lo.

Shakespeare nunca escreveu textos de autoajuda, se você já leu algum texto de autoajuda creditado a Shakespeare, pode ter certeza de que não é dele.

Um Dia Você Aprende que..., Você Aprende ou Depois de um Certo Tempo são títulos para um mesmo hoax, um texto que circula pela internet com indevida atribuição de autoria . Trata-se de um texto de Veronica A. Shoffstall, que o escreveu aos 19 anos, no livro de formatura (yearbook) de sua escola, ao terminar o college (equivalente ao grau superior, no Brasil).

A autora registrou o copyright da versão original em 1971. O título, originalmente, era Comes the Dawn, mas o texto ficou mais conhecido como After a While. Começou a circular como sendo de William Shakespeare ainda nos Estados Unidos, onde recebeu acréscimos, cortes e alterações. Todas essas versões circulam no Brasil e no mundo todo, nas mais diversas línguas.

Na verdade, não há nem uma única frase do texto que possa ser encontrada nos trabalhos de Shakespeare. No entanto, a internet em inglês registra (em 15 de agosto de 2012) 46 milhões de referências para esse texto com a autoria indevidamente atribuída a ele, e apenas 22 mil referências para a verdadeira autora. Em português, há 8 mil para Shoffstall e 60 mil para Shakespeare.

Aqui temos nas palavras da própria autora o que ela acha da adulteração e plágio de seu texto sendo o mesmo creditado a Shakespeare:
Resposta original dada por Veronica Shoffstall ao ser indagada sobre o poema.
"This poem has been plagiarized, bastardized, renamed, reworded, redesigned, expanded and reduced. But it is my work, which I wrote at the age of 19 and had published in my college yearbook. Why anyone would want to claim it is beyond me, but for what it's worth, I wrote it, and if I'd known it was going to be this popular, I'd have done a better job of it.

Veronica Shoffstall

Tradução da resposta original do inglês para o português

"Este poema foi plagiado, degradado, renomeado, reformulado, ampliado e reduzido. Mas é o meu trabalho, que eu escrevi com a idade de 19 anos e havia publicado no meu anuário da faculdade. Porque alguém iria querer dizer que é de outra pessoa? Mas para mim o que vale a pena, é saber que eu escrevi, e se eu soubesse que ia ser assim popular, eu teria feito um trabalho melhor."
Veronica Shoffstall

"After a While"

After a while you learn
the subtle difference between
holding a hand and chaining a soul
and you learn
that love doesn't mean leaning
and company doesn't always mean security.
And you begin to learn
that kisses aren't contracts
and presents aren't promises
and you begin to accept your defeats
with your head up and your eyes ahead
with the grace of woman, not the grief of a child
and you learn
to build all your roads on today
because tomorrow's ground is
too uncertain for plans
and futures have a way of falling down
in mid-flight.
After a while you learn
that even sunshine burns
if you get too much
so you plant your own garden
and decorate your own soul
instead of waiting for someone
to bring you flowers.
And you learn that you really can endure
you really are strong
you really do have worth
and you learn
and you learn
with every goodbye, you learn...

© 1971 Veronica A. Shoffstall


"Depois de um tempo"

Depois de algum tempo você aprende a sutil diferença
entre segurar uma mão e acorrentar uma alma,

domingo, 1 de setembro de 2013

Uma análise da autobiografia de Pu Yi: O Último Imperador da China.


O jovem Pu Yi já entronado Imperador da China. Imagem: O Último Imperador da China; autobiografia de Pu Yi.

Saudações construtoras a todos os amigos e visitantes do Construindo História Hoje. Como todos já têm visto, tem sido momentos de grandes transformações para o Projeto Construindo História Hoje, e nenhuma dessas mudanças seria possível sem vocês, que de todos os meios contribuem para o bom desenvolvimento de nossa empreitada pelas veredas da história.

