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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Evola e Gentile (parte 3 de 3)

GIOVANNI GENTILE

Pensador, filósofo, pedagogo e doutrinador do Estado Ético e da Nação Orgânica, notável vulto do pensamento idealista e principal renovador da Cultura Italiana nos primeiros decênios do século XX, Giovanni Gentile é, sem dúvida alguma, um dos mais profundos, fecundos, sólidos, vigorosos e coerentes Homens de Pensamento e de Ação já nascidos na Itália, na Europa e no Mundo. Último grande filósofo do Risorgimento naquilo que este movimento teve de nobre e de autêntico, foi ele um lídimo representante, nos campos da Cultura e da Política, da nova, heróica e gloriosa Itália de Vittorio Veneto, que tinha plena consciência de que esta Nova Itália somente seria grande caso nela se instaurasse uma Nova Ordem de Disciplina, Autoridade, Hierarquia, Fé e Colaboração Social. E, tendo plena consciência, ademais, de que apenas o Fascismo, continuando as tradições da Eterna Roma da Águia e do Litório, bem como aquelas do Risorgimento, seria capaz de instaurar tal ordem, Gentile aderiu ao Movimento do Fascio, logo se tornando o filósofo do Fascismo.
Como reconhece Michele Federico Sciacca, “grego da Sicília, cristão em Antonio Rosmini, pensador e filósofo” [68], Giovanni Gentile é “o maior filósofo italiano do nosso século [século XX], o pensador em redor do qual, desde os primeiros anos do século XX até 1930 mais ou menos, gravitou quase toda a filosofia italiana” [69]. Como frisa o pensador espiritualista cristão (católico) siciliano, o pensamento gentiliano, “fundamentalmente otimista, expressão de uma robusta têmpera metafísica e empenhado em defender a essencial racionalidade de filosofar, não concede quase nada à crise profunda do mundo contemporâneo e tem a mais firme confiança nos poderes do homem e no progresso humano”. É Gentile, quiçá, ainda nas palavras do autor de Filosofia e Metafísica (Filosofia e Metafisica), “o último significativo pensador do século XIX historicista e romântico, no sentido do romantismo ‘apolínio’, confiante e entusiasta”. E é, ademais, um “homem rico de generosa humanidade, mestre eficacíssimo”, que “entendeu o filosofar como processo ético e educativo, a filosofia como vida perene do pensamento” [70].
Renato Cirel Czerna, pensador que representa, na História do pensamento no Brasil, praticamente sozinho, o Idealismo filosófico, e que chegou a ministrar aulas nas universidades de Roma e Nápoles e a colaborar em diversas revistas filosóficas e jusfilosóficas europeias e que, como recorda Ubiratan de Macedo, teve, certa vez, uma polêmica com Sciacca por conta do Idealismo [71], assim resumiu a importância da filosofia de Gentile, em longo ensaio escrito por ocasião do centenário do nascimento do filósofo (1975) e publicado no ano seguinte na Revista Brasileira de Filosofia:

"A filosofia ‘atualista’ de Giovanni Gentile, sem dúvida um dos mais vigorosos, rigorosos e coerentes pensadores italianos e – por que não dizê-lo? – europeus da primeira metade do século XX, tem sido considerada, sobretudo no âmbito da cultura italiana, como a última e mais coerente etapa daquilo que alguns historiadores das ideias denominam o “processo do subjetivismo ocidental”, que se tornou, por sua vez, alvo de “processo ao subjetivismo ocidental"[72] .

Segundo a concepção attualista é o pensamento que define a realidade. Mas, de acordo com Gentile, o pensamento não é considerado como objeto, isto é, “pensamento pensado”, “ato realizado”, mas sim como “pensamento em ato”. O “pensamento transcendental”, segundo o filósofo, é colhido “na realidade de nosso pensamento, quando o pensamento se considere não como ato realizado, mas sim, por assim dizer, como ato em ato” [73].
As origens do Attualismo são assim delineadas por Gentile:

"A filosofia atualística historicamente se reconecta à filosofia alemã de Kant a Hegel, diretamente e por meio dos sequazes, expositores e críticos que os pensadores alemães daquele período tiveram na Itália durante o século passado [em especial Bertrando Spaventa]” e se reconecta, ainda, “à filosofia italiana da Renascença (Telesio, Bruno, Campanella), ao grande filósofo napolitano Giambattista Vico e aos renovadores do pensamento especulativo italiano da idade do ‘Risorgimento nacional’: Galluppi, Rosmini, Gioberti" [74] .

Tradicionalista, Gentile preleciona que a Tradição de um povo é a sua paternidade, de sorte que os povos que rejeitarem a Tradição estarão condenados à bastardia e ao primitivismo de uma existência rudimentar, sem memórias e sem arte [75]. A Tradição, ainda segundo o filósofo, nos faz perceber que “nossa vida não começou no dia de nosso nascimento nem terminará no dia de nossa morte”, de sorte que a Tradição “não é um problema elegante de nossa historiografia, é o dever da nossa vida” [76].
No Brasil, o pensamento gentiliano é, na hora presente, quase totalmente desconhecido, situação que, aliás, esperamos logo reverter, por meio, sobretudo, da criação do Centro de Estudos Italianos Giovanni Gentile, que terá por objetivo não somente a divulgação do sólido e vigoroso pensamento gentiliano, como também daquele de todos os mais significativos pensadores italianos e da Tradição, Cultura, História e Ciência italianas. Dentre os pensadores de nosso País que sofreram influência de Gentile, podemos destacar, além, é claro, do supracitado Czerna, que foi, sem dúvida alguma, o mais influenciado pelo pensador siciliano, Romano Galleffi, filósofo e crítico de arte italiano radicado na Bahia, que fora aluno de Gentile em Roma, e, principalmente na década de 1930, Plínio Salgado e Miguel Reale. Estes últimos, respectivamente, Chefe Nacional e Secretário Nacional de Doutrina da Ação Integralista Brasileira, desenvolveram, porém, uma concepção de Estado Ético bastante distinta daquela de Gentile, posto que compreende o Estado não como um fim, mas sim como mero instrumento a serviço do Homem, dos Grupos Sociais Naturais, que precederam o Estado, e do Bem Comum, e não entendido como encarnação da Ética, mas tão somente transcendido e inspirado por ela. Do mesmo modo, o Integralismo, ao contrário de Gentile, entende que é a Nação quem cria o Estado e segue a Filosofia Realista de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e a Doutrina do Direito Natural Tradicional, ou Clássico, sustentando que:

"O homem, na tríplice esfera de suas legítimas aspirações materiais, intelectuais e morais, tem (...) direitos naturais, que lhe são congênitos, decorrentes, não do Estado, mas de sua própria essência, e que limitam o poder do Estado. Tais direitos, como, por exemplo, os que concernem à vida, à liberdade, à família, ao trabalho, à propriedade dentro dos limites impostos pelo Bem Comum, são condições inerentes à natureza humana, atributos inatos e impostergáveis, que não podem, sem violência, ser negados pela legislação positiva” [77].
Já para Gentile é o Estado quem cria a Nação e é o Estado, ademais, quem “dá ao povo, consciente da própria unidade moral, uma vontade e, portanto, uma existência efetiva” [78]. Para o filósofo, o Estado é, ainda, um ente “espiritual” e ético em si e por si, sendo “consciência e vontade em ato, na qual desemboca e atua plenamente a consciência e a vontade do indivíduo na sua essência moral e religiosa” [79]. Ademais, desconhecendo, infelizmente, o Direito Natural Tradicional, racional, concreto e autêntico, assentado na tradição formada pelos filósofos gregos, pelos jurisconsultos romanos e pelos teólogos e canonistas da Cristandade, mas conhecendo bem a sua degenerescência, isto é, o Direito Natural racionalista, abstrato, inautêntico e individualista do Iluminismo, Gentile condenou o Direito Natural, a que viu como essencialmente individualístico [80].
Havendo evocado o nome de Plínio Salgado, julgamos oportuno ressaltar que, em 1930, por ocasião de sua visita a Roma, encontrou-se ele não somente com Benito Mussolini, mas também com o Senador Giovanni Gentile, e este, que coordenava os trabalhos da Enciclopédia Italiana, pediu a Plínio que completasse o verbete dedicado ao Brasil, até então bastante incompleto e desatualizado, o que fez ele em uma madrugada, com o auxílio de Mário Graciotti, Manoel Gomes e Joaquim Carlos Egydio de Souza Aranha [81].
Feitas tais considerações, passemos a tratar da vida do magno filósofo do Attualismo e do Fascismo.
Oitavo de dez filhos, Giovanni Gentile nasceu a 29 de maio de 1875 na cidade de Castelvetrano, na Província de Trapani, na região ocidental da ilha da Sicília, que fora anexada ao Reino da Itália menos de quinze anos antes, graças à ação de Giuseppe Garibaldi e de seus camisas-vermelhas, conhecidos como “os mil”. De acordo com o uso, então freqüente na Sicília, de manter o prenome através das gerações, foi ele batizado como Giovanni, que era também o nome do pai, farmacêutico no vizinho paese de Campobello di Mazara, onde nascera. Já sua mãe, Teresa Curti, era natural de Castelvetrano e filha de um tabelião.
Havendo realizado os primeiros estudos em Campobello di Mazara e na cidade natal, o jovem Gentile deixou a Sicília em 1893, indo estudar na célebre e tradicional Escola de Estudos Superiores de Pisa, na Toscana, onde foi aluno de Donato Jaja, graças a quem se aproximou do pensamento do filósofo napolitano Bertrando Spaventa, e também de Alessandro D’Ancona e de Amedeo Crivellucci. Foi em Pisa, ademais, que publicou os primeiros artigos, na revista cultural Helios, de que foi um dos mais assíduos colaboradores entre 1895 e 1897.
Laureado em 1897, com tese de láurea sobre Rosmini e Gioberti e tese de habilitação ao ensino secundário sobre o materialismo histórico e dialético, Gentile se mudou para Florença, onde frequentaria curso de especialização no Instituto de Estudos Superiores. A tese de aperfeiçoamento, orientada pelo Professor Felice Tocco, sobre os filósofos da Itália Meridional, de Genevosi a Galluppi, foi aprovada com louvor máximo em junho de 1898.
Pouco mais tarde, Gentile seguiu para Campobasso, na região de Molise, onde passou a lecionar Filosofia no Liceu Mario Pagano. No ano de 1900, seguiu ele para Nápoles, onde lecionou no Liceu Vittorio Emanuele. No ano seguinte, casou-se com Erminia Nudi, que conhecera em Campobasso e que lhe daria seis filhos: Teresa (1902), Federico (1904), os gêmeos Gaetano e Giovanni júnior (1906), Benedetto (1908) e Fortunato (1910).
Em dezembro de 1902, Gentile obteve a livre-docência em Filosofia Teorética na Real Universidade de Nápoles. Em fevereiro de 1903, inaugurou ele o curso com uma prolusão intitulada Renascimento do idealismo (Rinascita dell’idealismo). Como observa Katia Colombo, nascia então o Idealismo Absoluto gentiliano [82].
Ainda em 1903, mais precisamente em junho, Gentile obteve a livre-docência em Pedagogia na Universidade de Pisa. Meses antes, a 20 de janeiro, para sermos mais precisos, aparecera o primeiro número de La Critica, revista em que o então jovem filósofo colaboraria ativamente até 1913. Dirigida por seu amigo Benedetto Croce, La Critica existiria até 1944, se constituindo em uma das mais importantes revistas culturais europeias. Gentile ali conduziu, ao lado de Croce, nos primeiros anos do século XX, uma verdadeira guerra cultural em defesa do idealismo e contra o positivismo até então dominante na Itália. Com efeito, a destemida luta travada por Gentile, dentro e fora de La Critica, contra a ideologia positivista – análoga àquelas que, por exemplo, travaram Bergson, na França, e Farias Brito, no Brasil, - faz dele, mais do que Croce, o grande responsável pela renovação da Cultura Italiana e pela derrocada do positivismo na Itália e, por conseguinte, o principal preparador dos espíritos, naquele país, para uma visão integral da realidade e dos problemas, rompendo com as cadeias nefandas dos mitos cientificistas e naturalistas do século XIX.
Em 1906, Gentile retornou à Sicília como Professor de História da Filosofia na Universidade de Palermo, onde mais tarde fundaria a Sociedade para os estudos filosóficos (Società per gli studi filosofici) e promoveria as publicações do Anuário da Biblioteca Filosófica (Annuario della Biblioteca Filosofica).
Em 1913, Gentile publicou A reforma da dialética hegeliana (La riforma della dialetica hegeliana) e o primeiro volume do Sumário de Pedagogia como ciência filosófica (Sommario di Pedagogia come scienza filosofica) e em 1914 veio a lume o segundo volume desta obra. Em 1916 seriam publicadas a Teoria geral do espírito como ato puro (Teoria generale dello spirito come atto puro) e Os fundamentos da Filosofia do Direito (I fondamenti della filosofia del diritto); em 1920, os Discursos de religião (Discorsi di religione) e A reforma da educação (La riforma dell'educazione); em 1917 e 1923, respectivamente, o primeiro e o segundo volume do Sistema de Lógica como teoria do conhecimento (Sistema di logica come teoria del conoscere); em 1931, a Filosofia da Arte (Filosofia dell’Arte); em 1936, a Introdução à Filosofia (Introduzione alla Filosofia) e, em 1946, o livro póstumo Gênese e estrutura da sociedade (Genesi e strutura della società). São estas as obras fundamentais do magno fiilósofo do Attualismo, todas elas marcadas pela profundidade e pela coerência.
Em 1914, Gentile se mudou para Pisa, sucedendo ao Professor Donato Jaja na cátedra de Filosofia Teorética na Universidade.
Profundamente nacionalista, Gentile defendeu entusiasticamente a entrada do Reino da Itália na guerra contra os chamados Impérios Centrais, acreditando, com igual entusiasmo, no triunfo final, que se daria em 1918, após as grandes vitórias nas batalhas de Piave (também conhecida como Batalha do Solstício), em junho daquele ano, e de Vittorio Veneto, entre os dias 24 de outubro e 03 de novembro do referido ano. Esta última selou não apenas o colapso do exército austro-húngaro e o final do conflito no fronte italiano, mas o próprio fim do Império Austro-Húngaro e, como sustentava o filósofo, a conclusão do Risorgimento Italiano.
Em 1917, Gentile se tornou Professor de História da Filosofia na Universidade de Roma. Três anos mais tarde, fundou, naquela cidade, o Jornal Crítico da Filosofia Italiana (Giornale Critico della Filosofia Italiana), revista de altos estudos filosóficos ainda hoje existente e que, graças a Gentile, obteve, desde a fundação, considerável reconhecimento por parte dos intelectuais da Itália e do Mundo e em que colaboraram, ao tempo em que era dirigida pelo filósofo, alguns dos mais notáveis pensadores italianos da época.
Em 1922, quando Benito Mussolini subiu ao poder, Gentile foi nomeado Ministro da Instrução Pública, iniciando profunda reforma conhecida como Reforma Gentile. Como afirmou o grande Homem de pensamento e de ação, na circular que enviou às autoridades e aos chefes de Instituto a 02 de novembro daquele ano, assumiu ele o Ministério da Instrução Pública sustentando sua “antiga fé nos destinos da nossa civilização e na alma da nossa escola”, conclamando todos os professores italianos a labutarem com novas forças pelo porvir da pátria [83].
A Reforma da Escola Italiana, magistralmente promovida por Gentile, partia do pressuposto de que era necessária uma Nova Escola para a Nova Itália, para a “Itália de Vittorio Veneto”, que “é uma glória cujo loureiro verdecerá perene somente se os italianos não olvidarem o seu exemplo de devoção à pátria, às suas leis, aos seus destinos; se estarão prontos a todo momento a dar tudo a ela, até mesmo a vida, sem pedir recompensas, sem fazer as contas, sem jamais crer de haver já realizado todo o seu dever: dispostos sempre (...) a aceitar livremente uma lei férrea de disciplina nacional” [84]. No mesmo sentido daquilo que afirmamos, sublinha Gentile, em entrevista dada a 29 de março de 1923 ao jornal L’Idea Nazionale, que o conceito fundamental no qual se inspira a reforma escolástica a que promovo é conhecido: criar uma escola digna de um grande povo que mereceu sair vitoriosamente de uma guerra tão grande” [85].
A Reforma da Educação de Gentile deu ênfase às matérias humanísticas e à Filosofia e criou, dentre outras coisas, um instituto para a formação dos novos professores italianos.
Ainda que não fosse “um católico, no sentido rígido, literal e formal da palavra” [86], Gentile promoveu a instauração do ensino religioso na Itália, posto que reputava necessário que as crianças italianas, que se iam formando numa nação predominantemente católica, deveriam aprender, pois, a Religião Católica. E, ademais, não hesitava ele em sustentar que, “dentre as várias religiões, o catolicismo é aquela que mais e melhor que qualquer outra prepara o espírito para uma sólida concepção religiosa da vida” [87].
Isto posto, cumpre assinalar que, anos mais tarde, em conferência intitulada A minha religião (La mia religione) e realizada em Florença a 09 de fevereiro de 1943, o filósofo se declara “cristão” e “católico”, ainda que a seu modo. Como nota, contudo, Michele Federico Sciacca, as posições filosóficas de Gentile, que não haviam mudado, eram inconciliáveis com o Cristianismo, na medida em que o pensador considerava a Religião tão somente “um momento, sempre superado e sempre renascente, do processo dialético do Espírito” e identificava o espírito humano ao espírito divino [88]. Como reconhece, porém, o autor de A Igreja e a civilização moderna (La Chiesa e la civiltà moderna), a declaração de Gentile no sentido de ser “cristão” e “católico” representa, inegavelmente, “um passo avante, se não outro, a boa vontade (direi mesmo a profunda necessidade) de sentir-se crente”. E Giovanni Gentile – prossegue Sciacca – foi, com efeito, “um espírito ‘sentimentalmente’ religioso e muito respeitador da religião católica” [89]. Com efeito, por exemplo, no Discurso aos Italianos (Discorso agli Italiani), de que cuidaremos mais tarde, Gentile nos fala da “Igreja Católica, elaboradora e propagadora admirável do Evangelho, a mais radical reforma e a mais fecunda e vital jamais feita da vida espiritual do homem” [90].
Nomeado Senador do Reino da Itália a 06 de novembro de 1922, Gentile, que recebera, em 1917, o título de Cavaleiro da Ordem da Coroa da Itália, e, em 1920, o título de Comendador da Ordem da Coroa da Itália, se tornou, em dezembro daquele ano, Grande Oficial da referida Ordem, de que receberia no ano seguinte, o Grande Cordão. Em 1918 recebera ele o título de Cavaleiro da Ordem de São Maurício e São Lázaro, de que receberia diversos outros títulos nos anos seguintes, incluindo o Grande Cordão, com o qual seria agraciado em 1937.
No dia 31 de março de 1923, Gentile escreveu a Benito Mussolini, Duce do Movimento do Fascio e de toda a Itália e Presidente do Conselho de Ministros, proclamando sua adesão ao Partido Nacional Fascista. Segue o mais relevante trecho da referida carta:

