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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Misteriosas descobertas arqueológicas nos Açores






São dezenas de estruturas em pedra ou escavadas na rocha encontradas em várias ilhas dos Açores e estão a gerar polémica, porque parecem apontar para a presença humana no arquipélago muito antes da chegada dos portugueses.

A multiplicação de descobertas arqueológicas no Corvo, na Terceira e noutras ilhas dos Açores está a provocar polémica, porque parece indicar a presença de navegadores muitos séculos antes da chegada oficial dos portugueses, em 1427 (Diogo de Silves).



Celtas, fenícios, cartagineses, romanos podem ter passado pelo arquipélago, porque o regresso ao Mediterrâneo ou ao norte da Europa de qualquer barco que viajasse ao longo da costa africana teria de ser feito pela chamada volta do Atlântico, por causa da direção dominante dos ventos de nordeste.

Essa rota passava precisamente pelo grupo central das ilhas dos Açores e pelos seus dois melhores portos naturais: Angra do Heroísmo, na Terceira, e Horta, no Faial.

Faltam sondagens, escavações e datações por radiocarbono para se tirarem conclusões definitivas, mas se fosse provada a origem pré-portuguesa dos achados arqueológicos, a História teria de ser rescrita, tanto no que diz respeito à descoberta das ilhas como ao paradigma da navegação no Atlântico.



Félix Rodrigues, professor catedrático da Universidade dos Açores, que descobriu e estudou em profundidade alguns destes achados, vai mais longe e afirma ao Expresso: "Seria a maior descoberta arqueológica da Europa dos últimos 100 anos".



quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A Vida de Edgar Allan Poe. PARTE III.



Nesta terceira e última parte dos relatos referentes a vida de Edgar Allan Poe, conheceremos a última etapa da vida de um homem que sua genialidade é inspiração ainda hoje e com toda certeza o será no futuro para milhares de escritores e fascínio para milhões de leitores. Mas não deixou de lembra aos amigos do Construindo História Hoje que para uma contemplação plena desse texto leia antes a primeira e segunda parte: “A vida de Edgar Allan Poe. PARTE I” e “A vida de Edgar Allan Poe. PARTE II”. Que realizem uma excelente construção de conhecimento por meio destas leituras.

Após o casamento com Vírgina, a alegria de Edgar Poe não perdurou, pois depressa a melancolia se reapossa dele, e não pode passar sem o álcool e a droga. Após violentas e frequentes crises nervosas, cai em terríveis fases de depressão e desinteressa-se totalmente da sua profissão. Então White despede-o definitivamente. Em julho de 1883 a família Poe vai instalar-se em Nova Iorque. O poeta publica o romance “As Aventuras de Arthur Gordon Pym”, mas não consegue encontrar um emprego fixo. É à Maria Clemm que incumbe agora a manutenção dos ‘seus filhos’. Saturado de Nova Iorque, onde se sente incompreendido e se julga mesmo perseguido, Poe vai instalar-se em Filadélfia, onde colabora não “Gentleman’s Magazine” de W. Buston, que lhe publica alguns dos seus mais célebres contos.

Em junho de 1840 a sua colaboração no “Gentleman’s Magazine” é interrompida. Começa então para o poeta um dos períodos mais sombrios da sua existência. Não tem trabalho, Virgínia cai doente, é a miséria negra. Após várias tentativas goradas para remar contra a maré, Poe instala-se de novo em Nova Iorque e colabora no “New York Sun” e no “Evening Mirror”, que publica, em 19 de janeiro de 1845, o seu poema “O Corvo”.


“O Corvo”, arauto do sucesso

É o triunfo. O público está literalmente galvanizado por tão insólita poesia. O sucesso literário faz-se acompanhar de um sucesso mundano. Após ter relegado para o campo, em Fordham, a pobre Virgínia, que precisa de ar puro, “Poe, o Corvo”, começa a levar uma vida caótica, percorrendo todos os Estados da União para declamar o seu grande sucesso nos salões elegantes. É o período dos deslumbramentos e das paixões literárias. A mais notória das suas ligações, com a poetisa Frances Osgood, termina de uma forma lamentável. Ela não tarda a preferir-lhe o Reverendo Griswold, rival literário e mundano de Poe e, ironia do destino, seu futuro executor testamentário. Em outubro de 1845, Poe alcança a orientação exclusiva do “Broadway Journal” de Nova Iorque, que o editor Briggs imprudentemente lhe confiou. Tendo investido na operação todo o  capital de que dispunha, Poe encontra-se dentro em breve impossibilitado de prosseguir a publicação do jornal. Durante dos longos meses vagueia como um obcecado em busca de fundos, mas, devido a não ter podido liquidar uma letra de 50 dólares, tem de acabar por desistir. É a derrocada final. Uma vez mais a mamãe Clemm acorre em seu auxilio e leva-o com ela para o campo.

Em Fordham a família habita uma casa modesta, vivendo, na mais completa indigência, da caridade dos vizinhos e dos donativos de algumas pessoas generosas. Para Poe, os períodos de trabalho alternam com fugas para os lugares mais estranhos, onde vai cortejar antigas e novas amásias ou emborrachar-se. A 30 de janeiro de 1847 Virgínia morre. Em sua memória, Poe escreve o dolorido “Ulalume”.

A asa negra da morte

Tendo abandonado Fordham, Poe entrega-se mais uma vez à vida caótica de declamador. Após ter declarado inutilmente o seu amor a uma amiga de Virgínia, a senhora Shew (depressa esquecerá a mulher), faz a corte simultaneamente à senhora Richmond e à senhora Whitman. Depois de breve indecisão, a sua escolha recai na última. A senhora Whitman, ao que parece, o aceita com entusiasmo. Muito menos entusiastas se mostram os seus parentes próximos, constrangidos a pôr pela porta  fora o peta bêbado. Poe desata então a escrever cartas inflamadas à senhora Richmond, e em 1 de julho de 1849 parte  a juntar-se-lhe em Lowell, no Massachusetts. Porém, em Filadélfia vai reencontrar antigos camaradas dos copos, embebeda-se sistematicamente, sofre uma crise de “delirium tremens”, tenta por duas vezes suicidar-se.