Recentemente terminei de ler o livro O Último Imperador da China, a autobiografia de Pu Yi Xiansheng, o livro cujo nome no original em Chinês chamava-se “A Primeira Metade da Minha Vida”, foi traduzida para o inglês como “From Emperor to Citizen” que deu origem ao clássico filme de Bernardo Betolucci, The Last Emperator de 1987. O filme de Bertolucci baseado na autobiografia de Pu Yi foi o primeiro a receber permissão do governo Chinês para ser gravado dentro da Cidade Proibida. A saga de Pu Yi é fantástica em todos os sentidos, pois podemos acompanhar pelas próprias palavras do último imperador desde sua ascensão ao trono até sua prisão nos campos de concentração do Partido Comunista Chinês. No filme de Bertolucci, uma verdadeira obra prima da sétima arte, com tão boa direção, roteiro, cenografia, iluminação e figurino, ainda assim nada se compara ao livro, aonde podemos com os mais fantásticos detalhes compreender a epopeia vivida por um homem que nasceu para ser imperador e acabou como jardineiro-botânico e bibliotecário na China Comunista. Trago aos meus leitores um pequeno vislumbre desta maravilhosa obra e espero por meio desta postagem leva-los a conhecer está grandiosa história. Com um conteúdo humano fantástico, pois uma pessoa que passou por tantas transformações em sua vida “publica” e privada, sem enlouquecer, é forçosamente um personagem interessante. Afinal, não é qualquer um que deixa de ser “deus” para ser jardineiro, e Pu Yi recorda todas suas transformações com um notável bom humor. Como entender a psicologia de um personagem desses?


O Segundo Príncipe Chun Tsai Feng, sentado com Pu Yi (a sua direita), e seu irmão bebê, Pujie em 1908. Imagem: O Último Imperador da China; autobiografia de Pu Yi.

Como Imperador

Pu Yi Xiansheng nasceu em Pequim, filho do Segundo Príncipe Chun, o Príncipe Tsai Feng na mansão da família Chun, em sete de fevereiro de 1906. Seu avô, Yi Huan, o sétimo filho do Imperador Tao Kuang que reinou de 1821 a 1850, foi o primeiro Príncipe de Chun. Foi o filho mais velho de seu pai o segundo Príncipe Chun. Foi coroado em dois de dezembro de 1908, aos três anos de idade na condição de décimo soberano da dinastia Ching (A dinastia Ching reinou de 1644-1911) e último imperador da China. Quando explodiu a Revolução de 1911 contra a Dinastia Ching. Foi destronado aos seis anos de idade em 10 de outubro de 1911, por uma seção do Novo Exército, instigado pelas sociedades revolucionárias da burguesia e da pequena burguesia insurgiu-se. Mais insurreições, em outras províncias seguiram-se a essa, e a Dinastia Ching não demorou a cair. Mesmo destronado continuou vivendo na Cidade Imperial de Pequim com toda sua corte, aonde manteve muitas de suas prerrogativas, inclusive o titulo de Imperador. Em 1924 quando as tropas do Kuomintang, o Partido Nacionalista Chinês invade Pequim, ele é expulso pelos militares quando contava 19 anos de idade e refugia-se na embaixada japonesa.


Aqui Pu Yi aparece como Imperador de Manchukuo à serviço do governo japonês.   Imagem: O Último Imperador da China; autobiografia de Pu Yi.

Após a Revolução de 1911sua família foi a primeira a abandonar os velhos costumes e seu pai Tsai Feng (Segundo Príncipe Chun), foi o primeiro dos príncipes a ter um automóvel e a instalar um telefone em sua casa. Foram os primeiros a cortar os rabichos, e ele foi o primeiro dentre os príncipes da nobreza a usar trajes ocidentais. Seu pai Tsai Feng, após renunciar a Regência e ser expulso do palácio imperial pelas forças rebeldes de 1911 pronunciou estas palavras:

“Ter livros é riqueza verdadeira, e dispor de um pouco de ócio é estar a meio caminho da imortalidade.”