"Liberal por profunda e sólida convicção, nestes meses em que tenho a honra de colaborar com a Sua alta obra de Governo e de, destarte, assistir assim de perto ao desenvolvimento dos princípios que informam a Sua política, tive eu que me convencer que o liberalismo como eu o entendo e como o entendiam os homens da gloriosa Direita que guiou a Itália do ‘Risorgimento’, o liberalismo na lei e, portanto, no Estado forte e no Estado concebido como uma realidade ética, não é hoje representado pelos liberais, que são mais ou menos contra Você, mas, precisamente, com Você.
"E, assim, me convenci que entre os liberais de hoje e os fascistas que conhecem o pensamento do Seu Fascismo, um liberal autêntico que desdenhe os equívocos e ame estar em seu posto, deve se enfileirar ao lado de Você" [91].

Isto posto, faz-se mister sublinhar que o “liberalismo” de Gentile, como, aliás, podemos ver pelas suas próprias palavras, nada tem que ver com o que normalmente se entende como liberalismo e que, em nossa opinião, é realmente o liberalismo. O “liberalismo” de Gentile seria o sistema que afirmaria a liberdade concreta do Homem, nada tendo, pois, que ver com o liberalismo baseado na liberdade abstrata e ilimitada do indivíduo.
A 18 de fevereiro de 1925, o Senador Giovanni Gentile, que renunciara ao cargo de Ministro da Instrução Pública no ano anterior, por conta do caso Matteotti, fundou, juntamente com o também Senador Giovanni Treccani e um grupo de influentes personalidades da Cultura, das Ciências, da Política e das Armas da Itália, o Instituto da Enciclopédia Italiana (Istituto della Enciclopedia Italiana), de que Gentile seria Diretor Científico até 1938 e Vice-Presidente entre os anos de 1933 e 1938. A primeira edição da referida Enciclopédia, verdadeiro monumento cultural na mais plena acepção do vocábulo, foi publicada, com enorme sucesso, entre os anos de 1929 e 1937, sendo constituída por trinta e cinco volumes de texto e um de índice.
Algum tempo depois, o pensador e filósofo idealista redigiu o célebre Manifesto dos intelectuais fascistas (Manifesto degli intelettuali fascisti), ao qual Benedetto Croce logo responderia com o Manifesto dos intelectuais antifascistas (Manifesto degli intelettuali antifascisti).
Publicado primeiramente no jornal Il Popolo d’Italia, de Milão, a 21 de abril daquele ano, e, mais tarde, em diversos outros jornais italianos, o Manifesto dos intelectuais fascistas buscava indicar os pontos centrais da Doutrina e do Movimento do Fascio, assim como demonstrar o apoio da intelectualidade italiana ao Fascismo e ao Governo de Mussolini. Dentre os diversos representantes da elite intelectual italiana que o assinaram podemos assinalar os nomes de Luigi Pirandello, Filippo-Tommaso Marinetti, Ugo Spirito, Ardengo Soffici, Francesco Ercole, Curzio Malaparte, Luigi Federzoni, Ferdinando Martini, Alfredo Panzini, Giuseppe Ungaretti, Ernesto Murolo, Salvatore Pincherle, Arrigo Solmi, Bruno Barilli, Vittorio Cian, Antonio, Beltramelli, Ugo Ojetti, Margherita Sarfatti, Vittorio Giovanni Rossi, Luigi Barzini senior, Corrado Ricci, Salvatore Di Giacomo, Ildebrando Pizzetti, Pericle Ducati, Gioacchino Volpe e, é claro, o próprio Gentile.
Também no ano de 1925, mais precisamente a 1º de junho, foi criado o Instituto Nacional Fascista de Cultura (Istituto Nazionale Fascista di Cultura), que seria presidido por Gentile desde a fundação até o ano de 1937 e que tinha como objetivo primordial a construção de uma sólida, orgânica e autêntica consciência cultural e política nacional italiana.
Em 1928, Gentile, que, em 1925, lançara a obra O que é o Fascismo (Che cos'è il fascismo), publicou o trabalho intitulado A Filosofia do Fascismo (La filosofia del fascismo), onde sustenta que “Mussolini é um gênio político”, cuja filosofia reside, integralmente, “na doutrina política (pensamento e ação)”. Todavia, prossegue o filósofo, “não há ideia que não expresse ali a vida do espírito e não possua a energia lógica de uma concepção do mundo e do homem no mundo, concepção que in nuce é filosofia própria e autêntica”. É daí que decorre “a sua originalidade e força, a sua potência histórica”. Segundo ele, “quem quiser apreender a filosofia do Fascismo, ou seja, a sua orientação geral e o seu modo de entender a vida, em suma, quem queira compreender a essência da fé fascista, deve olhar para o conceito fascista do Estado” [92].
O Estado fascista, segundo Gentile, nasceu, em primeiro lugar: “da crítica sindicalista soreliana ao parlamento e à democracia socialista; em segundo lugar, da experiência de dissolução a que chegaram a autoridade e a unidade do Estado com as lutas irredutíveis das forças parlamentares e dos partidos seus protagonistas; em terceiro lugar, da experiência da guerra”, guerra que, como observa um pouco adiante, foi “sentida e vivida pelos jovens” e “como escola e formação do espírito, seria vitoriosa mesmo se tivesse sido perdida e que por ser vitoriosa se tornou ainda mais edificante”, havendo sido, para os italianos, “a revelação da nova Itália e do Estado em que tomou corpo e em que existe” [93].
Pouco adiante, aduz Gentile que:


"A imanência e radical imediação dos valores universais da vida humana à consciência e vontade de cada indivíduo foi a ideia que relampejou na mente genial de Benito Mussolini perante o espetáculo da mais florescente e prometedora juventude a morrer pela pátria, daquela juventude que ele, desdenhando agora a triste companhia dos antigos companheiros de fé, individualistas, de fato pacifistas e neutralistas, com ímpeto e ardor de apóstolo tinha chamado às armas, à guerra, por uma Itália presente, orgulhosa da sua força e da sua missão, a uma competição que decidiria a sorte da Europa e do mundo.
"Nos campos de batalha, face ao trágico dilema da morte ou da vida, nas horas lentas de vigília na trincheira, o antigo socialista, a cujos ouvidos chegavam ainda os monótonos e criminosos sussurros da longínqua Câmara, via surgir diante de si, gigantesca, a imagem da pátria, viu-a no fulgor da sua luz gloriosa e compreendeu-a com a inteligência que o amor dá. Viu a pátria viva e real no Estado, unidade consciente da nação, viu que essa unidade não é, por assim dizer, o resultado, o efeito da concordância voluntária e da fusão dos ânimos, das inteligências e das vontades individuais, mas o princípio de toda a vida espiritual que circula nas almas, inteligências e vontades dos indivíduos singulares e que faz deles, não cidadãos da cidade abstrata, mas membros incindíveis de um organismo vivo nas suas determinações históricas, com um território e um passado que é uma tradição e, por isso, o conteúdo da consciência do povo e, logo, uma posição, um ideal, um programa.
"O liberalismo desapareceu e, com ele, utopias e fantasias internacionalistas. Apagaram-se nas almas pelo próprio desencadear da guerra, com a qual, naturalmente, toda a nação foi constrangida pelas férreas leis da vida a fundir-se no cadinho de um interesse único, esmagador, de toda a singular veleidade dos indivíduos e das classes sociais resultante da reunião artificial das energias individuais, retirada da conexão viva e vital da economia nacional. As classes sociais foram precipitadas no seio da nação, isto é, na unidade do Estado" [94] .

Um pouco adiante, já quase no final do trabalho, Gentile ressalta o caráter ético do Estado fascista: “O Estado fascista é um Estado ético, uma vez que a estrita, completa e concreta vontade humana não pode não ser ética.” Para ele, “o conceito de unidade de nação orgânica, não amorfa e abstrata mas determinada, específica e concreta, é o Estado” [95].