Em 7 de julho volta a Fordham, para junto de mamã Clemm. Mas imediatamente o recupera a agitação. Em julho mesmo já se encontra em Richmond, onde reencontra a sua antiga namorada, Elmira Royster, tornada viúva Shelton. Na sequência de uma corte rápida, mas impetuosa, a data do casamento é fixado para 17 de outubro. Edgar deixa de beber e de se intoxicar. Chega mesmo a inscrever-se na Liga dos Filhos da Temperança. É a calma aparente antes da tempestade final.

A 27 de setembro, desse mesmo ano, parte para Nova Iorque. Vai convidar Mamã Clemm a assistir ao casamento. Em Baltimore, embriaga-se. Volta a partir, mas num comboio desmaia e um fiscal reenvia-o a Baltimore. Jamais se virá saber o que foram os últimos dias de sua vida. A 3 de outubro descobrem-no numa valeta, perto de Hight Street, sujo, andrajoso, inconsciente. Transportado para o Hospital Washington, morre em 7 de outubro de 1849, às 5 horas da manhã.

“Eu não fui desde a infância jamais
Semelhante aos outros. Nunca vi as coisas
Como os outros as viam. Nunca logrei
Apaziguar minhas paixões na fonte comum
Nem tão-pouco extrair dela os meus sofrimentos.
Nunca pude em conjunto com os outros
Despertar o meu peito para as doces alegrias,
E quando eu amei fi-lo sempre sozinho.
Por isso na aurora da minha vida borrascosa
Evoquei com fonte de todo o bem e todo o mal
O mistério que envolve, ainda e sempre,
Por todos os lados, o meu cruel destino (...)”
Edgar Allan Poe


ESOPO


Esopo era um escravo de rara Inteligência que servia à casa de um conhecido chefe militar da antiga Grécia. Certo dia, em que seu patrão conversava com outro companheiro sobre os males e as virtudes do mundo, Esopo foi chamado a dar a sua opinião sobre o assunto, ao que respondeu seguramente:

__Tenho a mais absoluta certeza de que a maior virtude da Terra está à venda no mercado.

__Como?  _ perguntou o amo, surpreso _ Tens certeza do que estás falando? Como podes afirmar tal coisa?

__Não só afirmo, como, se meu amo permitir, irei até lá e trarei a maior virtude da Terra.

Com a devida autorização do amo, saiu Esopo e, dali a alguns minutos, voltou carregando um pequeno embrulho. Ao abrir o pacote, o velho chefe encontrou vários pedaços de língua e, enfurecido, deu ao escravo uma chance para se explicar.

__ Meu amo, não vos enganei _ retrucou Esopo __ A língua é, realmente, a maior das virtudes. Com ela podemos consolar, ensinar, esclarecer, aliviar e conduzir. Pela língua os ensinos dos filósofos são divulgados, os conceitos religiosos são espalhados, as obras dos poetas se tornam conhecidas de todos. Acaso podeis negar essas verdades, meu amo?

__Boa, meu caro __ retrucou o amo __ Já que és desembaraçado, que tal trazer-me agora o pior vício do mundo?

__É perfeitamente  possível, senhor. E com nova autorização de meu amo, irei novamente ao mercado e de lá trarei o pior vício de toda
Terra.

Concedida à permissão, Esopo saiu novamente e dali a minutos voltava com outro pacote, semelhante ao primeiro. Ao abri-lo, o amo encontrou novamente pedaços de língua. Desapontado, interrogou o escravo e obteve dele surpreendente resposta:
__Por que vos admirais de minha escolha? Do mesmo modo que a língua, bem utilizada, se converte numa sublime virtude, quando relegada a planos inferiores, se transforma no pior dos vícios. Através dela tecem-se as intrigas e as violências verbais. Através dela, as verdades mais santas, por ela mesma ensinadas, podem ser corrompidas e apresentadas como anedotas vulgares e sem sentido. Através da língua, estabelecem-se as discussões infrutíferas, os desentendimentos prolongados e as confusões populares que levam ao desequilíbrio social. Acaso podeis refutar o que digo? __ indagou Esopo.

Impressionado com a inteligência invulgar do serviçal, o senhor calou-se, comovido e, no mesmo instante, reconhecendo o disparate que era ter um homem tão sábio como escravo, deu-lhe a liberdade.

Esopo aceitou a libertação e tornou-se, mais tarde, um contador de fábulas muito conhecido da Antiguidade, cujas histórias até hoje se espalham por todo mundo.


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A Vida de Edgar Allan Poe. PARTE II.



Como foi trabalhado na postagem anterior, agora darei seguimento as exposições referentes à vida deste gigante da literatura mundial. Mas para que você possa aproveitar de forma satisfatória os conhecimentos depositados nestas postagens aconselho a leitura do primeiro trabalho “A vida de Edgar Allan Poe. PARTE I”, e então de seguimento aos estudos nas próximas postagens.

Após abandonar a casa de seus pais adotivos, Edgar parte para Boston, e com o dinheiro da sua mãe adotiva apressa-se a fazer editar uma compilação de poesias compostas na Universidade: “Tamerlão e outros poemas, escritos por um Bostoniano”. Em torno do livro gera-se o mais absoluto silêncio. Decepcionado, o poeta desaparece durante algum tempo. Quando reaparece, conta a quem quer ouvi-lo que esteve na Grécia a lutar pela liberdade, como o fizera o seu ídolo, o poeta inglês Byron. Em seguida ter-se-ia dirigido a S. Petersgurgo e sucessivamente à Itália, à França e à Alemanha. Em boa verdade, nunca saíra da América. Alistara-se como simples soldado, sob o nome de Edgar A. Perry, “empregado de escritório em Boston, olhos cinzentos, cabelos escuros, pele clara, 1,70 m de altura”. Assim o identifica, sem equívoco possível, o registro militar em 26 de maio de 1827. Após um período de instrução, “Edgar Perry” é transferido para a guarnição da Ilha Sullivan, na Carolina do Sul, paisagem desolada onde alguns anos mais tarde Poe situará a ação de um dos seus primeiros contos, “O Escaravelho de Ouro”.