Tsai Feng (Segundo Princípe Chun)

O Traidor

Quando em 1931 o Japão invade o nordeste da China no chamado Incidente de Mukden, Pu Yi aos 26 anos é obrigado pelos militares japoneses a tornar-se o imperador fantoche da região ocupada na Manchúria, aonde o governo japonês criou o Estado fantoche de Manchukuo. Governaria o Estado de Manchukuo de 1934 á 1945, até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Na União Soviética

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, Pu Yi foi capturado pelos soviéticos junto com a primeira leva de criminosos de guerra de “Manchukuo”, ao chegar a União Soviética passaram por uma privilegiada detenção com três grandes refeições russas e uma refeição intermediária à tarde. Havia empregados para atender, médicos e enfermeiras para cuidar de nossa saúde, rádios, livros, jornais e equipamentos para outros tipos de recreação. Havia até pessoas para leva-los para caminhar. Durante os cinco anos que Pu Yi passou na União Soviética nunca abandonou seu ar superior. Membros de sua família dobravam seus acolchoados, arrumavam seu quarto, traziam a comida e lavavam suas roupas. Como não lhes era permitido chamarem-no de “Majestade”, chamavam-no de “Elevado”; e exatamente como nos velhos tempos vinham ao seu quarto para lhe prestar seus respeitos.


Nesta foto Pu Yi aparece junto a outros prisioneiros no presídio de Fushun.   Imagem: O Último Imperador da China; autobiografia de Pu Yi.

Como Pu Yi não abandonava sua forma superior de se portar e recusava-se a estudar e seus pensamentos não haviam mudado em nada de fundamental para admitir sua culpa de traição.

Diante dessas atitudes Pu Yi foi levado pelas autoridades soviéticas para testemunhar em um Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, em agosto de 1946, ele denunciou veementemente os crimes de guerra cometidos pelos japoneses que ele odiava por tê-lo usado como Imperador fantoche por quase 15 anos. O Testemunho de Pu Yi durou oito dias, e foi o mais demorado do julgamento, dando excelentes notícias para os jornais que no mundo inteiro exploram o sensacionalismo.


Uma das últimas fotos de Pu Yi já em liberdade e trabalhando como jardineiro e bibliotecário. Imagem: O Último Imperador da China; autobiografia de Pu Yi.

A razão pela qual Pu Yi foi chamado para testemunhar era para expor a verdade sobre a invasão japonesa na China, e para demonstrar como o Japão havia me usado como títere para ajuda-los a governar o Nordeste da China ao qual haviam denominado “Manchukuo”. Mesmo denunciando todos os crimes cometidos pelos japoneses Pu Yi escondeu seus próprios crimes do Tribunal Militar Internacional. Mesmo assim um advogado americano gritou no tribunal para Pu Yi: “Você põem a culpa nos japoneses para tudo, mas esquece dos seus próprios crimes, mas cedo ou tarde o governo Chinês irá condená-lo por seus crimes”.

De volta à China

Em 31 de julho de 1950, um trem soviético carregando os criminosos de guerra do “Manchukuo” chegou à estação na fronteira sino-soviética. Devolvido à China depois de cinco anos, já República Popular governada por Mao Tse-Tung, como criminoso de guerra certo de que iria ser fuzilado por crimes de guerra. Não foi! Os soviéticos o levaram até a cidade de Shenyang aonde foi entregue as tropas chinesas que o avisaram que não seria executado, mas sim “reeducado”. De Shenyang foram levados para o presídio de Fushun e colocados em celas! Nos dias que se passaram receberam livros e jornais para começarem seus estudos voltados para o comunismo chinês ou Maoismo.


Aqui Pu Yi aparece posando para uma foto com o uniforme de prisioneiro. Imagem: O Último Imperador da China; autobiografia de Pu Yi.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Rodrigo Diaz de Vivar, mais conhecido como El Cid: o maior guerreiro dos reinos da Península Ibérica.


El Cid Campeador. Imagem: Spain / Castille and Leon / Burgos.  

Rodrigo Diaz de Vivar, nome completo de um dos poucos homens imortalizados como um dos mais bravos cavaleiros de toda a Idade Média. Mais conhecido como “El Cid”, esse homem de origem nobre nasceu entre os vários conflitos que marcaram o processo de formação das monarquias nacionais da Península Ibérica. Vivendo no século XI, no começo da sua segunda metade, recebeu a adequada educação militar que o distinguira enquanto nobre e, futuramente, nos campos de batalha.