Como sabemos, a posição de Gentile, que era a posição oficial do Fascismo, inspirado em Hegel, sempre foi no sentido de que o Estado é a encarnação da Ética e criador do Direito e da Moral. É este Estado Ético fundador da Moral e do Direito e, por conseguinte, fonte das normas morais e jurídicas, educador e regulador das consciências, consciência entre a Deus e o Homem, absorvedor da autonomia e do magistério da Igreja, que Michele Federico Sciacca condena em breve porém significativo trabalho sobre O idealismo moderno [96]. Que não se confunda, contudo, tal Estado com o Estado Ético do Integralismo, que, como vimos, é o Estado que age de acordo com a Lei Ética Superior, sendo transcendido pela Ética e movido pelo ideal da Ética, não sendo um fim, como o Estado Ético hegeliano-fascista, mas sim um meio a serviço do Homem, dos Corpos Intermediários e do Bem Comum, subordinado este ao fim transcendente do Homem.
Isto posto, cumpre destacar que o fato de a maioria dos fascistas haver abandonado a crença no Estado Totalitário de inspiração hegeliana, em grande medida graças, inclusive, ao estudo do pensamento de Julius Evola, ferrenho crítico do Estado Ético fascista, bem como do estudo de outras doutrinas políticas, a exemplo daquelas do Movimento Legionário, da Falange Espanhola e do próprio Integralismo, fez com que se concretizasse a hipótese, levantada por Gustavo Barroso, de que o Fascismo Italiano um dia, abandonando sua concepção de Estado, poderia evoluir para o Integralismo [97].
Também de 1928 são os ensaios Fascismo e Cultura e A essência do Fascismo (L’essenza del Fascismo). O primeiro foi publicado em Milão pela editora Treves e o segundo apareceu no volume A civilização fascista (La civiltà fascista), de autoria coletiva, publicado em Turim Pela UTET, republicado separadamente, acrescido de uma segunda parte, pela Libreria del Littorio, de Roma, em 1929, e, em seguida, na obra Origens e doutrina do fascismo (Origini e dottrina del fascismo), publicada, também em Roma e em 1929, pelo Instituto Nacional Fascista de Cultura.
A 28 de outubro de 1929, Benito Mussolini inaugurou, oficialmente, a Real Academia d’Itália (Reale Accademia d’Italia), ou, simplesmente Academia d’Itália (Accademia d’Italia). Tal Academia fora instituída em 1926, por meio de um decreto-lei, mas, para criar “uma Academia digna de Roma, da Itália e do Fascismo”, como declarou o Duce, havia sido necessário todo aquele período de preparação espiritual, bem como a restauração da Villa Farnesina, sede da Academia [98].
Como observa Guglielmo Marconi:

"A Real Academia d’Itália representa, na mente do Chefe de Governo que a promove, repito as suas próprias palavras, um centro vivo da cultura nacional, que alimenta e promove o movimento intelectual, segundo o gênio e as tradições da nossa gente e o difunde eficazmente além dos confins da pátria e sobretudo contribui para formar aquela comunhão das inteligências, com a qual é possível aos italianos afirmar o primado nas artes e nas ciências que foi muitas vezes nosso, o reconduzindo àquela universalidade que é característica da inteligência italiana e que refulge através de Dante, Tomás De Aquino, Galileu e Leonardo da Vinci" [99].

Uma das mais importantes realizações culturais do vintênio fascista, a Academia d’Itália tinha por objetivos, segundo o artigo 2º de seus estatutos, a promoção e a coordenação do movimento intelectual italiano no campo das Ciências, das Letras e das Artes, bem como “conservar puro o caráter nacional segundo o gênio e as tradições da estirpe e de favorecer a expansão e o influxo além dos confins do Estado” [100]. Dentre os grandes vultos que pertenceram à Academia podemos destacar Gabriele D’Annunzio, Luigi Pirandello, Giovanni Papini, Pietro Mascagni, Ottorino Respighi, Filippo-Tommaso Marinetti, Guglielmo Marconi, Giuseppe Ungaretti, Salvatore Di Giacomo, Ettore Romagnoli, Giuseppe Tucci, Enrico Fermi, Pietro Canonica, Francesco Messina, Ardengo Soffici, Antonino Pagliaro, Luigi Federzoni e, graças à absorção da Real Academia Nacional dos Linces (Reale Accademia Nazionale dei Lincei) pela Real Academia d’Itália, em 1939, Giovanni Gentile, Cesare Maria De Vecchi, Giuseppe Bottai e tantos outros ilustres que faziam parte daquela Academia.
Em 1932, Gentile se tornou Diretor da Escola Normal Superior de Pisa e Sócio Nacional da Real Academia Nacional dos Linces. No mesmo ano, inaugurou o Instituto Nacional de Estudos Germânicos (Istituto Nazionale di Studi Germanici), de que seria presidente a partir de 1934. Também em tal ano foi publicado o volume XIV da Enciclopédia Italiana, contendo o verbete Fascismo, de que consta o texto A Doutrina do Fascismo (La Dottrina del Fascismo), assinado por Mussolini, mas cuja parte inicial, intitulada Ideias fundamentais (Idee fondamentali) foi, como salienta Gabriele Turi, escrita por Gentile, a pedido do Duce [101]. Como sublinha A. James Gregor, o fato de Mussolini haver escolhido Gentile para redigir a parte filosófica da Doutrina oficial do Fascismo demonstra o profundo respeito que os fascistas tinham pelo pensamento gentiliano [102].
Infelizmente não podendo proceder, aqui, por razões de tempo e de espaço, a uma mais apurada análise do referido texto, reputamos oportuno, ao menos, transcrever suas linhas finais:

"Em suma o fascismo, não é somente promulgador de leis e fundador de institutos, mas é educador e promotor de vida espiritual. Pretende refazer, não as formas de vida humana, mas sim, o homem, o caráter, a fé. E para alcançar este fim, é preciso disciplina e autoridade que penetrem nos espíritos, dominando-os incontrastavelmente. O seu emblema, portanto, é o feixe dos litores, símbolo da unidade, da força e da justiça" [103].

No ano de 1933, Gentile inaugurou o Instituto Italiano para o Médio e Extremo Oriente (Istituto Italiano per Il Medio e Estremo Oriente), se tornando presidente de tal Instituto.
A 19 de abril de 1934 foi apresentada, no Instituto Nacional Fascista de Cultura, em Roma, comunicação de Gentile intitulada Economia e Ética (Economia ed etica) e dirigida contra o homo oeconomicus, o economicismo, o liberalismo econômico, que separou a Economia da Ética, e seu filho “revolucionário”, o marxismo. Com efeito, pondera Gentile, em tal comunicação, que as concepções de Marx são rigorosamente materialistas e economicistas, entendendo o falso profeta do credo marxista que “tudo aquilo que é humano é econômico” e que “ninguém tem direito à existência se não é [economicamente] útil”, não atentando, pois, para o fato de que o fator “econômico não é humanidade, mas instrumento do homem”, sendo útil tão somente enquanto serve a este [104]. E conclui a comunicação ressaltando que a política do Fascismo é contrária a Marx porque é contrária ao “liberalismo que ele combatia, mas de cujo espírito se pode dizer que ele foi o mais franco, o mais lógico representante” [105].
Nesse mesmo ano, Gentile se tornou Vice-Presidente da Universidade Bocconi, em Milão, e inaugurou, em Gênova, o Instituto Mazziniano (Istituto Mazziniano). Em 1938, se tornou Presidente do Instituto Nacional de Estudos Manzonianos (Istituto Nazionale di Studi Manzoniani) e, em 1941, Presidente do instituto Domus Galileana, em Pisa.
A 24 de julho de 1943, quando era já iminente a invasão da Itália pelas forças aliadas, Gentile divulgou o Discurso aos Italianos (Discorso agli Italiani), onde reafirmou suas convicções fascistas, mas ressaltou que falava, antes de tudo, como italiano e se dirigindo a todos os italianos, fascistas ou não. Falou, naquele momento difícil da guerra, sobre a grandeza e eternidade da Itália e de tudo quanto esta representa, incitando todos à união e à luta heróica em defesa da pátria, finalizando nos seguintes termos:

"Italianos, sede vós fiéis à antiga mãe; disciplinados, concordes, lembrando-se da responsabilidade – que vem a vós da honra de ser italianos; resolutos a resistir, a combater, a não desmobilizar os ânimos enquanto o inimigo vos ameaçar, e duvidar da vossa fé e do vosso caráter. As disputas e as dissensões para depois. Em Calatafimi, Garibaldi gritou a Nino Bixio: Aqui se faz a Itália ou se morre. Aquele grito não se apagou e a grande voz do Herói ressoa, deve ressoar hoje no nosso coração. Aqui se salva a Itália ou se morre. Nós que estamos na superfície dos anos e tivemos a experiência da hereditariedade dos pais, sentindo sempre a nossa obrigação de conservá-la, esta hereditariedade, e por mais que tivéssemos que acrescê-la com o nosso trabalho e com cada esforço de boa vontade, não sabemos pensar que ela não pode ser consignada nas mãos dos jovens, capazes de erguê-la ao alto com o vigor de seus braços acima das discórdias passageiras, dos pequenos ressentimentos sectários, das ânsias e dos riscos da hora presente, acima de todas as debilidades humanas, para transmiti-la aos descendentes, sempre viva, esplêndida de sua eterna juventude.
"Com esta fé na Pátria imortal, nós mandamos a nossa saudação de reconhecimento aos heróicos soldados da terra, do mar e do céu; continuamos a mirar à Sacra Majestade do Rei, silenciosa e segura na simplicidade austera do gesto e da palavra; a mirar nos olhos do Duce, que conhece as tempestades e que deu provas da coragem que o faz vencer, da indômita paixão com a qual se deve mirar o destino.
"Viva a Itália! [106]"

Monarquista ferrenho, Gentile aderiu, ainda assim, à República Social Italiana, aceitando, após um encontro com Mussolini, o cargo de Presidente da Academia d’Itália a fim de preservar a unidade italiana [107].
Residindo em Florença, na Villa Montalto, no bairro de Salviatino, desde fins de 1943, Gentile dirigia a Academia d’Itália, que para lá se transferira, bem como a tradicional revista de ciências, letras e artes Nuova Antologia, quando, a 15 de abril de 1944, a uma e meia da tarde, quando retornava de automóvel da sede da Academia para sua villa, onde almoçaria, foi atingido por disparos de quatro ciclistas que o esperavam nas proximidades da villa e eram liderados por Bruno Fanciulacci, membro do movimento terrorista de inspiração comunista GAP (Gruppi d’Azione Partigiani). Um dos assassinos gritou: “Em você não matamos o homem, mas a ideia”. Levado moribundo ao Hospital de Careggi, foi atendido primeiramente, por coincidência, pelo filho Gaetano, então assistente do Dr. Piero Valdoni. Todos os partidos condenaram o bárbaro assassínio do velho filósofo, exceto o comunista.
Diversamente do que afirmou seu infame assassino, a ideia de Gentile está viva e continua e continuará inspirando todos os verdadeiros italianos, isto é, todos os italianos conscientes de sua Pátria, de sua Nação, de sua Tradição. Já a ideia dos partigiani, o comunismo, está totalmente morta, a despeito de muitos ainda carregarem seu cadáver putrefato, especialmente em nossa América Hispânica, na África e na Ásia.
Concordamos com diversos aspectos do pensamento gentiliano. Como ele, imbuídos “do sentimento de justo nacionalismo”, que, na expressão do Papa Pio XI, “a reta ordem da caridade cristã não somente não desaprova, mas com regras próprias santifica e vivifica” [108], nos proclamamos nacionalistas e, do mesmo modo, valorizamos o Trabalho, direito e dever do Homem, reconhecendo neste um ato espiritual e afirmamos a primazia do Social sobre o individual e nos opomos a uma Economia divorciada da Ética e compreendida como fim e não instrumento da Pessoa Humana. Como ele, também somos tradicionalistas, entendendo que a Tradição não é o simples culto dos mortos e dos antepassados, mas de toda uma série de valores perenes, constituindo a base de todo progresso e toda renovação. E, ainda como ele, sustentamos a eticidade do Estado, embora afirmemos – ao contrário do filósofo – que o Estado não é um fim e nem a encarnação da Ética, mas tão somente um instrumento da Pessoa Humana e dos Grupos Naturais, subordinado ao fim transcendente daquela, e transcendido pela Ética e movido por um ideal ético.
Diversamente, porém, de Gentile, não somos idealistas, mas sim realistas formados no pensamento de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino. Do mesmo modo, diferentemente do pensador siciliano, defendemos o Direito Natural Tradicional e um modelo de corporativismo em que as corporações se constituem na espinha dorsal da Sociedade e do Estado e não um mero instrumento do Estado Totalitário.
A despeito, contudo, das divergências que temos em relação ao pensamento de Gentile, não podemos deixar de reconhecer nele um dos mais importantes pensadores e filósofos do século XX e de afirmar que, se a grande, augusta e heróica Itália de Vittorio Veneto e da Marcha sobre Roma um dia renascer, como uma fênix, das cinzas da pequena Itália liberal-burguesa e liberal-democrática da hora presente, o nome e a sólida, fecunda e vigorosa obra de Gentile terão o reconhecimento que merecem, inspirando mesmo, em grande medida, a Nova Ordem.