O serviço não é estafante, e Edgar dispõe de muito tempo livre para compor o seu poema “Al Aaraaf”. Graças à sua bela caligrafia e à sua boa conduta, o soldado “Perry” ganha os galões de primeiro-sargento. Volvidos, porém, alguns meses, já está saturado desta vida e requer o seu licenciamento. Deseja entrar na Academia Militar de West Point para se tornar oficial. Para se libertar, contudo, das obrigações que contraíra, tem que pagar a um substituto que terminará o tempo de seu serviço em seu lugar. Recorre obviamente a John Allan, que recusa de entrada enviar-lhe a soma solicitada. Decidirá, no entanto aceder ao pedido do rebelde contrito após a morte da sua mulher, Frances, ocorrida em 28 de fevereiro de 1829. Na verdade, o luto marca uma aproximação momentânea dos dois “inimigos”. A 15 de abril de 1829, Edgar parte finalmente para Washington, com algumas cartas de apresentação e empenho de seu pai adotivo.

O irmão de Edgar que foi adotado por outra família, Henry Wadsworth Longfellow.

No Ministério, porém, as formalidades arrastam-se, e o jovem decide dar um salto a Baltimore, a fim de aí travar conhecimento com seu irmão Henry, oficial da Marinha. Instala-se em casa de Maria Clemm, irmã de seu pai, e passa o tempo a escrever, a discutir literatura com Henry e a jogar com a sua priminha Virgínia. É este um dos raros períodos felizes da sua vida. A sorte sorri-lhe também no campo literário. Na sequência de uma apreciação favorável do crítico John Neal e da sua publicação na “Yankee and Boston Literary Gazette”, o seu poema “Al Aaraaf”, é editado com Tamerlão e Outros Poemas. Não é evidentemente ainda a glória, mas pelo menos Edgar já não é um desconhecido no mundo das letras.

 John Kennedy Pendleton, amigo, benfeitor e protetor de Edgar.

Pouco depois o poeta precoce entra em West Point. Nos primeiros meses declara-se “extremamente satisfeito com tudo e todos”. Mas não tarda que a falta de dinheiro e a vida dispendiosa que ele sustenta para afinar pelo diapasão dos seus camaradas mais ricos o obriguem a contrair dívidas que, como de costume, John Allan se recusa a pagar. O negociante voltara, aliás, a casar recentemente e estava finalmente à espera de um herdeiro legítimo. Não podendo mais contar com a fortuna de Allan, Edgar resolve abandonar a Academia. Começa a faltar às aulas, deserta do posto da guarda. A 28 de janeiro de 1831, o Tribunal Militar expulsa-o ignominiosamente de West Point. Edgar dirige-se sem perda de tempo a Nova Iorque, para aí fazer editar um novo livro, “Poemas”, utilizando para esse efeito dinheiro extorquido aos seus camaradas da Academia. Não logrando obter um emprego em Nova Iorque, Edgar vê-se forçado a partir para Baltimore e a instalar-se de novo em casa de sua tia Clemm. Os juízos dos biógrafos de Poe acerca desta mulher são contraditórios. Baudelaire vê nela “o anjo bom do poeta” e Slater o “vampiro do amor” que o domina. Como quer que seja, Maria Clemm ajuda-lo-á a vencer muitas crises.

A tia de Edgar, Maria Plemm.

Poe passa todo o inverno em casa da tia Clemm. Sustenta com uma jovem vizinha, Mary Devereaux, uma intriga sentimental muito séria, que, aliás, termina bruscamente quando o noivo perfeito se apresenta em casa da jovem perdido de bêbado e é posto porta fora. Enfim, em 1833 obtém o primeiro sucesso concreto. Edgar ganha o prêmio de 50 dólares num concurso organizado pelo “Saturday Visiter”, de Baltimore com o seu conto “Manuscrito encontrado numa garrafa”. O crítico Kennedy, membro eminente do júri, simpatiza fortemente com o jovem autor e recomenda-o ao diretor do “Southern Literary Messenger” de Richmond, Thomas White, que o contrata imediatamente como redator para todo o serviço. 

Thomas Willis White, diretor do jornal "Southern Literary Messeger", que contrata Edgar como redator.

É assim que Edgar volta para Richmond, onde, entretanto (27 de março de 1834) o seu pai adotivo morrera sem sequer o mencionar no seu testamento. Decidido a conquistar a glória, Poe atira-se ao trabalho com toda a gana e toda a paixão de que é capaz. “Agora sou feliz, tenho na minha frente uma excelente expectativa de triunfo” escreve ele a Kennedy. Porém, alguns meses volvidos os seus sentimentos já mudaram. “Nesta altura encontro-me num estado verdadeiramente lastimoso. Sofro de uma depressão mental como jamais experimentei. Tenho lutado em vão contra a melancolia. Encontro-me, pois, num estado miserando, e ignoro porquê.” Começa a beber e perde o gosto pela profissão. Thomas White despede-o. Mas readmite-o em 1835, sempre a pedidos reiterados de Kennedy.  Desta vez Edgar chega a Richmond acompanhado de Maria Clemm e de Virgínia, melhor, Virgínia Poe. Com efeito, a 22 de setembro a priminha tornara-se secretamente sua mulher. Tem apenas 13 anos! Edgar entrega-se a um trabalho tenaz e duro, a tiragem do jornal aumenta vertiginosamente, e White nomeia-o redator-chefe, como o ordenado mensal de 800 dólares.

A esposa de Edgar Virgínia Clemm.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A vida de Edgar Allan Poe. PARTE I.


Edgar Allan Poe, em 1833.

Edgar Allan Poe nascido em Boston, Massachusetts, Estados Unidos, em 19 de Janeiro de 1809 e falecido em Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário americano, integrante do movimento romântico americano. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difícil. Acompanhe nas próximas linhas a vida deste homem e sua paixão pelas letras, contos e histórias.

Filho de atores ambulantes tísicos e dados à bebida, Edgar Poe vem ao mundo, começa a falar e logo a viajar nas carroças desconjuntadas das companhias teatrais que trilham pistas ainda incipientes e descem lentamente os rios a bordo de vetustos barcos fluviais. Bem cedo trava conhecimento com os escolhos da vida, no meio de bagagens em profusão e de cenários pintados à pressa e ao acaso de noites dormidas à luz das estrelas. Realidade e fantasia, vida e movimento, estão, estão constantemente para ele nas fronteiras do sonho. Assim se instilou nas suas veias esse instinto de “Grande Vagabundo” que toda a vida o impulsionará.

