Autor: Leandro CHH do Blog Construindo História Hoje.
O
relato da vida e morte de Átila, o Rei dos Hunos, como consta nos texto do
historiador romano Priscus.
Apesar
de ser um individuo com uma personalidade agressiva e desconfiada, Átila
permitiu-se acompanhar por romanos durante os períodos de paz entre ambos os
povos. Foi nesses períodos que Priscus pode conhecer melhor o homem por detrás
do “flagelo de Deus” (Flagellum Dei), era dessa forma que Átila se
autointitulava.
Átila o Huno, segundo uma representação artística.
Os hunos moravam em complexos murados semelhantes a povoados muito grandes. Como observou Priscus: “dentro da muralhas haviam um numeroso grupo de prédios, alguns feitos de tábuas e construídos próximos para fins decorativos, outros eram feitos de troncos de madeira cuja casca havia sido arrancada, e haviam sido planejados em seguida. Eram dispostos em colunas circulares feitas de pedra, que começavam no chão e chegavam a uma altura moderada”.
Átila
morava na maior residência, que era embelezada com torres para diferenciá-la
das demais. Os aposentos eram acarpetados com tapetes que pareciam ser de lã e
as mulheres hunas faziam bordados coloridos e delicadas roupas de cama e mesa.
Os hunos jantavam em sofás, no mesmo estilo dos romanos. Tapeçarias e trabalhos
ornamentais multicoloridos eram pendurados para decorar os quartos. Embora os
guerreiros hunos praticassem a poligamia, estima-se que as mulheres tivessem um
status superior entre os hunos em comparação com a maioria das sociedades
nômades, das estepes ou orientais.
Concepção artiistica de um Cavaleiro Huno.
Apesar
de uma sociedade guerreira, o caráter masculino era superior e algumas das
descrições de Priscus mostram que as mulheres desempenhavam um papel de
“embelezar” os rituais e trabalhos nas casas.
Mapa do Império Huno, em seu avanço máximo ao Oeste.
A
entrada de Átila na sua sala de jantar é assim descrita:
“Quando Átila estava
entrando, as moças vieram vê-lo e se perfilaram diante dele caminhando sob
estreitas tiras de tecidos de linho branco, sustentadas pelas mãos de mulheres
dos dois lados. Essas faixas de tecido eram esticadas de tal forma que sob cada
uma delas caminhavam pelo menos sete moças. Havia muitas fileiras de moças sob
os tecidos e elas cantavam canções citas.”
O próprio Átila não
impressionou tanto Priscus à primeira vista: Baixo, de peito largo, rosto
desmedido e corpo atarracado, tinha olhos pequenos e profundos, um nariz
achatado e uma barba rala levemente grisalha. Caminhou
ao longo da parede com um arrogante modo de andar, obsevando com altivez de um
lado para o outro. Inconstante, melancólico, desconfiado, Átila parecia ser abstêmio em relação ao vinho e sem senso de humor: os bufões faziam os
outros hunos rirem, mas Átila sentava lá, remoendo, taciturno e com a cara
amarrada.
O único momento em que
revelava um lado humano era quando seu filho caçula, Ernac, entrava no salão de
banquetes. Priscus notou que os olhos rijos de Átila se enterneciam
imediatamente; ele chamava o menino e acariciava sua bochecha. Por que ele era
o preferido, perguntou-se Priscus? Parecia que um vidente lhe dissera certa vez
que sua família entraria em decadência após sua morte, mas que Ernac
restabeleceria a riqueza dos hunos. Profundamente supersticioso, habituado a presságios, oráculos, xamãs e
curandeiros, Átila levou isso muito a sério.
Ilustração do Exército Huno.
No
entanto, a despeito da sua figura, quanto mais Priscus o observava, mais ficava
impressionado. Ele não era apenas um assassino brutal e um tirano cruel, mas
revelava sagacidade e até sabedoria:
“Embora um amante da guerra,
não era propenso à violência. Era um conselheiro muito sábio, misericordioso
para com quem o aceitava como amigo”.
Não
tinha a riqueza como objetivo, exceto como um meio de controle político e
social, e seus próprios gostos tendiam à austeridade em vez do visível consumo.