Notas:
[68] Tais palavras constam da placa comemorativa em homenagem a Sciacca, colocada dentro do Liceu Clássico Michele Amari, em Giarre, cidade natal do filósofo.
[69] SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia - vol. III, cit., p. 216.
[70] Idem, loc. cit.
[71] Cf. MACEDO, Ubiratan de. Apresentação. In CZERNA, Renato Cirell. Justiça e História. São Paulo: Convívio/Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p. XI.
[72] CZERNA, Renato Cirell. Sobre o neo-hegelianismo atualista e o “processo ao subjetivismo ocidental. In Idem. Justiça e História, cit., p. 292.
[73] GENTILE, Giovanni. Teoria generale dello spirito come atto puro. 3ª Ed. Bari: Laterza, 1920, p. 6.
[74] Idem. Introduzione alla Filosofia.1ª ed. Roma: Treves-Treccani-Tumminelli, 1933-XI, p. 21.
[75] Idem. La tradizione italiana. In Idem. Frammenti di estetica e di teoria della storia, vol. II. Florença: Le Lettere, 1992, pp. 97-98.
[76] Idem, p. 118.
[77] SALGADO, Plínio. Carta de Princípios do Partido de Representação Popular. Edição do Comitê de Propaganda pró Candidatura de Plínio Salgado, 1955, p. 3..
[78] GENTILE, Giovanni. Ideias fundamentais. In MUSSOLINI, Benito. A Doutrina do Fascismo. Trad. para o português. Florença: Vallecchi Editore, 1935-XIII, p. 14.
[79] Idem. A Filosofia do Fascismo. Transcrita da obra Para a Compreensão do Fascismo, organizada por António José de Brito e publicada em 1999, pela editora Nova Arrancada, de Lisboa. Disponível em: http://forumpatria.com/debate-politico-e-ideologico/a-filosofia-do-fascismo-giovanni-gentile/. Acesso em 20 de novembro de 2010.
[80] Idem. I fondamenti della filosofia del diritto. 3ª ed. rev. e acresc. com dois estudos sobre a filosofia de Marx. Florença: G. C. Sansoni – Editore, 1937-XV, p. 103.
[81] GRACIOTTI, Mário. Europa tranqüila. São Paulo: Editora Cupolo Ltda., 1948, pp. 128-129.
[82] COLOMBO, Katia. La pedagogia filosofica di Giovanni Gentile. 1ª ed., 6ª reimpr. Milão: FrancoAngeli, 2009, p. 55.
[83] GENTILE, Giovanni. Saluto. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia. 3ª ed. rev. e acresc. a cura de Hervé A. Cavallera. Florença: Le Lettere, 2003, p. 1.
[84] Idem. Lux Perpetua. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., pp. 2-3.
[85] Idem. Chiarimenti sui concetti della Riforma. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., p. 35.
[86] Idem. L’insegnamento religioso nelle scuole. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., p. 25.
[87] Idem, loc. cit.
[88] SCIACCA, Michele Federico. O idealismo moderno. In VÁRIOS. Heresias do nosso tempo. Trad. portuguesa do Pe. António Marques. Prefácio de Dom Giovanni Rossi. 2ª ed. Porto: Livraria Tavares Martins, 1960, pp. 60-62
[89] Idem, p. 62.
[90] GENTILE, Giovanni. Discorso agli Italiani. Disponível em:
http://www.italia-rsi.org/primadell8sett/gentileagliitaliani.htm. Acesso em 23 de novembro de 2010.
[91] Idem. Adesione al Partito Fascista. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., pp. 94-95.
[92] Idem. A Filosofia do Fascismo, cit.
[93] Idem.
[94] Idem.
[95] Idem.
[96] SCIACCA, Michele Federico. O idealismo moderno, cit., pp. 49-69.
[97] BARROSO, Gustavo. O Integralismo e o Mundo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936, p. 18.
[98] MUSSOLINI, Benito. Discurso pronunciado na inauguração da Academia d’Itália. Diponível em: http://it.oocities.com/brigatanera88/1929f.htm. Acesso em 23 de novembro de 2010.
[99] MARCONI, Guglielmo. Scienza e Fascismo. Disponível em: http://ilcovo.mastertopforum.net/scienza-e-fascismo-g-marconi-vt1464.html. Acesso em 23 de novembro de 2010.
[100] Apud MARCONI, Guglielmo. Scienza e Fascismo, cit.
[101] TURI, Gabriele. Giovanni Gentile: Una biografia. Florença: Giunti Editore, 1995, p. 426.
[102] GREGOR, A. James. Phoenix: Fascism in our time, cit., p. 940.
[103] GENTILE, Giovanni. Ideias fundamentais. In MUSSOLINI, Benito. A Doutrina do Fascismo, cit., p. 16.
[104] Idem. Economia ed etica. In Idem. Memorie italiane e problemi della filosofia della vita. Florença: G. C. Sansoni – Editore, 1936-XIV, pp. 285 e 287.
[105] Idem, p. 293.
[106] Idem. Discorso agli Italiani, cit.
[107] Cf. Gregor, A. James. Giovanni Gentile: Philosopher of Fascism. 1ª ed., 4ª reimpr. New Brunswick: Transaction Publishers, 2009, pp. 89-90.
[108] PIO XI. Encíclica Caritate Christi Compulsi. Disponível: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19320503_caritate-christi-compulsi_it.html. Acesso em 25 de novembro de 2010.
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Evola e Gentile (parte 2 de 3)

Julius Evola

“Existem alguns homens que se encontram, por assim dizer, de pé entre as ruínas e em meio à dissolução”, mas que, de maneira mais ou menos consciente, pertencem a outro Mundo [19], ao Mundo da Tradição, que não é senão o Mundo regido por princípios que transcendem os sós elementos puramente humanos. Dentre estes Homens singulares, podemos destacar um, filho legítimo da Roma dos Césares e depositário dos princípios de sua Tradição, em especial os de Imperium e de Auctoritas. Este Homem não é senão o Barão Giulio Cesare Andrea Evola, mais conhecido como Julius Evola.


Como afirmamos há pouco, Julius Evola, Mestre do denominado Tradicionalismo Integral e mais importante pensador esotérico antimoderno de todos os tempos ao lado de René Guénon, é, sem dúvida alguma, o autor mais influente nos círculos da denominada Nova Direita europeia.


No Brasil, contudo, permanece praticamente desconhecido o autor de Revolta contra o Mundo Moderno (Rivolta contro Il Mondo Moderno), mesmo nos círculos de resistência contra o Império de Calibã, isto é, contra a Idade das Trevas em que está mergulhado o Mundo em geral e o Ocidente em particular. Neste País só foi até hoje publicado, com efeito, um livro de Evola: O mistério do Graal [20]. As demais obras deste heróico homem contra o tempo são conhecidas, entre nós, por pouquíssimos privilegiados e por meio, sobretudo, das edições portuguesas e, mais recentemente, da rede mundial de computadores, onde há páginas em português do nível dos blogues Cadernos evolianos [21] e Grupo de Ur [22] , sem mencionar o Boletim Evoliano [23] e o próprio portal do Encontro Nacional Evoliano [24]. Agora, porém, com o Encontro Nacional Evoliano, que esperamos ser apenas o primeiro de muitos, e a publicação de Revolta contra o Mundo Moderno pelo instituto René Guénon de Estudos Tradicionais e de A Tradição Hermética pela Editora Ascese, certamente o nome e a obra do autor de A metafísica do sexo (La metafísica del sesso) serão bem mais conhecidos entre nós do que têm sido até hoje.


Isto posto, cumpre assinalar que muitos vêm conhecendo o pensamento evoliano por meio de traduções de obras em que há páginas a respeito do grande doutrinador antimoderno, tais como Sol Negro, de Nicholas Goodrick-Clarke [25], e Elogio da Tradição, de Marcello Veneziani [26]. No primeiro de tais livros, há um interessante e consideravelmente honesto capítulo dedicado a Evola, bem como igualmente interessantes e consideravelmente honestos capítulos dedicados a Savitri Devi, Miguel Serrano e outros pensadores que vêm exercendo influência sobre os círculos do vulgarmente denominado nazismo esotérico. No segundo livro, um rigoroso e vigoroso ensaio sobre a Tradição, publicado, no Brasil, pelas Edições Loyola, há também algumas interessantes páginas dedicadas a Evola. Seu autor, o escritor, filósofo e jornalista Marcello Veneziani, é, ainda, autor de duas importantes obras sobre Evola [27] .


Faz-se mister ressaltar, ademais, que o autor de Os homens e as ruínas (Gli uomini e le rovine) exerceu considerável influência sobre dois dos mais notáveis filósofos brasileiros: Vicente Ferreira da Silva e Heraldo Barbuy, o primeiro pagão como Evola e o segundo um fervoroso católico que soube como nenhum outro aproveitar o que há de válido à luz da Tradição Católica no pensamento do metafísico e doutrinador tradicionalista italiano. Isto sem mencionar a influência que o pensador gibelino exerceu sobre o jornalista e ensaísta Olavo de Carvalho, que em seu livro Jardim das aflições reconhece em Evola o maior escritor esotérico do século XX ao lado de Guénon [28] e que, em sua página pessoal na rede mundial de computadores menciona A Tradição Hermética, uma das obras-primas do autor de A doutrina do despertar (La dottrina del risveglio), como um dos principais livros que formaram sua visão de mundo [29].


O tema de nossa palestra não é, contudo, a penetração das ideias evolianas no Brasil, mesmo porque a respeito de tal tema há um excelente artigo da autoria do ilustre professor e pensador tradicionalista gaúcho César Ranquetat Junior [30]. O tema de nossa palestra é, sim, Julius Evola e seu revolucionário pensamento e Giovanni Gentile e seu igualmente revolucionário pensamento.


Havendo qualificado como revolucionário o pensamento de Evola, julgamos necessário destacar que pelo termo Revolução compreendemos a revolta contra um estado de coisas que traz a ideia de retorno, correspondendo à tradicional concepção astronômica da palavra, segundo a qual esta significa o retorno de um astro ao ponto de partida e o seu moto ordenado em torno de um centro. Este é o sentido que o próprio Evola considera o mais apropriado para tal palavra [31] e é, também, o sentido que preferimos, seguindo o exemplo de João Ameal [32], insigne pensador tradicionalista e historiador português, e de Plínio Salgado [33], fundador, Chefe Nacional e mais importante doutrinador do Integralismo Brasileiro e máximo expoente do pensamento tradicionalista no Brasil ao lado de José Pedro Galvão de Sousa, na abalizada opinião de Francisco Elías de Tejada y Spínola [34], mais importante pensador tradicionalista espanhol do século XX, que, diga-se de passagem, é autor de um fundamental estudo sobre Evola a partir dos ideais do tradicionalismo católico hispânico [35].


Tal é, ademais, a opinião de José Antonio Primo de Rivera, fundador, principal doutrinador e Chefe da Falange Espanhola e mártir da Cruzada Espanhola de 1936-39, como podemos ver, por exemplo, em seu texto A Tradição e a Revolução (La Tradición y la Revolución), prólogo ao livro ¡Arriba España!, de J. Pérez de Cabo [36], e no artigo Acerca da Revolução (Acerca de la Revolución), publicado a 12 de outubro de 1935 no periódico Haz [37]. E é, ainda, a posição de Corneliu Zelea Codreanu, fundador, mais notável doutrinador e líder máximo do Movimento Legionário Romeno, além de mártir da Grande Romênia, que assim afirma:


“O homem novo e a nação renovada, pressupõem uma grande revolução espiritual de todo o povo, isto é, uma mudança da orientação espiritual moderna, e uma ofensiva categórica contra essa orientação” [38].


Ainda nesse sentido, Arlindo Veiga dos Santos, fundador, maior doutrinador e Chefe Geral do Patrianovismo, nos fala da “verdadeira Revolução, REVOLUÇÃO DA ORDEM, contra os aspectos vários da república ‘moderna’: demo-liberal; socialista; nazista ou comunista (totalitária); pagã e satânica” [39].


Feitas estas considerações acerca do termo Revolução, voltemos a tratar de Evola.


Nascido Giulio Cesare Andrea Evola em Roma no ano de 1898 no seio de uma família siciliana de nobres origens, o futuro autor de Cavalgar o tigre (Cavalcare la tigre) recebeu uma rigorosa educação católica, contra a qual logo se revoltou. Mais tarde, após uma longa fase em que o ódio que nutria contra o Catolicismo só não era maior do que aquele que nutria contra o judaísmo, o protestantismo e aquilo a que considerava o “cristianismo das origens”, Evola, aliás cada vez mais influenciado pelo pensamento de tradicionalistas católicos como Joseph De Maistre e Donoso Cortés, finalmente reconheceria o caráter tradicional do Catolicismo autêntico.


Ainda bastante jovem, logo depois da fase dos romances de aventuras, Evola – como relata em O caminho do cinábrio (Il cammino del cinabro), sua autobiografia espiritual – planejou compilar, juntamente com um amigo, uma história da Filosofia. Nesta época era ele atraído por autores como Oscar Wilde e Gabriele D’Annunzio. E é neste tempo, ainda, que, durante as longas horas que passava na biblioteca, tomou contato com a obra de pensadores como Friedrich Nietzsche, Carlo Michelstaedter e Otto Weininger [40], que muito contribuíram para a formação de sua cosmovisão.


Juntamente com os estudos universitários em Engenharia Industrial, que não terminaria por se recusar a discutir a tese de conclusão de curso em razão do desprezo que nutria por títulos acadêmicos, Evola cultivava vivo interesse pela Literatura vanguardista italiana, que gravitava em torno de intelectuais como Giovanni Papini, Giuseppe Prezzolini e Filippo-Tomaso Marinetti.


Papini, que por essa época ainda não se havia convertido ao Catolicismo, foi fundador, diretor e principal colaborador das revistas Il Leonardo, Voce e Lacerba, que, com sede em Florença e ideais autenticamente revolucionários, agitaram toda a Itália dos primeiros anos do século XX, constituindo, segundo Evola, “forças alérgicas ao clima da pequena Itália burguesa” daqueles tempos e cuja erupção marcou, ainda de acordo com o pensador e Homem de ação antimaterialista, um verdadeiro Sturm und Drang que conheceu a Nação Italiana [41].


Foi por esse tempo que Evola se aproximou do Futurismo, passando a manter relações pessoais com alguns de seus vultos, tais como Marinetti e o pintor Giacomo Balla [42].


Não demoraria, porém, para que ficassem patentes as profundas diferenças que separavam Evola dos futuristas e do grupo de Papini. Isto se deu por ocasião da I Grande Guerra, quando Evola – que, ao contrário destes, - era antinacionalista, havendo já certamente concebido a ideia, aliás, em nosso sentir, totalmente antitradicional, de pátria eletiva, defendeu que a Itália deveria entrar no conflito ao lado da Tríplice Aliança (Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano), enquanto os outros, bem como D’Annunzio e Mussolini, sustentaram que o país devia lutar ao lado da Tríplice Entente (França, Império Britânico e Império Russo), identificando os Impérios Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria) à tirania e à barbárie.


Alguns simpatizantes burgueses da Kultur germânica, tais como Benedetto Croce, defendiam que a Itália permanecesse neutra, mas o jovem Evola, como vimos, sustentava não a simples neutralidade, mas a entrada do país na guerra ao lado dos Impérios Centrais. Ele admirava a “tradição mais essencial” dos povos germânicos em geral e da Alemanha em particular, que buscava em sua concepção de Estado, nos princípios de ordem e disciplina, na ética prussiana e nas sãs divisões sociais que subsistiam apesar da revolução do terceiro estado e do capitalismo, que não as havia comprometido senão parcialmente [43].


Por esses dias, Evola redigiu um artigo em que sustentou que, ainda que a Itália não combatesse ao lado da Alemanha, mas sim contra ela, “devia fazê-lo assumindo seus princípios, e não em nome das ideologias [sic.] [44] nacionalistas e irredentistas ou ideologias democráticas, sentimentais e hipócritas da propaganda aliada”. Havendo lido tal artigo, Marinetti disse a Evola que suas ideias estavam mais distantes das dele do que as de um esquimó [45].