Por volta dos 20 anos, quando ainda era um aprendiz na arte da guerra, partiu para a cidade de Graus onde defendeu a população local contra a investida do reino de Aragão. Mediante suas vitórias iniciais, alcançou prestígio ao assumir o posto de comandante da milícia de Castela. Sob sua liderança, protegeu o reino a que representava contra uma tentativa de conquista feita pelos exércitos de Leão. Após a morte de Sancho, rei a quem defendia, Rodrigo viu os reinos de Castela e Leão ir para as mãos de Afonso VI.

Sob o comando do novo rei, ele abandonou os campos de batalha para empregar seus conhecimentos jurídicos em favor do novo governante. Sendo exímio jurista, tinha a difícil missão de arbitrar as contendas desenvolvidas entre os senhores de terras do reino. Retribuindo aos seus serviços, Afonso VI não poupou esforços para que seu fiel funcionário tivesse um bom casamento. No ano de 1076, Rodrigo se casou com Jimena, a filha do conde de Oviedo.

Alguns anos depois, ao ser enviado para cobrar impostos na cidade muçulmana de Sevilha, acabou surpreendido por um ataque da cidade de Granada. Nesse instante, o serviçal foi obrigado a dar lugar ao guerreiro de conquistas pregressas. Assim, conseguiu defender os sevilhanos contra os exércitos vizinhos ao organizar habilmente suas tropas. Com a vitória, ele despertou a fúria e a oposição de vários nobres que tinham sido vítimas de sua espada. 

Em um complô, a nobreza que se enfurecia contra Rodrigo promoveu um ataque à cidade de Toledo. Injuriado contra os seus opositores, aproveitou das forças de seu pequeno exército para invadir esse mesmo núcleo urbano. Agindo sem a permissão do rei, acabou sendo banido do reino de Castela e Leão. Dessa forma, abandonou o perfil de simples serviçal para então assumir a função de mercenário. Para sobreviver, ele abandonou os ideais de fidelidade para guerrear em troca de riquezas.

Inicialmente, tentou oferecer os seus serviços para o conde de Barcelona. Sem uma resposta positiva, se aliou aos muçulmanos que ocupavam a porção centro-sul da Península Ibérica. O cavaleiro nascido em um reino cristão passou a defender os muçulmanos da cidade de Zaragoza contra a investida de militares espanhóis interessados em conquistar terras. Durante essas lutas, aprisionou Berenguer Ramón II, o conde de Barcelona que havia anteriormente rejeitado seus serviços.



segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A historiografia e a memória social


História e memória social. Imagem: Comunicação Chapa Branca. 

Veremos no seguinte texto a ação da memória social dentro da historiografia e as implicações de seu emprego e as marcas da memória social nos eventos históricos. Diante da discrepância que emerge do confronto da historiografia com as fontes e vestígios produzidos pelos acontecimentos na história e as fontes e vestígios memoriais produzidos pelo evento em si. Buscando desse modo uma perspectiva de uma história social da lembrança. Essas disputas pelas representações do passado no âmbito da memória procedem pelas reflexões sociológicas, a memória tornou-se um conceito central na área das humanidades. Os historiadores, por seu turno, transformaram-a em fonte, submetendo-a a crítica e desconfiando de seu apelo à verdade em função da imensa subjetividade que ela carrega. Na historiografia, a reflexão sobre a memória social.

Mas, como podemos estudar existem outros diálogos possíveis, os quais nos apontam para a referida história social da lembrança, ou seja:

“O modo como cada sociedade organiza e reflete sobre o seu passado torna-se objeto de reflexão para o historiador.”
Noé Freire Sandes