Novamente nas palavras de Priscus:
“Enquanto para os outros
bárbaros e para nós, só havia pratos preparados generosamente servidos em
travessas de prata, para Átila havia somente carne em um prato de
madeira...Copos de ouro e prata eram entregues para os homens no banquete,
enquanto o dele era de madeira. Sua roupa era simples e não era nada diferente
das demais, com exceção do fato de ser limpa. Nem a espada que ficava pendurada
na lateral de seu corpo, nem as fivelas de suas botas bárbaras e nem as rédeas
de seu cavalo eram decorados com ouro ou pedras preciosas, como aqueles de
outros citas.”
Retrato anônimo de Átila (provavelmente do século XIX). Aparece representado como um europeu, embora seus traços devessem ser de tipo mongólico ou centro-asiático.
Átila
estava assim enviando uma mensagem sutil. Não precisava das manifestações
externas e ornamentos do poder, tendo em vista que estava muito seguro de seu
próprio destino. Também estava dizendo para aqueles que o apoiavam que ele
nunca poderia ser comprado com o ouro romano, e que só a austeridade dava
origem a grandes guerreiros. Átila era cruel e liquidava inimigos conhecidos
num abrir e fechar de olhos, mas também era inteligente e percebeu que a
simples brutalidade acabava afastando até os discípulos próximos: conhecia
suficientemente a história de Roma para se lembrar dos imperadores que tinham
sucumbido por causa de sua crueldade insensata: Calígula, Nero, Domiciano,
Commodus, Elagabulus. Seus seguidores tinham de saber que ele era duro, e ele
lhes dava muitas provas disso; mas eles também precisavam perceber que ele era
capaz de moderação, conciliação e respeito por parte de seus subordinados, o
que faria valer a pena estabelecer uma parceria com ele para a vida toda.
Armamento usado pelos Hunos.
Foi por volta do ano de
451d.C, quando em sua campanha na França, Átila invadiu a cidade de Troyes. O
bispo Lupus de Troyes foi pedir rendição conciliatória a Átila e disse-lhe ser
um homem de Deus. Átila então respondeu EGO SUM FLAGELLUM DEI (eu sou a cólera
de Deus), e isso se tornou parte das duradouras histórias de luta dos reinos
cristãos sobre Átila.
O Arco e a Flecha eram as armas principais dos Hunos.
Cavaleiro Huno, portando seu arco e flecha. Ilustração 1.
Cavaleiro Huno portando seu Arco e Flecha. Ilustração 2.
Cavaleiro Huno portando seu Arco e Flecha. Ilustração 3.
No
retorno para a Hungria de sua campanha na Itália por volta de 452-453d.C, Átila
planejava outra guerra de conquista, agora contra os bizantinos. Foi nesse
contexto que o polígamo Átila fez outro casamento político, acrescentando uma
princesa alemã chamada Ildico a seu pequeno grupo de esposas. Os hunos davam
muito valor à posse de mulheres bem-nascidas, considerando-as como um acréscimo
essencial para seu prestígio e exigindo frequentemente princesas e “damas” como
parte do tributo pagos pelos inimigos conquistados. Uma requintada festa de
casamento foi realizada no início de 453d.C.
A Festa de Átila, quadro do pintor húngaro Mór Than. Baseia-se no fragmento de Priscus, que o representa de branco na parte direita, segurando seu livro de história.
Segundo
o historiador romano Priscus foi durante essa festa de casamento que Átila
morreu subitamente e de forma estranha. Segue o relato de Priscus:
“Pouco antes de morrer, ele
(Átila), se casou com uma moça muito bonita chamada Ildico, depois de outras
inúmeras esposas, como era o costume de seu povo. Ele se entregou ao regozijo
excessivo na festa de casamento, e quando se deitou de costas, cheio de vinho e
de sono, um fluxo de sangue superficial, que deve ter saído de seu nariz,
desceu pela garganta e o matou, uma vez que foi impedido de passar pelas vias
normais. No dia seguinte , de manhã, os criados reias suspeitaram de algum
mal,e, depois de grande alvoroço, irromperam nos aposentos. Descobriram que a
morte de Átila estava consumada por um derramamento de sangue, sem nenhum
ferimento, e a moça com o rosto abatido, chorando por detrás do véu.”
Vestimenta de soldados hunos.
Essa
é a versão convencional sobre a morte de Átila, geralmente aceita pelos historiadores.
Os sintomas descritos sugerem ou a ruptura de uma úlcera do aparelho digestivo,
possivelmente provocada pelo profundo estresse pelo qual Átila estava passando,
ou hipertensão em uma veia importante do corpo – varizes na garganta provocadas
pelo excesso de alcoolismo. Se uma dessas veias se rompe, o sangue vai direto
para os pulmões, no caso dele, que estava deitado de costas; se ele estivesse
de pé ou sóbrio, o ataque não teria sido fatal.