Algum tempo depois da entrada da Itália no conflito, ao lado da Tríplice Entente, Evola, após haver recebido, em Turim, formação rápida para oficiais, seguiu para a frente de combate, permanecendo inicialmente nas montanhas perto de Asiago.


Ao final da guerra, Evola retornou a Roma. Em 1919, após haver participado da Exposição Nacional Futurista de Milão, rompeu para sempre com Marinetti e o Futurismo, aderindo no ano seguinte ao Dadaísmo, movimento de que logo se tornou o principal expoente em terras italianas. Suas pinturas carregadas de espiritualismo idealísitico foram expostas em Roma, Milão, Lausanne, Berlim e no Salon Dada de Paris, a Meca do Dadaísmo. No opúsculo Arte abstrata (Arte astratta), explicou os motivos de seu afastamento do Futurismo, cujos adeptos eram, a seu sentir, incapazes de percorrer coerentemente as vias do Voluntarismo e do Attualismo [46].


Foi por esse tempo, ainda, que Evola colaborou em revistas artísticas como Bleu e Noi, declamou seus revolucionários poemas em locais como o Cabaret Grotte dell’Augusteo, em Roma, e publicou, em Lausanne, o poemeto intitulado La parole obscure du paysage interieur.


Foi nos anos de militância dadaísta que Evola se aprofundou nos estudos filosóficos, em especial do Idealismo, corrente então predominante na Itália e cujos principais expoentes eram Giovanni Gentile e Benedetto Croce, e iniciou os estudos do Yoga, do Tantrismo, do Zen-Budismo, da magia e do ocultismo. Em 1923, ano em que parou de pintar, foi curador de uma tradução italiana do Tao-te-King, de Lao-Tsé.


Em 1926, Evola publicou um estudo a respeito do Tantra intitulado O homem como potência (L’uomo come potenza). Um ano antes, publicara a obra Ensaios sobre o idealismo mágico (Saggi sull’idealismo magico), que juntamente com a Teoria do Indivíduo absoluto (Teoria dell’Individuo assoluto) e a Fenomenologia do Indivíduo absoluto (Fenomenologia dell’Individuo assoluto), publicadas, respectivamente, em 1927 e 1930, embora escritas alguns anos antes, representam a passagem de Evola pela Filosofia do Idealismo.


Em meados da década de 1920, Evola colaborou nas revistas Atanòr e Ignis, dirigidas pelo tradicionalista pitagórico Arturo Reghini, e também nos jornais Il Mondo e Lo Stato democratico. Neste último, dirigido pelo Duque Giovanni Colonna di Cesarò, publicou Evola, em 1925, o trabalho Estado, potência, liberdade (Stato, potenza, libertà), onde criticou tanto o Fascismo quanto a liberal-democracia. Na mesma época colaborou também nas revistas Ultra, de Decio Calvari, presidente da Liga Teosófica Independente de Roma, e L’idealismo realistico, de Vittore Marchi, onde escreveu uma crítica desfavorável a um livro de René Guénon sobre o Vedanta [47]. A resposta de Guénon à crítica de Evola marcou o início da longa e fecunda correspondência entre os dois, que, ressalvadas algumas interrupções, em especial a provocada pela II Grande Guerra, durou até a morte do autor de O reino da quantidade e os sinais dos tempos (Le règne de la quantité et les signes des temps), no Cairo, em 1951.


O Sheik Abdel Wahid Yasha, mais conhecido pelo nome de René Guénon, com o qual foi batizado na pequena cidade medieval de Blois, no vale do Loire, influenciou muitíssimo o pensamento de Evola, que decerto não haveria escrito a Revolta contra o Mundo Moderno caso não houvesse lido A crise do Mundo Moderno. “O mestre de nossos tempos, o defensor do ‘tradicionalismo integral’, o mais radical de todos os ‘antimodernos’”, na expressão de Evola [48], somente, a nosso sentir, não influenciou mais o autor de O arco e a clava (L’arco e la clava) do que Friederich Nietzsche, o genial poeta de Assim falava Zaratustra (Also sprach Zarathustra) , maior poema em prosa da Literatura alemã, e profeta do Super-homem, do Eterno Retorno e da Vontade de Potência.


Como observa Francesco Lamendola, Evola recebeu de Guénon, em particular, o conceito de Tradição, compreendida, na opinião do pensador, filósofo e por meio de “escolas esotéricas tanto orientais quanto ocidentais”, com o fim precípuo de conduzir a humanidade através do nefasto Kali Yuga do Mundo Moderno, lhe permitindo, ou melhor, permitindo a alguns poucos privilegiados, “não perder o verdadeiro significado, que é – agora e sempre – aquele da total afirmação da liberdade interior através das práticas e da doutrina de um individualismo absoluto” [49].


Cumpre ressaltar que tal não é a nossa concepção de Tradição. Para nós, a Tradição é a cadeia sagrada que une os homens ao passado e ao futuro, aos ancestrais e aos descendentes; o patrimônio de valores comuns que herdamos de nossos pais e que devemos legar, aprimorado, a nossos descendentes; a base de todo progresso autêntico, que, ao contrário do que defende Evola, nunca se tornou invisível e secreta e não une poucos a poucos [50], não sendo, com efeito, somente esotérica e invisível, mas a um só tempo exotérica e esotérica, visível e invisível e ligando muitos a muitos. Do mesmo modo, rejeitamos por completo a ideia de liberdade total, bem como o individualismo, ao qual opomos o personalismo e o grupalismo e consideramos que o verdadeiro significado da existência humana repousa na busca da santidade.


Isto posto, cumpre ressaltar que, para Guénon e Evola, a Tradição teria este caráter esotérico, aristocrático e secreto apenas a partir do final da denominada Idade Média e do início da Idade Moderna, quando a Tradição inegavelmente perdeu o caráter universal.


Voltemos, contudo, à biografia de Evola. Em 1926-27, deu ele vida, ao lado de Arturo Reghini, Guido De Giorgio e outros, ao chamado Grupo de Ur, passando a publicar os cadernos mensais Ur (1927-28) e Krur (1929), reunidos na coletânea em três volumes intitulada Introdução à magia como ciência do Eu (Introduzione alla magia quale scienza dell'Io) e publicada entre os anos de 1955 e 1956. Em 1930, fundou a revista quinzenal La Torre, que chegou ao décimo número, sendo fechada por ordem das autoridades fascistas em virtude de suas visões pouco ortodoxas da Doutrina do Fascio, visões que Evola expressava desde 1927, quando se aproximara do Fascismo, passando a colaborar na revista Critica Fascista, de Giuseppe Bottai, onde escreveu artigos anticristãos também publicados em Vita Nuova e Il lavoro d’Italia.


Em 1928, Evola publicou a sua obra mais polêmica e radical: Imperialismo pagão: o fascismo diante do perigo euro-cristão (Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano). Em tal obra, o autor, que jamais ingressaria no Partido Nacional Fascista, defende um fascismo novo, um fascismo gibelino, um superfascismo livre dos valores cristãos e dos valores hegelianos e mazzinianos tão ao gosto de seus principais doutrinadores, em especial Giovanni Gentile, e clama pelo ressurgimento do Império e dos Deuses de Roma. Em uma palavra, Evola, dirigindo-se “a cada fascista que seja digno de tal nome, e que verdadeiramente vibre à vontade de regeneração, de dignidade romana, de potência proclamada pelo Duce” [51], proclama que “à superstição semítica de nossos pais nós hoje, reevocando Roma, opomos em tudo e por tudo a tradição verdadeira e antiga de nossos avós, a tradição mediterrânea” [52].


No ano anterior, Evola assim escrevera, na revista Critica Fascista:



"O pressuposto é: que o fascismo, na sua força mais pura, se identifique à vontade de império; que a sua reevocação da Águia e do Fascio possa não ser tão somente retórica; que, de qualquer modo, esta é a condição para que ele represente algo de novo, não uma revolução risível, mas uma ressurreição heróica" [53].




Isto posto, faz-se mister assinalar que, ao contrário do que então julgava o autor de O caminho do cinábrio (Il cammino del cinabro), o Catolicismo não é, de forma alguma, incompatível com a Vontade de Império, como, aliás, bem o sabia Mussolini, realizador do Pacto de Latrão, que, plenamente consciente de que a Itália, como herdeira e continuadora de Roma, foi destinada ao Império, assim aduziria, no X ano da Era Fascista, em trabalho sobre a doutrina política e social do Fascismo publicado na Enciclopédia Italiana:




"O Estado fascista é vontade de potência e de império. A tradição romana é aqui uma ideia de força. Na doutrina do fascismo o império não é apenas uma expressão territorial ou militar ou mercantil, mas espiritual ou moral. Pode-se pensar em um império, isto é, em uma nação que direta ou indiretamente guia outras nações, sem necessidade de se conquistar um só quilômetro de território" [54].



No ano de 1933, logo após a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, veio à luz, em Leipzig, a edição alemã, totalmente revista e ampliada, de Imperialismo pagão, Heidnischer Imperialismus, obra recebida como “uma espécie de evangelho do moderno gibelinismo”, fazendo enorme sucesso nos círculos nacional-socialistas [55].


Em 1934, Evola, que três anos antes publicara a obra A Tradição Hermética (La Tradizione Hermetica) e em 1932 lançara Máscara e vulto do espiritualismo contemporâneo (Maschera e volto dello spiritualismo contemporaneo), deu a lume sua obra-mestra, a Revolta contra o Mundo Moderno (Rivolta contro Il Mondo Moderno), que, a exemplo de Heraldo Barbuy, classificamos como “monumental” [56], a considerando mesmo uma das principais obras político-filosóficas de todo o século XX e a verdadeira “bíblia” do chamado Tradicionalismo Integral.


Em Revolta contra o Mundo Moderno, livro em que, ao contrário de em Imperialismo pagão, o anticristianismo não ocupa o papel central, Evola defende, em suma, que a única salvação possível ao Ocidente é “um retorno ao espírito tradicional em uma nova consciência ecumênica europeia”; o “retorno à tradição em sentido lato, universal, unânime, compreendendo todas as formas de vida e de luz; no sentido, outrossim, de um espírito e de uma ordem única que imperam soberanos em cada homem e em cada classe de homens. Não se trata da tradição em sentido aristocrático e secreto, como depósito custodiado por poucos”, pois, neste “sentido subterrâneo”, a Tradição, segundo Evola, sempre existiu e sempre existirá, mas isto não impediu o declínio da Civilização Ocidental [57].


Em 1937 foi publicado O mistério do Graal (Il mistero del Graal), obra em que o doutrinador antimoderno e antimaterialista analiza o caráter do mistério do Graal, que é, segundo ele, iniciático e regal, remontando a uma tradição anterior ao Cristianismo.


Em princípios do ano seguinte, Evola viajou para a Romênia, onde conheceu pessoalmente Mircea Eliade, com quem se correspondia desde fins da década de 1920, quando o pensador romeno estudava sânscrito e Filosofia Indiana na Universidade de Calcutá e já lia as obras do então jovem filósofo idealista italiano, admirando “sua inteligência e, sobretudo, a densidade e claridade de sua prosa” [58]. Foi também durante esta visita à Romênia que o autor de Revolta contra o Mundo Moderno (Rivolta contro Il Mondo Moderno) conheceu Corneliu Zelea Codreanu, fundador e líder máximo do Movimento Legionário, ao qual Eliade era então ligado e que, a despeito de sua posição nacionalista e ortodoxa romena confessional, contava com a profunda admiração de Evola, que, com efeito, o admirava mais do que qualquer outro dos diversos movimentos cívico-políticos europeus de caráter tradicionalista, patriótico e nacionalista surgidos no século XX como reação ao materialismo e ao espírito burguês. Mais tarde, Evola escreveu alguns seminais artigos a respeito do grande Homem de pensamento e de ação, que fisicamente parecia, segundo o metafísico italiano, “uma reaparição do mundo ário-itálico” [59] e que, assassinado em 1938, por ordem do Rei Carol II, na prisão de Jilava, juntamente com outros líderes do Movimento Legionário, transformou-se em um dos mais importantes mártires da História da heróica Dácia.


O Movimento Legionário surgira em 1927, com a fundação da Legião do Arcanjo Miguel por um grupo de jovens nacionalistas romenos encabeçado por Codreanu. Tendo como lema a divisa “Deus, Pátria, Rei, Família, Propriedade e Exército” e insistindo sobremaneira nos conceitos de Revolução Espiritual e de formação de um Novo Homem, que, em última análise, não é senão o Homem Tradicional, o Movimento Legionário, autêntico representante romeno dos grandes movimentos tradicionalistas e nacionalistas surgidos em todo o Mundo nos primeiros decênios do século XX, é, pela sua doutrina e pela fé e rigor moral, ético e cívico que inspira, uma prova cabal da grandeza moral a que podem chegar os movimentos defensores da Tradição e da Ordem Tradicional.


Estudioso das questões étnicas, Evola propugnou um racismo espiritual com o qual não concordamos e que a partir de 1938 se tornou predominante no Fascismo italiano, até então majoritariamente antirracista. Tal racismo está presente em obras como Três aspectos do problema hebraico (Tre aspetti del problema ebraico), de 1936, O mito do sangue (Il mito del sangue), de 1937, Diretrizes para uma educação racial (Indirizzi per una educazione razziale), de 1941, e Síntese de doutrina da raça (Sintesi di dottrina della razza), também de 1941, bem como em diversos artigos publicados na revista La difesa della razza.


Em 1941, Mussolini, - que havia lido a Síntese de doutrina da raça durante uma viagem à Alemanha e que via em Evola um teórico capaz de interpretar como nenhum outro o racismo espiritual que vinha defendendo e que não devia ser confundido com o racismo biológico do nacional-socialismo, convidou o autor para uma conversa com ele no Palazzo Venezia. Foi este o início da amizade que uniu o mais irredutível dos antimodernos e o último dos Césares.