As afirmações de Maurice Halbwachs nos faz compreender o quão importante é para nosso estudo, de que “a lembrança é, em larga medida, uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora se manifestou já bem alterada.” Desse modo abandona-se aqui a perspectiva da lembrança bergsoniana (Doutrina do filósofo francês Henri Bergson, conhecido principalmente por Ensaios sobre os dados imediatos da consciência, matéria e memória.) como conservação total do passado, para concebê-la como um refazer e não um reviver. Mas, como afirma Halbwachs a representação da memória coletiva como um trabalho coletivo de construção da lembrança. Ele propôs uma definição sociológica da noção de memória coletiva em que assegurou que o indivíduo não se lembra sozinho, o que implica afirmar que o indivíduo volta-se para o passado sempre de acordo como olhar de seu grupo, ou melhor, de seus grupos, pois o indivíduo está inserido num contexto familiar social, nacional, político etc. Desse modo toda a memória é, por definição, coletiva e, portanto, ela impor-se-ia ao pensamento individual. Nessa direção, o sentido ativo do sujeito na história é diluído ou mesmo anulado pelas forças coletivas que passam a subsistir por si mesmas, reflexão marcadamente anti-histórica. Daí não podermos mais referendar sem restrições as posições durkheimianas (Émile Durkheim é considerado um dos pais da Sociologia tendo sido o fundador da escola francesa, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica.) da sociologia da memória de Halbwachs. De todo modo, vale ressaltar que o próprio texto de Halbwachs contém recursos de uma crítica que pode ser voltada contra ele. Trata-se do uso quase leibniziano (Gottfried Wilhelm Leibniz foi um filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário alemão.) da ideia de ponto de vista, de perspectiva, pois ele assevera:

“Se a memória coletiva tira sua força e sua duração por ter como base um conjunto de pessoas, são os indivíduos que se lembram, enquanto integrantes do grupo. De bom grado, diríamos que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantendo com outros ambientes.”

Maurice Halbwachs

Assim o próprio Halbwachs, ao afirmar a ideia de perspectiva individual, já dá margem para que a noção de quadro social não se estabeleça tão rigidamente.

            Através das críticas antropológicas da memória avaliamos de modo mais delimitado alguns problemas que os usos do conceito memória coletiva apresenta, quais sejam provocar a confusão entre as lembranças memorizadas e as lembranças narradas; reduzir a existência da memória coletiva com base em atos como comemoração, construção de museus, mitos, etc. Semelhantes atos não são suficientes para atestar a existência de uma memória coletiva.

“Ao afirmar que, se uma teoria é uma proposição em que há certo valor explicativo do real, não podemos verdadeiramente falar em teoria da memória coletiva, posto que ela não explica de que maneira as memórias individuais, que são as únicas atestadas biologicamente, podem se aglomerar para constituir uma memória coletiva.”

Joël Candau

Ainda que a perspectiva antropológica perceba a memória como uma faculdade individual, é possível distinguir duas formas de memória em que ela seja compartilhada: a protomemória e a metamemória.

Protomemória: é o que podemos chamar de memória hábito, que são saberes do corpo que se adquirem em ações cognitivas ao longo do mais precoce processo de socialização. É mais uma presença do passado que uma memória do passado. É um sistema inteiro de conhecimento que se revela automaticamente em determinados momentos.

Metamemória: é a representação que cada indivíduo faz de sua própria memória. É uma memória reivindicada. E, como ela é reivindicada, é a dimensão essencial da construção da identidade individual. Ao se tratar de usa forma coletiva, ela será por nós brevemente analisada neste estudo como a memória reivindicada pelo grupo, a memória que o grupo supõe ter. Ainda seguindo a abordagem da antropologia da memória nos estudos de Joël Candau, supomos que a metamemória coletiva ajuda o grupo a pensar-se como uma comunidade e contribui para modelar um mundo onde o compartilhamento da memória faz-se ontológico. É a partir dela que os representantes de um grupo creem compartilhar de um passado comum. É nesse sentido que ela estabelece a unidade simbólica do grupo, uma vez que ela representa o grupo como pertencente a um todo homogêneo e integrado.

Memória Social: para entendermos esta categoria, partimos da ideia de que existe um passado espacial e historicamente distante que se impõe à sociedade como memória social. Nessa direção, formula-se um projeto narrativo capaz de orientar o cidadão acerca do sentido temporal de sua comunidade. Nesse sentido adotamos o conceito de Memória Social atentos a, sobretudo, duas de duas propriedades: 

a) Ela é medida por leituras do passado disponibilizadas no espaço público por ampla rede discursiva. 

b) Lida com vetores de memória, em que se destacam a grande mídia e os textos destinados ao ensino de História. Como vetor, a memória transforma-se em meio capaz de ordenar a diversidade da experiência social.