O pai, David Poe Junior, provém de uma família que distinguiu durante a Guerra da Independência Americana. Destinado pelos seus à magistratura, tudo abandonou para seguir no tablado uma jovem atriz europeia, Elizabeth Arnold. David, ator menos que medíocre, é, além disso, um alcoólatra. O casal vive miseravelmente. Nascem-lhe sucessivamente três filhos: William Henry, em 1807, Edgar, a 19 de janeiro de 1809, e Rosalie, a 20 de dezembro de 1810. David desaparecerá alguns escassos meses após o nascimento de Edgar, deixando à mulher, tísica e esgotada pelos partos seguidos, o esmagador encargo da família.

Elizabeth encontrava-se em Boston, cidade nada hospitaleira. Então parte à aventura para o Sul, arrastando atrás dela os dois filhos mais novos. A última etapa do seu doloroso calvário é Richmond, na Virgínia. A 7 de Dezembro de 1911, a imprensa anuncia uma récita de beneficência em favor de Elizabeth. Elizabeth Arnold Poe morre a 8 de Dezembro, com a idade de 24 anos. Os seus filhos são desde então confiados aos cuidados da companhia. Para Edgar foi o primeiro passo para uma terrível familiaridade com a morte.

Escassos dias após a morte da mãe, outro acontecimento trágico vem atingir os infelizes órfãos. Na noite de Santo Estevão o teatro de Richmond é pasto de um incêndio no qual sessenta espectadores encontraram a morte. Os atores veem-se forçados a ir procurar o pão noutras paragens. Confiam, por isso, os dois meninos Poe à caridade da burguesia citadina. Rosalie é adotada por um comerciante rico, William Mackenzie. Frances Keeling Valentine, esposa do abastado negociante John Allan, encarrega-se do rapazinho. Não tem filhos e leva o pequeno Edgar para o seu lar, um enorme edifício branco. Apesar da oposição larvada do senhor Allan, Edgar é batizado na igreja presbiteriana, e acrescentam-lhe ao nome o do seu pai adotivo. Na verdade a adoção nunca será oficialmente homologada.


A esquerda a mãe biológica de Edgar, Elizabeth Arnold e a direita a mãe adotiva Frances Allan. 

Aos 6 anos o filho dos saltimbancos sabe ler, desenhar e cantar. Frances Allan e sua irmã, Anne Moore Valentine, cercam-no de um afeto sufocante, exclusivista satisfazendo-lhe todos os seus caprichos.

Em 1815, no dia imediato ao da derrota de Napoleão, John Allan resolve ir instalar-se na Inglaterra para dar um novo impulso aos seus negócios, seriamente comprometidos pela Segunda Guerra da Independência Americana e pelos efeitos do bloqueio naval das costas americanas pelos ingleses. Os Allan desembarcam em Liverpool após uma travessia de trinta e seis dias. Edgar vai primeiro a Irvine, na Escócia, a casa de uma tia do seu pai adotivo, a piedosa e severa Mary Allan, depois a Londres, onde frequentava a escola das meninas Dubourg. Em seguida é transferido para o Colégio do Reverendo Bransby, em Stoke Newington, uma aldeia .


John Allan, pai adotivo de Edgar.

Em 1820 John Allan decide regressar à América. Os negócios não lhe correm como ele esperava. Edgar entretanto aprendeu algumas noções de francês, de latim, de história e literatura. É pouco. Mas, em compensação, a sua imaginação febril foi impressionada pelos velhos castelos misteriosos, pelas casas decrépitas, pelas caves úmidas e escuras.

É às suas experiências de criança emotiva e medrosa que é necessário remontar para compreender verdadeiramente certos passos da sua obra: o gosto do macabro e misterioso, a atmosfera medievalista de seus contos.

De volta a Richmond, Edgar frequenta a Escola Clássica Inglesa, do latinista Clark, e apaixona-se pela mãe de um de seus camaradas, Jane Stanard, que morrerá alguns meses mais tarde tuberculosa e louca. É o começo de uma interminável série de dedicações, de exaltações amorosas platônicas, que se seguirão e encadearão desordenadamente através de toda a existência do poeta. Pouco depois, com efeito, Edgar apaixona-se por uma jovem vizinha, Sarah Elmira Royster. Papá Royster apressa-se a casar a filha com um rico e velho comerciante, um tal Shelton. Em fevereiro de 1826, John Allan inscreve o filho na Faculdade de Línguas Mortas e Vivas da Universidade da Virgínia. Ali precisamente como nos colégios ingleses da época, os jogos de azar, o álcool, o ópio, o láudano, as mulheres e os duelos são as principais distrações dos estudantes.

Na sua sede insaciável de brilhar e impressionar, Edgar depressa esgota os dólares com que John Allan o presenteou, mas nem por tal razão abandona os seus vícios. Começa a contrair dívidas de jogo, e não paga nem aos seus alfaiates nem seus outros fornecedores. Pelo Natal do mesmo ano, Edgar trava uma discussão tempestuosa com o pai. John Allan recusa-se a pagar-lhe as dívidas, retira-o da Universidade e tenta fazê-lo imiscuir nos negócios. Em vão. As perpétuas discussões entre pai e filho só terminam em 24 de março de 1827, quando Edgar abandona com desdém a casa dos Allan para se refugiar num sórdido hotel, a ‘Taberna de Richardson’. Para ele é o adeus definitivo à riqueza e ao sólido ambiente burguês. Doravante será forçado a lutar para sobreviver. Dirige ao pai adotivo uma carta cheia de indignidade, mas Allan nem sequer lhe responde. Frances Allan intercede inutilmente  em seu favor, mas apenas logra fazer-lhe chegar à taberna as suas bagagens e algum dinheiro.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Esqueletos acorrentados - Os membros da Rebelião de Cílon podem ter sido encontrados



O nos resta após a morte, além de poeira e ossos? O que nós nos tornamos depois que advém o inevitável fim? Uma triste verdade a respeito da condição humana é que nossa existência é meramente transitória. Do mais poderoso monarca, ao mais insignificante escravo, o destino de todos é um só.


Mas isso não significa que, nossa vivência não possa ser de alguma forma resgatada e compreendida pelas gerações futuras. Para muitos, essa é a única forma de imortalidade: a memória, o respeito e o interesse daqueles que nos sucedem.


Recentemente, arqueólogos trabalhando em um antigo cemitério no Delta do Rio Falyron, próximo de Atenas, capital da Grécia, fizeram uma descoberta ao mesmo tempo enigmática e aterrorizante. 