Não sendo aceito como voluntário da frente soviética em virtude de não ser filiado ao Partido Nacional Fascista, Evola se dedicou então a escrever um ensaio sobre a ascese budista publicado em 1943 e intitulado A doutrina do despertar (La dottrina del risveglio). No mesmo ano viajou para a Alemanha, estando no Quartel-General de Hitler, em Rastenburg, Prússia Oriental, a 14 de setembro, quando Mussolini ali chegou após ter sido libertado de seus captores por Otto Skorzeny e seus homens. De volta à Itália, apoiou a República Social Italiana, fundada por Mussolini e também conhecida como República de Salò, apesar de ser antirrepublicano e possuir verdadeiro horror à palavra “social”. Em 1945 se encontrava em Viena, colaborando com as SS na tradução de textos maçônicos, quando foi gravemente ferido durante um bombardeio aliado ocorrido pouco antes da entrada dos soviéticos na antiga capital dos Habsburgos, quase morrendo e ficando paralítico até o fim de seus dias.


De volta à Itália em 1948, publicou, dois anos mais tarde, o opúsculo Orientações (Orientamenti), que, dirigido em particular aos jovens do Movimento Social Italiano (MSI), contém todas as ideias posteriormente desenvolvidas em Os homens e as ruínas (Gli uomini e le rovine), de 1953, Metafísica do sexo (Metafisica del sesso), de 1958, e Cavalgar o tigre (Cavalcare la tigre), de 1961, que constituem, em nossa singela opinião, as mais importantes obras do pensador e Homem de ação depois de Revolta contra o Mundo Moderno.


Em 1963, foi publicado O caminho do cinábrio (Il cammino del cinabro), espécie de autobiografia espiritual e intelectual de Evola, que constitui excelente roteiro de sua obra e de seu pensamento.


Falecido em Roma a 1º de junho de 1974, Evola, cujas cinzas foram depositadas em uma geleira do Monte Rosa, nos Alpes Italianos, se transformou em um símbolo da heróica luta em defesa dos valores autênticos, perenes e superiores da Tradição contra os valores inautênticos, passageiros e inferiores da Civilização Ocidental Contemporânea, que associava à Kali Yuga dos hindus, à Idade do Ferro dos helenos e romanos e à Idade do Lobo dos antigos germanos.


Infelizmente Evola, – a exemplo de Nietzsche, por quem tanto foi influenciado, para o bem e para o mal, - nunca compreendeu o verdadeiro significado do Cristianismo, da Família, da Nação e do nacionalismo e mesmo da Pátria e do patriotismo, havendo chegado a pregar o fim da “superstição da ‘pátria’ e da ‘nação’”, por ele vistas como “larvais e tenazes resíduos do impersonalismo democrático” [60] e defendendo, mais tarde, que é na Ideia e somente na Ideia que se deve reconhecer a verdadeira Pátria [61], que, para ele, há muito perdeu o caráter original de terra dos pais [62]. Mesmo, porém, com estes e outros erros e falhas, tais como o desconhecimento da verdadeira essência do Direito Natural Tradicional, ou Clássico, Evola merece ser lido, estudado e reconhecido como um dos mais importantes mestres do pensamento tradicional, pois teve o mérito de condenar, com a argúcia e lucidez de poucos, a mediocridade burguesa, a superstição do progresso indefinido, a liberal-democracia, o comunismo, o coletivismo, a dessacralização da Sociedade, o cientificismo, o economicismo, ou, em uma palavra, o Mundo Moderno, a idade obscura, antitradicional por natureza.


Mais, porém, do que pelas críticas ao Mundo Moderno, Julius Evola merece ser lido, estudado e lembrado por sua defesa da restauração da Sociedade Tradicional, por ele definida como a Sociedade “regida por princípios que transcendem aquilo que é tão somente humano e individual”, como a Sociedade “em que cada domínio próprio é formado e ordenado do alto e para o alto” [63]. Merece ser evocado pela defesa da Monarquia Tradicional e de princípios tradicionais como os de Honra, Lealdade, Obediência, Fé, Hierarquia e Autoridade, bem como pela defesa do Estado Orgânico, que define como o Estado “que possui um centro, e este centro é uma ideia que informa a partir de si, de modo eficaz, aos diferentes domínios”, como o Estado que “ignora a excisão e a autonomização do particular e, em virtude de um sistema de participações hierárquicas, cada parte em sua relativa autonomia tem uma funcionalidade e uma íntima conexão com o todo” [64]. Merece, por derradeiro, ser recordado pela defesa da ideia transcendente de Imperium, Imperium que jamais se poderá erigir “sobre a base de fatores econômicos, militares, industriais, e mesmo ideais” [65].


Julius Evola, mestre incontestável do Tradicionalismo Integral e um dos mais geniais pensadores do século XX, foi a um só tempo brahmin e kshatriya, sábio e guerreiro, Homem de pensamento contemplativo e de ação. Tendo a consciência de que nada de grande e belo pode existir fora da Tradição e de que, como preleciona Heidegger, “não é na vida banal, mas na audácia angustiosa do Herói que repousa a grandeza final do existir humano” [66], teve a coragem de permanecer de pé entre as ruínas e de cavalgar o tigre da modernidade, sempre preparado para o momento do cansaço do tigre, que não se pode lançar contra quem o cavalga. Sua mais importante lição é esta: “A criação de um novo Estado e de uma nova civilização será sempre algo efêmero quando estes não tiverem como substrato um novo homem” [67].




[19] EVOLA, Julius. Cabalgar el tigre. Trad. argentina de Marcos Ghio. Buenos Aires: Ediciones Heracles, 1999, p. 22.
[20] Idem. O mistério do Graal. Trad. de Pier Luigi Cabra. São Paulo: Editora Pensamento, 1972.


[21] http://cadernosevolianos.blogspot.com/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[22] http://grupodeur.blogspot.com/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[23] http://www.boletimevoliano.pt.vu/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[24] http://encontronacionalevoliano.com.br/. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[25] GOODRICK-CLARKE, Nicholas. Sol Negro: Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. Trad. de Fábio Rezende. São Paulo: Madras, 2004.
[26] VENEZIANI, Marcello. De pai para filho: Elogio da Tradição. Trad. de Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
[27] As duas obras de Veneziani sobre Evola são: La ricerca dell'assoluto in Julius Evola. Palermo: Thule, 1979; Julius Evola tra filosofia e tradizione. Roma: Ciarrapico, 1984.
[28] Citamos de memória.
[29] CARVALHO, Olavo de. Livros que fizeram a minha cabeça. Disponível em: www.olavodecarvalho.org/textos/livros.htm. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[30] RANQUETAT JUNIOR, César. O pensamento de Julius Evola no Brasil. Disponível em: http://www.juliusevola.it/documenti/template.asp?cod=563. Acesso em 17 de novembro de 2010.
[31] EVOLA, Julius. Introduzione. In GUÉNON, René. La crisi del Mondo Moderno, cit., p. 7.
[32] AMEAL, João. No limiar da Idade-Nova. Coimbra: 1934, pp. 12-14.
[33] Vide SALGADO, Plínio. Psicologia da Revolução. 6ª ed. In Idem . Obras Completas, 2ª ed., vol. 7. São Paulo: Editora das Américas, 1957.
[34] TEJADA, Francisco Elías de. Plínio Salgado na Tradição do Brasil. In VÁRIOS. Plínio Salgado – “In Memoriam” - vol. II. São Paulo: Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado, 1985/1986, p. 70.
[35] Idem. Julius Evola desde el Tradicionalismo Hispánico. In Ethos, ano I, nº 1, Buenos Aires, 1973.
[36] PRIMO de Rivera, José Antonio. Obras completas. Edição cronológica. Recopilação de Agustín del Río Cisneros. Madri: Delegación Nacional de la Sección Feminina de FET y de las JONS, 1954, pp. 645-649.
[37] Idem, pp. 661-664.
[38] CODREANU, Corneliu Zelea. Manual del Jefe de la Guardia de Hierro.Trad. para o espanhol de Manuel de la Isla Paulin. 2ªed. Barcelona: Ediciones Ojeda, 2004, p. 93.
[39] SANTOS, Arlindo Veiga dos. As raízes históricas do Patrianovismo. São Paulo: Pátria Nova, 1946, p. 18.
[40] EVOLA, Julius. Il cammino del cinabro. I capítulo, p. 5. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/2596256/Julius-Evola-Il-Cammino-del-Cinabro Acesso em 17 de novembro de 2010.
[41] Idem, p. 6.
[42] Idem, loc. cit.
[43] Idem, loc. cit.
[44] Para nós, que neste aspecto temos posição contrária à de Evola, o verdadeiro nacionalismo não é uma ideologia, mas uma Doutrina sã e intimamente ligada à Tradição. Concordamos, pois, com Marcello Veneziani, para quem a defesa da Identidade Nacional e da Tradição Nacional, longe de ser “uma negação da ideia de Tradição” (como querem Guénon e Evola), é como que “um defender a tradição e a identidade de um povo da erradicação e do cosmopolitismo, da colonização e da globalização” (VENEZIANI, Marcello. De pai para filho: Elogio da Tradição, cit., p. 130). Do mesmo modo, consideramos o Irredentismo parte nobilíssima da Tradição e da História Italiana.
[45] EVOLA , Julius. Il cammino del cinabro, cit., loc. cit.
[46] LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit..
[47] Idem. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit.
[48] EVOLA, Julius. René Guénon, un maestro de los tiempos últimos. Trad. argentina de Marcos Ghio. Serie Cuadernos Tradicionales, nº 4. Buenos Aires: Ediciones Heracles, 2001, p. 7.
[49] LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit.
[50] EVOLA, Julius. Heidnischer Imperialismus. II ed. italiana revisada com Imperialismo pagano. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004, p. 197.
[51] Idem. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano. 4ª ed. corrigida, com dois apêndices e Heidnischer Imperialismus. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004,p. 177.
[52] Idem, p. 76.
[53] Idem, p. 177.
[54] MUSSOLINI, Benito, apud PAGLIARO, A. L’azione storica del fascismo. In PNF (Partito Nazionale Fascista). Fascismo (republicação fac-similar do verbete Fascismo do Dizionario di política do PNF, do ano de 1937). Milão: ARS, 1999, pp. 81-82; Idem. A Doutrina do Fascismo. Trad. para o português. Florença: Vallecchi Editore, 1935-XIII, pp. 38-39.
[55] LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola, cit.
[56] BARBUY, Heraldo. Cristianismo e angústia. In BARBUY, Heraldo. O problema do Ser e outros ensaios. São Paulo: Convívio/EDUSP, 1984, p. 249, nota.
[57] EVOLA, Julius. Rivolta contro Il Mondo Moderno. 2ª ed. revista e ampliada. Milão: Fratelli Boca Editori, 1951, pp. 453-454.
[58] ELIADE, Mircea. Exile’s Odyssey. Chicago: University of Chicago Press, 1988, p. 152.
[59] EVOLA, Julius. Colloquio col capo delle “Guardie di Ferro”. In Il Regime Fascista, 22/03/1938. Disponível em http://www.centrostudilaruna.it/evolalegionarismoascetico.html. Acesso em 18 de novembro de 2010.
[60] EVOLA, Julius. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano, cit., p. 88.
[61] Idem. Los hombres y las ruinas.Trad. argentina de Marcos Ghio. Buenos Aires: Ediciones Heracles, 1994, p, 43.
[62] Idem, p. 42.
[63] Idem. Cabalgar el tigre, cit., p. 21.
[64] Idem. Los hombres y las ruínas, cit., p. 64.
[65] Idem. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano, cit, p. 62.
[66] HEIDEGGER, Martin apud BARBUY, Heraldo. Sartre e Heidegger. In BARBUY, Heraldo. O problema do Ser e outros ensaios, cit., p. 211.
[67] EVOLA, Julius. Los hombres y las ruínas, cit., pp. 193-194.

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Evola e Gentile (parte 1 de 3)

Segue a primeira parte de nosso trabalho sobre "Evola e Gentile", que seria a base de nossa palestra no "Encontro Nacional Evoliano" iniciado hoje (15/12) na Paraíba, mas que infelizmente não poderemos proferir por motivos alheios à nossa vontade.