Os
hunos prantearam seu grande líder. É assim que Priscus descreve os ritos fúnebres:
“No meio de uma planície seu
corpo ficou deitado em uma tenda de seda, e um espetáculo extraordinário foi
apresentado solenemente. Os melhores cavaleiros de todo o povo huno fizeram um
círculo em torno do local onde seu corpo jazia, como nos jogos circenses, e recitaram
suas façanhas em um canto fúnebre...Quando eles prantearam com tais lamentos,
com grande folguedo celebraram no seu túmulo o que eles chamam strava, e
deixaram-se abandonar em uma mistura de alegria e luto...Entregaram seu corpo à
terra no sigilo da noite...Acrescentaram as armas dos inimigos conquistadas em
combate, adornos para cavalos brilhando com várias pedras preciosas e
ornamentos de tipos variados, as marcas da glória real. Além disso, para que
essas grandes riquezas fossem mantidas a salvo da curiosidade humana, aqueles
que tiveram a tarefa de arrumar tudo foram recompensados com a morte.”
Átila. De uma ilustração para a Edda Poética.
Alguns
detectaram “demasiados protestos” no hino funeral, ao se declamar as conquistas
de Átila, depois prosseguindo: “ quando
ele tinha conquistado tudo isso favorecido pela sorte, caiu não por causa do
adversário, nem em virtude da traição de
seus amigos, mas no meio de seu povo em paz, alegre em seu regozijo e sem
nenhuma sensação de dor. Há até quem chame isso de morte e ninguém acredita que
seja uma vingança”.
Todavia,
a versão oficial da morte de Átila é problemática em vários níveis. Véus, noivas
chorosas, nenhum grito, portas fechadas à chave –tudo isso se parece demais com
um mistério; a descrição preparada não convence. A versão recebida pode ser
criticada em vários níveis diferentes. Priscus,
o historiador em quem devemos confiar para tudo o que diz respeito a Átila, nem
estava na Europa quando o grande líder huno morreu, uma vez que se encontrava
em missão diplomática no Egito. Seu relato é de segunda mão ou até de terceira.
Não traz nenhuma relação com aquele feito em primeira mão por Priscus, a
respeito do banquete em 449d.C. na sua descrição, o historiador fala que os
outros hunos estavam bebendo e se divertindo, mas afirma que Átila estava
distante, abstêmio, bebendo aos pouquinhos, enquanto os outros davam grandes goles.
Em poucas palavras o caráter de Átila apresentado por Priscus na qualidade de
observador é muito distante da personalidade revelada na última descrição de
sua morte. Naturalmente, era do interesse dos filhos de Átila e dos logades
conspirar para dar a ideia de uma morte repentina e natural; a última coisa
de que eles precisavam para poder ter uma sucessão pacífica era uma
investigação lenta sobre um plano de assassinato. Se essa versão é suspeita,
quais são as prováveis circunstâncias da morte de Átila? Aqui a suspeita se volta contra o imperador
bizantino Marciano, um inimigo implacável, subestimado por Átila. Os bizantinos
estavam bem preparados para usar o assassinato como um instrumento político. O
segundo motivo diz que o germano Edeco, pai de Odoacro, era um seguidor leal de
Bleda, irmão de Átila, assassinado pelo mesmo. Edeco teria planejado uma
vingança a longo prazo. Assim sendo, a morte de Átila, em 453a.C, estaria
relacionada ao assassinato de Bleda, em 445d.C. Edeco poderia ter sido um
autêntico agente duplo, ou pode ter sido “transformado” pelos bizantinos em
algum momento.
Quanto ao meio usado para o assassinato,
é mais provável que o envenenamento lento tenha sido fatal para Átila,
possivelmente até a ingestão de bebidas em pequenos goles durante o banquete do
casamento.
Autor: Leandro CHH
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Você quer saber mais?
McLYNN, Frank. Heróis e
Vilões: Por dentro da Mente dos Maiores Guerreiros da História. São Paulo:
Larousse do Brasil, 2008.
“De
origine actibusque Getarum” do Historiador romano Jordanes, traduzido para o
espanhol por: MARTÍN, José, María Sánhez. Origen y
gestas de los godos Madri,
Cátedra, 2001.