Oitenta esqueletos humanos foram enterrados lado a lado em uma cova comum no que deveria ser uma grande terreno baldio de solo pantanoso nos arredores da Cidade Estado. A princípio não parece ser uma notícia muito importante, já que covas coletivas eram algo corriqueiro no Mundo Antigo, frequentemente assolado por pragas, pestes e massacres. Contudo, é o fato desses esqueletos terem sido colocados na terra ainda usando grilhões de ferro que chama a atenção.


Os especialistas conjecturam que eles podem ter sido vítimas de uma execução em massa, entre os séculos VIII e V antes de Cristo. Contudo, não há como saber ao certo quem eles eram e porque passaram por tão estranha modalidade de execução. A descoberta é única, e constitui uma forma incomum de punição nas cidades estado da Grécia Antiga.


Arqueólogos supõem que o crime praticado tenha sido de enorme gravidade para que eles enfrentassem um fim tão incomum. 


As vítimas aparentemente foram escoltadas, puxando e arrastando suas correntes para uma área cerca de um quilômetro e meio fora da cidade antiga. Lá eles foram perfilados lado a lado e atingidos por um objeto contundente, supostamente uma clava ou bastão na cabeça. Os crânios apresentam ferimentos condizentes com esse tipo de golpe, mas há indícios que alguns tenham sido simplesmente atirados no buraco e enterrados vivos, já que os ferimentos não teriam força suficiente para matar. Alguns esqueletos estavam perfeitamente depositados na terra, com pernas e braços dobrados, mas outros, indicavam terem de alguma forma resistido. Além disso, eles parecem ter morrido ao mesmo tempo, o que reforça a teoria de uma execução coletiva.


Um elemento no qual os pesquisadores estão se concentrando é se certificar que os restos das correntes realmente não se assemelham ao que era usado em escravos no período. A primeira suspeita dos historiadores era que os homens poderiam ser escravos rebeldes, condenados à morte por matarem seus senhores. Contudo, os primeiros exames apontaram para o fato de todos os esqueletos, pertencerem a homens jovens e com boa saúde no momento de sua execução. Uma condição que não se enquadra em uma descrição típica de escravos ou servos - mesmo os gregos que eram significativamente mais bem tratados. 


As correntes restringiam os prisioneiros, sendo fixadas no pulso direito e no tornozelo esquerdo de cada um deles. Nenhuma ossada pertencia a pessoas "acostumadas a vestir" ferros de restrição e muito provavelmente não se tratavam de trabalhadores rurais ou indivíduos envolvidos com atividade marcial. Além disso, todos eram bastante jovens, tendo entre 16 e 27 anos aproximadamente.

O contexto histórico, concede as melhores pistas do motivo pelo qual a execução possa ter ocorrido naquela região em especial. Stella Chryssoulaki, responsável pela escavação contou a Reuters o seguinte:


"Este foi um período de grande instabilidade para a sociedade ateniense, um período em que aristocratas e nobres estavam batalhando uns contra os outros por poder e prestígio político. Ter uma opinião forte ou defendê-la poderia ser algo extremamente perigoso nessa época."


Mais notável, o período em que o cemitério foi usado, coincide com a Rebelião de Cílon em meados de 632 a.C. O incidente, que é um dos primeiros acontecimentos datados de forma confiável na História da Grécia, se refere a uma tentativa mal sucedida de golpe tentado pelo aristocrata e campeão olímpico Cílon, para derrubar de forma violenta a elite ateniense. Cílon aliado ao seu sogro Teágenes, foi motivado pelas palavras do Oráculo de Delfos que o aconselhou a tomar o Poder durante o Festival em Honra a Zeus (as Olimpíadas), quando ele seria favorecido pelos Deuses do Olimpo.


A rebelião, entretanto, foi frustrada pelos guardas da cidade e os envolvidos tiveram de buscar refúgio no Templo de Atena dentro da Acrópole. Clamando por Santuário - a proteção da Deusa Atena concedida pelos sacerdotes - as portas foram abertas a eles e fechadas diante de seus perseguidores. Embora Cílon tenha escapado, um número desconhecido de seus seguidores ficaram confinados no templo. Se estes aceitassem se tornar religiosos, ficariam intocáveis. 


Mégara, o tirano da cidade prometeu que se eles se entregassem poderiam enfrentar um julgamento justo ao invés de serem imediatamente condenados à morte. Os rebeldes aceitaram deixar o templo, mas apenas depois que uma corda fosse atada a estátua de Atena e a um deles, representando uma lembrança de que eles estavam sob efeito do Santuário. Ocorre que segundo os registros da época, a corda se rompeu (ou foi cortada) e aqueles que os acusavam apontaram para o fato como um indicador de que Atena não desejava mais protegê-los.


O destino dos rebeldes é historicamente incerto, mas Heródoto Trucidides, historiadores que viveram na época afirmavam que eles teriam sido executados por Mégara, ainda que não exista qualquer menção de como e onde se deu a execução.


Um aspecto fascinante da lenda diz que Mégara e seus descendentes foram amaldiçoados por terem violado a Lei do Santuário, executando aqueles que suplicavam o auxílio de Atena. Além de ter sido banido de sua cidade, o tirano recebeu como punição um miasma ("mácula"), que seria herdada por todos seus filhos e netos. O miasma era uma corrupção de corpo e alma, uma mancha física e espiritual passada a todos que tivessem contato com Mégara e os seus descendentes. Plutarco teria escrito que o miasma do tirano e de seus filhos o compelia a andar nas sombras, longe da luz do sol, incomodado pelo fogo, sempre doente e com frio. Ainda segundo as lendas, ele não podia ser recebido em casa alguma, pelo temor de contaminação, oque sugere que ele possa ter contraído alguma doença desfigurante.


Muito embora, Mégara tenha retomado o poder de Atenas anos mais tarde, a maldição não foi anulada e ele governou por pouco tempo, sendo detestado por todos, inclusive seus antigos aliados. Quando Mégara morreu, seus filhos foram presos e executados, seus netos atirados ao mar para que a linhagem perecesse com ele. Alguns, no entanto sobreviveram, e segundo as lendas teriam se aliado aos Invasores Persas quando estes levaram seus exércitos até a Grécia com propósito de conquista.