Evola e Gentile
Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Mestre do denominado Tradicionalismo Integral e mais importante pensador esotérico antimoderno de todos os tempos ao lado de René Guénon, de quem se considerava discípulo e cuja obra A crise do Mundo Moderno (La crise du Monde Moderne) traduziu para o idioma italiano e prefaciou[1], Evola é, sem sombra de dúvida, o autor mais influente nos círculos da chamada Nova Direita europeia. Giorgio Almirante, fundador e secretário do Movimento Social Italiano (MSI) e principal líder da denominada Direita italiana entre a segunda metade da década de 1940 e o final da década de 1980, declarou, certa feita, que Evola era “o nosso Marcuse, mas melhor”[2], e o filósofo Franco Volpi, que foi Professor de História da Filosofia da Universidade de Pádua e colaborador do jornal La Repubblica, afirmou, de acordo com o escritor e jornalista Giano Accame, em entrevista ao telejornal Tg1, da RAI, que “os grandes do pensamento italiano do século XX são três: Croce, Gentile e Evola”[3].
Mestre do Attualismo, Giovanni Gentile é, na abalizada opinião do filósofo e historiador da Filosofia Michele Federico Sciacca, o maior filósofo italiano do século 20[4]. Conhecido como o “filósofo do Fascismo”, ou, como diria Evola, o filósofo “especificadamente fascista”[5], Gentile é inegavelmente o principal doutrinador do Fascismo ao lado de Benito Mussolini, com quem, aliás, colaborou na redação do famoso texto A Doutrina do Fascismo (La Dottrina del Fascismo), que, publicado em 1932 na Enciclopédia Italiana (Enciclopedia Italiana), se constitui no mais importante texto doutrinário fascista. Organizada por Gentile e publicada graças ao mecenato do Senador Giovanni Treccani, a Enciclopédia Italiana é, sem dúvida, uma das mais importantes enciclopédias de todo o Mundo e um dos grandes legados do autor da Teoria geral do espírito como ato puro (Teoria generale dello spirito come atto puro), ao lado da reforma do ensino que levou a cabo como Ministro da Instrução Pública do Reino da Itália e, é claro, de sua Filosofia Atual, que faz dele o maior filósofo idealista desde Hegel.
Patrick Romanell, que foi Professor de Filosofia da Universidade do Texas, afirma, na introdução que fez à sua tradução do Breviário de estética (Breviario di estetica), de Benedetto Croce, que Gentile “carrega tanto a honra de haver sido o mais rigoroso neo-Hegeliano de toda a história da filosofia ocidental quanto a desonra de haver sido o filósofo oficial do Fascismo na Itália”[6].
Concordamos com Romanell quando este afirma que Gentile porta a honra de haver sido o mais rigoroso pensador neo-Hegeliano da história da filosofia ocidental. Discordamos dele, porém, quando afirma que o filósofo do Attualismo leva a desonra de haver sido o “filósofo oficial do Fascismo na Itália”, posto que, embora discordemos de certos aspectos da Doutrina do Fascio, todos eles de caráter não-tradicional, reconhecemos o valor e a importância histórica do Fascismo, lídimo representante italiano dos Movimentos tradicionalistas de renovação nacional florescidos em todo o Mundo durante os primeiros decênios do século XX e que teve o mérito de salvar a Itália do liberalismo e do comunismo, de dar a ela a Ordem e o Desenvolvimento e de reconduzi-la a sua vocação histórica, herdada do Império Romano, de dilatar o Imperium e a Auctoritas.
Dentre os aspectos não-tradicionais do Fascismo a que fizemos referência no parágrafo precedente, podemos destacar a estatolatria e o modelo corporativo de cunho estatizante, que via nas corporações meros órgãos do Estado Totalitário, ao passo que o corporativismo tradicional, que encontrou seu apogeu na tão gloriosa quanto achincalhada era conhecida como Idade Média, se caracterizou pela autonomia das corporações, que, em vez de meros órgãos do Estado eram a peça-mestra da Sociedade.
Isto posto, cumpre assinalar que os aspectos não-tradicionais do Fascismo não são suficientes para fazer dele um Movimento não-tradicional. Aliás, a Revolução Fascista, movida pela Vontade de Transcendência e pela Vontade de Império e profundamente inspirada na Tradição da Eterna Roma dos Césares, foi, inegavelmente, uma Revolução Tradicional no mais alto sentido da palavra. E, uma vez que falamos em Fascismo e em Tradição, julgamos oportuno transcrever algumas palavras do Duce Benito Mussolini, no Breve prelúdio (Breve preludio) ao primeiro número da revista Gerarchia, por ele dirigida, em 1922, e transcritas no livro Tempos da revolução fascista (Tempi della rivoluzione fascista): “A tradição é certamente uma das maiores forças espirituais dos povos, porquanto forma sucessiva e constantemente o seu espírito”[7].
Pouco adiante, observa o Duce que, conciliando os conceitos de “conservação e de renovação, de tradição e de progresso”, os fascistas “não nos agarramos desesperadamente ao passado, como a uma tábua suprema de salvação, nem nos atiramos de olhos fechados nas nuvens sedutoras do futuro”[8].
Registre-se, ademais, que o Fascismo é, inegavelmente, um “movimento revolucionário que modelou grande parte da história do século XX”, como registra A. James Gregor (cujo verdadeiro nome é Anthony Gimigliano), Professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e um dos mais importantes e honestos estudiosos do fenômeno fascista na Itália[9]. Ainda segundo Gregor, o principal aspecto que diferencia o totalitarismo de Mussolini daqueles de Stálin e de Hitler é a coerência de sua doutrina. Como sublinha o referido autor, “mesmo antes de sua ascensão ao poder, o Fascismo havia articulado uma consistente e relevante ideologia [diríamos doutrina] de renovação nacional e desenvolvimento, predicada na suposição de que somente uma unidade ‘orgânica’ de todos os elementos da comunidade serviria aos propósitos de uma nação ‘proletária’ em sua desigual disputa com as ‘plutocracias’”[10] Ademais, de acordo com o autor de Giovanni Gentile: Filosófo do Fascismo (Giovanni Gentile: Philosopher of Fascism), “o Fascismo possui uma ideologia [mais uma vez, diríamos doutrina] que era mais coerente e relevante para a revolução moderna do que praticamente qualquer outra coleção de ideias do século XX”[11], havendo os “intelectuais do Fascismo de Mussolini criado a mais consistente, coerente e relevante lógica doutrinária para a reação nacionalista e as revoluções desenvolvimentistas em nosso tempo”[12].
Feito este longo parêntese, voltemos a falar de Evola e de Gentile, que são os temas centrais da presente palestra.
Gentile jamais admirou Evola e o seu ideário, havendo sido devido, sobretudo, a ele o fato de o pensamento evoliano haver marchado no silêncio durante a Era Fascista. Isto se explica em virtude de Gentile haver sido a figura de proa da nau da Cultura Italiana durante o vintênio fascista e também durante os primeiros meses da República Social Italiana, também conhecida como República de Salò, isto é, até seu assassinato, em abril de 1944.
Faz-se mister sublinhar, contudo, que Gentile reconheceu, ao menos parcialmente, o valor de Evola nos campos do esoterismo e da alquimia, tanto que solicitou ao pensador tradicionalista esotérico que fosse o curador do verbete sobre a revista iniciática Atanòr na Enciclopédia Italiana.
Evola também jamais admirou Gentile, a quem votou mesmo, na expressão do pensador e escritor português António José de Brito, “injusto desprezo”[13], havendo chegado a afirmar que era tão somente por ignorância ou por um “provincialismo intelectual” que pensadores como Croce e Gentile, que ele sequer considerava filósofos, haviam podido ser levados a sério e mesmo admirados na Itália. Na opinião do pensador esotérico, era necessário não haver estudado diretamente “os grandes sistemas do idealismo transcendental germânico”, não haver tomado conhecimento dos “problemas imanentes que conduziram, por exemplo, além de Hegel, ao ’segundo’ Fichte e ao ‘segundo’ Schelling, a Schopenhauer e ao próprio von Hartmann, para não perceber que Croce e Gentile não são senão dois fracos epígonos, cujo único mérito é o de haver conduzido ao absurdo as posições do idealismo absoluto, até um verdadeiro e próprio colapso especulativo”[14].
O pensamento filosófico e religioso de Evola e de Gentile é muito diverso, o mesmo se dando em relação ao pensamento político de ambos, tanto que os aspectos que Evola mais condena no Fascismo são os aspectos do mesmo mais afirmados por Gentile, a exemplo do Estado Ético de inspiração hegeliana, do nacionalismo, do culto do Trabalho e do culto do Risorgimento e de seus heróis, ou profetas, vistos como precursores do Fascismo. Com efeito, assim afirma o filósofo do Idealismo Atual em seu artigo intitulado Risorgimento e Fascismo, publicado em 1931, na revista Politica sociale e em diversos jornais e transcrito na obra Memórias italianas e problemas da filosofia e da vida (Memorie italiane e problemi della filosofia e della vita), de 1936:

"O Fascismo é filho do Risorgimento: do Risorgimento heróico, criador de um Estado moderno, que é potência política na medida em que é potência econômica e civilização: um homem novo, vivo, são, inteligente, original.
Perder este fio, rompê-lo, não pode ser e não é de interesse do Fascismo. Cuja revolução é progresso na medida em que é restauração: consolidação das bases para edificar-vos sobre um sólido edifício, alto, na luz. Toda originalidade sem tradição, como toda espontaneidade sem disciplina, é veleidade estéril, não vontade viril. Capricho, não programa. Não é o espírito do Fascismo, mas sua caricatura"[15].

Isto posto, cumpre assinalar que, na opinião do autor de Os profetas do “Risorgimento” Italiano (I profetti del Risorgimento Italiano), o Risorgimento foi um movimento de cunho tradicionalista, coincidindo com aquela renovação geral que pode ser considerada lato sensu como Romantismo, considerando Vincenzo Gioberti e Antonio Rosmini, dois dos principais vultos do Risorgimento, como os mais importantes pensadores tradicionalistas italianos[16].
Tal não é, como bem sabemos, a opinião de Evola. Ao contrário, sempre foi ele um agudo crítico do Risorgimento. Com efeito, para o filósofo do Idealismo Mágico, Giuseppe Mazzini – que para Gentile era um dos grandes precursores da Nova Itália[17] – “não é senão o expoente italiano do protestantismo e do mal europeu[18].
A despeito, porém, de todas as divergências, Evola e Gentile têm importantes elementos em comum: ambos são grandes filósofos e doutrinadores políticos; ambos são tradicionalistas, ainda que cada qual a seu modo; ambos, por fim, pertencem ao rol dos maiores vultos do pensamento universal do século XX e também ao rol dos maiores vultos da denominada Terceira Posição, ao lado de nomes como os de Gabriele D’Annunzio e Giovanni Papini, Luigi Pirandello e Alfredo Rocco, Filippo-Tomaso Marinetti e Ardengo Soffici, Ugo Spirito e Giuseppe Prezzolini, Giorgio Del Vecchio e Gino Arias, Sergio Panunzio e Robert Michels, Martin Heidegger e Carl Schmitt, Gottfried Feder e Ferdinand Fried, Ernst Jünger e Knut Hamsun, Ezra Pound e T.S. Eliot, G.K. Chesterton e Hilaire Belloc, Sir Oswald Mosley e Wyndham Lewis, D.H. Lawrence e Louis-Férdinand Céline, Drieu la Rochelle e Robert Brasillach, Charles Maurras e Maurice Barrès, Léon Degrelle e Henri de Man, Corneliu Codreanu e Mircea Eliade, José Antonio Primo de Rivera e Ramiro de Maeztu, António Sardinha e João Ameal, Francisco Rolão Preto e Fernando Pessoa, sem falar nos nossos Plínio Salgado e Gustavo Barroso, Miguel Reale e Alfredo Buzaid, Câmara Cascudo e San Tiago Dantas, Gerardo Mello Mourão e Tasso da Silveira, Goffredo e Ignacio da Silva Telles, Jackson de Figueiredo e Arlindo Veiga dos Santos.
Feitas essas considerações, passemos a falar, separadamente, da vida e da obra dos dois grandes pensadores de que cuida a presente palestra, principiando por Julius Evola.

[1] GUÉNON, René. La crisi del Mondo Moderno. Trad. italiana e intr. de Julius Evola. Roma: Edizioni Mediteranee, 2003.
[2] ALMIRANTE, Giorgio, apud LAMENDOLA, Francesco. Alcuni aspetti del pensiero filosofico di Julius Evola. Disponível em: http://www.juliusevola.it/documenti/template.asp?cod=615. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[3] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YMUtRc3u4SI. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[4] SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia - vol. III. São Paulo: Mestre Jou, 1962, p. 216.
[5] EVOLA, Julius. Gli uomini e le rovine. 1ª ed. Roma: Edizioni del`Ascia, 1953, p. 21. Apud BRITO, António José de. Apontamentos sobre Julius Evola. Disponível em: http://cadernosevolianos.weblog.com.pt/arquivo/093086.html. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[6] ROMANELL, Patrick. Translator's Introduction. In CROCE, Benedetto. Guide to Aesthetics. Trad., intr. e notas de Patrick Romanell. 2ª ed. Indianápolis: Hackett Pub Co Inc, 1995, p. VIII.
[7] MUSSOLINI, Benito. Tempi della rivoluzione fascista. Milão: Alpes, 1930, p. 13.
[8] Idem, p. 14.
[9] GREGOR, A. James. Presentazione. In PIRAINO, Marco e FIORITO, Stefano. L’identità fascista: Progetto politico e dottrina del fascismo. 2ª ed. Lulu Enterprises, 2009, p. 5.
[10] Idem. Phoenix: Fascism in our time. 1ª ed., 4ª reimpr. New Brunswick: Transaction Books, 2009, p. 176.
[11] Idem, p. 21.
[12] Idem, p. 184.
[13] BRITO, António José de. Apontamentos sobre Julius Evola. Disponível em: http://cadernosevolianos.weblog.com.pt/arquivo/093086.html. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[14] EVOLA, Julius. Gentile non è il nostro filosofo. Disponível em: http://www.juliusevola.it/documenti/template.asp?cod=373. Acesso em 16 de novembro de 2010.
[15] GENTILE, Giovanni. Risorgimento e fascismo. In Idem. Memorie italiane e problemi della filosofia della vita. Florença: G. C. Sansoni – Editore, 1936-XIV, p. 120.
[16] Idem. La tradizione italiana. In Idem Frammenti di estetica e di filosofia della storia. Florença: Le Lettere, 1992, pp. 112-113.
[17] Cf. Idem. Mazzini e la Nuova Italia. In Idem. I profetti del Risorgimento Italiano. 3ª ed. acresc. Florença: G. C. Sansoni-Editore, 1944-XXII, pp. 127-152.
[18] EVOLA, Julius. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano. 4ª ed. corrigida, com dois apêndices e Heidnischer Imperialismus. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004,p. 93.

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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

AS CIVILIZAÇÕES QUE OS EUROPEUS DESTRUÍRAM

O Grande "Achado" da história!

Captura de Atahualpa por Francisco Pizarro

1-É possível nomear aquele que já tem nome?

2- É possível colocar-se como deus diante dos homens e ditar seus caminhos?

3-É possível chegar a uma terra e dizer que a História começa com a sua chegada, como se os nativos estavam estáticos; sem idioma, cultura ou organização própria como se estivessem parados no tempo e só começassem a se movimentar com a chegada do europeu?

4-É possível destruir culturas que em muitos aspectos supera a sua?


R-Os Espanhóis mostraram para a humanidade que sim!

Quando os europeus chegaram ao continente que denominariam América (A popularidade trazida pelas narrativas das viagens de Américo Vespúcio converteu-o num dos autores mais vendidos à época. Foi o cartógrafo Martin Waldseemüller quem primeiro nomeou o novo continente de América em sua homenagem em 1507).

Eric o vermelho (Eiríkur rauði). Xilogravura frontispício de 1688 Icelandic publication of Arngrímur Jónsson's Gronlandia (Greenland). Fiske Icelandic Collection.