Seria possível que os esqueletos acorrentados possam ser os restos dos homens que tentaram se rebelar? Chryssoulaki espera descobrir:


"É possível que com testes de DNA possamos dizer de que região da Grécia antiga vieram esses homens o que ajudaria a confirmar a hipótese de que esses indivíduos poderiam ser parte da Rebelião de Cílon, uma tentativa de tomada de poder que falhou".

Então, quem foram esses homens e o que aconteceu com eles? O que fizeram para enfrentar um destino tão terrível? 


Talvez eles tenham ousado um dia se erguer contra um Tirano e tenham sofrido por isso. Seus ossos são o único testemunho de que eles um dia ergueram suas vozes e seus punhos, talvez, se hoje forem lembrados, eles possam garantir sua imortalidade.


Eu sei o que vocês estão pensando: 


 (...) "o miasma do tirano e de seus filhos o compelia a andar nas sombras, longe da luz do sol, incomodado pelo fogo, sempre doente e com frio".

Nem preciso dizer o que isso parece, não é?

E mais, além da miasma, temos tantos elementos interessantes nessa estória, salientando que a parte da descoberta dos ossos e dos registros históricos são verdadeiros, o que nos faz imaginar como uma boa estória poderia ser montada ao redor disso tudo.
Outro detalhe: Cílon, sim, em inglês é "Cylon", e sim, é o mesmíssimo nome usado pela raça de implacáveis máquinas inteligentes, vistas na série Battlestar Galactica. O nome foi usado para designar essas máquinas e sua rebelião e tem tudo a ver com a Rebelião histórica de Cílon.

Para quem achava que "Cilônio" fosse um termo genérico criado por algum roteirista de série de TV, engana-se, alguém ali conhecia bem História Clássica.

sábado, 13 de agosto de 2016

O uso de documentos e a construção do conhecimento Histórico.



De modo geral, uma ideia do senso comum ainda predomina no universo escolar: a de que a disciplina História é uma “matéria fácil”, “qualquer um” pode lecionar; resume-se a decorar datas, nomes importantes e fatos políticos de relevância. O pior é constatar que essa forma de pensar revela-se notadamente como prática pedagógica, real, no cotidiano de milhares de professores de História espalhados pelo país. Fazer do ensino de História um mecanismo dinâmico para envolver os alunos na construção do conhecimento é um desafio para todos os professores. E um dos meios possíveis, dentre outros, para tentar superar o ensino tradicional é trabalhar com documentos em sala de aula. Nessa afirmação, encontra-se o objetivo do presente artigo: versar sobre o uso de documentos no ensino de História, revelando suas vantagens pedagógicas e apontando alguns procedimentos metodológicos indispensáveis ao professor quanto a sua aplicação em sala de aula. Para isso, apresentaremos um modelo de plano de aula para servir de exemplo didático.

Documentos no ensino de História

Um dos fundamentos principais do ofício do historiador é a análise de documentos. A historiografia no século XX ampliou as dimensões da pesquisa para o historiador ao valorizar todo e qualquer registro humano como uma fonte potencial de interpretação da sociedade. Os documentos, nessa perspectiva, são registros das ações humanas, seja de qualquer natureza: escritos, visuais, orais, monumentos etc.; são datados e localizados em tempos e espaços específicos; expressam o contexto histórico de uma dada época, pois revelam e evidenciam sentimentos, costumes, valores, ideologias etc.

No campo do ensino de História, trabalhar com documentos oportuniza aos alunos a possibilidade de compreender os sujeitos históricos e as realidades e formações sociais em seu devido tempo, em seu devido lugar. Em uma atividade didática, a qual se usa mais de um documento, como no nosso exemplo (ver plano de aula no final do artigo), o aluno terá a oportunidade de ler e confrontar os discursos, analisar as sujeitos, saberes e práticas. Semelhanças e diferenças entre eles, produzir as próprias opiniões e conclusões. O uso de documentos “(...) justifica-se pelas contribuições que pode oferecer para o desenvolvimento do pensamento histórico” [1].

A ideia que nutre e cimenta essa proposta é superar, fundamentalmente, a transmissão de conteúdos, cristalizados em diversos livros didáticos: “No ensino, espera-se que o aluno domine o fazer da pesquisa, saiba ler, interpretar e diferenciar documentos e linguagens, desenvolva suas habilidades operatórias, tornando-se um sujeito situado em seu tempo, com a dimensão da sua cidadania” [2]. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo, na área de História, sugerem que o aluno domine os procedimentos metodológicos de leitura e análise de documentos e das mais diversas linguagens.

Mas, em síntese, quais as principais vantagens pedagógicas de se trabalhar com documentos em sala de aula? Uma ressalva importante: neste artigo, delimitamos a nossa exposição ao documento escrito, embora nossa discussão teórica acerca de alguns procedimentos metodológicos, em parte, se aplique a toda categoria de documento; um filme, uma fotografia, uma música, porém, por sua vez, em virtude da natureza de cada um, diferem um pouco do documento escrito na forma de abordagem. Veremos, abaixo, em linhas gerais, algumas dessas vantagens.

A dinamização das aulas

Foge da mesmice da aula expositiva, prática que predomina no espaço escolar. O aluno deixa de ser um mero espectador para ser um sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem: O professor de História pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho necessárias; (...) ensinar o aluno a captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista. (...) A sala de aula não é apenas um espaço onde se transmite informações, mas onde uma relação de interlocutores constroem sentidos [3]. Essa prática redimensiona os papéis socais de professores e alunos: “(...) ensinar é estabelecer relações interativas que possibilitem ao educando elaborar representações pessoais sobre os conhecimentos, objetos de ensino e aprendizagem” [4].

O incentivo à preservação de documentos

O aluno será levado a perceber que, para onde direcionar o olhar, ele pode encontrar documentos: em casa, ao ver o álbum de fotografias da família, na escola, no monumento da praça, no arquivo municipal etc.; pode despertar no aluno o senso de ANAIS do III Encontro Estadual de História: Poder, Cultura e Diversidade – ST 04: História e Educação: sujeitos, saberes e práticas. Cidadania, reforçando a importância de preservar o patrimônio histórico: “(...) os vestígios do passado se encontram em diferentes lugares, fazem parte da memória social e precisam ser preservados com patrimônio da sociedade” [5].

A contribuição para a construção do conhecimento histórico

Lucien Febvre, em Combates pela História, deixou um alerta para o historiador: no ato de interpretar a realidade, “(...) é preciso saber pensar” [6]. No tocante à leitura crítica de documentos, esse “saber pensar”, grosso modo, é possuir habilidades para “desconstruir” os discursos explícitos e implícitos contidos nos registros históricos. Essa habilidade pode ser desenvolvida paulatinamente na sala de aula a partir de alguns procedimentos como comparar, observar, descrever, interpretar e elaborar perguntas, atividades que devem ser explicitadas e orientadas pelo professor. Não obstante, uma questão torna-se pertinente, agora. Circe Maria Fernandes Bittencourt chama a atenção dos professores quanto aos cuidados que ele deve ter quando usar um documento com fins pedagógicos. Na preparação da aula, o professor precisa estabelecer claramente seus objetivos e participar ativamente da coordenação da atividade, fazendo o elo entre o documento e o aluno; precisa também selecionar documentos que sejam compatíveis com a faixa etária e o nível dos alunos; o objetivo não é transformar o aluno, ainda na educação básica, em historiadores, mas, sim, propiciar os meios, para que ele tenha algumas noções básicas na arte de interpretar documentos [7].

Essa construção ocorre, sob a orientação do professor e a participação dos alunos, a partir de um processo de reflexão: a leitura criteriosa e o debate gerado em torno dos documentos, as respostas produzidas a partir do questionário proposto, atividade que objetiva direcionar o debate, as opiniões e conclusões construídas pelos alunos podem provocar a revisão de conceitos e de idéias preestabelecidas nos livros didáticos. Esse trabalho sistemático com o uso de documentos enquadra-se naquilo que Luiz Carlos Villalta chama de metodologia da investigação, um procedimento didático metodológico que visa atingir um conhecimento histórico constituído a partir de “(...) procedimentos de desconstrução, reconstrução e construção de discursos: submetem-se os documentos e testemunhos históricos à leitura e observação, à crítica interna e externa, à elaboração de sínteses parciais e a contraposição de uns com os outros” [8]; o papel do professor seria reconstruir o conhecimento histórico, facilitar o seu acesso sujeitos, saberes e práticas.  No entanto, vale ressaltar que essa construção do conhecimento histórico não é criar algo novo, superar o saber já existente acerca de um determinado assunto, mas possibilitar ao aluno a oportunidade de refletir sobre o tema em debate, mostrar que a interpretação histórica é uma construção social elaborada por homens em determinados contextos. Dito isso, vejamos agora o nosso plano de aula, seguido de um comentário explicativo da atividade.

Documentos em sala de aula: um exemplo didático [9]

Plano de aula

Conteúdo: Escravidão e servidão. Série/Nível: 8ª Série do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Objetivos: Analisar documentos em sala de aula; incentivar a prática de leituras de documentos entre os alunos; identificar as permanências e mudanças, semelhanças e diferenças, em tempos e espaços diferentes, das relações escravistas ao longo da história. Conceitos: Documento; Processo Histórico e Escravidão. Dinâmica/Metodologia: Formação de grupos; leitura dos documentos e discussão a partir das questões propostas: Debate (confrontando os documentos). Avaliação: Análise das respostas e dos comentários das questões da atividade e participação no debate.

DOCUMENTO 1 - Bíblia Sagrada. Eclesiástico, 33, 25-33. Livro escrito por volta de 200 a.C. na Palestina, por Jesus, escriba de Jerusalém, filho de Eleazar, filho de Sirac. Era usado na Igreja para instruir os fiéis quanto aos preceitos da vida cotidiana. O texto foi traduzido, originalmente, do grego (ele circulava no tempo dos apóstolos) pela Igreja. O livro não faz parte da Bíblia protestante. [Texto adaptado] [10] COMPORTAMENTO COM OS ESCRAVOS – Para o jumento o feno, a vara e a carga. Para o escravo o pão, o castigo e o trabalho. O escravo só trabalha quando corrigido, e só aspira ao repouso; afrouxa-lhe a mão, e ele buscará a liberdade. O jugo e a correia fazem dobrar o mais rígido pescoço; o trabalho contínuo torna o escravo dócil. Para o escravo malévolo a tortura e as peias; manda-o para o trabalho, para que ele não fique ocioso, pois a ociosidade ensina muitas malícias. Ocupa-o no trabalho, pois é o que lhe convém. Se ele não obedecer, submete-o com grilhões, mas não cometas excessos, seja com quem for, e não faças coisa alguma importante sem ter refletido. Se tiveres um escravo fiel, que ele te seja tão estimado sujeitos, saberes e práticas. 4 como a ti mesmo. Trata-o como irmão, porque foi pelo preço de teu sangue que o obtiveste. Se o maltratares injustamente, ele fugirá; se ele for embora, não saberás a quem perguntar, nem onde deverás procurá-lo.

DOCUMENTO 2 – GAIO. Instituições, I, 52/3. Jurisconsulto romano (Juiz), indivíduo que se encarregava de pensar e fundamentar as leis romanas. Nessa obra, fez uma importante exposição do Direito Romano. [Texto adaptado][11] A respeito de escravos – “Os escravos devem estar submetidos ao poder de seus amos. Esta espécie de domínio já é consagrada no direito dos povos; pois podemos observar que, de um modo geral, em todos os povos, o amo tem sobre os escravos poder de vida e de morte, e tudo aquilo que se adquire por intermédio do escravo pertence ao amo. Mas, hoje em dia, não é permitido nem aos cidadãos romanos, nem a nenhum dos que se acham sob o império do povo romano, castigar excessivamente e sem motivo os escravos. Pois, em virtude de uma constituição do imperador Antonino, aquele que matar sem motivo seu próprio escravo é passível de sanção, da mesma forma que aquele que mata o escravo de outrem. Mesmo um rigor demasiado severo dos amos é reprimido por uma constituição do mesmo príncipe; com efeito, consultado por certos governantes de províncias a respeito da conduta a adotar para com os escravos que procuram asilo nos templos dos deuses ou junto às estátuas dos príncipes, ele decretou que, se a severidade dos amos resultasse intolerável, estes deveriam ser obrigados a vender seus escravos”.