Agora que sabemos porque nosso continente traz um nome de um europeu ao invés de um nome de um herói ou deus nativo, vamos olhar um pouco para o homem que foi Ele chegou à costa do atual Canadá e EUA, aonde denominaram a terra de o primeiro europeu a chegar a América, no ano 1000 dc Erik o Vermelho um Viking. Vinland devido ao grande número de vinhas ali encontradas, mas devido à distância impediu que realizassem um contato mais freqüente com o continente. O ponto do continente onde mais permaneciam é hoje a denominada Ilha da Groenlândia aonde na época chegaram a cultivar cereais em toda parte sul da ilha devido ao clima local mais ameno que o atual.

Malinche e Cortés in Tlatelolco. Codex da História de Tlaxcala (s.XVI)

Agora falaremos de quem oficialmente segundo eles mesmos foram os primeiros europeus a chegarem na nomeada América, falaremos de Colombo e sua chegada ao novo continente, e sua repercussão no mundo que pensavam na época ser bem menor e isso se dava não só na Europa em relação ao restante da Ásia e África, mas também aqui na América onde os povos nativos não se conheciam em sua totalidade.

O desembarque de Colombo é um símbolo de um grande processo, cuja conseqüência é a globalização da humanidade. Segundo o autor Miguel Leon Portilla nós americanos só podemos comemorar esse acontecimento e não celebrar, porque nesse processo houve abusos e a morte de 50 milhões de nativos. O mesmo número de mortos que houve na II Guerra Mundial.

Engraçado ninguém lembrar disso? Mas devemos comemorar, pois não podemos permitir que esse fato horrendo ocorrido com os nativos caia no esquecimento.

Outro problema a ser abordado é alguns conceitos inseridos pelos europeus aos nativos, como certas terminologias errôneas.

Quando Colombo teve o primeiro contato com os nativos chamou-lhes de “Índios”. Essa denominação surgiu porque se julgou terem chegado às Índias e por isso passou a se chamar de índios aos habitantes da região. Uma denominação errada que não foi corrigida mesmo depois de descobrirem que não estavam nas Índias, pois não se deram ao trabalho de respeitar a designação que cada povo tinha e mantiveram a sua absurda nomenclatura.

No período colonial, índio para o espanhol era aquele que deveria trabalhar nas minas, cidades e fazendas, ser reconhecido como índio era sinônimo de trabalho compulsório para aqueles de sangue e cor de pele que consideravam inferiores, bem apropriado para o colonizador espanhol branco.

Cortés e a Malinche com Monctezuma em Tenochtitlán. Facsimile (c. 1890) Lienzo de Tlaxcala.

Dentro do mesmo problema temos a designação de “altas culturas” que era aplicada pelos europeus somente aos povos da Confederação Asteca e ao Império Inca que sobrepujaram outros povos das suas respectivas regiões. Enquanto o correto é que todas as sociedades americanas que passaram pelo processo de adoção da agricultura extensiva e da revolução urbana deveriam receber essa designação.

Abordando a terminologia altas culturas da outra forma da se uma impressão de dominação política dos Astecas e Incas sobre os outros povos. Tanto Astecas como os Incas, no período anterior as suas expansões, eram tribos no mesmo estágio cultural que seus vizinhos e em certo momento, chegaram a estar a eles subordinados. Por um processo especifico, e numa expansão rápida, passaram a subjugar, dominar e tributar outros povos, outrora seus iguais.

Desta forma identificar somente Astecas e Incas como as altas culturas é esquecer a rede de dominação e tributação construída por estes Estados, além de referir-se a culturas que se tornaram hegemônicas e dominantes a partir de uma expansão militar, e não por uma suposta sofisticação cultural própria e autônoma.

Outro termo avassalador para aqueles que almejam o respeito aos nativos da nomeada América é o Pré-Colombiano, pois essa expressão supõe que estas sociedades não têm História e que, no máximo, a História se inicia com a chegada do europeu civilizado e culto. Posicionando como marco da História da nomeada América é a chegada de Colombo e com ele veio a forma civilizada de viver.

Quando estudamos o Império Inca (América do Sul) e Asteca (América Central) nos é revelado a existência de sociedades extremamente complexas e hierarquizadas com mitologia e religião próprias a sua realidade.

A Confederação Asteca tem sua origem na cultura mãe da civilização meso-americana a cultura Olmeca (um exemplo de sua cultura é o centro cerimonial de La Ventana) e seus predecessores. Os mexicas provenientes do norte instalaram-se no vale do Anahuac em 1168 as margens do lago Texcoco e assimilaram para sua cultura muito da cultura Olmeca. O conflito pela terra com as cidades vizinhas leva-os lentamente a vitórias consecutivas onde foram edificando templos, casas, palácios, aquedutos e montou-se uma burocracia estatal e hierarquizou-se a religião. Sua economia baseava-se no modo de produção tributário que exige que as comunidades aldeãs extraiam da terra o alimento necessário para sua auto-sustentação e a manutenção da Classe-Estado. Teotihuacán era sua capital e era composta por um conjunto arquitetônico ligado por diversas estradas. O fim de sua civilização veio com a chegada de Hernando Cortes um navegado Português a serviço da coroa espanhola que esteve no México em 1519, em expedição onde submeteu os Astecas tornando-se governador geral do México em 1521. Praticou uma serie de castigos aos nativos da região, tornando-se famoso por suas crueldades.

Conquistadores espanhoís massacraram o glorioso Império Inca

Falaremos um pouco sobre o Império Inca que não foi nada mais nada menos que o sucessor de culturas anteriores, períodos em que as autoridades centrais conseguiram controlar as comunidades das montanhas e costeiras. O Horizonte (Império) Primitivo era centrado em Chavín de Huantar um templo nas montanhas lestes que teve seu apogeu a uns 3000 anos atrás, quando influenciou outras colônias da região. No Horizonte (Império) Médio temos Tiahuanaco perto do lago Titicaca na Bolívia e Huari no atual Peru, ambos foram verdadeiras colônias urbanas de Estados de vasta extensão há 2500 anos atrás. No Período Intermediário Tardio que corresponde aos séculos imediatamente anteriores a expansão inca, tinha sido um tempo de guerras. A expansão inca daria se por meio de 8 comunidades que procediam da região Colha próxima do lago Titicaca, de língua aimará. Apos submeterem as populações locais de língua quíchua concentraram esforços em dominar o vale onde construiriam sua futura capital.

O Império Inca, respeitando as antigas funções das comunidades aldeãs chamadas ayullus, incorporou militarmente outros estados impondo uma unidade política, econômico-social e religiosa, justificando a denominação de Império. A ideologia transmitida pelos incas aos povos submetidos referia-se ao soberano como filho do sol que lhe outorgava proteção divina. Sendo assim o Império Inca era apresentado desta forma: os historiadores oficiais escreviam duas historias; uma para a hierarquia e outra para o povo. Na segunda versão se excluía tudo o que pudesse diminuir o respeito e a fidelidade ao soberano, a História foi deliberadamente falsificada para divinizar o inca e tornar sua vontade a dos deuses.

Fato interessante em relação às conquistas incas é a apropriação e adaptação de costumes e técnicas de outros povos a sua sociedade. Aquilo que encontrassem em uma cultura que fosse ser útil ao Império eles utilizavam, um exemplo é o sistema de correio e o sistema numérico através de cordas que foram assimilados da cultura Chimu pelos incas conquistada.

A partir de Cuzco o Império estava dividido em duas partes subdivididas em quatro. Nas regiões rebeldes os incas designaram governadores para substituir o senhor natural.

O Império organizava sua economia pelo sistema de Mita que correspondia ao serviço prestado ao inca nas mais diferentes formas. Como na função de soldados, na agricultura, no trabalho de pedreiros, todos eles constituíam dispêndio de energia em beneficio do Estado, devidos, em proporções diferentes, por quase todos os grupos étnicos incorporados pelos incas (Tahuantinsuyo: Quatro cantos).

Não havia doação ou pagamento de qualquer coisa com seus próprios recursos se não contarmos as terras cultivadas em beneficio do Estado. Os únicos itens cedidos em espécie ao estado eram fornecidos por aqueles que não haviam constituído família. A real grande renda do Estado consistia na prestação de energia e tempo gasto em beneficio do Estado num grande numero de empreendimentos.

Outra política utilizada pelos incas para manter o controle sobre os povos conquistados era o reassentamento que funcionava num sistema de deportação da população local para outro local e suas fazendas eram concedidas aos mitmacs (povos fieis aos incas e que manteriam a região sob vigilância e controle dos incas).

Esse processo foi intensificado com a expansão rápida, pois a necessidade de povos fieis em meio a recém conquistados se fazia necessária. Para contabilizar a produção os incas utilizavam os quipos, longos cordões aos quais eram amarrados cordõezinhos onde se faziam diferentes tipos de nós, como sinais que eram usados tanto na contabilidade como para registrar fatos históricos.

O Império Inca, igual ao Asteca ou ao Maia, era um sistema econômico-politico-ideologico que tinha como base o modo de produção tributário avançado, baseado na exploração da comunidade aldeã por uma classe-Estado, formada por sacerdotes, guerreiros e burocratas.

O socialismo no Império Inca como proposto por diversos autores não passa de uma ilusão, pois se o socialismo é o ato pelo qual todos os bens de uma sociedade são distribuídos de modo eqüitativo entre todos os seus membros isso não se refere ao Estado inca onde na região do Titicaca o Estado exigia 80 mil cabeças (lhamas, Guanacos, Vicunhas e Alpacas) por ano para cada 15 mil tributados. Se isso corresponde a um sistema socialista não compreendo como devo denominar um sistema opressor.

O conquistador Espanhol Francisco Pizarro foi o carrasco dos incas, pois em 1530 desembarcaram em San Mateo e atingiram Cuzco, apoderando-se da cidade e capturando o inca Atahualpa, que ficou prisioneiro como refém. Os espanhóis assassinaram traiçoeiramente Atahualpa, originando lutas, que terminaram coma a vitória dos conquistadores. Pizarro recebeu o título de marquês com jurisdição até os confins da nação inca. Sua crueldade e orgulho desmedidos empanaram suas qualidades militares e seu arrojo.

Quando chegaram no continente que seu egocentrismo nomeou América os europeus somente queriam três coisas metais preciosos, especiarias e expandir a fé cristã. Todos esses três itens em detrimento de qualquer coisa ou até mesmo pessoas que se opusessem a eles ou simplesmente estavam no caminho deles. Não pouparam crianças, idosos e mulheres nesta devastadora jornada da ganância.

Quando abordamos os quesitos de metais preciosos e especiarias nossos invasores não tinham a menor idéia de respeito à natureza como também não tinham pelos nativos. Agora quando falamos de expansão da fé Cristã não podemos aceitar como dizem alguns autores que a religião legitimou toda a barbárie e usando da Bíblia esses autores se valendo de trechos isolados colocam o Homem Cristão servo de um Deus Antropocêntrico que permite ao mesmo utilizar a natureza como quiser até mesmo destruí-la por completo, não vou citar versículos, mas é notório ao mais leigo cristão praticante que as Sagradas Escrituras jamais legitimam a destruição da criação de Deus. É algo contraditório com a natureza divina e sua própria palavra.

Os espanhóis mataram, estupraram, torturam e mutilaram em nome de sua própria ganância, em nome de sua luxuria, em nome da coroa e de seus reis. Tudo o que fizeram foi simplesmente porque sabiam que sairiam impunes que não havia nada nem ninguém para os impedir, pois o que faziam segundo o conceito que a eles foi dado era em nome do progresso do reino do povo desse reino que os receberia como heróis por mais desumanos que fossem. A fé pode ter sido uma mola propulsora que levou o homem às terras distantes, mas nunca legitimou a desumanidade e a destruição da natureza.

Os eurocentristas (aqueles que consideram ter sido benéfica a chegada dos europeus ao novo continente e que esse continente não era civilizado) ignoram qualquer possibilidade do surgimento na América de algum povo civilizado.

Desconhecem que, enquanto os camponeses morriam de fome durante o feudalismo europeu, Estados centralizados construíam na América complexas obras hidráulicas, controlavam o tempo através do calendário, conseguiam alimentar decentemente todo o povo, que possuíam aposentadoria, pública e gratuita, ou que as primeiras universidades envolvidas com a tecnologia da produção de alimentos surgiram fora da Europa ocidental.

Partindo desse pensamento supomos que o sentimento Europeu em relação aos povos nativos era de medo, por encontrar tão vasto conhecimento e riquezas pertencentes a pessoas que pensavam tão diferentes e estavam tão distantes do mundo Europeu e possuíam ciência, tecnologia e organização social superior a sua.

Os americanistas encontraram nas instituições sociais existentes antes da chegada dos Europeus idéias defendidas na Europa pelos iluministas como: preocupação cientifica, modificação social, critica a realidade existente, luta contra o poder e o obscurantismo. Muitos dos ideais de reciprocidade, liberdade, fraternidade e solidariedade, perseguidos pelos homens da Revolução Francesa, lemas esquecidos nas comemorações européias estavam presentes entre astecas, maias e incas.

Sem sombra de dúvidas as sociedades existentes no continente denominado pelos europeus América não eram o paraíso na terra no qual os Espanhóis esperavam encontrar, pois a exploração dos camponeses pelas classes que controlavam o Estado era algo comum entre os povos astecas, maias e incas.

Mas essa mesma classe que explorava também protegia as comunidades contra ataques exteriores, fome, doenças ou frio sendo capazes de organizar as estruturas produtivas para conseguir alimentar decentemente milhões de pessoas, fato que nenhum Estado moderno latino-americano baseado nos moldes dos “desenvolvidos” e “cultos” europeus conseguem repetir hoje.

Com certeza ainda temos muito o que aprender com os nativos, pois se tivéssemos seguido o modelo desses povos a América Latina poderia ser um diferencial no mundo do capitalismo “selvagem”. Mostrando ao mesmo que o modelo socioeconômico e cultural europeu não é o senhor da verdade e muito menos da igualdade.

Autor: Leandro CHH

Você quer saber mais?

Peregalli, Enrique, A América que os europeus encontraram / 2000 Atual,

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