DOCUMENTO 3 – Como se há-de haver o senhor do engenho com seus escravos. Texto de Cultura e opulência do Brasil, escrito em 1711 por João Antônio Andreoni, sob o pseudônimo de André João Antonil. O autor nasceu em 1649, na Itália. Faleceu na Bahia, em 1716. Veio ao Brasil em 1681, como membro da Companhia de Jesus. A obra só foi publicada integralmente no Brasil em 1837. [Texto adaptado][12] Capítulo IX – “Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles, no Brasil, não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. (...) No Brasil costumam dizer que para o escravo são precisos três PPP, a saber, pau, pão e pano. (...). Não castigar os excessos que eles cometem seria culpa não leve, porém, estes se hão-de averiguar antes, para não castigar inocentes, e se hão-de ouvir os delatados e convencidos, castigar-se-ão com açoites moderados ou com os meter em uma corrente de ferro, por algum tempo, ou tronco. Castigar com ímpeto (...) e chegar talvez aos pobres com fogo ou lacre ardente, ou marcá-los na cara, não seria para se sofrer entre bárbaros, muito menos entre cristãos católicos. O certo é que, se o senhor se houver com os escravos como pai, dando-lhes o necessário para o sustento e vestido e algum descanso no trabalho, se poderá também depois haver como senhor, e não estranharão, sendo convencidos das culpas que cometeram, de receberem com misericórdia o justo e merecido castigo. (...) E bem é que saibam que isto lhes há-de valer, porque de outra sorte fugir por uma vez para algum mocambo no mato e, se forem apanhados, poderá ser que se matem a si mesmos, antes que o senhor chegue a açoitá-los ou que algum seu parente tome a sua conta a vingança, ou com feitiço ou com veneno (...)”.

DOCUMENTO 4 – É uma matéria atual, “Nova servidão”, escrita pelo jornalista Leonardo Sakamoto, em 2002, e publicada na revista Problemas Brasileiros, de São Paulo. “Nos dias 13 e 14 de dezembro passado, foram resgatados 54 trabalhadores rurais que estavam sob condições degradantes de trabalho na fazenda Peruano, município de Eldorado dos Carajás, sudeste do Pará. (...) Pessoas não eram pagas havia meses, recebendo apenas arroz, feijão e alojamento – pequenas barracas de madeira, palha ou lona, em que se amontoavam 10, 20 redes. A água, suja e imprópria, servia para consumo, banho e lavagem de roupa. (...) José Carlos Filho, 62 anos, foi encontrado doente na rede de um dos alojamentos e internado às pressas. Tremia havia três dias, não de malária ou de dengue, mas de desnutrição. No hospital, contou que estava sem receber fazia três meses, mesmo já tendo finalizado o trabalho quase um mês antes.

O gato teria dito que descontaria de seu pagamento as refeições feitas durante esse tempo parado. Vida de gado – A pele de Manuel se transformou em couro, curtida anos a fio pelo sol da Amazônia e pelo suor de seu rosto. (...) Trabalhava de domingo a domingo, mas nada de pagamento, só feijão, arroz e a lona para cobrir-se de noite. Um outro tipo de cerca, com farpas que iam mais fundo, o impedia de desistir: “O fiscal de serviço andava armado [gato]. Se o pessoal quisesse ir embora sem terminar a tarefa, eles ameaçavam, e aí o sujeito voltava”. Na hora de acertar as contas, os gatos informaram que Manuel e os outros tinham "comido" todo o pagamento e, se quisessem dinheiro, teriam de ficar e trabalhar mais. “Eles dizem que a lei não entra na fazenda.”

Comentário

O professor precisa entregar aos alunos um roteiro de perguntas para orientar a discussão; deve apresentar sucintamente algumas informações acerca de cada documento: seria uma espécie de sinopse, com indicações de autor, da origem e da data do texto. Antes, deve pedir aos alunos que leiam com atenção, observando detalhes importantes e fazendo anotações. Um primeiro eixo de perguntas deve descrever os documentos: quando foram escritos? Qual a diferença, em anos, de um documento para o outro? Quem escreveu? Qual o título de cada documento? O segundo eixo de perguntas consiste na análise interna dos documentos: qual a temática central de cada um? Segundo o documento 1, como o senhor deve tratar o escravo? No texto 2, comente como deve ser a relação cidadão/escravo. Há alguma semelhança com o documento 1? No texto 3, o que quer dizer a seguinte expressão: “Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho” ? No texto 3, há sinais e indicações de algumas formas de resistência dos escravos? Comente. Quanto ao texto 4, as condições de trabalho são parecidas com a dos escravos? Comente. Que sujeitos aparecem nos documentos? Em linhas gerais, quais as semelhanças e diferenças entre os documentos? O documento 1 e 2 apresentam algumas semelhanças quanto ao tratamento dispensado aos escravos: falam em castigos, que devem ser firmes quando necessário, mas sem cometer excessos injustamente. O documento 1 revela que “a ociosidade ensina muitas malícias”, portanto, fala em resistência e suas mais variadas formas. O documento 3 caminha nessa mesma linha: no texto aparece a preguiça, a fuga, a vingança contra os senhores, o suicídio e o feitiço como formas de resistência. No documento 4, as condições de trabalho e de sobrevivência dos trabalhadores na fazenda Peruano apresentam semelhanças gritantes com os escravos dos documentos 1 e 3. Nele, aparece a figura do gato, que anda armado e intimida os trabalhadores; lembra a figura do capataz e do capitão do mato no Brasil colonial. Em síntese, muitas questões podem ser abordadas, conceitos podem ser construídos e revistos a partir do confronto entre os documentos.

Uma atividade didática com documentos, a exemplo do plano de aula ora exposto, apresenta algumas vantagens: oferece uma visão de diversos contextos históricos, evidenciando a construção de discursos e os mecanismos ideológicos que justificam a escravidão até chegar ao presente, a realidade do contexto social próxima do aluno; revela aos alunos que a história da sociedade humana é pura transformação, um processo complexo de mudanças, mas também de permanências; mostra que a escravidão não é uma prática morta e enterrada no passado, mas que determinadas características e situações concretas de trabalho compulsório encontram-se presentes ainda, guardadas as devidas proporções, em algumas regiões do mundo e do Brasil; revela aos alunos que a história “não caminha” numa perspectiva linear, pois “O conhecimento histórico procura ver (...) as mudanças e as permanências pelas quais passam ou passaram as diferentes sociedades humanas.”[14].